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Materiais da Memória

Um longo degelo: a guerra colonial e a descolonização nos ecrãs portugueses (1974-1994)

Um inventário
Un long dégèle: la guerre coloniale et la décolonisation sur les écrans portugais: un inventaire (1974-1994)
A long thaw: the colonial war and the decolonization in Portuguese screens (1974-1994). An inventory
Carlos Maurício
p. 159-177

Resumos

No último meio-século, a construção das representações e imagens coletivas tem passado crescentemente pelo cinema e pela televisão. Alguns teóricos defendem mesmo que o conceito de «picturial turn» se tornou tão importante como o de «linguistic turn» havia sido algumas décadas atrás. O presente inventário abarca todas as narrativas para ecrã, realizadas em Portugal entre 1974 e 1994, que tenham como tema a guerra colonial e/ou a descolonização.

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Texto integral

1A Guerra Colonial e a Descolonização foram os dois acontecimentos mais traumáticos sucedidos em Portugal no meio século compreendido entre 1960 e 2010. Este trabalho pretende inventariar a produção nacional, por parte de realizadores e de jornalistas de televisão, das narrativas e discursos onde a guerra colonial e/ou a descolonização foram temas centrais. Esses discursos foram produzidos entre o 25 de abril de 1974 e os finais de 1994. Um período que poderíamos definir, numa perspetiva estática, como os «anos de gelo». Com efeito, quase todo o vinténio é marcado por fortes continuidades, pontuadas por algumas mudanças. Numa perspetiva dinâmica, porém, poderíamos também definir este período como um «lento degelo». A mudança que nele se verifica em 1994, só em 1991 principia a desenhar-se timidamente.

2Este Inventário elenca 54 obras: 16 ficções, 11 documentários, 17 documentários feitos para televisão e 10 produções de formato especificamente televisivo (mesas-redondas e entrevistas).

3As obras de ficção denotam a existência de sentimentos de culpa por parte dos personagens e a sua dificuldade de adaptação à «normalidade», após o regresso à metrópole. Neste ponto, prolongam a representação que o Cinema Novo construiu, na anterior década, acerca do impacto destrutivo da guerra sobre a juventude (Mudar de Vida, O Amor Desceu de Pára-quedas, Grande, Grande era a Cidade, Perdido por Cem, O Mal-Amado). Sem quase nunca ocupar a ribalta, a Guerra Colonial estava presente nos filmes do pós-25 de abril através das suas consequências na metrópole. De cinco filmes de ficção, no período 1974-84, salta-se significativamente para onze ficções realizadas entre 1985-94. Dois dos filmes mais assinaláveis em qualquer antologia sobre o tema situam-se aliás nestes dez anos: Um Adeus Português, de João Botelho (1985) e Non, a ou Vã Glória de Mandar, de Manoel de Oliveira (1990).

4Se o número de ficções duplica, os documentários registam um movimento inverso. Passam de nove no período 1974-84, para apenas dois no período 1985-94. Entre os documentários pertencentes ao primeiro período a perspetiva anti-colonial era evidente em pelo menos 2/3. Já nos documentários do segundo ela desaparece por completo: um aborda a comunidade cabo-verdiana em Portugal, o outro divulga uma exposição de ilustrações e fotografias de Timor, realizada em Lisboa. Encontramos uma curva muito semelhante entre os documentários realizados para a TV (quase sempre produzidos pela televisão estatal). De treze obras realizadas no período 1974-84, cai-se para apenas quatro no período 1985-94. Onze desses treze documentários do período 1974-84 possuem uma perspetiva claramente anti-colonial. Muitos documentam o momento da independência, o primeiro ano da existência independente dos novos Estados africanos ou o fenómeno da persistência do racismo no cone sul-africano. Se, todavia, quisessemos indagar do peso destes trabalhos no conjunto do documentarismo dedicado ao 25 de abril e ao PREC ou, ainda, no total da produção deste género cinematográfico no Portugal da década de 70, chegaríamos ás seguintes conclusões. Entre 1974-80 foram produzidos 83 documentários (incluindo documentários para a televisão) sobre o 25 de abril e o PREC. Destes, apenas doze se ocuparam da Guerra Colonial e/ou do nascimento dos novos países africanos (e alguns, de forma apenas parcial). Claramente, os assuntos domésticos solicitavam muito mais a atenção dos criadores de produtos audiovisuais e da opinião pública nacional. Pouco depois de ter sido realizada a transferência de poderes, o passado imperial passou a ser visto como um fardo na memória – que era preciso eliminar mais uma vez. Do total dos 383 documentários realizados entre 1974-80, as obras relacionadas com a Guerra Colonial e/ou a Descolonização representavam apenas 3% (P.N.C.Santos, p. 89-90, p. 211). Este dado é significativo atendendo à dimensão histórica do que estava em causa: pela primeira vez em cinco séculos e meio Portugal ficava reduzido ao seu território peninsular.

5Quanto aos quatro documentários televisivos do período 1985-94, destaca-se entre eles Geração de 60, realizado por Diana Andringa, e transmitido em seis episódios. Tratou-se de uma iniciativa pioneira, na RTP, na abordagem do período das Guerras Coloniais, consubstanciada em 105 entrevistas que totalizavam 180 horas de gravação. Os outros três documentários televisivos datam todos de 1994, sendo dois realizados no âmbito do 20.º aniversário do 25 de abril. A postura francamente anti-colonial e alinhada com o processo de descolonização, evidente nos primeiros anos, encontra uma primeira barreira com a suspensão da série «Os Anos do Século», após a exibição do episódio intitulado «Uma guerra inútil» (março de 1979). Se, a partir daí ficou claro que, à esquerda, não era permitido denegrir a imagem da igreja católica nem atentar contra o prestígio das Forças Armadas, a polémica gerada, dois anos depois, a propósito da leitura feita pela «Grande Reportagem» (outubro de 1981) do «Relatório sobre Timor» – elaborado em 1976, mas mantido em segredo até então – tornava claro que, à direita, não se podiam ultrapassar também certos limites. Nomeadamente, acusar sem fundamento as autoridades políticas e militares de 1975 de cumplicidade com a anexação de Timor pela Indonésia. De ambos os episódios resultava claro que os poderes político e militar não estavam dispostos a tolerar que as Forças Armadas fossem enxovalhadas na praça pública, quer a propósito da Guerra Colonial quer da Descolonização.

6O alheamento que se instala após 1977, por parte da televisão pública, em relação à guerra, à descolonização e aos retornados contrasta com as polémicas que durante os anos 70 agitaram a sociedade portuguesa em torno destes assuntos. Num levantamento que realizei, sobre os livros publicados entre 1974 e 1999 centrados sobre a História do Colonialismo Português em África, a Guerra Colonial ou a Descolonização, verifiquei que o período 1974-79 foi o mais prolixo, com 143 títulos publicados. Os livros foram catalogados em cinco categorias: (1.ª) Livros de intervenção / Polémica / Ensaio político / Justificação de atuação política ou militar. (2.ª) Testemunhos / Memórias / Diários. (3.ª) Relatos / Investigação jornalística / Reportagem / História não-académica. (4.ª) Documentos / Materiais arquivísticos / Catálogos de exposição / Inventários / Cronologias / Relatórios de organismos oficiais. (5.ª) Estudos científicos / Historiografia universitária / Estudos jurídicos. Ora no período que medeia entre 1974 e 1979 os livros com claros intuitos polémicos (em defesa ou condenação da Guerra e/ou da Descolonização) totalizam 93 títulos (isto é, só esta categoria representa 65% do total). Se a isto somarmos os artigos da imprensa de direita mais conservadora (A Rua, O Diabo) podemos avaliar como as representações veiculadas pela televisão pública andavam longe do que então se escrevia nos livros ou na imprensa mais conservadora. A imagem da televisão silencia por completo essas posições, que questionavam abertamente o «abandono do Ultramar», o modo como a transferência de poderes havia decorrido e denunciavam os dramas sociais vividos pelos retornados. São estas visões recalcadas, social e politicamente desvalorizadas, e etiquetadas como «conversa de reacionários», que vêm à superfície em 1994.

7De facto, entre 1974 e o início dos anos 90, nem a Guerra Colonial nem a Descolonização eram discutidas ou objeto de entrevista na televisão pública. Convém, porém, precisar que estes dois formatos televisivos demoraram algum tempo a instalar-se entre nós de forma regular. Até 1991, não encontro qualquer mesa-redonda ou entrevista centrada nestes temas. Mas a partir daí, o panorama começa a mudar, como o atestam o programa «Falar Claro», de Joaquim Furtado (1991, 1992), ou a entrevista a Rosa Coutinho, em 1993, na qual Jaime Nogueira Pinto se encarregou de estabelecer o contraditório. Na verdade, no período 1991-94, e no conjunto dos três canais, foram transmitidos seis debates e quatro entrevistas (Rosa Coutinho, Costa Gomes, Mário Soares e Melo Antunes). Esta passagem de 0 para 10 foi potenciada pelo fim do monopólio da RTP. A SIC principiara as suas emissões a 6 de outubro de 1992, seguida da TVI, que começara a emitir a 20 de fevereiro de 1993. A entrada em cena dos operadores privados, dando início à guerra de audiências entre canais, foi crucial na alteração da relação que a televisão mantinha com a Guerra Colonial e a Descolonização. Embora outros fatores existissem. Num outro trabalho (C. Maurício, 2011, p. 282 e p. 289-291) assinalei como esta viragem de 1994 – na qual os debates televisivos haviam funcionado enquanto «mecanismo de gatilho» – deve ser compreendida no rescaldo da Queda do Muro de Berlim e do termo da Guerra Fria, no contexto da «década de ouro» do PSD, partido sem responsabilidades no processo de descolonização e sem os complexos de culpa muito frequentes à esquerda, e no concreto momento em que os ex-combatentes haviam feito ouvir pela primeira vez a sua voz em sociedade. Falo da cerimónia de inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, ocorrida no dia 15 de janeiro de 1994, em Belém. Nessa noite, os telejornais exibiram para todo o país as imagens do Primeiro-Ministro, Cavaco Silva, a ser aplaudido por uma vasta assistência, ao mesmo tempo que o Presidente da República, Mário Soares, era apupado. Convidado, em 1987, a fazer parte da Comissão de Honra da iniciativa, Soares declinara o convite por entender que ao aceitá-lo estaria a caucionar a Guerra do Ultramar. No trabalho citado notei também como a viragem de 1994 pode ser inteligida à luz dos modelos desenvolvidos pela psicologia social, para os quais as memórias coletivas de um dado acontecimento experimentam alterações significativas a cada 20-25 anos. A entrada em cena de uma nova geração e o progressivo desaparecimento da geração mais velha contribuem para explicar tais alterações. As posições que desde 1974 se encontravam acantonadas em franjas da opinião pública da direita conservadora e da extrema-direita, não se tornavam por isto maioritárias. Mas ganhavam maior audiência e passavam a poder ser defendidas sem complexos. A partir de 1994 começa com efeito a gerar-se uma atmosfera de distensão, que torna possível que os dois colóquios organizados por Rui de Azevedo Teixeira, em 2000-01, tivessem por título, respetivamente, «A Guerra Colonial: realidade e ficção» e «A Guerra do Ultramar: realidade e ficção». O mesmo espírito ressalta do título escolhido por Joaquim Furtado para a série documental televisiva «A Guerra: Colonial / do Ultramar / de Libertação» (aqui é introduzido um terceiro elemento: o ponto de vista dos colonizados), emitida pela televisão pública entre 2007 e 2013, num total de 47 episódios.

8Quando comparado com o período que se inicia em 1994, o período 1974-93 revela uma enorme dificuldade em abordar questões como a descolonização, em pôr em causa a visão dela prevalecente, ou em trazer à televisão o sofrimento dos ex-combatentes, para já não falar dos retornados – essa matéria incómoda sucessivamente varrida para debaixo do tapete da memória. «Não contribuir para abrir feridas ainda não saradas» parece ter sido a atitude dominante dos discursos para a tela durante este período, até ao momento de viragem de 1994. A contrariar esta tendência, apenas o cinema de ficção teimava em manter as feridas abertas.

9As narrativas aqui inventariadas distribuem-se pelos géneros cinematográficos «ficção» e «documentário», pelos géneros televisivos «debate», «entrevista» e «reportagem», e ainda por um género híbrido, contaminado pela linguagem do cinema e da televisão, como é o documentário realizado para TV. Uma vez que nos telejornais o caráter informativo predomina sobre o narrativo, não foram objeto de inventariação. A apresentação das entradas por ordem cronológica – e não por ordem alfabética – visa permitir aos historiadores, e investigadores em geral, a remissão de cada obra para o seu contexto de produção e a sua apreensão na diacronia.

10As entradas são apresentadas de acordo com o seguinte critério:

11Género / Realizador (ano da obra) [data de nascimento]. Título. Argumento / Produção / Data da estreia comercial (ou exibição televisiva) / Duração.

12Sempre que não foi possível preencher algum destes campos assinala-se com: n.d.. Quando não foi possível confirmar com segurança alguns dados, estes são seguidos de (ou substituídos por) um ponto de interrogação.

13O Género é codificado da seguinte forma:

14FIC = Ficção; DOC = Documentário; DOC-TV = Documentário ou Reportagem produzido para a televisão; TV = Formatos exclusivamente televisivos: Entrevista, Debate, Mesa-redonda.

15Em cada ano a ordenação é feita segundo o Género e, dentro deste, por ordem alfabética do nome do realizador (FIC ou DOC) ou por ordem cronológica do dia de emissão (DOC-TV, TV).

16Pontualmente, o inventário insere também, através de entradas em itálico, Ciclos ou Mostras de cinema realizados em Portugal sobre estes assuntos. Tais dados ajudam a contextualizar as restantes entradas.

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Bibliografia

Estudos sobre Portugal

Calheiros, José de Moura, «Fazer a guerra é uma coisa, escrever sobre ela é outra» in Madalena Esperança Pina, coord., IV Jornadas de Memória Militar: Ecos na logística, na medicina e na arte, Lisboa, Comissão Portuguesa de História Militar, p. 103-117, 2011.

Coelho, Eduardo Prado, Vinte Anos de Cinema Português, Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1983.

Costa, José Filipe, O Cinema ao Poder!: a Revolução do 25 de abril e as Políticas de Cinema entre 1974-76: os grupos, instituições, experimentais e projetos, Lisboa, Hugin, 2002.

Cunha, Paulo, «Guerra colonial e colonialismo no cinema português», Estudos do Séc. XX – Colonialismo, Anticolonialismo e Identidades Nacionais, n.º 3, pp. 185-208, 2003.

Delgado, Evandro Sousa, A Imagem dos PALOP na RTP África, Lisboa, ISCSP, Trabalho de seminário, 2005.

Faria, António, «Ficção e guerra colonial: um filme» in Rui de Azevedo Teixeira, ed., A Guerra Colonial: realidade e ficção. Atas do I Congresso Internacional, Lisboa, Editorial Notícias, p. 481-486, 2001.

Ferreira, Eduardo de Sousa, Le colonialisme portugais en Afrique: la fin d’une ère. Les effets du colonialisme portugais sur l’éducation, la science, la culture et l’information, Paris, Presses de l’UNESCO, 1974.

Filmografia / Videografia. Temas: Colonização – Guerra Colonial – 25 de abril – Descolonização (http://guerracolonial.home.sapo.pt/filmografia/filmes.html)

Grilo, João Mário, «Gestos e fragmentos: cronologia crítica do “cinema de guerra” português» in Manuel Themudo Barata (ed.), Nova História Militar de Portugal, Vol. V, Lisboa, Círculo de Leitores, 2004.

Horta, Victor Manuel Martins, África no Imaginário Cinematográfico Português: dos anos 30 a 50, Lisboa, Faculdade de Letras, Tese de mestrado, 2 Vols., 2002.

Loff, Manuel, «Coming to terms with the Dictatorial Past in Portugal after 1974. Silence, remembrance and ambiguity» in Stefan Troebst (ed.), Postdiktatorische Geschichtskulturen in Süden und Osten Europas, Göttingen, Wallstein Verlag, pp. 55-121, 2010.

Madeira, Maria João, 25 de abril no Cinema: Antologia de textos, Lisboa, Centro de Documentação da Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, 1999.

Matos-Cruz, José de, O Cais do Olhar. O Cinema português de longa-metragem e a ficção muda, Lisboa, Cinemateca Portuguesa, 1999.

__________, «Cinema português e guerra colonial» in Rui de Azevedo Teixeira, ed., A Guerra Colonial: realidade e ficção. Atas do I Congresso Internacional, Lisboa, Editorial Notícias, p. 487-491, 2001

__________, «Cinema luso-moçambicano», Camões: Revista de Letras, n.º 2, p. 38-45, 1999.

Maurício, Carlos, «A guerra colonial e a descolonização vistas pelas sondagens de opinião (1973-2004)», Nação e Defesa, n.º 130, p. 267-295, 2011.

Monteiro, Paulo Filpe, «Whispers, bullets and absent presences: Africa in Portuguese cinema», s.d. (http://kellogg.nd.edu/projects/FLAD/pdfs/Monteiro,%20Paulo%20Filipe.pdf)

Ramos, Jorge Leitão, Dicionário do Cinema Português (1962-1988), Lisboa, Caminho, 1989.

__________, Dicionário do Cinema Português (1989-2003), Lisboa, Caminho, 2005.

Ribeiro, José da Silva,»Cinema e guerra colonial, da costa à contracosta» in Rui de Azevedo Teixeira, ed., A Guerra Colonial: realidade e ficção. Atas do I Congresso Internacional, Lisboa, Editorial Notícias, p. 171-183, 2002.

__________, «Cinema e guerra colonial: representações da sociedade portuguesa e construção do africano» in Rui de Azevedo Teixeira, ed., A Guerra Colonial: realidade e ficção. Atas do I Congresso Internacional, Lisboa, Editorial Notícias, p. 285-296, 2001.

Ruas, Joana, «A Guerra Colonial e a memória do futuro» in Rui de Azevedo Teixeira, ed., A Guerra Colonial: realidade e ficção. Atas do I Congresso Internacional, Lisboa, Editorial Notícias, p. 337-351, 2001.

Santos, Pedro Neves de Carvalho, A Intervenção da Imagem: Encanto e Desencanto dos Documentaristas da Revolução de abril (1974-1980), Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Tese de Mestrado, 2006.

Seabra, Jorge, África Nossa: o Império Colonial na Ficção Cinematográfica Portuguesa (1945-1974), Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011.

Silva, Maria Alcina Velho Dourado da, Perfil de uma Televisão a Preto e Branco : imagens dos países africanos lusófonos nos jornais televisivos portugueses da atualidade, Lisboa, ISCTE, Tese de Mestrado, 2001.

Teixeira, Rui de Azevedo, A Guerra Colonial e o Romance Português, Lisboa, Editorial Notícias, 1998.

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Anexo

Inventário cronológico

DOC-TV / António Pedro Vasconcelos (1974) [1939]. Adeus, até ao meu Regresso. A: A.P.V. / P: RTP (Departamento Político-Social) / E: 24.12.1974 (na RTP-1) / 70’

Realizado para televisão, «Adeus até ao Meu Regresso» evoca a frase pela qual muitos soldados terminavam as suas curtas mensagens de Natal para serem televisionadas na metrópole. A exibição ocorreu numa data sumamente simbólica quando, pela primeira vez, em lugar da continuação da guerra, o Natal foi celebrado com os soldados já a regressar. O realizador andou pelo país, à procura dos soldados cujos nomes e aldeias eram citados nas mensagens. Dessa incursão resultaram breves relatos de ex-combatentes, filmados nos seus locais de trabalho ou nas suas habitações, que rondam o patético, a ironia, o absurdo, ou aparecem pontuadas pelo pitoresco sentimental, a amargura ou o irreparável sofrimento. Através dos testemunhos dos ex-soldados, o filme evoca a dimensão do conflito mas sobretudo o que dele restava na consciência do povo. Esta memória vivida da guerra colonial foi durante muitos anos o único filme que o cinema português ousou fazer sobre ela. Em 2005 o documentário seria inserido na edição, em DVD, do filme de ficção «Os Imortais» (2003), do mesmo realizador.

FIC / António Faria (1975 [1972]) [n.d.]. Índia. A: A.F. / P: A.F. / E: 14.02.1975 / 73’

Produzido, antes do 25 de abril, com recursos escassos e no máximo secretismo o filme não foi sequer sujeito ao visionamento da Censura, por convição de que a transgressão do seu discurso impediria a sua aprovação, ou ditaria mesmo a sua destruição eventual. Obra de ficção, lança um olhar crítico sobre a omnipresente narrativa da opulência e do poderio, associados às descobertas marítimas, das riquezas coloniais e do expansionismo. Após deambular pela Lisboa monumental – memória do Império – o realizador parte para a Índia, em busca da grandeza perdida... Sendo declaradamente o primeiro filme anticolonial do cinema português, foi mal recebido pela crítica. Luís de Pina (História do Cinema Português, 1986) escreveu que «António Faria constrói o que poderíamos chamar uma fábula realista, crítica, sobre a colonização portuguesa, passado, presente e futuro, mas a articulação entre a realidade e o seu símbolo, por deficientes condições de produção e por inexperiência, resulta fragmentada, frágil, sem unidade».

FIC / José Fonseca e Costa (1975) [1933 (Angola)]. Os Demónios de Alcácer-Quibir. A: J.F.C. & Augusto Sobral / P: Tobis – Centro Português de Cinema / E: 9.04.1977 / 87’

Uma das primeiras ficções do cinema militante português após o 25 de abril: concebido no Verão Quente de 1975, exibido em Cannes em 1976 e estreado comercialmente em 1977. O filme retrata um Portugal onde saudosistas (simbolizados por D. Gonçalo, um velho aristocrata que vive obcecado por visões de grandezas passadas) e assalariados agrícolas, em greve, seguem caminhos opostos, ao mesmo tempo que no horizonte a África negra se afasta em liberdade. O filme, dedicado aos Povos Africanos sujeitos à colonização portuguesa, era, a seu modo, uma reflexão sobre o fim do Império. A maior parte dos textos derivava da leitura da História Trágico-Marítima, da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto e da História de Portugal de Oliveira Martins – obras anti-épicas por excelência da literatura nacional.

DOC / Coletivo de Trabalhadores da Atividade Cinematográfica (1975). As Armas e o Povo. P: Sindicato dos Trabalhadores da Produção de Cinema e Televisão / E: ?.09.1977 / 81’

O período do 25 de abril ao 1.º de maio de 1974, ilustrando a ação militar e a movimentação de rua. Trata-se de um filme-intervenção, com destaque para as entrevistas de rua, durante a celebração do 1.º de maio em Lisboa, quando o povo sai às ruas de braços dados com os militares revoltosos para consagrar a Revolução. A lógica que preside à organização do documentário manifesta-se, no âmbito da montagem, na escolha dos que detêm a palavra – aqueles que têm uma posição mais vanguardista: os soldados, marinheiros, os operários, os estudantes universitários. Colaboraram no filme diversos realizadores: Acácio de Almeida, José de Sá Caetano, José Fonseca e Costa, Eduardo Geada, António Escudeiro, Fernando Lopes, António de Macedo, Moedas Miguel, o brasileiro Glauber Rocha, Elso Roque, Alberto Seixas Santos, Artur Semedo, Fernando Matos Silva, João Matos Silva, Manuel Costa e Silva, Luís Galvão Teles, António da Cunha Telles e António Pedro Vasconcelos. Estreou em 1977 no Teatro Rosa Damasceno em Santarém. Não passou no circuito comercial.

DOC / José Reynes, Francisco Henriques e Vítor Henriques (1975) [n.d.]. Angola. Ano zero (ano de independência). A: n.d. / P. n.d. / E: n.d. / n.d.

Não tenho dados sobre este filme. Quanto aos seus realizadores, José Reynes será mais tarde diretor de fotografia em Deus, Pátria, Autoridade e Bom Povo Português de Rui Simões.

DOC / Viriato Barreto (1975) [n.d. (Moçambique?)]. Moçambique: Documento Vivo. A: n.d. / P: Courinha Ramos / E: n.d. / 90’

O autor de Knock-Out, rodado em Moçambique, em 1968, centra este documentário sobre o Moçambique da atualidade: a guerra nas duas frentes, os Acordos de Lusaca (5-7 de setembro de 1974), os distúrbios em Lourenço Marques na mesma data, o governo de transição, a independência (25 de junho de 1975), os comícios, as nacionalizações, a visita do Presidente Samora Machel às cadeias, a educação revolucionária, o conflito com a Rodésia. São entrevistados Almeida Santos, Mário Soares, Kaúlza de Arriaga – denfendendo a presença histórica dos portugueses em Moçambique – e Domingos Arouca.

DOC-TV / Um Ano de Revolução (1975). A: n.d. / P: RTP / E: 25.04.1975 / 77’ (na RTP = 60’)

Neste trabalho coletivo, Cesário Borga, Mário Cardoso, Maria Elisa, Adelino Gomes, Maria Beatriz e Melo Cardoso documentam a revolução desde o 25 de abril de 74 até às primeiras eleições livres, um ano depois. Ao processo de descolonização são dedicadas diversas sequências. É dito que o processo passa a decorrer com maior rapidez quando os movimentos de libertação vencem a desconfiança que as posições iniciais do General Spínola lhe inspiravam. É concedido destaque às palavras de Agostinho Neto na cerimónia da assinatura do Acordo do Alvor, ao discursar em nome dos três movimentos de libertação angolanos: «Ao quarto Movimento de Libertação, quer dizer ao MFA que catalisou a vontade de Portugal para derrubar o fascismo em Portugal e lançar as bases sólidas para terminar a exploração colonial, espinha dorsal da vontade popular para as transformações democráticas em Portugal, nós desejamos (…) dizer quanto admiramos a sua coragem e firmeza que permitiram, não só libertar o povo português da ditadura Salazarista e Caetanista (…), como também tornou possível a realidade da nossa afirmação comum relativa à não existência de ódio entre o povo português e o povo angolano. O sistema é que estava errado». Este documentário encontra-se disponível on-line no Arquivo «Guerra Colonial (1961-1974)», que resultou de uma iniciativa conjunta da Associação 25 de abril com a RTP: http://www.rtp.pt/​guerracolonial/​?id=70&t=0#thumb70

DOC-TV / Divisão de Atualidades (1976). O Fim do Colonialismo?. A: D.A. / P: RTP / E: 1.06.1976 (na RTP-1) / 45’

«Documentário sobre o fim, ou não, do colonialismo, para o que Portugal contribui com os seus acordos (…) [ao] deixar entregues aos destinos dos seus naturais as suas antigas colónias de África». O documentário mostra que «a descolonização é também, como a própria colonização, um processo violento». O colonialismo continua vivo na Rodésia e na África do Sul, onde impera um forte racismo, recorda a notícia do Diário Popular, que estamos a acompanhar. Diz-se ainda que o filme é relativo aos «últimos traços da era colonial», à «descolonização em África», a qual levanta também «problemas de neo-colonialismo.»

DOC / Fernando D’Almeida e Silva (1976) [1945 (Moçambique)]. Moçambique – Um Ano. A: F.A.S. / P: n.d. / E: n.d. / n.d.

Tendo estudado cinema e televisão em Londres, voltou para Moçambique, após o 25 de abril, para fazer reportagens cinematográficas dos acontecimentos. Em 1976 aproveitou esse material para realizar este documentário. Em 1979 mudou-se para o Brasil, e em 1992 foi viver para Portugal.

| Mostra Internacional de Cinema de Intervenção (Estoril): 1-9 de maio de 1976

Mostra organizada pelo Centro de Intervenção Cultural e realizada no Pavilhão de Congressos do Estoril (antigo Casino) com a presença de realizadores e de coletivos cinematográficos estrangeiros e de críticos dos Cahiers du Cinema, Ecran 76 e Le Monde Diplomatique entre outros. Das sessões fazem parte: «Lutas de Libertação» (dias 3 e 4); «Emigração e África» (dia 5); «Colonialismo e racismo» (dia 6); «Portugal» (dia 9). Os filmes versam essencialmente sobre a luta dos povos da Palestina, do Vietname, da Irlanda, do Saara-Ocidental, do Laos e da Argélia. Das ex-colónias portuguesas exibem-se seis filmes relativos a Angola e um à Guiné-Bissau, todos de realizadores europeus. Também a maior parte dos filmes sobre Portugal é da autoria de realizadores estrangeiros.

DOC / Unidade de Produção Cinematográfica N.º 1 (1977). Conferência Mundial contra o Apartheid, o Racismo e o Colonialismo na África Austral. A: UPC-1 / P: Instituto Português de Cinema / E: n.d. / 25’

Esta Conferência teve lugar em Lisboa, entre 16 e 19 de junho. Foi a primeira de uma série de três: «World Conference Against Apartheid, Racism and Colonialism in Southern Africa» (Lisboa, 1977; Londres, 1978; Estocolmo, 1980). Pela própria natureza do evento, o colonialismo português não foi tema dos trabalhos. Entrevistas com o dirigente Sam Nijoma, da SWAPO, e com Sérgio Vieira, do Comité Central da FRELIMO. A Declaração final da reunião encontra-se publicada em: Economia e Socialismo, 17 (Ago.) 1977, p. 49-61. A U.P.C. N.º1 foi criada em 26.04.1975 quando os trabalhadores das Produções Cinematográficas Perdigão Queiroga ocuparam as suas instalações. Entre os projetos da UPC-1 contava-se um documentário sobre o M.P.L.A. (Expresso, 24.05.1975, p. III).

DOC-TV / António Escudeiro (1977) [1933 (Angola)]. Guiné-Bissau – Independência. A: n.d. / P: Francisco de Castro - RTP: «Processo de Descolonização» / E: 10?.09?.1977 / 23’

António Escudeiro realizou uma série de documentários televisivos para a série «Processo de Descolonização». Proclamada pelo P.A.I.G.C. em 24 de setembro de 1973, a independência da Guiné-Bissau só seria reconhecida por Portugal em 10 de setembro de 1974. O filme fala da fundação do PAIGC, em 1956, por Amílcar Cabral; do início da luta armada, sete depois; e da queda do fascismo, com o 25 de abril. Os patriotas guineenses recusam-se a discutir ou a negociar a paz. Seguem-se as Conversações de Argel. Por fim, a Declaração de Independência e a admissão oficial da Guiné-Bissau na ONU. Há também a registar, do mesmo autor e para a mesma série, um documentário inacabado: «Moçambique independente».

DOC-TV / António Escudeiro (1977) [1933 (Angola)]. Independência de Angola – Os Acordos de Alvor. A: n.d. / P: Francisco de Castro - RTP: «Processo de Descolonização» / E: 11?.11?.1977 / 15’

Os Acordos de Alvor (dezembro de 1974). As intervenções de Agostinho Neto (MPLA), Holden Roberto (FNLA), Jonas Savimbi (UNITA), Mário Soares, Rosa Coutinho, Otelo Saraiva de Carvalho, Costa Gomes e Melo Antunes. Em finais de janeiro de 1975 entra em funções o Governo de transição, em Luanda. Em 11 de novembro de 1975 é declarada a independência de Angola. Este documentário televisivo terá sido provavelmente emitido por ocasião do 2.º aniversário da independência de Angola. António Escudeiro realizara duas curtas-metragens no início dos anos 70 sobre Angola. Uma delas – Angola, Terra do Passado e do Futuro – havia sido uma iniciativa do proprietário da Cerveja Cuca. Nesse documentário, quer a expressão «províncias ultramarinas» quer a palavra Portugal nunca apareciam no texto, abrindo campo à imaginação de Angola como país. A censura proibiu o filme em Portugal, tendo sido visionado apenas uma única vez, em Luanda.

DOC-TV / António Escudeiro & José Fonseca e Costa (1977) [1933 (Angola) & 1933 (Angola)]. Independência de Angola – Os governos de transição. A: n.d. / P: Francisco de Castro – RTP: «Processo de Descolonização» / E: 11?.11?.1977 / 22’

O Governo de transição é dirigido por um Alto-comissário com um colégio incluindo elementos de cada um dos movimentos de libertação. As ligações do neocolonialismo em Angola. A ascensão do MPLA; a chegada de Agostinho Neto a Luanda; a Assembleia Magna da UNITA; a conferência de imprensa de Holden Ribeiro em Kinshaza (Zaire). A agressão de agentes do imperialismo em Luanda. O documentário terá provavelmente sido emitido por ocasião do 2.º aniversário da independência de Angola.

DOC-TV / José Eliseu & Eládio Clímaco (apresentador) (1979) [n.d. & 1942]. Guerra inútil. A: César Oliveira / P: RTP: «Os Anos do Século» E: 5.03.1979 / 50’ [CD25A = RV-47]

Trata-se do 11.º episódio da série «Os Anos do Século», contendo depoimentos do capitão Calvinho, de Alexandre Ribeiro, Jaime Serra, Cardoso Pires e Pedro Ramos de Almeida. O último afirma que a presença portuguesa em África era a capa sob a qual se exercia o domínio do imperialismo sobre as colónias. O argumento pertence ao historiador marxista César Oliveira. A exibição deste episódio motivou por parte Comissão Administrativa da RTP a instauração de um processo ao realizador José Eliseu e a suspensão do programa, logo no dia 6. Segundo a C.A. da RTP este episódio, «altamente controverso», provocou «viva repulsa em largas camadas da população, ao apresentar passagens extremamente ofensivas dos sentimentos do povo português» e ao ter exibido «uma crueldade desnecessária». Ora a RTP «não pode… constituir-se num instrumento de agressão». De acordo com o Diário de Lisboa (7.03.1979, p.1-2) este episódio denunciava «a cumplicidade de setores retrógrados da igreja e do imperialismo com a guerra colonial» originando com isso os protestos do CDS e do PSD. De facto, para o PSD parecia ter havido «mais a intenção de enxovalhar instituições nacionais como a Igreja Católica e as Forças Armadas e menos a de escalpelizar o processo político». Ainda segundo o PSD, o episódio provocara «viva indignação na população maioritariamente católica que tem como chefe espiritual o Papa». César Oliveira, justificando-se (D. Popular, 7.03.1979, p. 12), viria declarar que tivera o cuidado de não confundir «a Igreja, como comunidade espiritual, com a sua hierarquia colaborante e responsável», citando a vinda de Paulo VI a Fátima e as posições do Cardeal Cerejeira sobre a missão providencial de Portugal em África. O crítico de TV, Mário Castrim, seria mais contundente, como era seu timbre. Em sua opinião, a brutalidade do nosso colonialismo roçava o Holocausto e as ligações da hierarquia da Igreja com o fascismo tinham existido de facto (D. Lisboa, 6.03.1979, p.15). Para o Brigadeiro Aires Martins as imagens dos militares a dirigir mensagens de natal às famílias e as paradas militares «comprometem a atuação e afetam o prestígio das forças armadas» (O Diabo, 20.03.1979). Ainda antes da Série ter sido suspensa, já o Expresso-Revista (24.02.1979, p. 27-R) desaprovava a «montagem dúbia» entre as imagens de arquivo e a voz-off. Após a sua suspensão, José António Saraiva (argumentista da série numa primeira fase, antes de ceder o lugar a César Oliveira) assinalava que «a RTP levantava objeções à realização de entrevistas com determinadas figuras (designadamente com certas personalidades mais claramente ligadas ao anterior regime)» (Expresso-Revista, 24.03.1979, p. 13-R). No dia 8.03.1979, o plenário da A.R. passou grande parte da sessão a debater acaloradamente uma moção da Comissão de Direitos, Liberdade e Garantias – onde fora apreciada sob proposta do PS – condenando «a política repressiva que está a ser seguida nos órgãos da Comunicação Social, através de processos censórios». A moção foi aprovada com o voto favorável do PS, PCP e UDP e ainda dos 5 ex-deputados socialistas e teve a oposição do PSD e do CDS. Falando em nome do CDS, Nuno Abecassis enalteceu a figura do Cardeal Cerejeira e classificou os autores do programa de «traidores vendidos». O PSD declarou que o programa ofendera muitos portugueses e as Forças Armadas que obedeceram a quem deviam ter obedecido. Já Vasco da Gama Fernandes, pelo PS, afirmou que o Cardeal Cerejeira fora o «apoio número um do fascismo», classificando de «pidesca» a hierarquia da Igreja e distinguindo entre ela e os católicos que haviam padecido pela liberdade. Outro deputado do PS diria ser muito necessário que a televisão falasse de modo claro da «guerra colonial e do que ela significou para o povo português». O P.S. lamentava porém que o episódio não tivesse salientado a receção do Papa Paulo VI aos dirigentes dos movimentos de libertação africanos. Este debate, que agitou a sociedade portuguesa, foi o primeiro em torno da representação da Guerra Colonial nos mass media e do papel que a Igreja desempenhara no conflito. Teve lugar durante o 2.º Governo de iniciativa presidencial, chefiado por Carlos Mota Pinto.

FIC / António Vitorino de Almeida (1980) [1940]. A Culpa. A: A.V.A. / P: A.V.A. – Vindobona Film Produktion (Áustria) / E: 7.05.1981 / 120’

Corre o ano de 1973. Mário, um ex-combatente da guerra da Guiné, pretende regressar à terra natal, em busca de emprego na quinta de um deputado da Assembleia Nacional. Traz consigo uma vaga sensação de culpa pela morte de dois homens – um soldado e um nativo - devido a um alarme que deu durante a noite. Em Lisboa, encontra a viúva do camarada morto. O filme alude ao incontornável sentimento de culpa de quem participou na repressão. Faz parte de um conjunto de obras que refletiam as consequências das transformações ocorridas na sociedade portuguesa após o 25 de abril. Todavia, a crítica do Expresso lamentava a «evidente inépcia» do realizador. Com uma presença regular (antes e depois) nos ecrãs televisivos, esta seria a sua única realização para a grande tela. O filme fora rodado em apenas quatro dias. Já no final da década de 70, o tema da inadaptação de antigos combatentes, após o regresso à metrópole, fora explorado por Jorge Alves da Silva (com a colaboração de João Botelho), num filme não acabado: O Último Soldado.

FIC / Fernando Matos Silva (1980) [1940]. Ato dos Feitos da Guiné. A: F.M.S & Margarida Gouveia Fernandes / P: Cinequipa / E: 14.11.1980 / 81’

Ficção e realidade misturam-se neste filme que coloca em discussão as consequências da colonização portuguesa, dando especial destaque à luta de libertação nacional – conduzida pelo PAIGC – que levou à derrocada do regime e do Império. Imagens reais de guerra – filmadas a preto e branco, pelo realizador na Guiné, em 1969-70, quando integrava os Serviços de Cinema do Exército - cruzam-se com leituras da História Trágico-Marítima, textos inspirados pela guerra colonial, e os pontos de vista ficionados de personagens emblemáticos: o colono, o retornado, o guerrilheiro, o militar, o agente da PIDE, o padre e o descobridor. O título inspira-se na Crónica dos Feitos da Guiné, da autoria de Gomes Eanes de Zurara, de meados do século XV. Fernando Matos Silva realizara, em 1972, O Mal-Amado. Proibído pela censura, foi o primeiro filme a ser exibido triunfalmente após a Revolução de abril: a 3 de maio de 1974.

FIC / João Matos Silva (1981) [n.d.]. Antes a Sorte que tal Morte. A: J.M.S., Álvaro Guerra & Fernando Matos Silva / P: Fernando Matos Silva / E: n.a. / 78’

Realizado pelo irmão do realizador Fernando Matos Silva – ambos ex-combatentes –, este filme segue o destino aventuroso de Luís, ex-estudante em Lisboa e ex-combatente em África, entre a paixão e o ensejo de «voltar à ação». Apresentado ao público no Festival de Cinema da Figueira da Foz (17.09.1981), não chegou a ser estreado comercialmente.

DOC / José Carlos de Oliveira (1981) [1951 (Angola)]. Macau. / P: Francisco de Castro / E: n.d. / 27’

Não tenho outros dados acerca deste filme.

DOC / José Fonseca e Costa (1981) [1933 (Angola)]. Música, Moçambique!. A: J.F.C. / P: Filmform – Instituto Nacional de Cinema (Moçambique) / E: 25.06.1981 (Moçambique) / 90’

Documentário sobre a música moçambicana. Estreado em Maputo a 25 de junho de 1981,
com a presença do Presidente Samora Machel, para comemorar o sexto aniversário da independência.

DOC / Margarida Gouveia Fernandes & Mario Offenberg (1981) [1949 & 1946 (Israel)]. Retornados – Instrumentos e Vítimas. P: Produção Maga Arte – Momo Films (Difusão: Cinequipa) / E: n.d. / 27’

Margarida Gouveia Fernandes (guionista do Ato dos Feitos da Guiné) realizou este documentário juntamente com o documentarista Mario Offenberg, nascido em Israel e radicado na R.F.A. País onde a realizadora acabaria por viver e trabalhar durante muitos anos. O filme foi o primeiro documentário em Portugal a ocupar-se dos retornados. Foi exibido no Festival Internacional de Cinema de Berlim (18.12.1981) e num Ciclo de Cinema do Terceiro Mundo em Lisboa (15.06.1981).

DOC-TV / António Escudeiro (1981) [1933 (Angola)]. Goa. A: A.E. / P: Centro Português de Cinema – F.C.G. / E: 7.02.1981 (RTP-1) / 50’

Documentário sobre Goa no presente e na memória passada (centro nevrálgico do império português no Oriente). O filme deambula pela cultura, pelas religiões, pela estratificação social e pela arquitetura da cidade, destacando os vestígios da presença portuguesa e a integração do território na União Indiana.

DOC-TV / José Barata Feyo & Artur Albarran (1981) [1947; 1953 (Moçambique)]. Dossier sobre Timor. P: RTP: «Grande Reportagem» / E: 7.10.1981 / 52’

Emitido um dia após as declarações do Ministro dos Negócios Estrangeiros acerca do malogro das suas diligências na ONU sobre Timor, o programa provocou larga polémica, ao descrever Mário Soares, Almeida Santos, Jorge Campinos, Costa Gomes, Vasco Gonçalves e Melo Antunes como tendo facilitado a anexação de Timor pela Indonésia. Lemos Pires era também acusado de ter abandonado o território após a invasão. De imediato os visados desmentiram as afirmações do programa. O PS pediu a divulgação do relatório sobre Timor, onde se haviam baseado os dois jornalistas, e declarou ir responsabilizá-los criminalmente, exigindo que as provas fossem produzidas em tribunal. Na edição de 17.10.1981, o Expresso (p. 4-5) publicava um artigo intitulado «Relatório de Timor: a montanha que pariu um rato». O documento fora mandado elaborar, em 1976, por Ramalho Eanes, na altura chefe do EMGFA e mantido em segredo até então. Divulgado na sequência da polémica, nada transparecia nele que comprovasse as «assombrosas verdades e terríveis traições». O que ressaltava, na opinião do Expresso, era «uma extensa lista de incompreensões, incompetências e irresponsabilidades». O Tal e Qual (10.10.1981, p. 11) revelava que só existiam três cópias do relatório: uma em Belém, outra em São Bento e outra com o chefe do EMGFA. Segundo este semanário, a fuga não teria partido de Belém (Presidência de Ramalho Eanes). O governo pertencia então à Aliança Democrática. Em declarações à RDP, Artur Albarran viria considerar abusiva a interpretação dada por algumas pessoas à «G.R.». O programa não acusava as autoridades nacionais à época de cumplicidade, embora na sua convição pessoal elas fossem «favoráveis à integração de Timor na Indonésia». O jornal O Dia (12.10.1981, p. 13) informava que «os trabalhadores democratas-cristãos da comunicação social» se haviam manifestado solidários para com o programa, por apresentar «aquilo que há muito tentavam sonegar aos portugueses». Depois da suspensão de «Os Anos do Século» (1979), este foi o episódio mais polémico envolvendo o tratamento da Guerra Colonial e da Descolonização por parte da comunicação social.

DOC-TV / Diana Andringa (1981) [1947 (Angola)]. Goa 20 Anos Depois. A: D.A. / P: RTP / E: 18?.12?.1981 / 70’

Jornalista da RTP desde 1978, este foi o primeiro trabalho de Diana Andringa sobre temas relacionados com as ex-colónias e a Guerra Colonial. A reportagem trata da anexação do Estado Português da Índia pela União Indiana, em 18 de dezembro de 1961. Vassalo e Silva aparece a comentar a desproporção de forças e a impossibilidade de dar cumprimento à ordem de Salazar, explicando as razões que o levaram a decretar a rendição. O documentário aborda ainda as condições de vida dos militares portugueses, durante os cinco meses e meio de cativeiro, e a atuação do Exército Indiano. Após chegarem a Portugal, os militares portugueses iriam ser maltratados, perseguidos, e alguns mesmo demitidos. O antigo Governador iria converter-se no principal alvo da ira do poder. Disponível atualmente on-line no Arquivo «Guerra Colonial (1961-1974)»: http://www.rtp.pt/​guerracolonial/​?id=190&t=0#thumb190

Mostra de Cinema do Terceiro Mundo (Lisboa): 15-23 de junho de 1981

Mostra organizada pela Cinequipa com sessões no Teatro A Barraca e no Cinema Europa. Programa: Mueda: memória e massacre de Ruy Guerra (Moçambique) [1978]; Presente Angolano: tempo mumuíla de Rui Duarte (Angola) [1979]; Ato dos feitos da Guiné de Fernando Matos Silva [1980]; Goa de António Escudeiro [1980]; Balas e bolas e copa mista de José Joffily; Galeria Alaska de J. Camilo Abranches; Retornados: instrumentos e vítimas de Margarida J. Fernandes e Mário Offenberg [1981].

DOC / Alberto Seixas Santos (1982) [1936]. Gestos e Fragmentos – Ensaio sobre os militares e o poder. A: A.S.S. & Nuno Júdice / P: Grupo Zero / E: n.a. / 90’

Um filme-ensaio sobre os acontecimentos que, entre abril de 1974 e novembro de 1975, colocaram os militares no centro do poder. Foi a Guerra Colonial, como explicava Otelo Saraiva de Carvalho em entrevista, que levou os militares a posicionarem-se contra a guerra e a derrubar o regime que a promovia. Eduardo Lourenço analisava também as relações entre os militares e o poder. O realizador norte-americano Robert Kramer (Scenes from the Class Struggle in Portugal, 1977) tentava entender o que acontecera à revolução no 25 de novembro. O filme foi estreado (22.02.1983) no Festival Internacional de Cinema de Berlim. Em 1984 e 1986 seria exibido na Cinemateca Portugesa. Nunca teve distribuição comercial.

DOC-TV / Diana Andringa (1983) [1947 (Angola)]. Macau: a Cabeça da Víbora. A: D.A. / P: RTP / E: n.d. / 50’

Reportagem para a RTP sobre Macau. Não tenho outros dados sobre este trabalho de Diana Andringa.

DOC-TV / José Manuel Barata Feyo (1984) [1947]. Dez Anos de Democracia. P: RTP: «Grande Reportagem» / E: 24.04.1984 / n.d.

Para celebrar o décimo aniversário do 25 de abril, a RTP produziu diversos programas: «Testemunhos», «Primeira Página» e «Grande Reportagem». A última desdobrava-se em duas sessões: Democratização (em 24.04.1984) e Descolonização e Desenvolvimento (em 15.05.1984). A primeira sessão foi bem recebida por Augusto M. Seabra. Ela fora o único programa a escapar ao «oficialismo» com que a RTP tratara a data. A sequência sobre a guerra colonial recolhia mesmo o seu aplauso: «a mais intensa e bem montada que até hoje vi sobre o tema» (Expresso-Revista, 5.05.1984, p. 31-R). Quanto à segunda sessão, versando sobre a oposição político-militar da UNITA ao Governo do MPLA, foi proibida à última hora. Na origem desta decisão teriam estado pressões do governo angolano. Barata Feyo foi suspenso em consequência, terminando assim, de forma abrupta, a primeira fase da «Grande Reportagem». Estavamos em pleno governo do Bloco Central.

DOC-TV / Alfredo Tropa (1984) [1939]. Para a História da Ditadura em Portugal. (III) 1968-1974. A: A.H. Oliveira Marques P: RTP / E: n.d. / 31’

Esta é a 3.ª Parte de uma série abrangendo o período 1926-1974, onde a questão colonial fora já abordada na 2.ª Parte (1945-1968). Voltaria a ser exibida pela RTP por ocasião das comemorações do 20.º aniversário do 25 de abril.

Ciclo «25 de abril – Imagens» na Cinemateca Portuguesa: 9-28 de abril de 1984

Ciclo organizado pela Cinemateca Portuguesa para assinalar o décimo aniversário do 25 de abril. A guerra colonial estará presente nos seguintes filmes: Adeus até ao meu Regresso; As Armas e o Povo; Os Demónios de Alcácer-Quibir; A Independência de Angola; Antes a Sorte que tal Morte; A Culpa; Bom Povo Português e Gestos e Fragmentos.

FIC / João Botelho (1985) [1949]. Um Adeus Português. A: Leonor Pinhão & J.B. / P: Produções Off / E: 17.04.1986 / 82’

Segunda longa-metragem do realizador. O filme está organizado em dois tempos: África, 1973, a preto e branco / Portugal, 1985, a cor. No primeiro, uma mina rebenta na picada e um soldado morre. No segundo (doze anos depois) os pais do soldado morto viajam do Minho até Lisboa para visitar Alexandre, o filho mais novo, e Laura, a viúva. A família volta a estar reunida mas não é mais a mesma. Esbatida no tempo, a memória do que alguma vez os uniu volveu-se dor e silêncio. A vida é assim, dizem os personagens. Mas não são amargos, aceitam e sorriem. Os pais regressam à terra, Alexandre e Laura não têm lugar para regressar. Nem para esquecer. Na opinião de Jorge Leitão Ramos (Dicionário do Cinema Português, 1962-1988), trata-se da «primeira fita portuguesa de ficção onde a guerra colonial é explícito centro e motor dramático. Partindo o tempo em dois territórios disjuntos, João Botelho organiza um presente, vazio e carente, com vetor nesse passado, absurdo e fantasmático, num filme onde nada estremece e tudo cala e se ensimesma». Após o documentário para a televisão de A.P. Vasconcelos (1974) seria necessário mais de uma década para que um outro filme viesse falar das feridas abertas na sociedade portuguesa pelos que tombaram na Guerra do Ultramar.

FIC / António Faria (1987) [n.d.]. Os Flagelados do Vento Leste. A: n.d. / P: Animatógrafo – IPC Cabo Verde – RTP / E: n.d. / 100’

Adaptação ao cinema do romance neo-realista do mesmo título (1959), da autoria do escritor português, nascido em Cabo Verde, Manuel Lopes. A obra retrata a pobreza exaustiva da Ilha de Santo Antão, o seu clima caprichoso e os sofrimentos, incertezas, migrações internas incessantes e a morte dos seus habitantes.

FIC / Luís Filipe Rocha (1987) [1947]. Era uma vez um Alferes. A: Mário de Carvalho / P: RTP: Série «A vida ao pé de nós» / E: n.d. / 60’

Baseado na obra homónima de Mário de Carvalho (1984), escritor nascido em 1944 e que viveu exilado antes do 25 de abril, trata-se de um telefilme produzido pela RTP. A história centra-se nas relações entre os combatentes: um alferes pisa uma mina, e tem de se manter imóvel de modo a evitar a explosão. Embora o conflito bélico não seja visível, pela primeira vez, o cenário de um filme é o espaço da guerra.

FIC / Fernando Lopes (1988) [1935]. Matar Saudades. A: F.L. & Carlos Saboga / P: Fundação Calouste Gulbenkian – IPC – OPUS Films – RTP / E: 26.08.1988 / 85’

Um filme do diretor de duas obras marcantes no cinema português: o documentário Belarmino (1964) e a ficção Uma Abelha na Chuva (1972). Um homem de 47 anos, emigrante e ex-combatente da Guerra Colonial, regressa à aldeia e depara-se com tudo aquilo que mudou após a sua partida, incluindo o facto de que a noiva, que ele havia deixado, estar agora envolvida com outro homem. Um filme que mostra um personagem influenciado pelo passado trágico da guerra.

FIC / Luís Filipe Costa (1989) [1936]. Jaz Morto e Arrefece. A: L.F.C. & Isabel Medina / P: RTP / E: n.d. / 50’

O poema de Fernando Pessoa, «O menino de sua mãe», serviu de mote ao título deste telefilme produzido pela RTP.

DOC / João Sodré (1989) [1962 (Moçambique)]. Alma ta Fika. A: J.S. / P: Vermedia – RTP – Saga Filme / E: n.d. / 60’

Documentário rodado em Lisboa acerca do espírito, a voz, os sons e a música de Cabo Verde, procurndo retratar a saudade dos cabo-verdianos em Portugal. O título em crioulo significa: «Que a Alma permaneça».

DOC-TV / Diana Andringa (1989) [1947 (Angola)]. Geração de 60: 1961 – O Ano de Todos os Perigos. A: D.A. / P: RTP: «Geração de 60» / E: n.d. / 64’

Entre 1989-92 Diana Andringa realizou «Geração de 60», uma série de 6 episódios, entrevistando aqueles que em Portugal e em África se opuseram à ditadura durante a Guerra Colonial. Os quatro primeiros episódios seguem uma ordem cronológica enquanto os dois últimos são dedicados à repressão política e à guerra colonial. A motivação da série forneceu-a a realizadora numa entrevista posterior: «Esta geração tem de ser contada... Aqueles jovens que, com vinte anos, iam para a guerra e, ou eram mortos, ou tinham de matar. Imagine-se o que é transformarmo-nos naquilo que mais nos repugna. A minha geração teve de viver com isso e não merece ser esquecida». A 1.ª parte deste primeiro episódio recolhe vários depoimentos de pessoas que então se opunham ao regime de Salazar e à Guerra, em Portugal (Álvaro Cunhal, Fernando Rosas, Joaquim Letria, Isabel do Carmo, Medeiros Ferreira, Adriano Moreira), e também em Angola, onde teve início a guerra (Lúcio Lara, Mário Pinto de Andrade, padre Joaquim Pinto de Andrade, Rui Mingas). A 2.ª parte recorre a excertos de uma reportagem da TV Suisse Romande («Le bruit et la fureur») sobre a situação portuguesa em 1961 (desvio do Paquete Santa Maria, revolta de 4 de fevereiro em Luanda). Essa tentativa de libertação de presos políticos em Luanda e os massacres da UPA contra a população branca no Norte estão no centro da 2.ª parte deste episódio. Para além dos anteriores entrevistados, depõem também Manuel Alegre, Mário Soares, Jaime Nogueira Pinto, Azevedo Gomes (na reportagem helvética), Pepetela e o General Vassalo e Silva. A montagem inclui também declarações e documentos cinematográficos dos defensores da continuidade do Império (discursos televisivos de Américo Thomaz e de Salazar; o filme de propaganda «Angola não está em venda», enaltecendo a «fraternidade cristã entre brancos e pretos»; a reportagem da RTP sobre os massacres da UPA e a pronta reposta militar portuguesa; e o depoimento do Ministro do Ultramar, Lopes Alves, à televisão suiça). A reprovação dos entrevistados portugueses e angolanos, ante os massacres da UPA, era unânime. O documentário terminava com a invasão dos territórios de Goa, Damão e Diu pela União Indiana, realçando o autismo de Salazar perante um mundo em acelerada mudança. No seu telegrama ao Governador Vassalo e Silva, determinava ele o sacrifício dos militares presentes no território: «Não prevejo possibilidades de tréguas nem prisioneiros portugueses, como não haverá navios rendidos pois sinto que só poderá haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos». A principal mensagem deste episódio é a de que a intransigência de Salazar, em conceder a mínima autonomia aos angolanos que pediam o direito à palavra e a liberdade de se organizarem em partidos, não deixava outra alternativa aos nacionalistas senão recorrer à luta armada. A totalidade deste primeiro episódio está disponível on-line no Arquivo «Guerra Colonial (1961-1974)»: http://www.rtp.pt/​wportal/​sites/​tv/​guerracolonial/​?id=74&t=2#list74

FIC / Manoel de Oliveira (1990) [1908]. Non, ou a Vã Glória de Mandar. A: M.O. & João Francisco Marques / P: Madragoa Filmes – Tornasol Filmes (Espanha) – Gemini Films – SGGC Films (França) / E: 12.10.1990 / 111’

O filme é uma reflexão sobre o destino do país, desde o tempo de D. Afonso Henriques até à Guerra Colonial. O título é inspirado nas palavras do Velho do Restelo em Os Lusíadas. No centro da ação está um alferes que relata aos seus camaradas a epopeia de Portugal através das suas batalhas. Mas essas batalhas, travadas com heroísmo, acabam quase sempre perdidas… A história termina com a revolução do 25 de abril de 1974, o mesmo dia em que o alferes morre, depois da sua patrulha ter caido numa emboscada. Para o argumento, o realizador contou com a colaboração do historiador, e docente universitário, João Francisco Marques. Apresentado extracompetição em Cannes, obteve tal receção que o próprio júri oficial resolveu contornar o regulamento e premiá-lo com uma menção especial. O filme não pretende ser uma narrativa histórica, antes uma reflexão sobre a História de Portugal, que liga a Batalha de Alcácer Quibir ao 25 de Aabril. Na primeira morreu o país, na segunda o alferes Cabrita. É a glória de mandar que o narrador se propõe e cuja vanidade a cada momento o realizador sublinha. Dessa glória e para essa glória viveu o alferes Cabrita até descobrir, nos destroços e no sangue, como ela era vã.

FIC / Teresa Villaverde (1991) [1966]. A Idade Maior. A: T.V. / P: Invicta Filmes – GER – RTP – ZDF / E: 6.09.1991 / 118’

O filme é narrado em flashback por Alex, agora com 22 anos idade, que perdeu os pais em 1973. Um dia, a mãe de Alex descobre que o marido já regressara da Guerra do Ultramar mas não contatara a família. Decide então ir à sua procura… E o rapaz descobre que «tanto o ódio como o amor matam». O filme é uma história de crescimento e também de sobrevivência. Teve estreia mundial no Forum do Jovem Cinema do Festival de Berlim e foi premiado em Dunquerque (França) e Valência (Espanha). Para além de Portugal foi distribuido comercialmente na Holanda, Grã-Bretanha, Japão e Estados Unidos.

TV / Joaquim Furtado (1991) [1948]. Falar Claro. P: RTP / E: 04.02.1991 (na RTP-1) / n.d.

Entre 1991-92, numa altura em que não existiam espaços de debate em televisão, Joaquim Furtado produziu para a RTP o programa «Falar Claro». A ideia era levar ao pequeno ecrã pontos de vista diferentes e opostos e abordar temas considerados tabú ou fraturantes (homossexualidade, transexualidade, aparições de Fátima, despenalização do consumo de drogas, etc…). Foi interveniente neste programa, em que se falou da guerra e da descolonização, uma plateia bastante diversificada: Salgado Zenha, Rosa Coutinho, Manuel Múrias, (Francisco-?) Martins Rodrigues e Correia da Cunha.

FIC / Edgar Pêra (1992) [1960]. Guerra ou Paz? P: n.d. / E: n.d. / 17’

Edgar Pêra já foi considerado o «inventor do cinema de guerrilha» em Portugal. Esta sua curta-metragem foi estreada no FantasPorto.

DOC / Por Timor: Exposição, Ilustração e Fotografia (1992). P: Federação Portuguesa de Cinema e Audiovisuais – Pelouro da Cultura da CML / E: n.d. / 15’

No início de dezembro de 1975, as Forças Armadas da Indonésia invadiram e anexaram a colónia portuguesa de Timor. A invasão mereceu a condenação da Assembleia Geral da ONU. Em 1982, a mesma Assembleia-Geral aprova uma Resolução solicitando ao Secretário Geral que inicie consultas com todas as partes diretamente interessadas. Os esforços da diplomacia portuguesa só começaram a surtir algum efeito após o termo da Guerra Fria. Nos últimos meses de 1991, uma visita de deputados portugueses a Timor chegou a estar acordada, mas foi cancelada à última da hora por iniciativa portuguesa. A causa da libertação do povo maubere entraria, porém, quase de seguida na agenda internacional após a divulgação das imagens, captadas por Max Stahl e Steve Cox, do Massacre no Cemitério de Dili (12.11.1991). Dezassete anos após a anexação indonésia, e onze anos decorridos sobre a polémica «Grande Reportagem» em torno do Dossier Timor, a pequena ilha voltava a ser objeto da atenção cinematográfica – ainda que, desta vez, apenas sob a forma de um documentário sobre uma exposição de ilustrações e fotografias de Timor, realizada no Padrão dos Descobrimentos (23 de janeiro a 9 de fevereiro de 1992).

TV / Joaquim Furtado (1992) [1948]. Falar Claro. P: RTP / E: ?.02.1992 / n.d.

Segundo Adelino Gomes (Público, 28.01.1994) a «descolonização foi tema forte» neste programa, «transmitido em fevereiro de há dois anos». Segundo ainda o mesmo jornalista foram intervenientes: Adriano Moreira, Brigadeiro Pezarat  Correia, Manuel Alegre e o General Duarte Silva.

TV / Henrique Garcia (1992) [1948]. 25 de abril. Comemorações – Contradições: Movimentos de Libertação. P: RTP: «Contradições» / E: ?.04.1992 / n.d.

«Contradições» foi um espaço vocacionado para a produção de «debates vivos e escaldantes» na RTP-2. Exibido no quadro das comemorações do 25 de abril, este programa centrou-se sobre a guerra colonial e os movimentos de libertação. Foram intervenientes Arménio Ferreira (representante do MPLA em Lisboa, após a independência de Angola), Luís Cabral (Primeiro Presidente da Guiné-Bissau), Carlos Fabião (Governador da Guiné Portuguesa até outubro de 1974) e Manuel José Homem de Melo (autor de Portugal, o Ultramar e o Futuro, livro onde se defendia, logo em 1962, uma solução política para o Ultramar, e que seria reeditado em 2009, com o apoio da Fundação Mário Soares). Não visionei o programa mas, atendendo aos participantes, não me parece que tenha assumido contornos «escaldantes.»

TV / Joaquim Letria (1992-?) [1943]. Entrevista a Costa Gomes. P: RTP: «Conversa Afiada» / E: n.d. / 51’

Estreado em setembro de 1991, «Conversa Afiada», de Joaquim Letria definiu-se como um programa aberto à polémica. O Centro de Documentação 25 de abril possui uma cópia desta entrevista, em VHS, assim datada: «1994-?» (UC-CD25 RV-22)

FIC / Fernando Matos Silva (1993) [1940]. Ao Sul. A: F.M.S. & Maria Isabel Barreno / P: Fábrica de Imagens / E: 1.09.1995 / 114’

O realizador de Ato dos Feitos da Guiné (1980) volta à temática da Guerra Colonial. Nos anos setenta, Henrique deixou Portugal e rumou à Holanda para esquecer a guerra, o atraso, o atavismo e os próprios sentimentos. Passados vinte anos, decide regressar, com o intuito de trabalhar no Alentejo, a sua terra natal. Em Vila Viçosa encontra amigos e familiares e percebe que continua a existir uma grande diferença de mentalidades. Por outro lado, em Lisboa vê-se obrigado a evocar as dolorosas memórias da Guerra Colonial quando reencontra um velho camarada de armas estropiado. Os deficientes de guerra eram então um assunto bastante incómodo para os meios de informação e o largo público. Uma sequência do filme, mostrando um grupo de retornados a assistir à projeção de um filme com imagens de África, torna patente a melancolia de um país perante um território imenso que subitamente se viu reduzido ao retângulo peninsular.

FIC / Jorge António (1993) [1966]. O Miradouro da Lua. A: n.d. / P: n.d. / E: n.d. / n.d.

Primeira co-produção cinematográfica luso-angolana, obteve o prémio especial de Realização no Festival de Gramado (Brasil). Conta a história de um jovem lisboeta que recebe um convite do pai, que nunca viu, para ir ter com ele a Angola. No final, no imponente cenário do Miradouro da Lua (conjunto de falésias 40 km a sul de Luanda), decide permanecer em Angola. Nascido em Portugal, o realizador conheceu Angola em 1988, durante a guerra civil. Neste país viria a estabelecer-se, em 1995, e a casar.

TV / Margarida Marante (1993) [1959]. Entrevista a Rosa Coutinho. P: SIC: «Contra-Corrente» / E: ?.04.1993 / n.d.

Este programa, conduzido por Margarida Marante, caraterizava-se por reservar a segunda parte para um convidado-surpresa que, a partir de outro local do estúdio, exercia uma espécie de contraditório relativamente àquilo que fora dito pelo convidado principal. Jaime Nogueira Pinto foi, nesta emissão, o convidado-surpresa questionando as afirmações do Vice-Almirante Rosa Coutinho, Alto-Comissário em Angola entre outubro de 1974 e a assinatura dos Acordos de Alvor (janeiro de 1975). A atuação de Rosa Coutinho em Angola é normalmente vista como favorável ao MPLA. Jaime Nogueira Pinto vinha da jovem direita radical nascida em meados dos anos 60, que tinha por denominador as ideias de nação, império e revolução (distanciando-se portanto do Estado Novo), e que fora, em 1974-75, o principal foco de resistência à descolonização.

FIC / Pedro Costa (1994) [1959]. Casa de Lava. A: / P: Madragoa Filmes – Gemini Films – Pandora Film / E: 10.02.1995 / 110’

O filme gira em torno de uma jovem mulher, Mariana, cujas ideias românticas sobre o Outro são testadas e refutadas através da própria experiência. Desejando escapar à rotina de enfermeira num hospital de Lisboa, Mariana vê em Leão – o imigrante cabo-verdiano que lhe chega em coma – o seu salvador. Mas depois de o levar para Cabo Verde, apercebe-se que ali reina uma apatia geral em torno dele. Descobre então que levou um vivo para o mundo dos mortos. Como em muita narrativa pós-colonial, o filme explora as diversas maneiras pelas quais o significado é interpretado e reconstruído por poderes concorrentes. No final, Mariana assiste ao desabar de duas ilusões que tinham alimentado a sua presença ali: a de que ela era uma fonte de cura para os naturais da ilha, e a de que tinha poder sexual sobre eles. Quando vemos uma banda de músicos a embarcar para Portugal, à procura de trabalho, compreendemos que, mais de duas décadas passadas sobre a independência, Cabo Verde continua indissoluvelmente ligado aos seus fundadores – e que o ciclo continua. O filme mostra a relação complexa (económica, política, cultural e familiar) que ex-colonizador e ex-colonizado continuam a partilhar. Foi estreado na secção «Un Certain Regard» da edição de 1994 do Festival de Cinema de Cannes.

TV / José Freire Antunes (1994) [1954]. Os Anos de abril: Descolonização. P: TVI / E: 4.04.1994 / 105’

O primeiro programa da série dedicada pela TVI aos 20 anos do 25 de abril. O autor de O Império com Pés de Barro. Colonização e Descolonização: as Ideologias em Portugal, José Freire Antunes, moderou dois desses debates: «A Descolonização» e «Os Antecedentes do 25 de abril». A mesa-redonda teve a participação de Rosa Coutinho, Alpoim Calvão, Valentim Xavier Pintado, Jaime Nogueira Pinto, Ângelo Correia e Luís Cabral (ex-Presidente da Guiné-Bissau). Ou seja, sentava a uma mesma mesa desde antigos representantes da esquerda no PREC, da ala tecnocrata do marcelismo e da ultra-direita do Império. Foi ainda exibida uma reportagem sobre a descolonização da autoria de J.F.A. e de José Pedro Barreto, bem como depoimentos gravados de Kaúlza de Arriaga, Costa Gomes e Melo Antunes (UC-CD25 RV-63).

TV / José Eduardo Moniz (1994) [1952]. Os 3 D’s de abril: Descolonização. P: RTP: «De Caras» / E: 5.04.1994 / 120’

Foi o segundo debate que o «De Caras» dedicou aos três «D» de abril. Moderado por José Eduardo Moniz, e contando com três comentadores historiadores (Fernando Rosas, António Reis e Jorge Borges de Macedo), o programa registou a participação de: Rosa Coutinho, Otelo Saraiva de Carvalho, Carlos Fabião, Alpoim Calvão, Galvão de Melo, Duarte Silva, Carlos Brito, Luís Moita, Luís Cabral, César Oliveira, Jaime Nogueira Pinto e Joaquim José da Costa e Castro (Presidente da Associação dos Espoliados de Moçambique). Foram também exibidos depoimentos gravados de todos os Presidentes da República (de Spínola a Mário Soares) e ainda do Primeiro-Ministro Cavaco Silva e de Melo Antunes (UC-CD25 RV-60).

TV / Emídio Rangel & Cândida Pinto (1994) [1947; 1964]. Marcelo Caetano, a Corda na Garganta. P: SIC / E: 5.04.1994 / 100’

Moderado por Emídio Rangel, este programa sobre a descolonização incluiu ainda uma reportagem de Cândida Pinto acerca do encontro secreto entre um emissário de Marcello Caetano e uma delegação do PAIGC, no ano de 1973, em Londres. Esse encontro tinha sido revelado pelo jornalista José Pedro Castanheira, quinze dias antes, no Expresso. Participaram na mesa-redonda que se seguiu: Veiga Simão, Almeida Santos, Pézarat Correia, Silvino Silvério Marques, Joaquim Mendes (Vice-presidente da Assembleia Legislativa da Província de Angola), Baltazar Rebelo de Sousa, Rui Patrício e João Coito. Mais uma vez, um leque representativo quer do 25 de abril quer dos últimos anos do regime deposto (UC-CD25 RV-64).
Estes três programas transmitidos no curto espaço de dois dias, inteiramente centrados sobre a descolonização, e contrapondo protagonistas centrais nesse processo a figuras ligadas ao anterior regime, tiveram um impacto enorme na opinião pública, gerando acalorados debates na imprensa da época e repercussões na blogosfera ainda na década seguinte. Saber quem dominava militarmente no terreno em 1974 e se a descolonização poderia ter sido diferente foram dois dos principais temas dos debates. Também as revelações acerca das iniciativas de Marcello Caetano, visando negociar uma transferência de poderes com o P.A.I.G.C., por um lado, e uma independência branca em Angola, projetada para agosto de 1974, por outro, foram assuntos que ocuparam largamente os media. Fernando Dacosta (Público, 7.04.1994) sintetizava perspicazmente: «a catarse da guerra colonial portuguesa não está, como aconteceu noutros países colonialistas, a ser feita pela ficção, mas pela informação; não está a ser assumida através de dramas encenados (literatura, teatro, cinema), mas de discussões televisivas – 20 anos depois.» Entre os setores mais à direita, estes debates foram recebidos com particular agrado – finalmente estava a fazer-se história, proclamavam. No outro lado do espetro não faltava quem se insurgisse contra a brutal revisão histórica em marcha.

DOC-TV / Joaquim Furtado, Cesário Borga, Isabel Silva Costa & José Solano de Almeida (1994) [1948, 1944, n.d., n.d.]. Portugal 74-75. A: J.F. / P: RTP / E: 24?.04.1994 / 110’

Este documentário utilizou materiais contidos na série, em 10 episódios, «Anos 70, Imagens de uma Década», co-produzida por Joaquim Furtado, Solano de Almeida, Peres Metelo e Joaquim Vieira (RTP, 1980). O documentário principia com a queda do regime nas ruas e o movimento vitorioso dos Capitães, recuando aos seus antecedentes imediatos: a morte de Salazar, a ascensão de Marcello Caetano, os mortos na guerra em África, o Portugal e o Futuro de Spínola e o levantamento militar de 16 de março nas Caldas. A recente revelação do encontro secreto, em Londres, entre emissários de Marcello Caetano e do PAIGC, era porém referida. O filme percorre depois os principais eventos entre 1975 e 1976, numa crónica de forte cunho jornalístico. O cerco à Constituinte e um largo «flashback» sobre o processo de descolonização, com a consequente vaga de retornados das ex-colónias, antecedem o 25 de novembro, com a vitória militar de Ramalho Eanes e o discurso pacificador de Melo Antunes. O filme procurou ater-se a um registo sóbrio, evitando tomadas de posição apaixonadas. Como comentava Joaquim Furtado ao TelePúblico: «Está-se entre a política e a História, ainda na paixão mas já na análise». O trabalho seria reeditado, em 2004, pelo Público, na série de 3 DVDs «25 abril – 30 Anos».

DOC-TV / António Carneiro Jacinto (1994) [1951]. 20 Anos de Silêncio: Guerra Colonial. A: n.d. P: SIC / E: ?.04.1994 / 100’

Contém depoimentos de ex-combatentes na guerra colonial e imagens do início da guerra em 1961 em Angola. Não disponho de outros dados acerca deste documentário para televisão (UC-CD25 RV-66).

TV / Joana Pontes & Miguel Sousa Tavares (entrevistador) (1994) [1960, 1952]. Entrevista com Mário Soares. P: SIC: «20 Anos, 20 Nomes» / E: 25?.04.1994 / n.d.

Para assinalar o 20.º aniversário do 25 de abril, a SIC produziu esta série, realizada por Joana Pontes, com Miguel Sousa Tavares no papel de entrevistador. O então Presidente da República Mário Soares, foi o primeiro convidado, sendo a descolonização um dos temas fortes.

TV / Joana Pontes & Miguel Sousa Tavares (entrevistador) (1994) [1960, 1952]. Entrevista com Melo Antunes. P: SIC: «20 Anos, 20 Nomes» / E: ?.05.1994 / 60’

Com realização de Joana Pontes e tendo Miguel Sousa Tavares como entrevistador, esta peça contém um pequeno documentário sobre a carreira militar de Melo Antunes, antes e depois do 25 de abril (UC-CD25 RV-80).

DOC-TV / Henrique Vasconcellos, Anne Gintzburger & Jean Marie Lequertier (1994) [n.d.]. Passados da Guerra. P: RTP: «Atual-Reportagem» / E: ?.11?.1994 / 53’

Reportagem exibida na TV-2, que contou com a colaboração de dois jornalistas da FR-2 (serviço público de televisão francesa). Recolhe depoimentos de veteranos americanos no Vietname, de antigos soldados soviéticos no Afeganistão e de ex-combatentes portugueses em África. Destas guerras resultaram mortos, feridos, deficientes físicos permanentes e traumatizados a nível psíquico. Comum aos três casos é o sentimento de abandono a que os veteranos com «stress pós-traumático» foram votados pelas respetivas sociedades. A parte americana (cerca de 20 minutos) termina com depoimentos junto do Memorial do Veterano em Washington. Seguem-se depoimentos de antigos combatentes soviéticos (cerca de 10 minutos). Na Federação Russa existe uma clínica privada para a reabilitação de pacientes com a patologia do Afeganistão – mas ainda não existe uma designação para ela. Em Moscovo, a construção do memorial que deveria homenagear os que tombaram na guerra não passou da primeira pedra.
Portugal só tardiamente reconheceu o «stress de guerra» como doença. A A.D.F.A. foi fundada logo em 1974, reunindo quase todos os feridos em combate. Um dos seus dirigentes afirma que, «no início, quando voltávamos, éramos praticamente escondidos nos hospitais militares». Foram precisos vinte anos para Portugal conseguir aceitar publicamente «a construção de um monumento aos seus antigos combatentes do ultramar». Francisco Van Unden, antigo comando, salienta o aspeto pedagógico desta iniciativa: se um dia o Estado precisar novamente da sua juventude esses combatentes necessitam saber que o seu esforço e sacrifício serão devidamente considerados pela sociedade. O repórter reconhece que a «guerra do ultramar parece ter afetado de facto uma geração de portugueses». E o filme termina com estas palavras do apresentador: «Quando falam da guerra que fizeram em Angola, na Guiné ou em Moçambique, dizem sempre a guerra do Ultramar, nunca dizem a guerra Colonial, apesar de ter sido essa que travaram. É o medo de se sentirem cúmplices num crime que, se porventura o foi, não é a eles que deve ser assacado. Mais do que dos homens que a fizeram, a guerra era de um regime. Colonial, imperialista, expansionista, em África, no Vietname ou no Afeganistão, o drama é que se tratou de guerras com as quais os povos não se identificaram. Ao rejeitá-las, era inevitável que rejeitassem os soldados que as fizeram, ainda que fossem os seus soldados. Em Portugal há mais de 500.000 portugueses à procura da reconciliação com o passado». Esta reportagem iria dar início a um conjunto de reportagens e depoimentos nos quais, mais de vinte anos decorridos sobre o fim da guerra, a palavra seria finalmente dada aos ex-combatentes, aos deficientes e traumatizados e aos seus familiares. Encontra-se disponível on-line no Arquivo «Guerra Colonial (1961-1974)»: http://www.rtp.pt/​guerracolonial/​?id=71&t=0#thumb7

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Carlos Maurício, «Um longo degelo: a guerra colonial e a descolonização nos ecrãs portugueses (1974-1994)»Ler História, 65 | 2013, 159-177.

Referência eletrónica

Carlos Maurício, «Um longo degelo: a guerra colonial e a descolonização nos ecrãs portugueses (1974-1994)»Ler História [Online], 65 | 2013, posto online no dia 13 abril 2015, consultado no dia 15 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/512; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.512

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Carlos Maurício

carlos.mauricio@iscte.pt
Professor Auxiliar no Departamento de História (ISCTE-IUL) e investigador no Centro de Estudos Internacionais (ISCTE-IUL).

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