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Dossier: Projetos constitucionais fracassados, Portugal e Brasil, século XX

Outros pulsares do Estado autoritário em Portugal: argumentando e negociando nas revisões constitucionais, 1935-1971

Other Voices of the Authoritarian State: Arguing and Negotiating in Constitutional Revisions, 1935-1971
D’autres voix de l’État autoritaire : argumentation et negociation lors des revisions constitutionnelles, 1935-1971
Paula Borges Santos
p. 41-63

Resumos

O estado autoritário português dotou-se de uma constituição política no momento da sua institucionalização (1933), ocorrendo posteriormente oito processos de revisão, em conjunturas políticas muito diferenciadas. A literatura disponível sobre aquelas revisões, sobretudo produzida pela ciência jurídica, tem analisado os conteúdos constitucionais aprovados a partir das leis que operacionalizaram as alterações à constituição. Este artigo pretende complementar essa abordagem, observando, com recurso à análise histórica, as iniciativas legislativas de revisão, em especial os projetos de lei, e ponderando as condições de sucesso (aprovação) ou insucesso (rejeição) de que se revestiram. Para tanto, acompanha-se a montagem dos processos constituintes e os mecanismos de negociação envolvidos, relacionando-os com os diferentes ciclos políticos. Esta perspetiva permite aprofundar o conhecimento sobre as forças políticas do regime e as suas motivações (crenças) individuais ou coletivas, em ordem à formação de decisões políticas e arranjos normativos. Este artigo faz parte do dossier temático Projetos constitucionais fracassados, Portugal e Brasil, século XX, organizado por Paula Borges Santos e Ivo Veiga.

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  • 1 Sobre a génese da Constituição de 1933, António Araújo ocupou-se das propostas que concebiam a or (...)

1A literatura sobre o processo histórico de construção da Constituição portuguesa de 1933 é reduzida, embora com contribuições importantes que contextualizaram ideias, interesses e lutas políticas que determinaram as escolhas inscritas naquele texto constitucional (Araújo 2007; Santos 2018).1 Mais abundantes são os estudos sobre os seus conteúdos, maioritariamente produzidos no âmbito do direito constitucional (entre outros: Caetano 1991; Queiró 1946; Miranda 2014; Canotilho 1999, 174-180; Velez 2008). Nas abordagens que se ocupam da chamada “difusão constitucional de regimes políticos”, promovidas pela ciência política ou pela sociologia, aquela constituição tem sido também apreciada no seu conjunto e integrada na galáxia do “corporatist constitutionalism”, considerada a esta luz como um dos exemplos da instituição de um sistema abrangente de direito público corporativista (Thorbill 2017). Outra proposta, oriunda da ciência jurídica, conduziu à sua classificação na esfera do que se pode chamar de “constitucionalismo nacionalista”, assinalando-se que a religião seria o elemento agregador na conceptualização de tais constituições (Velez 2016). Em todos estes estudos, as análises focaram-se deliberadamente no texto constitucional produzido em 1933, embora, nalguns casos, seja notado que tal texto sofreu alterações, umas mais substantivas do que outras, em processos de revisão constitucional.

  • 2 Estudos similares, envolvendo os trabalhos da Assembleia Constituinte de 1911, encontram-se em Ca (...)
  • 3 Este recorte impede que se abordem neste estudo as posições da própria União Nacional ou da oposi (...)

2Os estudos históricos e jurídicos sobre a globalidade das revisões da Constituição de 1933 são, porém, escassos (Carneiro 1971; Miranda 1999, 410-412). Mais frequentes são investigações sobre matérias específicas da constituição, que acompanham alguns debates parlamentares e negociações extraparlamentares nos processos constituintes de revisão (Meneses 2009; Santos 2011 e 2016; Nunes 2017). Neste panorama, onde ainda sobra largo terreno para investigações dedicadas ao “constitution-making process” da lei fundamental de 1933, este artigo contribui para a análise histórica dos processos de revisão constitucional no autoritarismo português2 e, mais especialmente, para a observação dos projetos constituintes apresentados, isto é, das alterações à constituição cuja iniciativa coube a diversos deputados, entre 1935 e 1974, ponderando sobre as condições de sucesso (aprovação) ou insucesso (rejeição) de que se revestiram.3

  • 4 Saliente-se que o Presidente da República, não podendo apresentar alterações ao texto constitucio (...)

3A observação dos trabalhos constituintes não pode ser desligada das características que o sistema político assumiu na ditadura (umas validadas constitucionalmente, outras decorrentes da práxis política), nomeadamente quanto à configuração dos poderes executivo e legislativo, os únicos dotados de capacidade para intervirem na elaboração dos conteúdos constitucionais.4 Formalmente, ambos sofreram, a partir de 1933, uma retificação em relação ao que a tradição do próprio constitucionalismo português contemplava. O modo como exerceram os seus poderes constituintes também não é separável de outras constantes históricas da organização política do autoritarismo, como foram a composição monopartidária da câmara política, com elevada interferência do presidente do conselho na formação das listas de candidatos da União Nacional (designada Acção Nacional Popular, depois de 1970), a realização das eleições para deputados em condições não concorrenciais, a inexistência de partidos ou a elevada regulamentação dos direitos de reunião e associação e as limitações da liberdade de expressão e de informação, sob acompanhamento de um aparelho repressor (censura, polícia política).

4Neste quadro, valoriza-se como chave de entendimento dos processos constituintes da ditadura o órgão legislativo, quer por ter sido o locus público da discussão constituinte, quer por ter sido fórum de negociação política entre interesses divergentes. Inscreve-se esta posição na renovada literatura sobre as instituições políticas dos autoritarismos, que vem concorrendo para limitar a centralidade que uma primeira geração de estudos atribuiu às lideranças dos ditadores e por extensão aos poderes executivos, demonstrando como as assembleias representativas das ditaduras possuíram capacidade de influenciar resultados e políticas (Gandhi 2008; Wright 2008; Conrad 2011). Por economia de espaço não se discute aqui a questão da diversidade social e ideológica no Estado Novo, já explorada por vários estudiosos (Cruz 1998; Rosas 2004; Torgal 2009), todavia essa diversidade é assumida na análise, que evidencia a heterogeneidade de fundamentos e objetivos dos membros da AN e da CC, e pretende debater três questões.

5A primeira relaciona-se com a argumentação das forças políticas nos processos de revisão da Constituição de 1933, considerando as motivações (crenças) individuais e/ou coletivas, em ordem à formação de decisões políticas e arranjos normativos. Tal implica indagar sobre os temas tratados pelos projetos de lei, bem como, segunda questão, sobre a montagem dos processos constituintes de revisão e os mecanismos de negociação envolvidos, para usar a problematização de Elster (1995). De onde que se valorizem mais as estratégias de interação entre os constituintes do que o resultado, isto é, a forma final das alterações constitucionais. Este último ponto relaciona-se intimamente com a terceira questão, que envolve o problema da durabilidade dos arranjos constitucionais e serve para questionar se a Constituição de 1933 serviu ou não para acomodar diferentes estádios do direito público português. Esta interrogação dialoga com a tese defendida por Thorbill de que o constitucionalismo corporativista, já atrás mencionado, representa um estádio de evolução distinto no surgimento das sociedades nacionais modernas, formando um momento-chave num processo bastante largo de diferenciação institucional e de inclusão social (Thorbill 2017, 81).

1. A vocação constituinte da ditadura

6A Constituição de 1933, publicada (não promulgada) no decreto nº 22 241 de 11 de abril desse ano, abriu uma etapa distinta no direito público em Portugal. Num tempo social e politicamente marcado por uma crise do próprio estado, que se arrastava desde a década de 1870, e que a mudança de regime em 1910 não superara, a instauração de uma ditadura “constitucionalizada” respondia à necessidade de reorganizar o sistema político, social e económico (Salazar 2018, 109 e ss.) segundo princípios políticos e morais que enformavam o projeto de “revolução” da classe política dirigente (Salazar 2018, 55 e ss). A lei fundamental de 1933 era o primeiro instrumento normativo dessa governação, fundada numa outra conceção de relação entre o estado e a sociedade, na qual se jogava a influência das reformas constitucionais difundidas no centro e leste da Europa, depois de 1918 (Mazower 2014, 22-26, 37-39; Santos 2015, 77-80).

7Na orientação da organização política, preservou-se a separação de poderes (que, na prática, a ação política desvirtuaria), a organização parlamentar, ainda que com um poder legislativo não predominante (e corrigido pelo poder executivo) e a eleição do Presidente da República também por sufrágio direto. Na orientação de organização económica e social, o consenso fez-se em torno de uma estratégia de superação do princípio individualista e de afirmação da prioridade do social, de elevação da economia a interesse público e de consagração de uma ampla margem de intervenção do poder estatal na gestão daquela. Se a manutenção de uma herança liberal era manifesta no plano da organização política, a organização económica e social apontava para uma revisão de sentido socializante, isto é, em torno da proteção da sociedade (dispensada às instituições coletivas como a família, mas também presente na regulamentação do trabalho, da educação, da assistência, da própria atividade económica ou nas restrições às liberdades sindical, de escolha de profissão e género de trabalho, de comércio e indústria) e de transformação da própria fisionomia do privado (patente, por exemplo, na função social fixada à propriedade e nos condicionalismos impostos ao direito de propriedade e à sua transmissão hereditária).

  • 5 Ainda por estudar em profundidade, a “questão constitucional” na Ditadura Militar mereceu breve e (...)
  • 6 Para aprofundamento da crise político-militar deste período, consulte-se Farinha (1998) e Rosas ( (...)

8O momento de elaboração da constituição do estado autoritário ficou, portanto, marcado por uma característica de elasticidade, manifesta na conciliação de princípios excludentes (liberais por um lado, socializadores por outro) e na chegada a uma plataforma compromissória (o próprio texto constitucional). Essa característica permitiu cumprir o desígnio de superar um tempo “inconstituído” (i.e. a ausência de acatamento da constitucionalidade, ainda a de 1911, verificada na Ditadura Militar, atravessada pela inquietante “questão constitucional”)5 e estabilizar a situação política num sentido: excluir o regresso à experiência democratizante da I República. Esse era o ponto principal, num clima que continuava extremado pelos episódios “reviralhistas”6 e pela instabilidade ministerial (após o golpe de 28 de Maio de 1926 e até abril de 1933 constituíram-se oito ministérios, que duraram em média cerca de dez meses, coexistindo cinco deles com o mandato presidencial de António Óscar Carmona). A opção pela forma de poder ditatorial (feita no domínio material e não no domínio formal) não passava de uma escolha que estava em linha com o histórico de exercício do poder político no país.

  • 7 Para uma análise das tipologias de ditaduras, da reconstrução do pensamento de Salazar sobre esta (...)

9Como já foi demonstrado, a ideia de uma solução política corporizada num poder ditatorial não era nova, somando adeptos ao longo da I República, pertencessem ao partido do governo ou fossem seus opositores (Ramos 2000, 1066-1067, 1069); vários ministérios, desde o começo do regime liberal até 1933, tinham recorrido a tal processo, fazendo-o até sob o constitucionalismo vigente (havendo ainda, como em 1852, 1895 e 1907, alterações à própria constituição legisladas em ditadura) (Catroga 2011, 43-44, 78). Conquanto se até aí fora defendida como excecionalidade regeneradora da governação demoliberal, o que justificaria um carácter prevalecentemente administrativo, surgia agora como uma ditadura de tipo soberano/convencionalista, intrínseca ao exercício do poder (um poder concentrado num executivo forte), destinado à construção de um edifício constitucional próprio.7 Esta construção envolvia um tempo indeterminado e por isso, genericamente, a vocação da ditadura era constituinte. Esta ideia de um espaço político-legal em permanente construção ajuda a compreender a gestão que, ao longo de todo o regime, a governação fez das revisões constitucionais, e é iluminada pela própria doutrina que se foi produzindo sobre as alterações à constituição. Tal elucida por que razão, logo em 1933, o esforço de consensualização do legislador não foi suficiente para se entender a nova constitucionalidade como estabelecida conclusivamente (donde no art. 138º da constituição se inscrevesse que a primeira AN teria poderes constituintes). Este ponto é vital para interpretar, de seguida, o grau de resistência dos conteúdos constitucionais de 1933 à passagem do tempo.

2. Dificuldades na aceitação da constituição e sua recriação (1935-1938)

  • 8 Por esta razão, este artigo não se debruça sobre este momento constituinte.

10No total das oito revisões ordinárias que o estado autoritário conheceu, o número de projetos de lei de alterações ao texto constitucional foi baixo: sete no período constituinte mais longo (o primeiro, decorrido entre 1935 e 1938); nenhum em 1945;8 três em 1951; oito em 1959 e dois em 1971. Os assuntos relativos à arquitetura do sistema político (funções dos órgãos de soberania ou do funcionamento e organização dos poderes, em especial quanto à relação entre o executivo e legislativo) ocuparam o primeiro plano. Depois deles, na conjuntura do pós-II Guerra Mundial, os deputados privilegiaram, por esta ordem, assuntos relacionados com religião, garantias e liberdades, e cultura. Os projetos de lei, sobretudo os apresentados nos últimos três momentos constituintes do regime, evidenciam baixa intensidade de consenso sobre os arranjos constitucionais alcançados a partir de 1935, indiciando novos posicionamentos entre deputados, quanto ao que Elster (2000) chamou de “argumentos e negociação”.

  • 9 Diário das Sessões (DS), nº 8, 23 de janeiro de 1935, 69-71.
  • 10 DS, nº 8, suplemento nº 6, 4 de fevereiro de 1935, 127-133.

11Logo no primeiro momento de revisão constitucional, que coincidiu com o decurso da I legislatura da AN (1935-1938), surgiram propostas de alteração às competências dos órgãos do sistema político e suas relações. O governo tomou iniciativa de tal (proposta de lei nº 3), logo após a abertura das câmaras, não dando tempo sequer a que se revelassem, no sistema político, quaisquer efeitos da sua entrada em funcionamento. O imediatismo dessa forma de proceder sugere insatisfação com os preceitos fixados em 1933, por parte do executivo, que pretendia a transformação da CC em órgão consultivo do governo (e não apenas da AN); garantir que o presidente do Conselho ou o subsecretário de estado das Corporações integrassem os trabalhos de todas as secções da CC; atribuir ao Presidente da República a faculdade de submeter a plebiscito nacional as alterações constitucionais referentes aos órgãos de soberania e sua competência.9 Tais propostas mereceram concordância da CC, ainda que se sublinhasse que o recurso a plebiscitos não era desejável. A ocasião serviu para sugerir dotar esta câmara de iniciativa legislativa (propondo que os deputados pudessem fazer seus projetos de lei propostos pelos procuradores), mas sem sucesso.10

12Aquela iniciativa governamental foi recebida com desagrado na AN. Os deputados criticaram não só a amplitude com que a Constituição de 1933 acolhia a possibilidade de revisão, mas também a nova sugestão do recurso a plebiscito, sustentando que as modificações constitucionais deveriam, por princípio, ser restritas. Não obstante, apenas foram apresentados dois projetos de lei que buscaram alterar o quadro de intervenção da Igreja Católica. Um, o projeto de lei nº 59, promovendo uma alteração ao art. 24º do Ato Colonial, da autoria de Manuel Fratel, que pretendia garantir que as missões religiosas nos territórios ultramarinos seriam exclusivamente católicas e compostas por cidadãos portugueses. Outro, o projeto de lei nº 11, apresentado por Maria Guardiola, propondo fixar que “princípios da moral cristã” enformariam o ensino público (alterações ao § 3º do art. 43º da constituição). Ambos tiveram aprovação, embora o segundo, por implicar uma confessionalização funcional daquele ensino, tivesse gerado acentuada controvérsia e obrigado a maior negociação (com parlamentares de sensibilidade laicista).

  • 11 DS, nº 11, 12, 16 e 17 de fevereiro de 1935, 202-211, 217-226, 319-332, 342-354.

13Fraturantes foram as questões levantadas na referida proposta de lei nº 3, que originaram abundantes propostas de substituição (dos artigos modificados naquela proposta) por parte dos deputados. Na AN registou-se uma divisão significativa: uns deputados contrariaram a intenção da CC de passar a deter iniciativa legislativa (Manuel Fratel), aprovando, apesar disso, a sua passagem a órgão consultivo do governo; outros buscaram reduzir a capacidade de iniciativa legislativa dos próprios deputados, sugerindo a criação de uma comissão especial encarregada de fazer uma “triagem” dos projetos de lei (proposta sustentada por Carneiro Pacheco, Albino dos Reis Júnior, Cancela de Abreu, Mário Pais de Sousa e Dinis da Fonseca); outros ainda defenderam que a iniciativa legislativa deveria pertencer exclusivamente ao governo (Vasco Borges, Ulisses Cortês, Camarate de Campos, Ribeiro Ferreira e Cortês Lobão). Esta última ideia, de reduzir a assembleia unicamente a órgão de fiscalização política, mereceu repúdio. Aprovou-se, por fim, o estabelecimento de uma “comissão de controlo”, sugerida por Carneiro Pacheco, que permitia preservar a função legislativa da câmara “em colaboração com o governo”.11

  • 12 DS, nº 8, 23 de janeiro de 1935, 89-95.
  • 13 DS, nº 14, suplemento nº 2, 15 de fevereiro de 1935, 1-7.
  • 14 DS, nº 12, 16 e 17, fevereiro de 1935, 217-226, 319-332, 342-354.

14Neste ambiente, apresentaram-se os projetos de lei de revisão nº 12 e 21. O primeiro relativo à organização política do estado, submetido também por Fratel, propunha: o fim da referenda ministerial para a generalidade dos atos do Presidente da República e da referenda presidencial para os diplomas do governo (decretos); ressuscitava o poder moderador do Presidente em casos de divergência (entre o executivo e a assembleia) quanto à aprovação de projetos de lei; elevava para quatro meses o tempo de trabalho anual da AN; dispensava de ratificação, por esta câmara, os decretos-lei publicados pelo governo.12 De modo coerente com as posições assumidas no parecer sobre proposta de lei nº 3, a CC, pelo mesmo relator, Domingos Fezas Vital, sugeria plebiscitar as alterações que tocassem nas funções presidenciais. Fixava o princípio doutrinal de que o poder legislativo não podia pertencer “ao mesmo tempo e no mesmo grau” ao governo e à AN, apontando-se que a câmara política deveria ter uma função mais fiscalizadora da ação do governo (e menos função legislativa). Aceitava-se não submeter os decretos-leis à ratificação da AN, porque esta dispunha da liberdade de os revogar.13 Globalmente, o projeto de lei causou celeuma, para alguns deputados a possibilidade de reconhecer direito de veto ao Presidente da República representava uma grave alteração à constituição por confirmar uma “república presidencialista”.14 Nenhuma das soluções inscritas no projeto de lei venceu, tendo as suas disposições sido prejudicadas pelo processo de votação seguido, que envolveu, em simultâneo, a proposta de lei e as várias propostas de alteração de redação. As diversas modificações introduzidas reforçaram as atribuições legislativas (ainda que excecionais) do governo, que tirou, doravante, intenso partido da supressão da ratificação dos decretos-leis em determinados períodos (§ 3 do art. 108º); em contrapartida, diminuiu a iniciativa legislativa dos deputados, dado que os seus projetos ficavam inibidos de aumentar a despesa ou diminuir a receita do estado (Carneiro 1971, 36).

  • 15 DS, nº 14, suplemento nº 5, 19 de fevereiro de 1935, 1-2.
  • 16 DS, nº 16 e 17, 21 e 22 de fevereiro de 1935, 319-332, 342-354.

15O projeto de lei nº 21, de Vasco Borges, propunha a substituição do § 5º do art. 108º da constituição, de forma a estabelecer que o presidente do conselho, em vez de dar explicações por escrito ao presidente da assembleia, pudesse comparecer na câmara para dar, aos deputados, explicações verbais, previstas no art. 112º. A CC elaborou um parecer doutrinário, sublinhando que a Constituição de 1933 não organizara uma república parlamentar ou presidencialista, mas uma “República sui generis de índole cesarista”, em que o órgão de soberania por excelência era o Presidente da República. Advogou que o governo (o presidente do conselho) só era responsável perante aquele, para evitar uma “evolução consuetudinária de tendências parlamentaristas”.15 As reservas da CC tiveram eco entre os deputados. Aprovou-se que as explicações verbais não podiam ter origem em solicitação da AN, ficando dependentes de o presidente do conselho as julgar convenientes.16

  • 17 DS, nº 150, 6 de dezembro de 1937, 213-214.
  • 18 DS, nº 155, 16 de dezembro de 1937, 260-264.
  • 19 Arquivo Histórico Parlamentar (AHP)/Assembleia Nacional (AN) : Secção XXVIII, caixa 10, nº 1.
  • 20 DS, nº 185, suplemento nº 2, e nº 187, respetivamente de 13 e 20 de abril, 702K-702Z, 726-727.

16As restantes sessões legislativas foram férteis na apresentação de novas propostas de lei de alteração à constituição, para desagradado dos deputados que consideraram que as propostas de lei nº 115 (1936) e nº 185 (1937) potenciavam um clima de instabilidade política e administrativa.17 O tema da reorganização administrativa também esteve na origem da apresentação do projeto de lei nº 192, por Querubim do Vale Guimarães, que repunha a divisão distrital e rejeitava a divisão provincial.18 Merecendo amplo suporte entre os deputados, esta iniciativa legislativa suscitou apoios extraparlamentares (câmaras municipais de Alter do Chão, Castelo de Vide e Fronteira).19 O parecer da CC denunciava a tensão de que se revestia o assunto e dava parecer negativo ao projeto de lei nº 192, apesar de duas declarações de voto contrárias que defendiam a divisão distrital (Armando Valfredo Pires e Fraústo Basso).20

  • 21 Nomeada em 15 de abril de 1937, esta comissão, formada por Cancela de Abreu (seu presidente e que (...)

17A apresentação da proposta de lei nº 185 surpreendeu a AN, que aguardava por um projeto de lei de revisão da Comissão de Regimento,21 o qual foi efetivamente apresentado oito dias mais tarde. Alguns deputados manifestaram perplexidade e desagrado quer pelo facto de o governo, com essa antecipação, marginalizar o trabalho da comissão, recusando inclusive a sua sugestão de trabalhar conjuntamente as alterações constitucionais, quer por persistir no aprofundamento de modificações, afloradas anteriormente na proposta de lei nº 3, que coartavam as funções da AN, alargavam os poderes legislativos do governo e as funções da CC. Coincidiam nos preceitos a alterar mas divergiam das soluções a fixar. Em causa estavam problemas como imunidades, renúncia e perda de mandato dos deputados, o regime de substituição dos procuradores ou a fixação dos prazos de elaboração dos pareceres da CC pelo governo em vez da AN. As alterações mais relevantes recaíam na possibilidade de o governo consultar a CC durante todo o ano; no adiamento das sessões legislativas da AN pelo seu presidente, contanto que o encerramento não fosse posterior a 30 de abril; no fim do regime de ratificação pela AN dos decretos-leis publicados durante o adiamento das sessões legislativas.

  • 22 AHP/AN : Secção XXVIII, caixa 10, nº 4 : “Proposta de alterações ao regimento apresentada pela co (...)
  • 23 DS, nº 147, suplemento nº 2, de 1 de dezembro de 1937, 178F-178K.

18No projeto de lei, estes pontos tinham outra solução: era dada maior extensão e eficácia à função política e fiscalizadora da AN. Sugeria-se aumentar a extensão dos assuntos que podiam ser tratados no período antes da ordem do dia e com aviso prévio; subdividir o período de 3 meses da sessão legislativa anual em períodos de 2 ou 3 (com duração de um mês cada), para existir maior acompanhamento da atividade governativa.22 A CC sustentava as modificações assinaladas pelo executivo, reforçando que a experiência apontava para um funcionamento irregular da AN, sem matéria para trabalhar na primeira fase de cada sessão legislativa. Sobre o projeto de lei da comissão, era muito crítica de algumas sugestões como a ampliação para toda a legislatura das imunidades parlamentares; o impedimento de os deputados renunciarem ao mandato; a presença de membros do governo nas sessões de estudo da assembleia. Apenas concordava com a separação entre sessões deliberativas e de estudo.23

19Na discussão das duas iniciativas legislativas, apreciadas e votadas separadamente, vários deputados (entre eles Melo Machado, Pinto de Mesquita, Antunes Guimarães e Cancela de Abreu) protestaram pela atitude da CC, que, segundo entendiam, promovia a desvalorização e “atrofiamento da função que à assembleia compete”, chegando a pedir-lhe “que seja portadora do seu próprio esquife”. Lamentavam que o governo alegasse urgência na discussão da proposta, rejeitando a discussão conjunta com o projeto de lei, quando lhe interessava especialmente fazer aprovar a possibilidade de renúncia dos deputados ao mandato (Mário de Figueiredo), para cobrir casos especiais e numerosos de deputados que aceitavam empregos remunerados em funções públicas (João Amaral, Vasco Borges). Muito dividida, a AN daria voto favorável àquela alteração e à aprovação da supressão da ratificação dos decretos-leis publicados durante os períodos de adiamento das sessões legislativas.

  • 24 DS, nº 150 a 156, 6 a 17 de dezembro de 1937, 213-219, 222-228, 230-238, 240-247, 250-257, 264-26 (...)

20A única rejeição dos deputados envolveu o § único do art. 94º, que determinava a possibilidade de o presidente da AN interromper o seu funcionamento, conquanto a sessão estivesse finda a 30 de abril. Aceitavam tal faculdade, desde que sem prejuízo da duração normal da sessão legislativa. Tal liberdade de entendimento sobre essa modificação, custou a face aos deputados: o Presidente da República, por conselho do governo, negou a promulgação ao diploma. A situação (não promulgação de uma lei de revisão constitucional), que foi caso único em todo o regime, foi “corrigida” no último dia das votações do projeto de lei, voltando a apreciar-se aquela modificação, agora aprovada sem discussão. Com tal gesto, os deputados revelavam total obediência ao executivo, ferindo fatalmente os protestos feitos. Das alterações constitucionais sugeridas pelo projeto de lei, foi aprovada a do funcionamento da AN em sessões deliberativas e de estudo, fixando-se que estas não seriam públicas.24

  • 25 DS, nº 150, 6 de dezembro de 1937, 211-213.
  • 26 Contestaram aquela iniciativa : a Associação dos Comerciantes do Porto, os Sindicatos Nacionais d (...)

21O período constituinte terminou com outra polémica, despertada pelo projeto de lei nº 191, apresentado por José Cabral, que pretendia alterar o nº 11 do art. 8º da constituição. Tratava-se de eliminar esse preceito que impedia a instituição de duas penas: uma, a pena de morte para os crimes contra a segurança do estado, ampliando o que estava estabelecido no Código da Justiça Militar e se restringia ao teatro e à duração da guerra; outra, o trabalho obrigatório e público a incluir no regime geral do trabalho dos condenados.25 Após ser apresentado, o projeto de lei foi enviado à CC, que pediu parecer às secções 18ª e 20ª e designou para relator Afonso Pinto Veloso. De imediato, a iniciativa suscitou condenação pública, com envio de representações ao presidente da AN e protestos junto do presidente da CC (destacando-se o ativismo de diversas organizações de interesses económicos do distrito do Porto).26 Sete meses depois (julho de 1938) o processo na CC foi arquivado, tendo-se mantido em aberto por tempo superior ao normal, apesar de (tanto quanto é possível apurar) não ter sido produzido qualquer parecer.

3. Tentativas de nova organização política e fratura religiosa (1951 e 1959)

  • 27 PT/Torre do Tombo (TT)/Arquivo Marcelo Caetano (AMC) : Caixa 3, nº 1.

22O momento constituinte de 1951 conheceu uma montagem atípica: a comissão de Legislação e Redação (CLR) da AN propôs a antecipação da revisão (março de 1950). Dez meses depois, o governo entregou a proposta de lei nº 111 à CLR e à comissão de Política e Administração Geral e Local e Colónias; sendo enviada à CC. Este procedimento para com a CC, justificado pela “falta de tempo”, era inusitado e envolvia um historial complexo. No rescaldo das eleições presidenciais de 1949, o executivo, fragilizado pela manifestação de força da oposição e considerando existir “o risco de um golpe de estado constitucional”, criara para estudo dos problemas políticos uma comissão informal de trabalho (liderada por Mário de Figueiredo e da qual faziam parte Ulisses Cortês, Soares da Fonseca e outros).27 Fora antecedida de outro grupo informal, dirigido por Marcelo Caetano (Meneses 2009, 428), que propusera rever a constituição em quatro aspetos: eleição do Presidente da República (pela AN e CC); eleição dos deputados (sufrágio indireto com intervenção dos órgãos de administração municipal); funcionamento da CC; relações dos ministros com a AN (a sua presença obrigatória em determinados debates). Salazar discordara das sugestões, alegando que fixavam mecanismos inferiores aos da Constituição de 1911 (caso da eleição do chefe de Estado) e práticas parlamentares (caso da comunicação entre governo e AN).

  • 28 PT/TT/AMC : Caixa 3, nº 2.
  • 29 DS, nº 74, 24 de fevereiro de 1951, 388-415.
  • 30 DS, nº 23 a 26, 2, 3, 4 e 8 de março de 1950, 326-328, 367-369.
  • 31 DS, nº 91 e 99, 4 e 18 de abril de 1951, 724-726, 867.

23A nova comissão trabalhou, sob sua orientação, aspetos destinados a “acautelar algumas hipóteses a que a experiência e preocupações da última guerra davam certo vulto”, ligados: à remuneração dos procuradores; eleição do chefe de Estado; constituição e funcionamento do Conselho de Estado; relações do estado com as confissões religiosas; reconhecimento do direito do trabalho; império colonial.28 Por sugestão da CC foram acrescentadas outras matérias: transformação de atividades privadas em empresas públicas; administração e exploração dos bens e empresas do estado; organização do Conselho de Estado e da CC e criação de impostos e taxas.29 Na AN, Mário de Figueiredo, como presidente da CLR, enfrentou duras críticas à introdução da revisão antecipada (que desrespeitava a contagem do tempo integral do prazo estabelecido para esse efeito), conseguindo, todavia, a sua aprovação com 102 votos a favor e dois contra. Criada a oportunidade de alterar a constituição, vários deputados manifestaram desejo de rever problemas que não estavam no horizonte do governo: a questão das liberdades (Pinto Barriga) e criação de um estatuto de descentralização para o Estado da Índia (Castilho de Noronha).30 Os quatro projetos de lei de alterações à constituição não envolveram, contudo, esses aspetos. Um deles, o projeto nº 139, envolvia a instituição do salário mínimo, a punição do abandono de família, a responsabilização de funcionários públicos por abusos de poder, a limitação da intervenção do estado na gerência de atividades económicas particulares, etc. Apresentado por Mendes do Amaral, foi retirado por este, após ter baixado à CC.31

  • 32 DS, nº 98, 14 de abril de 1951, 862.
  • 33 DS, nº 85, 15 de março, 622 ; nº 104 e 105, 28 e 30 de abril de 1951, 961-972, 981-986.

24Polémico foi o projeto nº 130 (Carlos Moreira, Mário Araújo e Albuquerque, Cortês Pinto, João Ameal e Délio Santos), que aditava um novo artigo ao Título IX da constituição, dedicado à defesa e proteção da língua portuguesa. No contexto da crise entre Portugal e o Brasil à volta do acordo ortográfico, tratava-se de reclamar autonomia e repudiar a ação em curso de preparação de uma nova convenção, após a de 1943 ter sido considerada inconstitucional, na sequência da queda do governo de Getúlio Vargas. A CC, em parecer de Júlio Dantas, apelou à necessidade de honrar compromissos, defendendo não haver necessidade de praticar atos unilaterais.32 Discutido de forma acalorada, o projeto foi rejeitado na AN. Requerida a contraprova da votação, foi novamente rejeitado. Os proponentes requereram depois a votação nominal, confirmando-se a rejeição por dois votos.33

  • 34 DS, suplemento ao nº 98, 16 de abril de 1951, 862-863.
  • 35 DS, nº 105 e 106, 30 de abril e 1 de maio de 1951, 986-987, 998-1002.

25Extenso debate envolveu o projeto de lei nº 140, submetido por Paulo Cancela de Abreu, relativo à ratificação de decretos-leis, que propunha que a AN (por maioria de dois terços) pudesse suspender a execução de decretos-leis, ratificados com emendas, na parte que criassem novos serviços de pessoal ou alterassem quadros existentes. Recordando que o tema era recorrente nas revisões constitucionais, o relator do parecer da CC, António Pinto de Mesquita, apreciava favoravelmente o projeto, sugerindo-lhe modificações: nos casos em que a ratificação fosse concedida com emendas deveria o diploma ser enviado à CC para apreciação, continuando em vigor, desde que a AN não suspendesse a sua execução. O procurador, que enquanto deputado apresentara um projeto semelhante em 1935, manifestava sensibilidade à circunstância da AN não exercer livremente a sua fiscalização, o que o levava a falar em “verdadeiro cerceamento da ação do órgão de revisão”.34 Contra o projeto de lei e a posição da CC manifestou-se Mário de Figueiredo, que, defendendo a posição governamental, avisava que assim se caminhava para a destruição do princípio da igualdade legislativa entre o executivo e a AN (estabelecido em 1945). Contestando este argumento, vários deputados indignaram-se com a prática de vários decretos regulamentares surgirem como decretos-leis, com matérias que não deviam figurar nestes diplomas (Pinto Barriga); ou com a diminuição da atuação da AN em matéria legislativa (Melo Machado). Assumindo a necessidade de prestigiar a AN, os deputados aprovaram o projeto de lei nº 140, contrariando abertamente o executivo.35

  • 36 DS, nº 71 e 72, 13 e 14 de fevereiro de 1959, 175, 198-199.
  • 37 DS, nº 93, 15 de abril de 1959, 460-472. Deste argumento da CC divergiram alguns deputados, duran (...)

26O momento constituinte de 1951 constituiu, de certa forma, um prelúdio da revisão seguinte, de 1959, quanto ao ambiente político e à disposição dos deputados para abordarem determinadas matérias e se confrontarem com as diretrizes do executivo. Num clima de crise política e social, com divisões profundas nas bases tradicionalmente apoiantes do regime, alimentado pelas eleições presidenciais de 1958, nas quais se discutira a transição para um futuro do país sem Salazar à frente da governação, foi pacífica a decisão de antecipar a revisão constitucional proposta pela CLR da AN.36 Ajudava a esta posição da AN o facto de, em 1951, se ter fixado como doutrina que o horizonte das revisões constitucionais deveria ser ajustado às realidades, menorizando-se o cumprimento estrito dos limites temporais para alterar a constituição. Estipulava-se que o período mínimo de estabilidade teria de ser de 4 anos (uma legislatura). Também a CC, em parecer de Afonso Rodrigues Queiró (relator dos pareceres emitidos sobre as várias iniciativas de revisão que seriam apresentadas), aprovou a decisão. Justificava que estavam dentro do quinquénio da revisão ordinária (que deveria acontecer em 1961), e este, pela primeira vez, funcionara como limite máximo para a antecipação.37

  • 38 DS, nº 86, 20 de março de 1959, 356, 375-377.

27A proposta de lei nº 18 tinha por principal objetivo alterar o sistema de designação do chefe de Estado. Pretendia-se consolidar um formato que impedisse a repetição de fenómenos como o protagonizado por Humberto Delgado. Associada a esta questão surgiram modificações como: eliminar a necessidade de apreciação da idoneidade política dos candidatos presidenciáveis (introduzida na revisão de 1951); aumentar o número de deputados; criação de constituição de comissões eventuais fora dos períodos de funcionamento efetivo da AN (colocadas sob competência do seu presidente); alargamento da possibilidade de participação dos membros do Governo às comissões eventuais e não só às permanentes; comparência de ministros na AN como delegados do Presidente do Conselho; recuperação da divisão distrital, sem prejuízo da designação provincial.38 Conhecida a posição governamental, foram apresentados oito projetos de lei de revisão, nº 19 a 26, naquele que foi o número mais elevado destas iniciativas legislativas em momentos constituintes do estado autoritário. A diversidade de projetos revelava maior disposição dos deputados para gerarem alternativas às soluções defendidas pelo executivo.

28O projeto nº 19, submetido por António Carlos Lima, incidiu sobre o tema mais frequente das revisões constitucionais, o das funções dos órgãos de soberania. Revelava como sucessivas alterações à constituição que haviam tocado esses aspetos continuavam sem convencer parte da AN, que as percecionava como “mutilações à sua força legislativa”. Propunha – com recurso a soluções que já tinham constado do texto constitucional ou que haviam sido discutidas – o reforço da competência legislativa da AN (num alargamento da competência legislativa reservada que se estabelecera em 1951) e o aumento do período normal do seu funcionamento para cinco meses; extensão do instituto da ratificação a todos os decretos-leis publicados pelo governo; atribuição de competência aos tribunais para conhecerem da inconstitucionalidade orgânica ou formal de diplomas promulgados pelo chefe de Estado, nos casos em que a inconstitucionalidade resultasse da infração de se legislar sobre matérias que eram da competência exclusiva da AN. Rejeitava-se o argumento de que a AN era um órgão de pesada composição e sem capacidade para ter velocidade legislativa, tanto como a defesa de uma atividade predominantemente fiscalizadora para a AN, apontando falta de apoios de quaisquer serviços para esse efeito. Criticavam-se dependências financeiras que comprometiam a independência dos deputados e denunciavam-se procedimentos recorrentes do governo que resultavam, para os deputados, na tomada de conhecimento de última hora dos assuntos a discutir (Lima 1971, 15-78).

  • 39 DS, nº 90, 8 de abril de 1959, 413-414.

29Duarte do Amaral apresentou o projeto de lei nº 20, que sugeria que nas sessões da AN tomasse parte um delegado da CC (participação não obrigatória); que o chefe do governo delegasse nos secretários de estado a comparência na AN para esclarecimento de assuntos de interesse nacional; que os deputados pudessem formular, por escrito, perguntas, para esclarecimento da opinião pública, sobre quaisquer atos do governo e da administração. Uma recusa de resposta só poderia ter como fundamento um segredo de estado, mas salvaguardava-se a autoridade do ministro (prévia autorização) sobre as respostas das estações oficiais. Propunha que as alterações sugeridas nos pareceres da CC fossem discutidas e votadas pela AN como propostas de eliminação, substituição ou emenda.39

  • 40 Idem, 414-415.
  • 41 DS, nº 91, 9 de abril de 1959, 435.

30Manuel Homem de Melo insistiu, com o projeto de lei nº 21, no aumento do número de deputados para 150 e alargamento das competências da AN (exclusivo da criação de impostos e taxas; aprovação das bases gerais do regime e organização da eleição do Presidente da República e deputados; perda e aquisição de nacionalidade; habeas corpus; classificação dos crimes e delitos e penas aplicáveis), incluindo as suas atribuições legislativas para os territórios coloniais. Propunha que a iniciativa dos deputados, em matéria constitucional, fosse limitada à subscrição de um projeto de revisão por um mínimo de cinco elementos. Atribuía capacidade à CLR para apresentar projetos de alteração constitucional.40 De sentido doutrinal contrário, surgiu o projeto de lei nº 26, de Augusto Cerqueira Gomes, estabelecendo o sufrágio orgânico para eleição do chefe de Estado e da AN. Com o projeto de lei nº 24, Adriano Duarte Silva pretendeu um novo regime para Cabo Verde na organização administrativa. Sugeria a revisão dos preceitos constitucionais que obstavam a que pudesse ser consagrado um regime de administração (para quaisquer províncias ultramarinas) semelhante ao das ilhas adjacentes. Outros deputados, Cortês Pinto, Abranches do Soveral, Cid Proença e Júlio Evangelista, pretenderam, com o projeto de lei nº 25, substituir a palavra “raça” por “etnia” no art. 12º da constituição.41

  • 42 DS, nº 90, 8 de abril de 1959, 415.
  • 43 DS, nº 91, 9 de abril de 1959, 434-435.
  • 44 DS, nº 109, de 15 de maio de 1959, 766-789.
  • 45 DS, nº 110 a 132, de maio, junho e julho de 1959, 797 e ss.

31O projeto de lei nº 22, elaborado por Afonso Augusto Pinto, abordou, com novidade, o tema da garantia de fiscalização jurisdicional da legalidade da administração e a garantia da fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das normas jurídicas.42 Todavia, foi o projeto de lei nº 23, submetido por Carlos Lopes Moreira e outros dez deputados, o mais disruptivo. Sustentava o aditamento de um preâmbulo a invocar o nome de Deus, propunha a obrigação de publicar uma lei de imprensa ou a proibição de acumulação de empregos públicos e de lucros anómalos do capital. Reclamava a modificação do preceito que determinava a relação do estado com o seu território, equiparando as províncias ultramarinas com o “continente”.43 Chamada a dar parecer sobre estes projetos, a CC rejeitou quase todas as alterações e aditamentos dos vários projetos, com exceção de algumas modificações, às quais deu, porém, na maioria dos casos, nova redação. Na linha da doutrina e da orientação que assumia desde 1935, a CC mostrou-se refratária ao reforço dos poderes da AN e das garantias contenciosas do cidadão, bem como a alterações que envolvessem a regulação em forma de lei dos direitos, liberdades e garantias.44 A discussão na AN foi longa, complexificando-se quer pela votação simultânea de preceitos semelhantes insertos nos vários projetos, quer pelo aparecimento de propostas de emenda e substituição. Apesar da simpatia que suscitaram diversas alterações dos projetos de lei nº 19, 21 e 23, a maioria foi rejeitada.45

32No debate, diversos deputados acusaram desagrado pelos pareceres da CC, designadamente por contribuir para “uma eutanásia a prazo” da AN (Lima 1971, 72), ao apoiar a diminuição dos seus poderes legislativos e eliminar as restrições à capacidade legislativa do governo. O líder parlamentar e os deputados com maior ligação ao governo revelaram dificuldade em orientar o sentido de voto dos parlamentares, arrastando debates e perdendo algumas votações de moções e propostas de emenda e substituição. O caso mais difícil de controlo da ação política dos deputados envolveu a votação da alteração que invocava o nome de Deus, em preâmbulo à constituição. Não foi votado esse preceito do projeto de lei nº 23, mas outra moção, que, votada com prioridade (pedido de Soares da Fonseca) e nominalmente (pedido de Carlos Moreira), foi rejeitada por 43 votos contra e 37 favoráveis. Foram poucas as propostas de modificação da constituição consagradas na lei nº 2100 de 29 de agosto, que operou a revisão de 1959, e, dessas, raras foram as que não sofreram alterações de redação (este expediente, por vezes, permitiu manipular e alterar o conteúdo da alteração preconizada), a saber: compromisso de publicação de lei de imprensa; dever do estado impedir os lucros do capital; alargamento das competências da AN ao habeas corpus e às garantias dos juízes dos tribunais ordinários; possibilidade de os deputados formularem perguntas por escrito ao governo; mínimo de 10 deputados para submissão de projetos de revisão constitucional.

4. Defesa das liberdades e transformação normativa da sociedade (1971)

  • 46 DS, nº 50, 2.º suplemento, 3 de dezembro de 1970, 1049 e ss.

33O último momento constituinte da ditadura iniciou-se em dezembro de 1970, com a apresentação da proposta de lei nº 14/X (Alterações à Constituição Política). Visando reduzir pressões políticas e sociais que recaíam sobre si, o executivo ambicionou alterar numerosas matérias constitucionais: composição e funcionamento da AN e distribuição de competências entre esta e o governo; situação jurídica dos estrangeiros; receção de normas internacionais no direito interno; estrutura político-administrativa do ultramar; garantias individuais. Todavia, não se promovia nenhuma evolução política substantiva e assumia-se a necessidade de manter a estrutura da Constituição de 1933.46 Este posicionamento fragilizou a possibilidade de o governo alcançar os objetivos pretendidos.

34Como foi já notado pela historiografia, o processo constituinte iniciou um período de isolamento, sem retorno, para o executivo marcelista, numa fase do regime em que a oposição surgia cada vez mais estruturada (integrando inclusivamente algumas estruturas oficiais, como os sindicatos nacionais, ou desenvolvendo as suas próprias organizações culturais e políticas, ainda que essas não tivessem, na maioria dos casos, existência formal) e as forças políticas apoiantes da situação se encontravam bastante divididas sobre o conflito militar em África, a estratégia económica com o exterior e o reforço das liberdades. A proposta governamental de revisão desagradou aos sectores mais tradicionalistas, que a percecionaram como demasiado liberalizante, a pouca distância da “negação da constitucionalidade” (Armando de Roboredo e Silva ou Francisco Cazal-Ribeiro). Frustrou também expectativas aos que aguardavam uma transformação do regime no sentido das democracias de tipo ocidental (caso de deputados da chamada “ala liberal”, ainda que alguns entendessem como positivas as alterações sugeridas para o ultramar) (Pinto 1973, 30-31, 55, 100-101, 128).

  • 47 DS, nº 59, suplemento, 19 de dezembro de 1970, 1236-1236(4).

35O espírito que animava estes últimos deu origem ao projeto de lei nº 6/X, subscrito por Sá Carneiro e outros 14 deputados, que pretendiam constitucionalizar os direitos ao trabalho, à informação livre, de circulação e de residência, e de emigração. Propunham o reconhecimento efetivo do exercício das liberdades (isentando-as do poder regulador discricionário do governo e da administração); a consagração da inviolabilidade de domicílio e o sigilo da correspondência; regresso ao sufrágio direto na eleição do chefe de Estado, cujos poderes presidenciais de dissolução eram diminuídos, terminando também o exercício da chefia suprema das Forças Armadas; reforço das imunidades e regalias dos deputados; atribuição aos deputados da possibilidade de consulta à CC sobre projetos de lei a apresentar; proibição de tribunais especiais (exceto fiscais ou essencialmente militares); garantia de publicidade para as audiências dos tribunais (exceção para casos contrários à ordem pública ou aos bons costumes); eliminação da possibilidade do Presidente da República recusar a promulgação dos decretos da AN sobre revisão constitucional.47

  • 48 DS, nº 88, 4.º suplemento, 31 de março de 1971, 1770 e ss.

36Tratava-se de modificações inovadoras, sobretudo por restaurarem uma conceção jusnaturalista e individualista dos direitos fundamentais e representarem um corte com processos (e por extensão com instituições) repressivos. Tal intencionalidade foi captada pela CC, que admitia o “real inconveniente” de vincular o legislador a tais opções, quando existiam “sérias dificuldades no âmbito da sua defesa e da sua integridade [do país]”, e imperava “preservar a frente interna contra os seus inimigos”.48 Dois anos após a conclusão da revisão, quando já havia renunciado ao mandato (para o que alegou impossibilidade de atuação), Sá Carneiro explicou que o fracasso daquela iniciativa legislativa impedira a instauração de um sistema presidencialista, onde a AN evoluiria para ser legislativamente soberana e se admitiriam partidos políticos (Pinto 1973, 27-28).

37Menos fraturante, foi o projeto de lei n.º 7/X, proposto por Duarte Freitas do Amaral e mais 14 deputados, que nalgumas matérias seguia orientação semelhante ao projeto n.º6/X, designadamente quanto às competências do Presidente da República. Fomentava maior dirigismo do estado sobre sectores e agentes económicos, e consagrava as ideias de pleno emprego dos recursos produtivos e estabilidade relativa dos preços. Tornava competência exclusiva da AN a programação económica (planos de fomento e correspondentes leis de autorização). Tal como o projeto de lei n.º 6/X, admitia que a CC detivesse alguma iniciativa legislativa, ainda que por outra via: alterações contidas nos seus pareceres seriam enviadas à AN como propostas de eliminação, substituição ou emenda, para efeitos de discussão e votação, independentemente de outra iniciativa. A celeuma que despertou envolvia a proposta de criação de um preâmbulo à constituição de invocação do nome de Deus, que retomava idêntica aspiração constituinte de 1959 e que, desde 1969, no ambiente de expectativa suscitado pela substituição de Salazar por Caetano, voltara a ser publicamente colocada por sectores católicos.

38Através dos pareceres nº 23/X e 24/X, elaborados por Afonso Rodrigues Queiró, a CC não aprovou na generalidade os dois projetos de lei, numa decisão polémica entre procuradores, levando alguns (Maria de Lourdes Pintasilgo, Diogo Freitas do Amaral, André Gonçalves Pereira, Henrique Martins de Carvalho) a declararem-se vencidos e a defenderem a aprovação na especialidade ou apenas algumas modificações (entre elas, a do preâmbulo constitucional). Na AN, a discussão da proposta de lei nº 14/X, apesar de formalmente admitida pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (criada por despacho do presidente da AN, a 1 de março de 1971), foi substituída por outra proposta de revisão produzida por essa comissão. Esse texto, precedido de um relatório (cujo relator foi o ex-ministro Gonçalves de Proença), combinava sugestões das três iniciativas legislativas de revisão e as alterações de redação sugeridas pela CC.

  • 49 DS, nº 101, 102 a 116, 16 e 17 de junho a 2 de julho de 1971, 2044 e ss.

39Fazendo prevalecer as modificações sugeridas pelo governo, a comissão evitou as alterações mais disruptivas dos projetos de lei, embora aceitando algumas, que recriou na redação ou posição no articulado. As adaptações, que serviram para desvirtuar a doutrina ou domesticar a intencionalidade política que lhe davam os seus promotores, resultaram: na inclusão de referência à rádio e televisão no art. 23º; na inserção do nome de Deus no art. 45º (caindo a ideia do preâmbulo); em novas atribuições do Conselho de Estado (art. 84º, alínea a). Esta forma de proceder permitiu retirar formalmente da discussão as três iniciativas de revisão. Todavia, na discussão da proposta da comissão, o debate envolveu todos os textos e registou, na globalidade dos processos constituintes do regime, o quadro de maior tensão entre parlamentares e destes com as expetativas e instruções do governo.49

5. Conclusão

40Pela frequência com que ocorreram (com pequenos intervalos temporais entre si) e pelas alterações que introduziram à Constituição de 1933, os processos de revisão condensaram, na globalidade, uma experiência de alta modelagem dos conteúdos constitucionais. Das várias modificações introduzidas (e que maioritariamente foram de redação), algumas contrariaram preceitos aprovados no plebiscito de 1933, nomeadamente quanto ao exercício da função legislativa, modo de eleição do Presidente da República, competências dos órgãos de soberania. Paradoxalmente, tais alterações não tiveram, contudo, alcance suficiente para significar a consagração de diferentes estádios do direito público. Por outras palavras, não aprofundaram quaisquer processos de diferenciação institucional ou de inclusão social, distinto do que foi fixado em 1933, surgindo antes como variações dentro do mesmo modelo político-normativo. Para tanto, terá concorrido o facto de não terem tido fundamento experimental (Carneiro 1971, 50), isto é, não decorrerem da demonstração de ineficácia dos arranjos constitucionais. Relacionaram-se, antes, com a gestão de crises políticas do regime. Se até 1945 o governo evitou praticar uma política de maximização desses episódios, depois da ameaça que a oposição demonstrou ser para a governação, nas eleições de 1949 e de 1958, recorreu a essa estratégia e as revisões da constituição foram um dos recursos ativados. A durabilidade das soluções constitucionais, definidas nas revisões, não foi a maior preocupação do executivo, contando aparentemente mais a chegada ao consenso imediato.

41Nos momentos constituintes, as relações entre o governo e os deputados seguiram a práxis política dos momentos legislativos ordinários: tanto regimental, como a negociação extraparlamentar. Esta última teve grande peso e o pré-compromisso moldou muito os debates e as soluções das revisões. A maioria dos deputados revelou disponibilidade para acompanhar as opções do governo, quer na definição dos valores e princípios constitucionais, quer nas soluções de montagem dos processos constituintes e nos argumentos que determinaram a sua ocorrência. Este posicionamento começou a ser posto em causa com maior frequência depois de 1951 e eclodiu com força em 1971. Não por acaso, na última revisão alguns constituintes colocaram de forma inédita o problema da relação com as gerações futuras, defendendo fórmulas que viabilizassem a democratização do regime.

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Notas

1 Sobre a génese da Constituição de 1933, António Araújo ocupou-se das propostas que concebiam a organização do sistema político (destinadas a compor a II Parte do então projeto de estatuto constitucional) ; no segundo caso, Paula Borges Santos observou as sucessivas alterações à estrutura económica introduzidas nas versões preliminares do texto constitucional.

2 Estudos similares, envolvendo os trabalhos da Assembleia Constituinte de 1911, encontram-se em Catroga (2010, 161-199) e Leal (2017, 223-244).

3 Este recorte impede que se abordem neste estudo as posições da própria União Nacional ou da oposição sobre a constituição e suas revisões, que merecem um tratamento individualizado.

4 Saliente-se que o Presidente da República, não podendo apresentar alterações ao texto constitucional, tinha, no entanto, poderes que o tornavam um elemento-chave nos processos constituintes, dado que lhe cabia designadamente a promulgação das leis de revisão. Após a primeira revisão constitucional, o Presidente da República passou ainda a deter a faculdade (que nunca exerceu) de submeter a plebiscito nacional as alterações à constituição referentes à função legislativa (Carneiro 1971, 38).

5 Ainda por estudar em profundidade, a “questão constitucional” na Ditadura Militar mereceu breve enquadramento por Miranda (2014, 255-258) e Chorão (2009, 528) ; outra interpretação encontra-se em Santos (2018, 175-177).

6 Para aprofundamento da crise político-militar deste período, consulte-se Farinha (1998) e Rosas (2012, 74-134).

7 Para uma análise das tipologias de ditaduras, da reconstrução do pensamento de Salazar sobre esta forma de exercício do poder e as influências que teria acolhido, leia-se Catroga (2011, 47 e ss).

8 Por esta razão, este artigo não se debruça sobre este momento constituinte.

9 Diário das Sessões (DS), nº 8, 23 de janeiro de 1935, 69-71.

10 DS, nº 8, suplemento nº 6, 4 de fevereiro de 1935, 127-133.

11 DS, nº 11, 12, 16 e 17 de fevereiro de 1935, 202-211, 217-226, 319-332, 342-354.

12 DS, nº 8, 23 de janeiro de 1935, 89-95.

13 DS, nº 14, suplemento nº 2, 15 de fevereiro de 1935, 1-7.

14 DS, nº 12, 16 e 17, fevereiro de 1935, 217-226, 319-332, 342-354.

15 DS, nº 14, suplemento nº 5, 19 de fevereiro de 1935, 1-2.

16 DS, nº 16 e 17, 21 e 22 de fevereiro de 1935, 319-332, 342-354.

17 DS, nº 150, 6 de dezembro de 1937, 213-214.

18 DS, nº 155, 16 de dezembro de 1937, 260-264.

19 Arquivo Histórico Parlamentar (AHP)/Assembleia Nacional (AN) : Secção XXVIII, caixa 10, nº 1.

20 DS, nº 185, suplemento nº 2, e nº 187, respetivamente de 13 e 20 de abril, 702K-702Z, 726-727.

21 Nomeada em 15 de abril de 1937, esta comissão, formada por Cancela de Abreu (seu presidente e quem a havia sugerido), Dinis da Fonseca e João do Amaral, foi encarregada de elaborar sugestões de revisão do regimento da AN e da constituição (DS, nº 127, 16 de abril de 1937, 631).

22 AHP/AN : Secção XXVIII, caixa 10, nº 4 : “Proposta de alterações ao regimento apresentada pela comissão nomeada em sessão de 15 de abril de 1937” [inclui “Anexo I) Projeto de lei relativo a alterações ao Título III da Parte II da Constituição”].

23 DS, nº 147, suplemento nº 2, de 1 de dezembro de 1937, 178F-178K.

24 DS, nº 150 a 156, 6 a 17 de dezembro de 1937, 213-219, 222-228, 230-238, 240-247, 250-257, 264-268, 272-278.

25 DS, nº 150, 6 de dezembro de 1937, 211-213.

26 Contestaram aquela iniciativa : a Associação dos Comerciantes do Porto, os Sindicatos Nacionais dos Trabalhadores do Vinho do Porto, dos Profissionais da Indústria Hoteleira e Similares, do Pessoal dos Carros Elétricos, dos Empregados Viajantes e Praça, dos Operários de Artes Gráficas e Ofícios Correlativos, dos Empregados de Comércio do Distrito do Porto. Cf. AHP/AN : Secção XXVIII, caixa 10, nº 2.

27 PT/Torre do Tombo (TT)/Arquivo Marcelo Caetano (AMC) : Caixa 3, nº 1.

28 PT/TT/AMC : Caixa 3, nº 2.

29 DS, nº 74, 24 de fevereiro de 1951, 388-415.

30 DS, nº 23 a 26, 2, 3, 4 e 8 de março de 1950, 326-328, 367-369.

31 DS, nº 91 e 99, 4 e 18 de abril de 1951, 724-726, 867.

32 DS, nº 98, 14 de abril de 1951, 862.

33 DS, nº 85, 15 de março, 622 ; nº 104 e 105, 28 e 30 de abril de 1951, 961-972, 981-986.

34 DS, suplemento ao nº 98, 16 de abril de 1951, 862-863.

35 DS, nº 105 e 106, 30 de abril e 1 de maio de 1951, 986-987, 998-1002.

36 DS, nº 71 e 72, 13 e 14 de fevereiro de 1959, 175, 198-199.

37 DS, nº 93, 15 de abril de 1959, 460-472. Deste argumento da CC divergiram alguns deputados, durante o debate na generalidade das iniciativas legislativas de revisão.

38 DS, nº 86, 20 de março de 1959, 356, 375-377.

39 DS, nº 90, 8 de abril de 1959, 413-414.

40 Idem, 414-415.

41 DS, nº 91, 9 de abril de 1959, 435.

42 DS, nº 90, 8 de abril de 1959, 415.

43 DS, nº 91, 9 de abril de 1959, 434-435.

44 DS, nº 109, de 15 de maio de 1959, 766-789.

45 DS, nº 110 a 132, de maio, junho e julho de 1959, 797 e ss.

46 DS, nº 50, 2.º suplemento, 3 de dezembro de 1970, 1049 e ss.

47 DS, nº 59, suplemento, 19 de dezembro de 1970, 1236-1236(4).

48 DS, nº 88, 4.º suplemento, 31 de março de 1971, 1770 e ss.

49 DS, nº 101, 102 a 116, 16 e 17 de junho a 2 de julho de 1971, 2044 e ss.

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Paula Borges Santos, «Outros pulsares do Estado autoritário em Portugal: argumentando e negociando nas revisões constitucionais, 1935-1971»Ler História, 75 | 2019, 41-63.

Referência eletrónica

Paula Borges Santos, «Outros pulsares do Estado autoritário em Portugal: argumentando e negociando nas revisões constitucionais, 1935-1971»Ler História [Online], 75 | 2019, posto online no dia 12 janeiro 2020, consultado no dia 21 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/5469; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.5469

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Paula Borges Santos

Instituto de História Contemporânea – Universidade Nova de Lisboa, Portugal

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