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O projecto-piloto de extensão rural do Andulo (Angola): conhecimento, desenvolvimento e contra-subversão

The Pilot Project of Rural Extension in Andulo (Angola): Knowledge, Development and Counter-Insurgency
Le project pilote d’extension rurale en Andulo (Angola): savoir, développement et contre-insurgencie
Cláudia Castelo
p. 153-178

Resumos

O projecto-piloto de extensão rural do Andulo (Bié, Angola) tem sido apresentado como instrumento ao serviço da contra-subversão portuguesa no contexto da guerra colonial e está sobretudo associado ao engenheiro alemão Hermann Pössinger, seu proponente e orientador técnico. Com base numa pesquisa em fontes de arquivo, no método biográfico e na história oral, apresenta-se uma história mais complexa e global dessa experiência, seguindo e conectando percursos profissionais e institucionais. Verifica-se que o projecto se insere numa circulação que envolve a América, a Europa e a África, beneficiou do trabalho prévio da Missão de Inquéritos Agrícolas de Angola, teve subjacente o conhecimento das estruturas sociais e económicas dos Ovimbundu e uma visão de desenvolvimento integral dos camponeses africanos. A dimensão participativa e potencialmente emancipadora do projecto reenvia-nos para a contradição dialéctica da política colonial portuguesa nas vésperas do fim do Império.

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Notas do autor

A pesquisa foi realizada no âmbito do projecto IF/00519/2013. A elaboração do artigo foi co-financiada pelo FEDER – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional através do COMPETE 2020 – Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (POCI) e por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do projecto “Os mundos do (sub)desenvolvimento: processos e legados do império colonial português em perspectiva comparada (1945-1975)”, PTDC/HAR-HIS/31906/2017 – POCI-01-0145-FEDER-031906. A autora agradece a leitura crítica de Andreas Stucki e os comentários dos revisores anónimos.

Texto integral

1A extensão rural é um processo de educação não formal, visando a transmissão de conhecimentos ao agricultor para que este consiga melhorar as suas condições de vida. Pode organizar-se de várias maneiras e historicamente conheceu diferentes abordagens (Swanson e Claar 1991). Na África colonial, a assistência técnica agrícola, em articulação com estações experimentais, teve um carácter sobretudo paternalista e coercivo, com vista ao aumento da produção de culturas de rendimento. No entanto, desde o período entreguerras, os governos coloniais procuraram implementar modelos de desenvolvimento rural assentes em conhecimento científico, mais atentos às necessidades dos agricultores africanos e que os envolvessem (cooperativas, sociedades de crédito, mutualidades). No pós-guerra e até às independências, o “desenvolvimento comunitário” nas colónias britânicas (favorecido pelos Estados Unidos da América e ampliado pelas organizações internacionais) e a “animação rural” nas colónias francesas foram “privilegiados como modelo de acção não revolucionária no contexto da Guerra Fria e da ascensão dos nacionalismos” (Chaveau 1992, 4). Apesar da sua conotação democrática, aqueles conceitos serviram para abarcar experiências díspares na era da descolonização, inclusive de pendor autoritário (Meister 1970, 145).

2Neste artigo analisa-se o projecto-piloto de extensão rural do Andulo e Nharea (distrito do Bié), lançado em Outubro de 1969 pelo governo-geral de Angola, procurando inscrevê-lo numa “história global das ciências” (Roberts 2009). A pesquisa empírica abarcou fontes primárias manuscritas existentes em diversos arquivos portugueses, fontes primárias publicadas e documentos inéditos. O trabalho heurístico permitiu apurar alguns dados novos. Houve especial cuidado em ler as fontes nas entrelinhas, atendendo aos constrangimentos à liberdade de expressão e ao elevado grau de compromisso e dissimulação nos enunciados públicos impostos pelo contexto da ditadura e da guerra. Para detectar ambiguidades e subtilezas silenciadas ou veladas na documentação oficial, entrevistaram-se técnicos ligados directa ou indirectamente à experiência da extensão rural em Angola.

  • 1 Francisco Sá Pereira, Depoimento. Entrevista concedida a Cláudia Castelo, Alpedrinha, 6.10.2014. Da (...)

3Entre as fontes publicadas destacam-se os relatos coevos elaborados pelo orientador técnico da experiência, o agrónomo alemão Hermann Pössinger, pela Missão de Inquéritos Agrícolas de Angola (MIAA) e pela Missão de Extensão Rural de Angola (ERA). Pössinger, em artigos científicos, apresentou a extensão como uma tentativa de parar a decadência socioeconómica dos Ovimbundu, o segmento populacional maioritário no Planalto Central de Angola, e permitir-lhes iniciar uma nova fase de desenvolvimento sobretudo baseado no melhor uso dos seus recursos agrícolas (1973, 1986) e como uma iniciativa anticolonial e emancipadora (1975). O tema foi abordado pelo africanista norte-americano Gerald Bender (1980, 261-266), que fez trabalho de campo em Angola em 1969, contando com o apoio dos técnicos da MIAA. Bender, que entrevistou Pössinger em Munique, equacionou a extensão rural no quadro do “dilema do desenvolvimento versus controle” vivido durante a guerra colonial, situando-a na oposição à concentração forçada das populações do Planalto Central, lançada pelo poder político-militar português. Porém, a extensão rural foi desde a sua génese apresentada – pelo próprio Pössinger (1969, 1974), frise-se – como parte da estratégia de contra-subversão portuguesa e dessa forma encarada quer pelas autoridades portuguesas, quer pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).1 A associação entre extensão rural e contra-subversão tem eco em trabalhos historiográficos recentes sobre políticas desenvolvimentistas e violência colonial (Jerónimo 2017, 125-126; Stucki 2019, 85-87).

  • 2 Uma síntese do conceito de circulação, aplicado à Revolução Verde, em Harwood (2017, 10-15).

4Este trabalho procura acrescentar uma nova camada interpretativa às leituras disponíveis sobre o projecto-piloto de extensão rural em Angola. Extravasando a história nacional e colonial, coloca em evidência as imbricadas relações entre conhecimento científico, desenvolvimento e colonialismo tardio e a circulação transnacional de técnicos, ideias e práticas (Hodge 2007, 207-276; Unger 2018, 49-78).2 Na primeira secção, na senda de Zimmerman (2013, 331), propõe-se uma história multissituada, que segue os percursos dos principais envolvidos e mapeia as conexões entre eles num quadro espácio-temporal dilatado. Na segunda secção, aborda-se o projecto-piloto no panorama técnico-científico imperial e traça-se a sua evolução. Na terceira secção, discute-se a visão de desenvolvimento subjacente ao programa de extensão e os seus limites no âmbito da política tardo-colonial portuguesa, da guerra e da contra-subversão. Na última secção, com base em fontes inéditas produzidas por e com um dos dirigentes do projecto-piloto e em fontes escritas oficiais, identificam-se algumas potenciais “histórias africanas” da extensão que urge explorar (Zimmerman 2013, 340).

1. Seguindo Pössinger, intersectando outros percursos

  • 3 Quando não há referência em contrário, os elementos biográficos apresentados a seguir foram consult (...)

5Hermann August Pössinger (1924-2005?) aparece invariavelmente como o promotor da extensão rural em Angola, mas o contributo de outros actores não deve ser negligenciado, como veremos a seguir.3 Natural de Amorbach, Alemanha, frequentou o curso de Agronomia na Universidade Técnica de Munique entre 1947 e 1951. Trabalhou no Brasil de 1952 a 1962: primeiro na administração de fazendas de café e de gado no Paraná; depois na Associação de Crédito e Assistência Rural do Estado de Santa Catarina (ACARESC). Esta foi criada em 1956, com a participação técnica e financeira do Escritório Técnico de Agricultura (ETA), que funcionava em conjunto com o Ministério da Agricultura e pertencia ao Programa de Cooperação Técnica Brasil-Estados Unidos da América, no quadro da ajuda norte-americana ao sector agrícola dos países “subdesenvolvidos”, onde se temia a penetração dos ideais comunistas (Viebrantz 2008). O objectivo era a vulgarização entre a população rural de estratégias educativas informais que contribuíssem para consolidar o modelo capitalista de produção agrícola. Este era considerado a via para a modernização, ultrapassando o “atraso” da agricultura “tradicional”. Considerava-se que o aumento da produtividade para o mercado (designadamente para a agro-indústria) garantiria melhores condições de vida aos agricultores. A extensão rural em Santa Catarina teve um importante papel na introdução de tecnologias agrícolas modernas e na disponibilização de crédito aos agricultores.

6De 1962 a 1969, novamente na Alemanha, Pössinger foi investigador em agricultura e economia tropicais do Departamento de Estudos Africanos do IFO – Institut fur Wirtschaftsforshung (Instituto de Pesquisas Económicas) de Munique. Realizou pesquisas na África oriental e meridional sobre questões de produtividade e rentabilidade da economia camponesa. No âmbito de uma parceria entre a Missão de Estudos do Rendimento Nacional no Ultramar (MERNU) e o IFO, Pössinger visitou Angola e Moçambique em 1963 e regressou a Angola anualmente entre 1965 e 1968. De 1969 a 1971 foi orientador técnico do projecto-piloto de extensão rural do Andulo. Em 1971 foi leitor visitante na Faculdade de Agronomia e Silvicultura da Universidade de Luanda, que funcionava em Nova Lisboa (actual Cidade do Huambo). Até à independência de Angola continuou a prestar colaboração à ERA. No período pós-colonial foi perito para o desenvolvimento rural na MISEREOR, obra episcopal da Igreja Católica da Alemanha para a cooperação e o desenvolvimento.

  • 4 A CCTA, criada em 1950, reunia inicialmente Bélgica, Federação da Rodésia e Niassalândia, França, P (...)

7A MERNU foi criada no seio do Centro de Estudos Políticos e Sociais (CEPS) da Junta de Investigações do Ultramar (JIU), em 2 de Abril de 1960, para “estudar os problemas teóricos e práticos do cálculo do rendimento nacional do ultramar”, tendo como chefe Vasco Fortuna, professor do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos. O objectivo científico que norteava a Missão era “a elaboração de métodos para medir os afluxos monetários das populações rurais, com o fim de poder enquadrar todo o complexo da economia de subsistência na contabilidade nacional dos territórios portugueses em África” (ERA 1974a, 4). Uns anos antes, em Agosto-Setembro de 1955, a Conferência Inter-Africana de Ciências Sociais promovida pela Comissão de Cooperação Técnica da África ao sul do Saara (CCTA), realizada em Bukavu, no Congo Belga, havia recomendado o estabelecimento de estatísticas apropriadas aos diferentes sectores monetários da economia e a colecta desses dados de forma a contribuir para os cálculos da contabilidade nacional e para a análise da conjuntura económica.4 A primeira campanha de trabalho de campo decorreu em 1960, em Angola. Seguiram-se campanhas anuais em diversas colónias portuguesas. Em 1963, contou com a colaboração de Pössinger no estudo dos problemas concretos da colheita de dados sobre o autoconsumo para apuramento do seu valor. Tendo em conta a necessidade de conhecer a estrutura social e económica da população e a organização da pequena empresa agrícola, o inquérito ao autoconsumo em Angola foi realizado com a colaboração da MIAA, que disponibilizou meios materiais e equipas de inquiridores (ERA 1974a, 4).

  • 5 O Planalto Central correspondia à zona 24 e englobava o distrito do Huambo, a parte aquém Quanza do (...)

8Enquanto a MERNU era um organismo científico nacional decorrente da colaboração inter-imperial, a MIAA foi um corpo técnico do estado tardo-colonial em Angola, resultante de um compromisso no quadro da cooperação internacional. Constituída pelo decreto nº 42562, de 6 de Outubro de 1959, para executar em Angola os reconhecimentos e inquéritos integrados no programa do recenseamento mundial da agricultura lançado pela Organização para a Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas (FAO), a MIAA começaria a funcionar em 30 de Agosto de 1961. Competia-lhe a análise paisagística, quer da estrutura das comunidades rurais, quer do processamento das suas actividades económicas, a inventariação dos factores de produção agro-pecuária e a determinação estatística dessa produção. Antes da sua criação não tinha ocorrido nenhum censo geral agrícola ou pecuário em Angola e nenhum organismo fizera um trabalho de campo em Angola tão abrangente e de proximidade com as populações rurais, quer autóctones, quer de origem metropolitana. Além do fornecimento dos dados solicitados pela FAO, foi desde início objectivo da MIAA proporcionar as bases indispensáveis à planificação do desenvolvimento agrário em Angola num quadro regional. Antes do início dos inquéritos no ano agrícola de 1961/62, o chefe da Missão elaborou um primeiro esboço de zonagem agrícola, dividindo o território em 36 grandes zonas agro-económicas.5 Os recenseamentos da MIAA forneceram a base e o estímulo a estudos analíticos da agricultura e da pecuária das populações rurais africanas, cruzando as dimensões ecológica e sociológica ou antropológica, nomeadamente conduzidos por Pössinger, Vieira da Silva e por elementos da própria Missão, como Cruz de Carvalho e Júlio Morais (Heimer 1981, 187-188).

9Eduardo Augusto Cruz de Carvalho (1922-1999), natural de Lisboa, era engenheiro-agrónomo pelo Instituto Superior de Agronomia (ISA), especializado em economia rural. Em 1953 ingressou na Junta de Exportação dos Cereais, em Angola. De 1961 a 1970, organizou e chefiou a MIAA, conduziu inquéritos extensivos sobre economia agrícola e sociedades rurais, tendo publicado diversos relatórios e estudos. Em 1971, integrou o Programa Interdisciplinar sobre Angola, Moçambique e Guiné do African Studies Centre da University of California, Los Angeles, dirigido por Gerald Bender e financiado pela Fundação Ford.

10Cruz de Carvalho, segundo Pereira (2014), era um católico comprometido com a justiça social, preocupado com as populações e com o que se passava em Angola, sendo o grande responsável pela tentativa de aplicar o conhecimento sobre agricultura obtido localmente. Do seu conhecimento da agricultura “tradicional” do Planalto Central e dos dados apurados pela MIAA, compreendia por que é que os agricultores locais sentiam a sua sobrevivência económica ameaçada ante a pressão dos colonos brancos para mais demarcações de terras. Uma família precisava de uma área cinco a seis vezes superior à que cultivava para produzir os alimentos necessários ao seu sustento, facto explicado mais tarde pelo departamento de solos do Instituto de Investigação Agronómica de Angola (IIAA): os solos do Planalto necessitavam de cerca de 30 anos para recuperar a fertilidade; o principal factor limitativo para a agricultura era a carência de fósforo. Se não fossem introduzidas novas técnicas, não seria possível libertar terras para o sector dito empresarial, sem penalizar ainda mais os agricultores nativos.

  • 6 O despacho conjunto dos ministros do Ultramar e da Defesa Nacional, de 7.10.1967, que definiu os ob (...)

11Em 1965, Cruz de Carvalho visitou o Centro de Estudos de Economia Agrária, da Fundação Calouste Gulbenkian, para recrutar um colaborador com experiência em tratamento, interpretação e impressão de dados. Agostinho de Carvalho recomendou-lhe o então tarefeiro Francisco Sá Pereira (1931-2017), natural de Alpedrinha (Fundão). Enquanto estudante do ISA, Sá Pereira envolvera-se activamente na associação de estudantes de Agronomia. As disciplinas que mais lhe interessaram foram Sociologia e Economia Rural, no 5º ano. Fez o estágio sob a orientação de Henrique de Barros numa cooperativa de leite em Loures. Entretanto, em 1961, integrou com o seu amigo Agostinho de Carvalho, o grupo fundador da Livrelco, cooperativa livreira dos universitários de Agronomia e Silvicultura, “para feitura de livros e das folhas da Universidade de Lisboa”, e que também vendia livros proibidos (Pereira 2014). À chegada a Luanda, Cruz de Carvalho mandou-o para o Sul de Angola cerca de dois meses, para acompanhar o trabalho de inquérito. De seguida, Sá Pereira assumiu as funções de adjunto do chefe da Missão. Durante as ausências deste, contactou com técnicos de diversos serviços no domínio da agricultura e foi solicitado pelo governo-geral a dar parecer sobre diversos problemas, nomeadamente a questão das terras (Pereira 2014). Em substituição de Cruz de Carvalho, coube-lhe apresentar uma comunicação ao Conselho de Contra-Subversão,6 na qual contestava o reagrupamento dos africanos longe das suas terras, por ferir a sua liberdade individual e impedir o seu progresso agrícola, além de constituir um potencial foco de subversão (cf. Bender 1980, 261-263). Aí defendeu a necessidade de a expansão da ocupação agrária europeia se fazer na sequência do desenvolvimento da agricultura tradicional e não em competição com esta. Viria a ser chefe do projecto-piloto de extensão rural do Andulo.

  • 7 Jorge Bravo Vieira da Silva, Depoimento. Entrevista concedida a Cláudia Castelo, Paris, 27.09.2016.

12O arranque da MIAA coincidiu com o período em que o engenheiro-agrónomo Jorge Bravo Vieira da Silva foi secretário provincial do Fomento Rural, na equipa do general Venâncio Deslandes, nomeado governador-geral de Angola pelo ministro do Ultramar, Adriano Moreira, na sequência do início da guerra colonial. Nessas funções reorganizou os serviços de agricultura e florestas, criou o IIAA com o objectivo de fundar em bases científicas locais a modernização da agricultura angolana, quis anular as concessões de terreno sem uso e dar a propriedade da terra aos agricultores locais.7 Nascido em Lisboa em 1929, filho de um pastor protestante, aderiu ao Movimento de Unidade Democrática Juvenil (movimento político de oposição à ditadura salazarista) ainda no final do liceu, concluiu o curso de engenheiro-agrónomo no ISA em 1952, trabalhou na Missão de Pedologia de Angola, foi agrónomo da Junta de Exportação dos Cereais, investigador da Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar e inspector da Direcção-Geral de Economia do Ministério do Ultramar. Em 1963, desiludido com o rumo da política colonial, fixou-se em França como investigador do Office de la Recherche Scientifique et Technique d’Outre-Mer (ORSTOM). Em 1971, tornou-se professor de Ecologia na Universidade Paris VII. Colaborou com o Programa Interdisciplinar sobre Angola, Moçambique e Guiné coordenado por Bender. Entre a sua vasta produção bibliográfica, assinou artigos em co-autoria com dois antigos elementos da MIAA: o já referido Cruz de Carvalho e Júlio Morais.

  • 8  Relatório referente a Comissão Eventual de Serviço prestada pelo Assistente Técnico de 1ª Classe, (...)

13Júlio Artur de Morais, nascido em Vila Nova (Huambo, Angola) em 1935, estudou na Escola Agropecuária do Tchivinguiro e fez o tirocínio na Junta de Cereais com Vieira da Silva. De 1961 a 1972 integrou a MIAA. Em 1968 fez um estágio no IFO-Institut, sob supervisão de Pössinger, tendo trabalhado os dados socioeconómicos dos cafeicultores do Planalto Central.8 Trabalhou no Plano de Desenvolvimento do Huambo, sugerido por técnicos de diversas especialidades ao governador do distrito, e enquadrado no III Plano de Fomento para o Ultramar. Em 1974 concluiu o doutoramento em Ecologia e Sociologia Rural na Universidade Paris VII, sob orientação de Vieira da Silva, sobre os ecossistemas pastoris dos Vakuvale do Chingo, tendo como base empírica os dados do recenseamento colectados por si ao serviço da MIAA. Aderiu ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e como cidadão angolano participou na construção do novo estado independente.

2. Do projecto-piloto à Extensão Rural de Angola (ERA)

  • 9  Ofício de Vasco Fortuna para o presidente da Comissão Executiva da Junta de Investigações do Ultra (...)

14Em Angola e Moçambique, a assistência técnica oficial aos agricultores nativos era realizada pelas Juntas de Exportação dos Cereais, do Algodão e do Café e pelos serviços provinciais de Agricultura, e consistia sobretudo na disponibilização de sementes e na demonstração de algumas práticas agrícolas. As experiências de reordenamento rural, como os colonatos e as reservas indígenas, e mesmo algumas iniciativas no domínio cooperativo, não correspondiam à filosofia da extensão rural. No decurso da primeira campanha de trabalho de campo com a MERNU, em 1963, Pössinger convenceu Vasco Fortuna da importância de se realizar no concelho do Bailundo, em Angola, “um ensaio de serviço de extensão rural em moldes semelhantes aos adoptados no Brasil” e da necessidade de enviar um agrónomo português àquele país para ali fazer um estágio de cerca de um ano, pois no império português não havia esse know-how.9

  • 10 Segundo Henderson (1990, 364-365) nos anos 1950, o Conselho das Igrejas Evangélicas de Angola Centr (...)

15O agrónomo alemão considerava que a extensão rural poderia levar os agricultores Ovimbundu a introduzir novas técnicas, aumentando a produção, contribuindo para desenvolver a agricultura nativa e resolver o problema das terras. Contava que a experiência prévia de desenvolvimento comunitário na região assegurasse uma maior receptividade das populações e facilitasse o trabalho dos extensionistas.10 Com autorização superior, Fortuna pediu ao IFO-Institut para formalizar uma proposta nesse sentido. Pössinger apresentou a proposta a 25 de Março de 1964, mas a decisão política tardou alguns anos, porque o reconhecimento da sua importância política não foi imediato. Em 1965 e 1966, Pössinger voltou a participar nas campanhas da MERNU nas colónias portuguesas. Em 1967, tiveram início no concelho do Bailundo os ensaios que visavam determinar os custos do trabalho, os locais mais adequados, a periodicidade mais aconselhável ao contacto com as populações.

  • 11 Angola produzia sobretudo café robusta nas regiões de floresta densa do Norte. O café arábica, que (...)
  • 12 Na segunda metade de 1967, acentuara-se “a progressão da UNITA [União Nacional para a Independência (...)
  • 13 Os aldeamentos tinham uma genealogia “civil”, no âmbito do reordenamento rural, que remontava ao pe (...)

16A pedido do governo de Angola, Pössinger, em colaboração com a MIAA, realizou um inquérito nas áreas cafeícolas do Planalto, para caracterizar e escolher a zona onde se lançaria o projecto-piloto de extensão rural. Esse trabalho decorreu em 1968, já financiado pelo próprio governo de Angola, excepto o vencimento de Pössinger. Numa comunicação ao Conselho de Coordenação Agrária de Angola, a 24 de Julho, quando o inquérito ainda decorria, Pössinger (1969) apontou os concelhos do Andulo e Nharea como os mais adequados para o lançamento do plano-piloto, por motivos sociais, agrícolas e político-militares. A população local, de etnia Ovimbundu, apresentava “uma extraordinária habilidade na agricultura e com isto um grande potencial de desenvolvimento”, mas não dispunha de assistência técnica eficaz. Tratava-se de uma boa zona agrícola, dominada pela cultura comercial do café arábica, mas com resultados económicos fracos.11 Finalmente, aquela região tornara-se no último ano o “ponto mais estratégico em assuntos de segurança”, e “mediante uma activação e estabilização de uma economia podia constituir um factor de segurança: segurança muito maior do que qualquer exército com aviões e tanques”.12 Como resposta à progressão dos movimentos de libertação, tinha começado no distrito do Bié um programa governamental de reagrupamento das populações, através do qual se procurava impedir o contacto com a guerrilha e facilitar a vigilância.13 Ora, segundo Pössinger, esse era um dos “resultados assustadores” do ensaio em curso: as concentrações e lavras comuns impulsionadas pela administração vinham contrariar o desenvolvimento da propriedade privada, uma das bases de qualquer plano de desenvolvimento.

17Finalmente lançado em Outubro de 1969, o projecto-piloto contava com Pössinger como orientador técnico (contratado pelo Ministério do Ultramar) e o engenheiro agrónomo Francisco Sá Pereira, adjunto da MIAA, como chefe (responsável executivo). A secretaria da MIAA em Luanda assegurava o expediente, contabilidade e gestão de recursos humanos. O financiamento foi abonado, quase integralmente, pelo Fundo de Diversificação e Desenvolvimento. Segundo Pereira (2014), foram buscar à MIAA os melhores agentes, “[ao Instituto dos Cereais] dois ou três indivíduos bastante bons que estavam lá um pouco contrariados” e a Junta Provincial de Povoamento de Angola também cedeu alguns técnicos. De início, quatro equipas extensionistas, cada uma com um elemento masculino e outro feminino, com um jipe à disposição, assistiam em cada dia útil da semana uma ou duas aldeias-piloto, sempre no mesmo dia da semana e à mesma hora. À volta das aldeias-piloto congregavam-se entre cinco a sete aldeias-satélite. As pessoas destas últimas reuniam-se na aldeia-piloto que lhes correspondia. Nos anos seguintes, o número de equipas e áreas abrangidas foi subindo.

18Além da promoção das populações das áreas cafeícolas do Planalto Central, com a introdução de técnicas que permitissem uma diversificação cultural, evitando-se que o café se convertesse em monocultura na área em causa, o objectivo do projecto-piloto era a formação, segundo as técnicas da Extensão Rural, do pessoal considerado necessário a um serviço rural a nível provincial (Pössinger 1974). Ao contrário do que sucedia na América Latina, onde a extensão rural contratava engenheiros agrónomos como extensionistas locais, em Angola, dada a escassez de técnicos qualificados, foram recrutados práticos e regentes agrícolas de naturalidade angolana. No caso das extensionistas, o projecto-piloto recorreu a raparigas com o 1º ciclo liceal, com bons conhecimentos de umbundo e deu-lhes formação. Cabia aos extensionistas trabalhar no sentido da mentalização dos agricultores para a diversificação cultural, transmissão de conhecimentos para um melhor uso das culturas alimentares, para a introdução de novas culturas comerciais e essências florestais, criação de pequenos animais para a melhoria da dieta alimentar e venda local, criação de gado bovino e melhoramento das pastagens, introdução de novas actividades artesanais e pequenas indústrias caseiras. No que respeita à cultura do café, os agricultores deviam ser mentalizados para a redução do número de plantas de café e das áreas destinadas a esta cultura, com a melhoria da produtividade das restantes áreas, e para o melhoramento dos sistemas de colheita e beneficiação do café.

  • 14 PT/AHU/IPAD/12574. Relatório de uma visita ao projecto-piloto de extensão rural em Angola, elaborad (...)
  • 15 O Planalto, 6.4.1971, 2.
  • 16 Olinger, com. pess. 30.10.2018.

19A desconfiança inicial das populações camponesas terá dado rapidamente lugar a uma adesão generalizada, devido à participação nas equipas de, pelo menos, um elemento que falava a língua local e à utilização da metodologia da extensão: “Estamos aqui para ajudar, mas não sabemos qual a ajuda que vocês realmente precisam. Então, vamos conversar” (Pereira 2013). O entusiasmo das populações é corroborado por três engenheiros-agrónomos que visitaram os trabalhos em curso, na segunda quinzena de Outubro de 1970, incumbidos pelo secretário provincial de Terras e Povoamento de Moçambique de elaborar um “comentário crítico”.14 Verificaram que algumas reuniões tinham mais de 300 participantes, muitos deles envolvendo-se activamente nas discussões e nas demonstrações práticas. Dos contactos com “elementos de fora da zona” abrangida pelo projecto terão detectado “enorme desejo” de as suas terras serem incluídas. Glauco Olinger, fundador da ACARESC, visitou o projecto-piloto por ocasião dos Primeiros Encontros Agronómicos de Nova Lisboa, e terá ficado admirado com a receptividade da população e os resultados espectaculares alcançados em tão pouco tempo.15 Recorda que a produtividade das lavouras no Andulo era inicialmente baixíssima, menos de um quinto da catarinense, dado que o solo da região era pobre em macronutrientes.16

20Segundo os promotores, os resultados excederam as expectativas, tanto em termos de formação de pessoal como do número de equipas no terreno (12, em 1971). O projecto enfrentou, no entanto, alguns obstáculos que não tinham sido previamente equacionados. Por um lado, a reacção dos comerciantes do mato e funcionários coloniais, que “tem[iam] que a acção do extensionista junto do agricultor indígena o lev[asse] a uma atitude demasiado emancipada, o que poderia de certo modo prejudicar o andamento dos seus negócios [...] e o tipo de contacto que com [eles] tradicionalmente mant[inha]m” (Pössinger 197, 23). Pereira (2014) refere que a valorização das práticas e dos conhecimentos dos africanos e a empatia humana para com estes eram vistas de forma negativa por elementos do quadro administrativo, comerciantes e outros colonos que se queixavam de que os técnicos da MIAA eram “amigos dos pretos”.

21O procedimento dos comerciantes era alvo de preocupação ao mais alto nível. Na 7ª reunião do Conselho Executivo da Contra-Subversão de Angola, o tenente-coronel Cunha Tavares afirmou:

  • 17 Actas das reuniões do Conselho Geral e do Conselho Executivo da Contra-Subversão em Angola, Acta de (...)

Em contacto com missionários católicos franceses no Mungo, tomou-se conhecimento da nefasta acção dos comerciantes europeus da região nas suas relações com os nativos e que se pode definir com a espoliação do negro pela exploração da sua tendência alcoólica. Esta acção desenvolve-se em tal escala que quase constitui o objectivo único dos comerciantes, que também são auxiliares de angariamento! Que a exploração pelo comerciante desta tendência alcoólica do nativo envolve este no círculo fechado da dívida (fuca) e [...] na escravidão económica que o atira para [...] o contrato para trabalhos em regiões distantes, com toda a gama de inconvenientes, quer sociais, quer económicos, quer políticos.17

22Por outro lado, o projecto também se debateu com a falta de capacidade de resposta dos serviços clássicos às novas necessidades da população rural, por exemplo em meios de produção (adubos, insecticidas, sementes melhoradas, etc.), apenas parcialmente satisfeitas com imaginação e voluntarismo.

[Os técnicos do projecto-piloto] tinham de improvisar todos os dias para responder aos novos desafios que os agricultores sempre lhes punham. É um resultado, pura e simplesmente, do dinamismo dos agricultores, da insatisfação dos agricultores, de os agricultores saberem em absoluto que as pessoas estão ali para ajudar e, quando eles pedem qualquer coisa, se for possível fazer, se conseguirmos fazer, nós fazemos. [...] Aliás, era uma norma que nós tínhamos, que era: “O difícil fazemos hoje e o impossível fazemos amanhã.” (Pereira 2014)

23A terceira e última fase do projecto, de planeamento e dimensionamento das empresas e das suas produções, teve em conta os perigos de uma produção agrícola cujo escoamento dependesse inteiramente dos mercados externos. Pössinger (1971, 28) considerava que se devia fomentar o desenvolvimento da agricultura comercial, mas continuar a fortalecer e a cuidar da economia de subsistência, “com o fim de manter uma grande massa populacional socialmente contente e economicamente estável”. Além disso, para garantir a adesão plena dos agricultores e criar empresas economicamente viáveis e tecnicamente funcionais, era imprescindível resolver a questão da posse da terra.

24Apesar do cepticismo de pequenos funcionários e comerciantes perante um trabalho que se reivindicava antipaternalista e dirigido à promoção socioeconómica dos camponeses africanos, o governo de Angola mostrou-se satisfeito com os resultados alcançados pelo projecto-piloto e propôs a constituição de um serviço regular mais cedo. A Extensão Rural de Angola (ERA), criada pela portaria ministerial nº 568/71, de 16 de Outubro de 1971, entrou em funcionamento no segundo semestre de 1972, sob a direcção de um investigador com experiência internacional e forte enraizamento local. Pesquisador do IIAA e professor de Fruticultura do curso de Agronomia da Universidade de Luanda, o engenheiro-agrónomo Manuel Dias Nogueira (Sertã, 1936) tinha visitado vários países da América do Sul, fizera um estágio em desenvolvimento comunitário e um curso de extensão rural na Universidade de Molina (Peru), ministrado pelo especialista chileno em extensão e desenvolvimento rural Jorge Ramsay (1963), e frequentara um curso de planeamento do desenvolvimento agrícola financiado pela FAO, no Instituto de Estudos Sociais de Haia e na sede da FAO em Roma (1965). Colaborou com o projecto-piloto de extensão rural do Andulo e participou no já referido Plano de Desenvolvimento do Huambo. Foi presidente do Rádio Clube do Huambo, no qual montou um programa de extensão rural. O seu perfil garantia a articulação entre o ensino, a investigação, o planeamento e a extensão (Nogueira 2006). Pössinger continuou como orientador técnico do novo serviço, passando duas vezes por ano até três meses junto da Missão.

  • 18 O chefe do posto da Direcção-Geral de Segurança no Andulo mantém atenta vigilância sobre a passagem (...)

25Com amplos meios estatais à disposição, a ERA ganhou dimensão e ampla implementação no terreno, nos sectores agro-pecuário, feminino e juvenil, no âmbito da formação de pessoal, informação e comunicação, associativismo, crédito rural, armazenamento e comercialização dos produtos. Cresceu em termos de estrutura, abrangência geográfica e quantidade de equipas de supervisão regional e de extensionistas. Estes mantinham contacto semanal com a população rural. Nas aldeias foram constituídas cooperativas em potência (eufemisticamente designadas clubes agrícolas) onde eram pesados e concentrados os produtos agrícolas que os agricultores destinavam à venda e os produtos adquiridos no comércio destinados à distribuição (Pereira 2013). Alguns técnicos de extensão rural brasileiros prestaram serviço na ERA em 1972. Por seu turno, Francisco de Sá Pereira, Luís Domingues Polanah e Maria da Graça Cardoso Luís deslocaram-se ao Brasil para tomar contacto in loco com o serviço de extensão rural de Santa Catarina. Em 1972 e 1973 sucedem-se as visitas de técnicos, académicos, diplomatas, jornalistas e cineastas estrangeiros ao Andulo; visitas que se podem enquadrar numa tentativa de propagandear a iniciativa tirando dividendos políticos face à contestação internacional ao colonialismo português.18

  • 19 1) Andulo e Nharea; 2) Nova Sintra (Catabola) e General Machado (Camacupa); e 3) Bailundo e Mungo.
  • 20 Pössinger (1975) refere que, em Junho de 1975, as tropas da UNITA saquearam ou destruíram o centro (...)

26Sá Pereira (2013 e 2014) recorda-se desse interesse e frenesim, mas destaca um momento em particular: durante uma acção de extensão na presença de várias individualidades de visita à ERA, nomeadamente o seu antigo professor do ISA e orientador de tese Henrique de Barros, um responsável por um clube agrícola que tinha sintonizado a BBC chamou-o de lado para o informar que alguma coisa se estava a passar no “Puto” (em Portugal). Era o 25 de Abril de 1974, o golpe militar que derrubou a ditadura e abriu caminho à descolonização e à democracia. Por essa altura, a ERA era composta por três brigadas,19 nove equipas de supervisão e 42 equipas locais. A sua influência fazia-se sentir junto de cerca de 80 000 famílias de agricultores, num total estimado de 400 000 indivíduos (ERA 1974b, 18-19). A acção da ERA viria a ser interrompida nas vésperas da independência nacional de Angola, proclamada a 11 de Novembro de 1975, devido ao clima de agitação política e confronto entre os movimentos de libertação, à saída do país da esmagadora maioria dos quadros portugueses, à paralisação das instituições e à destruição das infra-estruturas.20

3. A contradição dialéctica da política colonial

27O conhecimento das práticas agrícolas “tradicionais” permitiu à direcção da MIAA, em resposta a solicitações governamentais, reflectir sobre a questão do uso e posse da terra, manifestar-se contra a concessão de mais terrenos a colonos brancos nas zonas mais densamente povoadas da colónia, sobretudo no Planalto Central (onde vivia um terço da população total de Angola), bem como opor-se à política de concentração das populações rurais africanas que o poder político-militar pôs em marcha em Angola no contexto da guerra colonial (Bender 1980, 261-263). Apropriando-se do cliché da nação pluricontinental e multirracial e apontando para o perigo de novos focos de rebelião, a MIAA introduziu alguma moderação na decisão política em benefício das populações rurais angolanas. O desenvolvimento não devia ser encarado do ponto de vista estrito do crescimento da produção em proveito de sectores externos ao meio rural (pelo menos até ao início da guerra, essa era a concepção maioritária do estado colonial e dos organismos técnicos clássicos, como a Junta de Exportação dos Cereais), mas da elevação económica e social dos produtores africanos. Estava em sintonia com as críticas que no final dos anos 1960 e na década de 1970 se começaram a fazer ao carácter reducionista da teoria da modernização, e com as abordagens mais atentas às particularidades geográficas e culturais e defensoras de um desenvolvimento rural sustentável (Unger 2018, 21-22).

28Pössinger (1971, 8-9) explicou que a “ideia básica” da Extensão Rural podia ser adaptada e reorganizada em função das circunstâncias e condicionalismos locais. De qualquer forma, obedecia a princípios que podiam ser usados indiscriminadamente em qualquer território. A saber: o objectivo a atingir era o desenvolvimento integral das populações rurais (i.e., a elevação do seu nível material e não material); era indispensável a participação activa do homem do campo; as actividades extensionistas eram dirigidas a problemas sentidos pelos agricultores; toda a família devia ser alvo dos esforços de mentalização e transformação de atitudes; devia ser dada atenção especial à juventude rural; era necessário um planeamento a curto, médio e longo prazo; o programa pressupunha a colaboração coordenada de entidades públicas e privadas; a extensão rural devia funcionar como elo de ligação entre o meio rural, a investigação científica e os responsáveis políticos, de modo a levar os problemas do meio rural aos investigadores e aos responsáveis pela política agrária e social e trazer as soluções dos decisores políticos e os resultados da ciência para o meio rural; a Extensão Rural devia estar ligada a um sistema de crédito agrícola supervisionado (Pössinger 1971, 9-11).

  • 21 A Alemanha ocidental fora um dos membros fundadores da Comunidade Económica Europeia e partilhava a (...)
  • 22 Informação do posto do Andulo da subdelegação da DGS, datada de Silva Porto, 13.7.70. PT/TT/PIDE/DG (...)
  • 23 Despacho do director da DGS Luanda, A. S. J. Lopes, 4.9.1970, enviado ao chefe da subdelegação da D (...)

29Enquanto sistema de educação informal, baseado numa filosofia antipaternalista, especializado em técnicas não autoritárias de modificação das atitudes humanas, capaz de promover o desenvolvimento integral do homem do meio rural, a Extensão Rural seria incompatível com a concentração das populações rurais em aldeamentos estratégicos, e distinta da closed supervision (Pössinger 1969; 1971, 12). Pela vigilância da polícia política aos elementos da MIAA, as autoridades portuguesas estavam informadas de que Pössinger, em conversa com Sá Pereira, criticava a “teimosia” do governo português por não querer entrar no Mercado Comum,21 defendia a autodeterminação das colónias e repudiava a violência perpetrada pela tropa portuguesa contra africanos inocentes quando a UNITA tentou sublevar a região de Nharea em 1967.22 O inspector da subdelegação da Direcção-Geral de Segurança (DGS) em Silva Porto foi incumbido de transmitir ao engenheiro alemão o que a seu respeito chegara ao conhecimento da polícia política, mas “pela melhor maneira para o não melindrar”, porque Pössinger “é necessário à Província pois tem em curso trabalhos que interessa ao Governo venham a ser bem-sucedidos e daí o não podermos por agora tomar outra atitude que não seja aquela que se recomenda”.23

  • 24 Memorando secreto do Gabinete de Estudos e Coordenação do Conselho Provincial de Contra-Subversão, (...)
  • 25 Mensagem da subdelegação da DGS em Silva Porto para a delegação em Luanda, 15.11.1970. PT/TT/PIDE/D (...)

30Os desacordos no seio do poder político-militar relativamente ao plano-piloto eram evidentes. O plano de contra-subversão do distrito do Bié preconizou que a população rural fosse “toda aldeada”: em Maio de 1971 esse processo saldava-se em 1358 aldeias, das quais 453 tinham milícias, algumas (20) enquadradas por guardas da PSP.24 Quando as populações abrangidas pela extensão rural estavam a abandonar as concentrações com a autorização do governador do distrito do Bié, coronel Herculano de Moura, uma mensagem da subdelegação da DGS em Silva Porto para a delegação em Luanda reportava: “Há conflito entre autoridades interpretação e prioridade conceitos segurança, económicos e promoção social”.25 Uma certa ambivalência também ecoa numa reunião do Conselho Provincial da Contra-Subversão, alguns meses depois de os agricultores africanos da região terem, na sua quase totalidade, abandonado as concentrações e voltado a viver junto das suas lavras. O general Costa Gomes manifesta-se preocupado:

  • 26 Conselho Provincial de Contra-Subversão de Angola (Plenário). Reunião de 19 de Agosto de 1971. Secr (...)

Sem se pretender pôr em causa a experiência, há, no entanto, que ter a máxima atenção no que se refere ao controlo das populações. É preciso ter em mente que Savimbi (chefe da UNITA) é da região do Andulo, tendo frequentado a missão protestante de Chilesso, que um dos objectivos da UNITA é instalar-se nas regiões de Andulo e Nharêa, e que em 1967 foi detectada no Concelho de Nharêa uma forte organização subversiva com muitos elementos comprometidos.26

  • 27 Conselho Provincial de Contra-Subversão de Angola (Plenário). Reunião de 19 de Agosto de 1971. Secr (...)

31O governador-geral, Rebocho Vaz, contrapõe que “iniciada a experiência, no Andulo, não podemos voltar atrás, pois trata-se de uma experiência cara”. O secretário provincial de Fomento Rural reconhece que “quando se iniciam experiências desta natureza e com esta amplitude, estamos de certo modo a fazer como o aprendiz de feiticeiro. Inclusivamente, ao fixarmos as populações à terra, podemos estar a criar problemas de certa gravidade ao Norte da Província, onde a mão-de-obra do Sul é indispensável”. O general Costa Gomes refere que o engenheiro Pössinger o procurou, queixando-se das interferências sobre as populações de diversas entidades, como funcionários administrativos, Organização Provincial de Vigilância e Defesa Civil de Angola (OPVDCA), polícia, exército, etc., o que contrariava a correcta actuação das equipas extensionistas. Oferecia-se, portanto, para assegurar o controlo das populações. O Conselho, no entanto, concluiu que Pössinger não poderia garantir a monitorização e mentalização das populações, devendo esta tarefa ficar a cargo do corpo de defesa civil.27

32Alguns meses depois, no discurso proferido a 13 de Dezembro de 1971, na presença do comandante-chefe das Forças Armadas portuguesas e do governador do distrito do Bié, Pössinger apresentou publicamente a extensão rural como um meio de conhecer e controlar as populações. Foi porque usou os argumentos que o poder político-militar queria ouvir sobre as potencialidades da extensão rural como manobra política de combate ao “terrorismo”, que Pössinger (1974, 7) pôde na mesma ocasião afirmar: “Não é a mandar, obrigar, restringir liberdades que se fazem cidadãos.” Convém lembrar que, desde Setembro de 1961, o estatuto do indigenato fora revogado e todos os nativos de Angola tinham passado, em termos legais, a ser cidadãos portugueses com igualdade de direitos. O colectivo da ERA depois do 25 de Abril de 1974 afirmaria que “a instalação de um sistema educativo do povo, num regime colonial, nunca poderia ser aceite pelos governantes da época se estes não tivessem garantias de que as vantagens superavam de longe as desvantagens”, pelo que “a contradição dialéctica, sendo evidente, justificava-se à luz de uma estratégia bem acautelada, que [...] anulava os inconvenientes dessa contradição” (ERAa 1974, 2). Mas esta não deixa de ser uma leitura a posteriori.

33Naquele discurso, Pössinger disse que aceitara o encargo de dirigir o projecto-piloto (para o qual se tinha, na verdade, proposto) porque:

[se incluía] no grupo de técnicos portugueses e estrangeiros que acredita[va]m na possibilidade de ser cumprida a promessa que Portugal fez ao mundo acerca da viabilidade de uma sociedade multirracial. [Era seu] convencimento que a promessa [podia] tornar-se realidade, se se [pusesse] nisso o máximo de determinação e se as técnicas adoptadas fo[ss]em as convenientes. Para um técnico de desenvolvimento a promessa encerra em si aliciantes de tal ordem que, mau grado as tremendas dificuldades antevistas, não encontr[ou] maneira de, em consciência, [se] escusar ao convite. (Pössinger 1974, 5)

  • 28 Informação do posto do Andulo da DGS para a subdelegação em Silva Porto, 13.7.70. PT/TT/PIDE/DGS/De (...)
  • 29 “O saco de 50 kg estava a ser, na altura, comercializado em Portugal, porque em Portugal já não se (...)

34Não nos interessa especular se a “profissão de fé” de Pössinger no multirracialismo português, à época a ideologia oficial do Estado Novo para preservar o império, era sincera ou um álibi. Segundo Nogueira (2006, 18), a extensão rural terá operado uma mudança nos próprios técnicos ao incutir-lhes “uma permanente atitude de respeito pelo património cultural da família camponesa”. A consideração pelos camponeses africanos traduzia-se na forma reverente como os tratavam, sempre por “senhor” ou “senhora”;28 em pequenas decisões com grande impacto na vida dos agricultores, como a substituição do saco de 100 kg pelo saco de 50 kg para o acondicionamento dos produtos agrícolas;29 e, sobretudo, por uma tentativa de compreensão da racionalidade das práticas agrícolas locais. O projecto-piloto distingue-se de iniciativas anteriores no domínio da assistência técnica agrícola na colónia de Angola (quer de entidades públicas, como a Junta de Exportação dos Cereais, quer de entidades particulares, como as missões religiosas) por uma nova filosofia de intervenção, assente na educação informal dos agricultores africanos através da vulgarização dos conhecimentos obtidos através da investigação, no diálogo e consciencialização individual sobre necessidades sentidas e aspirações legítimas de progresso e bem-estar social, na disponibilização de factores de produção e de crédito agrícola, e no apoio social às famílias, às mulheres e aos jovens.

35A extensão rural em Angola assentava numa visão de desenvolvimento distinta do modelo de desenvolvimento repressivo do colonialismo tardio (Jerónimo 2017). Era um sistema contraditório com os desígnios e as políticas do governo ditatorial e colonial que o patrocinava (ERA 1974a, 3). Paradoxalmente, foram as exigências da contra-subversão, a ameaça à soberania portuguesa e a pressão anticolonial internacional que permitiram a viabilização política de um projecto que, embora do ponto de vista governamental pudesse abrir caminho ao controlo total e, sendo necessário, a medidas repressivas, não deixava de ter potencial revolucionário de empoderamento dos camponeses Ovimbundu, entendendo-os como sujeitos activos do seu próprio processo de transformação (Pössinger 1975). A extensão rural também não parecia uma ideia e uma prática muito distinta do “desenvolvimento comunitário” que as Nações Unidas promoviam pela mesma altura noutros pontos de África (Polanah 1974, 4), não obstante a desconfiança do governo português face à postura anticolonial e emancipadora daquela organização.

4. Perspectivas a resgatar

  • 30 Fica ainda por investigar a percepção dos movimentos de libertação sobre o projecto-piloto de exten (...)

36A esta narrativa, construída a partir dos percursos dos protagonistas de origem europeia, faltam os pontos de vista das populações abrangidas pelo projecto-piloto e dos extensionistas, maioritariamente africanos.30 Uns e outros aparecem em fotografias de reuniões e demonstrações que acompanham artigos publicados por elementos da ERA na revista Reordenamento. Na impossibilidade de aceder a fontes primárias construídas por esses actores, procurei indícios das suas experiências nas fontes coloniais e nos testemunhos dos técnicos.

  • 31 Neto (2012, 94-103) analisa o processo de transformação dos Ovimbundu de comerciantes de borracha e (...)

37Depois do fim do comércio das caravanas (1912), os homens Ovimbundu passaram a dedicar-se à agricultura.31 Esta era até então uma actividade exclusivamente das mulheres e estava perfeitamente adaptada às condições ecológicas locais, que impunham períodos longos de pousio (30 anos) para garantir a regeneração dos solos, que na maior parte do centro de Angola eram pobres. A cultura do café arábica, introduzida no planalto por missionários em 1935, era praticada pelos agricultores Ovimbundu no “otchumbo, o pequeno terreno encostado à casa, de pequeníssimas dimensões, que desde sempre merecia as preocupações especiais do homem” (Pössinger 1986, 88). Assim ficavam assegurados os cuidados diários necessários, a fertilização viabilizada pela presença da família e dos animais domésticos, o regadio pelo canal de água que servia a casa, a acção das galinhas na eliminação da praga mais importante do cafeeiro, a “broca do tronco”. Por isso diziam: “O café não produz sem a fumaça da cozinha.” Nas áreas em que o café passou a constituir a base económica das populações, o otchumbo aumentou em tamanho e deu lugar à pequena plantação, com impacto significativo na configuração das aldeias. As plantações começaram a afastar as casas umas das outras para ganharem espaço para mais pés de café, resultando num habitat cada vez mais disperso e em empresas isoladas.

38O já referido programa de reagrupamento populacional, iniciado no centro de Angola em 1968, traduziu-se na transferência das populações para aldeias densas junto de estradas ou noutras situações de fácil controlo. Desse modo, deixava de haver espaço disponível para a necessária rotação de culturas; logo, para a satisfação das necessidades básicas das famílias de pequenos agricultores (Pössinger 1986, 131). Com base sobretudo no inquérito realizado em 1968 com elementos da MIAA, Pössinger (1969) explicou às autoridades portuguesas as razões do descontentamento dos Ovimbundu com as concentrações. Como se vê a seguir, a polícia política (como, aliás, as autoridades administrativas) tinha dificuldade em reconhecer agência aos africanos, atribuindo a sua resistência à influência da MIAA:

  • 32 Ofício de subdelegação da DGS de Nova Lisboa para o director da delegação da DGS, 16.9.1972. PT/TT/ (...)

A autoridade administrativa do Mungo informou que a população da embala Chorinde, sede da regedoria, se recusa a ocupar as novas casas situadas a 800 metros das antigas com o fundamento de nas novas moradias não poderem ter criação. O assunto encontra-se em averiguação por parte destes serviços, mas pelo que até agora se pôde apurar, parece que a MIAA, com o seu método de dispersão de populações no Andulo, tem, em parte, sido a causa da não aceitação pelas populações de Chorinde dos novos aldeamentos. Consta também que pessoal daquela Missão estará a influenciar as populações de que estão a pagar 380$00 de imposto geral mínimo, quando no Andulo não pagam mais de 120$00.32

  • 33 Ofício do substituto do chefe do Posto do Andulo para o chefe da subdelegação da DGS em Silva Porto (...)

39Francisco Sá Pereira (2013 e 2014) recorda episódios que nos permitem ter uma ideia da interacção dos Ovimbundu com o projecto-piloto, mas que não tiveram eco nos documentos publicados. Logo nas primeiras conversas entre as extensionistas e as mulheres africanas, estas queixaram-se de que os comerciantes locais lhes pagavam pouco pelos seus produtos em comparação com o que tinham de dar para comprar bens de primeira necessidade, como óleo de palma, sabão, fósforos, etc. A aquisição do óleo de palma foi resolvida com uma “consulta à praça” e a compra por atacado ao comerciante que indicou o preço mais baixo. Segundo o responsável da DGS no Andulo, o comerciante Alberto Gouveia ter-lhe-á dito que o pessoal da MIAA lhe comprava óleo de palma a 6$00 o kg e o vendia ao africano ao mesmo preço, mas o agente policial duvidava que assim fosse.33 O acesso ao sabão a menor custo foi garantido por transferência do conhecimento da técnica de fabrico do produto para a comunidade rural. Os serviços de extensão adquiriam na cidade e vendiam nas aldeias a soda cáustica e as mulheres passaram a encarregar-se da saponificação.

40Outra situação reporta-se à comercialização do feijão, um dos produtos alimentares que os agricultores Ovimbundu cultivavam no quintal junto à casa, e permite perceber que estes tinham noção da exploração de que eram alvo pelos comerciantes portugueses e, sempre que podiam, arranjavam estratégias para não serem tão lesados. Os comerciantes da região do Andulo procuraram os responsáveis pelo projecto-piloto expondo a sua desilusão perante várias tentativas falhadas ao longo dos anos de conseguirem que os agricultores lhes vendessem o feijão por variedades. Queixavam-se de que os agricultores apenas lhes vendiam feijão “mistura”. Quando a equipa do projecto perguntou aos agricultores porque não vendiam o feijão por variedades, estes explicaram que sabiam que as variedades de feijão tinham preços diferentes, mas os comerciantes pagavam o mesmo valor independentemente da variedade, dizendo que tudo era feijão. A situação arrastava-se com posições irredutíveis: os comerciantes não se dispunham a pagar por variedade de feijão; os agricultores só vendiam feijão “mistura”. Se perdiam dinheiro por não receberem por variedade, acabavam recuperando algum porque os comerciantes, não conseguindo vender o feijão todo misturado, viam-se obrigados a contratar as mulheres africanas para separar o feijão por variedade. Os responsáveis do projecto-piloto prometeram aos comerciantes que na safra seguinte todo o feijão seria vendido por variedades, desde que informassem que variedades e quantidades pretendiam comprar e qual o preço que ofereciam por cada variedade. No final, os comerciantes ficaram satisfeitos com a pureza e qualidade das variedades adquiridas e os agricultores ficaram satisfeitos porque tinham recebido mais pelo feijão produzido, sem o trabalho de o misturar e o separar (Pereira 2013).

  • 34 Técnicas e tratamentos específicos para café arábica já defendidos, nomeadamente, por Mendes da Pon (...)

41Pereira (2013) explica que os cafeicultores interessados em melhorar as técnicas de cultivo reuniam-se numa das lavras e eram instruídos sobre as deficiências do pomar, comuns às restantes plantações da região: plantas velhas e doentes (broca e ferrugem) explicavam as baixas produções e a qualidade deficiente do produto. Quanto ao café que estava a secar no terreiro revelava que o fruto havia sido colhido todo ao mesmo tempo, quer estivesse maduro ou ainda verde, o que também comprometia a qualidade e quantidade do produto. Esta aumentaria se a colheita fosse escalonada, de modo a serem colhidos apenas os frutos maduros. A pesagem pelos extensionistas de um mesmo número de frutos maduros e verdes demonstrou aquela realidade aos olhos dos agricultores e garantiu uma adesão generalizada ao novo procedimento. Outras acções, não tão imediatas, destinadas a melhorar a quantidade e a qualidade da produção cafeícola foram adoptadas, como: a substituição dos cafeeiros velhos por novos e resistentes à ferrugem disponibilizados pelo IIAA; derrube, piquetagem e espaçamento; a fertilização dos terrenos; condução e podas dos cafezais; o tratamento fitossanitário dos cafezais atacados pela broca; e a substituição da secagem do café nos terreiros pela secagem em tabuleiros após tratamento do fruto “por via húmida”.34 Todo o café produzido foi comercializado pelo Instituto do Café de Angola e, no último ano de trabalho da extensão, foi considerado como o segundo melhor café de lote do mundo.

  • 35 Informação do posto da DGS no Andulo para a delegação em Luanda, 27.7.1972. PT/TT/PIDE/DGS/Del. A., (...)

42Por seu turno, o aumento da produção de milho foi explosivo com a substituição de uma semente de milho degradada pelo milho sintético (preparado pelo IIAA a partir de uma variedade local) e por milhos híbridos importados da Rodésia, devidamente adubados e tratados. A produção média de 300kg/ha passou para 2-3 toneladas quando era utilizado o milho sintético e para as 6-10 toneladas no caso dos híbridos. Numa área de 0,5 ha, o agricultor produzia uma média de 1500 kg de milho sintético e 4000 kg de milho híbrido que, além de satisfazerem as necessidades da família, asseguravam largos excedentes para comercialização (Pereira 2013). Por uma questão de segurança, continuou-se a fazer também o cultivo tradicional de milho, nas áreas habituais. Pereira (2014) retém o espanto e contentamento dos agricultores Ovimbundu que puderam abrir conta bancária e pagar aos comerciantes com cheque. Em pouco tempo, a promoção económica e social dos produtores africanos estava em marcha. Paralelamente, era notória uma maior consciência dos seus direitos. Ante os numerosos pedidos de novas demarcações de terrenos para criação de gado junto ao novo traçado da estrada entre Malange e Silva Porto, africanos “com o apoio” da MIAA fizeram pressão junto do governo do distrito do Bié, no sentido de não serem autorizadas mais concessões a europeus, dizendo que a “terra é pouca para o africano”.35

5. Conclusão

43Vimos que o projecto-piloto de extensão rural do Andulo não pode ser cabalmente compreendido sem se olhar para o trabalho prévio da MIAA, uma instituição sui generis do estado colonial com uma agenda internacional, e para as trocas sul-sul, entre o Brasil e Angola, mediadas por um engenheiro alemão, e envolvendo técnicos portugueses e angolanos, no quadro da cooperação científica MERNU-IFO Institut. Também não deverá ser descurada a circulação de conhecimento sobre café arábica, ligando a América do Sul e Central a Angola. Vimos que importa seguir as pessoas concretas que se envolveram directa ou indirectamente na concepção e realização do projecto, pois os seus percursos profissionais e ligações institucionais iluminam os sentidos da iniciativa. Porém, além dos engenheiros-agrónomos e outros técnicos com trajectórias variadas e conectadas, a história da extensão rural em Angola deverá também resgatar as vivências e a agência dos agricultores e dos extensionistas africanos. Esperamos poder vir a explorar essa dimensão num futuro próximo.

44Embora inspirado na experiência de extensão rural de Santa Catarina, cuja genealogia se articula com a Revolução Verde e com o contexto da Guerra Fria, o projecto-piloto no Andulo e Nharea compreende-se sobretudo no âmbito do processo histórico do colonialismo tardio e da descolonização; um processo atravessado por ambiguidades, tensões e negociações. Viabilizado e financiado pelo poder colonial português no contexto da guerra colonial/de libertação de Angola como estratégia de contra-subversão, a sua filosofia e aplicação impunha que as populações pudessem sair dos aldeamentos. Corresponde a um pensamento sobre o desenvolvimento africano na contramão dos esquemas desenvolvimentistas em torno de monoculturas para exportação, de grandes obras públicas e do povoamento branco. Um pensamento baseado no conhecimento produzido localmente sobre as condições ecológicas do Planalto Central de Angola, a historicidade das estruturas sociais e económicas dos Ovimbundu, e os seus saberes e práticas agrícolas, que não se satisfaz com uma assistência técnica paternalista nem com a mera disponibilização de serviços e infra-estruturas e se inscreve nos debates transnacionais então em curso sobre as formas de ultrapassar o “subdesenvolvimento”.

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Notas

1 Francisco Sá Pereira, Depoimento. Entrevista concedida a Cláudia Castelo, Alpedrinha, 6.10.2014. Daqui em diante, Pereira 2014.

2 Uma síntese do conceito de circulação, aplicado à Revolução Verde, em Harwood (2017, 10-15).

3 Quando não há referência em contrário, os elementos biográficos apresentados a seguir foram consultados em Heimer (1973).

4 A CCTA, criada em 1950, reunia inicialmente Bélgica, Federação da Rodésia e Niassalândia, França, Portugal, Reino Unido e União da África do Sul e procurava fomentar a cooperação técnica entre os estados-membros. Promoveu diversas conferências inter-africanas em diferentes áreas do conhecimento.

5 O Planalto Central correspondia à zona 24 e englobava o distrito do Huambo, a parte aquém Quanza do distrito do Bié, as terras altas do distrito do Quanza-Sul e a região planáltica do distrito de Benguela. Um terço da população de Angola vivia nessa zona, onde a densidade populacional era mais elevada e se concentrava o maior número de explorações do sector tradicional. Produzia-se sobretudo milho e outros produtos destinados ao mercado interno (como o feijão). Uma análise dos dados recolhidos pela MIAA em Neves (2012).

6 O despacho conjunto dos ministros do Ultramar e da Defesa Nacional, de 7.10.1967, que definiu os objectivos e a estratégia da contra-subversão, atribuiu prioridade à conquista da adesão das populações. Em Angola, uma directiva do governador-geral e do comandante-chefe das Forças Armadas estabeleceu a estrutura da contra-subversão, que articulava a administração central, regional e local e o dispositivo militar (Espírito Santo 2009, 343-344).

7 Jorge Bravo Vieira da Silva, Depoimento. Entrevista concedida a Cláudia Castelo, Paris, 27.09.2016.

8  Relatório referente a Comissão Eventual de Serviço prestada pelo Assistente Técnico de 1ª Classe, Júlio Artur de Morais, no IFO – Instituto para Pesquisas Económicas. PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0750/12617-009.

9  Ofício de Vasco Fortuna para o presidente da Comissão Executiva da Junta de Investigações do Ultramar, 17.2.1964, p. 2. Universidade de Lisboa, Arquivo Histórico do IICT, Proc. 792 – MERNU.

10 Segundo Henderson (1990, 364-365) nos anos 1950, o Conselho das Igrejas Evangélicas de Angola Central tinha iniciado o programa Melhoramento do Povo, executado por instrutores agrícolas, sanitários e religiosos que promoviam a construção de infra-estruturas e a educação nas vertentes agrícola, sanitária, de nutrição e economia familiar, e a divulgação da Bíblia.

11 Angola produzia sobretudo café robusta nas regiões de floresta densa do Norte. O café arábica, que podia ser produzido em pequenas fazendas e oferecia boas receitas, encontrou dificuldades ecológicas na maior parte do planalto central e o seu cultivo só foi possível graças à distribuição de sementes e mudas e a todo tipo de “boosters” disseminados com a revolução verde – fertilizantes, fungicidas, insecticidas (Silva 2018, 210).

12 Na segunda metade de 1967, acentuara-se “a progressão da UNITA [União Nacional para a Independência Total de Angola] e MPLA em direcção ao Planalto Central” (Espírito Santo 2009, 357).

13 Os aldeamentos tinham uma genealogia “civil”, no âmbito do reordenamento rural, que remontava ao período entreguerras; simultaneamente, inspiravam-se noutras experiências de contra-insurreição na Malásia, no Vietname e na Argélia (Bender 1972, 1980). Articulavam engenharia social e territorial com segurança e controlo. As aplicações no terreno foram variadas. Está por fazer uma história dos aldeamentos no contexto da guerra colonial. O único trabalho académico disponível, de João Paulo Borges Coelho (1993), foca o caso de Tete (Moçambique).

14 PT/AHU/IPAD/12574. Relatório de uma visita ao projecto-piloto de extensão rural em Angola, elaborado no âmbito da Secretaria Provincial de Terras e Povoamento de Moçambique, por Mário Mellert Mendes (IAM), Ruy Gonçalves Vaz (JPPM), A. Borges Leitão (JPPM) – Relator.

15 O Planalto, 6.4.1971, 2.

16 Olinger, com. pess. 30.10.2018.

17 Actas das reuniões do Conselho Geral e do Conselho Executivo da Contra-Subversão em Angola, Acta de 24.5.1968, p. 3-4. PT/ADN/SGDN/1REP/67/251/001.

18 O chefe do posto da Direcção-Geral de Segurança no Andulo mantém atenta vigilância sobre a passagem desses ilustres visitantes. PT/TT/PIDE/DGS/Delegação de Angola, P. Inf 12.44.A/2, u.i. 1961 – Posto do Andulo.

19 1) Andulo e Nharea; 2) Nova Sintra (Catabola) e General Machado (Camacupa); e 3) Bailundo e Mungo.

20 Pössinger (1975) refere que, em Junho de 1975, as tropas da UNITA saquearam ou destruíram o centro de treinamento, os sistemas de suprimento e a maioria dos veículos, tendo também confiscado alguns deles, e que os comissários da UNITA proibiram os agricultores de cooperar com os extensionistas.

21 A Alemanha ocidental fora um dos membros fundadores da Comunidade Económica Europeia e partilhava a ideia de que a CEE podia contribuir para a manutenção de uma relação especial entre a Europa e a África pós-colonial.

22 Informação do posto do Andulo da subdelegação da DGS, datada de Silva Porto, 13.7.70. PT/TT/PIDE/DGS/Delegação de Angola, P. Inf. N.º Proc. 16.21.A/3, u.i. 2131 – Missão de Inquéritos Agrícolas de Angola.

23 Despacho do director da DGS Luanda, A. S. J. Lopes, 4.9.1970, enviado ao chefe da subdelegação da DGS, Silva Porto. PT/TT/PIDE/DGS/Del. A., Proc. MIAA.

24 Memorando secreto do Gabinete de Estudos e Coordenação do Conselho Provincial de Contra-Subversão, Luanda, 10.5.1971 sobre o Plano de Contra-Subversão para o distrito do Bié, 7 p. PT/AHD/MU/GNP/56 cx. 5. Os números indicados por Espírito Santo (2009, 362) são muito inferiores: 195 aldeamentos no distrito do Bié/Sector Bié e 147 nos distritos de Malange e Bié/Sector Bié. Provavelmente a primeira fonte inclui todas as modalidades de aldeamento (inclusive no quadro do reordenamento rural) e a segunda apenas os “aldeamentos estratégicos”, nos quais a função militar preponderava, construídos sobretudo no Leste da província.

25 Mensagem da subdelegação da DGS em Silva Porto para a delegação em Luanda, 15.11.1970. PT/TT/PIDE/DGS/Del. A, Proc. MIAA. No memorando secreto citado na nota anterior, especifica-se que “parte da população do concelho de Nharea e a quase totalidade da população do concelho do Andulo deixaram os aldeamentos, em virtude do programa de extensão rural que ali está sendo executado” (p. 1).

26 Conselho Provincial de Contra-Subversão de Angola (Plenário). Reunião de 19 de Agosto de 1971. Secreto. PT/ADN/SGDN/1REP/67/251/003.

27 Conselho Provincial de Contra-Subversão de Angola (Plenário). Reunião de 19 de Agosto de 1971. Secreto. PT/ADN/SGDN/1REP/67/251/003.

28 Informação do posto do Andulo da DGS para a subdelegação em Silva Porto, 13.7.70. PT/TT/PIDE/DGS/Del. A., Proc. MIAA.

29 “O saco de 50 kg estava a ser, na altura, comercializado em Portugal, porque em Portugal já não se admitia o saco de 100, porque o transporte era penoso, não é?” (Pereira 2014).

30 Fica ainda por investigar a percepção dos movimentos de libertação sobre o projecto-piloto de extensão rural. Pössinger (1975, 234 e 244) refere que alguns extensionistas eram membros ou simpatizantes da UNITA e que alguns técnicos eram membros do MPLA.

31 Neto (2012, 94-103) analisa o processo de transformação dos Ovimbundu de comerciantes de borracha em produtores de milho para o mercado.

32 Ofício de subdelegação da DGS de Nova Lisboa para o director da delegação da DGS, 16.9.1972. PT/TT/PIDE/DGS/Del. A., Proc. MIAA.

33 Ofício do substituto do chefe do Posto do Andulo para o chefe da subdelegação da DGS em Silva Porto, 23.09.1970. PT/TT/PIDE, Del. A., P. Inf. Posto do Andulo.

34 Técnicas e tratamentos específicos para café arábica já defendidos, nomeadamente, por Mendes da Ponte (Silva 2018, 206-208).

35 Informação do posto da DGS no Andulo para a delegação em Luanda, 27.7.1972. PT/TT/PIDE/DGS/Del. A., Proc. MIAA.

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Referência do documento impresso

Cláudia Castelo, «O projecto-piloto de extensão rural do Andulo (Angola): conhecimento, desenvolvimento e contra-subversão»Ler História, 76 | 2020, 153-178.

Referência eletrónica

Cláudia Castelo, «O projecto-piloto de extensão rural do Andulo (Angola): conhecimento, desenvolvimento e contra-subversão»Ler História [Online], 76 | 2020, posto online no dia 30 junho 2020, consultado no dia 23 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/6347; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.6347

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