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Estudos

O Recrutamento das Elites Administrativas no Portugal Contemporâneo

Le recrutement des élites administratives dans le Portugal contemporain
Filipe Abreu Nunes
p. 137-162

Resumos

A imprensa, o discurso político e alguns estudos exploratórios retratam o pessoal dirigente da administração pública do Portugal democrático como um grupo marcado pelo clientelismo e pela politização. Neste artigo, pretende-se mostrar que a informação disponível aponta para um contraste entre essa imagem e a realidade. A elite administrativa portuguesa parece revelar ao longo do tempo e em diferentes regimes políticos uma forte continuidade num padrão de profissionalização ao nível da administração directa e central do Estado, embora matizado pela persistência de lógicas de politização clientelar na administração desconcentrada.

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Introdução

  • 1 «O Fantasma dos boys», Público, 27 de dezembro de 2001, p. 4.
  • 2 D’Épinay, João, «Governo faz 1260 nomeações», Diário Económico, 23 de agosto de 2002, p. 2.
  • 3 Antunes, Rui Pedro, «Em três meses já foram entregues 450 “jobs”, 73 saíram aos “boys”», Diário de (...)
  • 4 Sampaio, Gustavo e Sara Capelo, «Os boys do governo», Sábado, 19 de janeiro de 2012, pp. 46-50.

1É frequente a imprensa criticar o chamado fenómeno dos «boys», isto é, a alegada sobreposição de critérios políticos em relação a critérios profissionais nos processos de nomeação dos dirigentes de topo da administração pública, nomeadamente dos diretores-gerais, gestores públicos e cargos equiparados. Não é difícil encontrar títulos como «O fantasma dos boys»1, «Governo faz 1260 nomeações»2, «já foram entregues 450 jobs, 73 saíram aos boys»3 ou «os boys do governo»4.

  • 5 Aguiar, Joaquim (1985), «Partidos, estruturas patrimonialistas e poder funcional: a crise de legiti (...)
  • 6 Portas e Valente (1990), «O primeiro ministro…».
  • 7 Lopes (2000), «Clientelismo…».

2Simultaneamente há análises exploratórias que afloram a questão do recrutamento na administração pública e as relações entre governos e administração na democracia portuguesa, que acabaram por corroborar a perceção pública de politização das nomeações5. Embora ancorados em entrevistas com antigos membros do governo6 ou em informações sobre as empresas públicas7, nenhum destes estudos assenta numa análise sistemática do perfil das pessoas que foram nomeadas para cargos administrativos de topo ou das estruturas em que atuam.

  • 8 Nunes, Filipe (2012), Os Diretores-Gerais: O Recrutamento das Elites Administrativas no Portugal De (...)
  • 9 Carmo, Hermano (1987), Os Dirigentes da Administração Pública em Portugal: Contribuição para o seu (...)
  • 10 Almeida, Pedro Tavares de (1995), «A construção do Estado liberal: elite política e burocracia na r (...)

3Trata-se de um tema face ao qual não há muita investigação, pelo menos se pensarmos numa perspetiva longitudinal8. Foram, no entanto, publicados alguns estudos empíricos que nos fornecem pistas sobre o perfil das elites administrativas nalguns períodos da democracia9. Nenhum desses estudos confirma essa perceção pública. Pelo contrário, reforçam aquilo que já se sabia sobre o perfil das elites administrativas no período da Regeneração e mesmo do Estado Novo10.

  • 11 Carmo (1987), Os Dirigentes da Administração Pública…; Rocha (2001), Gestão Pública e Modernização (...)

4De facto, nenhum destes estudos disponíveis nos permitem falar de um perfil de recrutamento absolutamente politizado em todas as esferas da administração do Estado. Apesar do método da nomeação política prevalecer sempre em relação ao concurso na provisão deste tipo de cargos, estes estudos apontam para o predomínio de critérios de profissionalização na escolha dos dirigentes da administração central: recrutamento interno à administração pública; escolha de pessoas com carreiras longas nos ministérios em que exercem funções dirigentes; peso significativo das carreiras especiais do Estado11.

5Assim, com este artigo, pretendemos mostrar que, de acordo com a informação disponível, a elite administrativa portuguesa parece revelar ao longo do tempo uma forte continuidade num padrão de profissionalização ao nível da administração direta e central do Estado, embora matizado pela persistência de lógicas de politização clientelar na administração desconcentrada (direções distritais e regionais dos ministérios) e mais recentemente nos institutos públicos. Uma tendência que deverá, evidentemente, ser testada a partir de futuras análises sobre o tema, que abranjam nomeadamente os períodos relativamente aos quais existem menos dados empíricos: principalmente a I República e a consolidação da democracia (1974-1982), mas mesmo o Estado Novo.

Da Monarquia Constitucional à I República

  • 12 Almeida, Pedro Tavares de (2007), «A burocracia do Estado no Portugal Liberal (2.ª metade do século (...)

6Tal como na atualidade, a imprensa, a literatura e mesmo os pro-
tagonistas do Liberalismo retratam a administração pública da época
como uma entidade não apenas dominada pelo centralismo, como tam-
bém pelo patrocinato, pela «empregomania» e pelo chamado «vício
papelista» – quatro imagens identificadas por Tavares de Almeida12. Centremo-nos na discussão das duas primeiras imagens, pelo que nos podem dizer acerca dos padrões históricos do recrutamento das elites administrativas do Estado central e da administração periférica.

  • 13 Valente, Vasco Pulido (1982), Tentar Perceber, Lisboa, INCM, pp. 355-356.
  • 14 Branco, Rui (2012), «La vida politica» in António Costa Pinto e Nuno G. Monteiro, coord., Portugal (...)

7Começando pela imagem do centralismo, devemos desde logo reconhecer que a própria historiografia contemporânea tem contribuído para a sua consolidação. Observando que em Portugal, ao contrário de outros Estados modernos europeus, o Estado precedeu a nação, Vasco Pulido Valente descreve o Estado português, na sua origem, como um Estado militar, movido pelo objetivo da reconquista, onde, por essa razão, desde o início «o poder político não tolerou ou sequer deparou com limites (como comunidades organizadas e tradições de autogoverno) à sua expansão e absolutismo. [...] A guerra exigia uma mobilização permanente e uma estreita coordenação de recursos»13. Em teoria, esta forte centralização histórica terá facilitado a aproximação do Estado português ao modelo do Estado moderno, processo que efetivamente se intensifica no final do Antigo Regime, embora ainda no quadro de uma estrutura polissinodal que não separa poderes executivo, legislativo e judicial14.

  • 15 Carr, Raymond (1980), Modern Spain, 1875-1980, Oxford, Oxford University Press, p. 6.
  • 16 Ramos, Rui (2009), «Idade contemporânea – séculos XIX a XXI», in Rui Ramos (coord.) (2009), Históri (...)

8De facto, é a partir do liberalismo que o processo de centralização
e modernização burocrática se intensifica. Liberalismo e centralismo
eram ideias políticas que se confundiam na Europa da época (nomea-
damente em França e na Europa do Sul): para os liberais, a centrali-
zação era condição da liberdade, na medida em que libertaria as populações do jugo dos poderes tradicionais ainda muito presentes no plano territorial15. E é certo que a vitória definitiva das forças liberais nos anos 30 do século XIX representou mesmo, nas palavras de Rui Ramos, «a maior e mais brusca transformação político-social da história portuguesa – o fim do Antigo Regime», no centro da qual viria a estar a administração do Estado16.

  • 17 O mesmo se passou entre os liberais espanhóis do século XIX, como nota Guerrero (Guerrero, Maria An (...)
  • 18 Branco (2012), «La vida politica», p. 19…
  • 19 Silveira, Luís Nuno Espinha da (1997), Território e Poder: nas origens do Estado contemporâneo em P (...)

9Isto não significa, no entanto, que a derrota do miguelismo na guerra civil de 1828-1834 tivesse resolvido as tensões existentes na sociedade portuguesa. As soluções administrativas centralizadoras da legislação de Mouzinho da Silveira, nos anos 30, certamente motivadas pela (justa) associação entre poderes municipais e miguelismo, provocaram fortes reações17, havendo quem considerasse, por exemplo, que a nomeação do provedor do concelho fazia lembrar o juiz de fora do Antigo Regime18. E de facto, até à aprovação do código de 1878, a regulação do poder local revela uma lógica tendencialmente centralizadora19.

  • 20 Almeida (2007), «A burocracia do Estado no Portugal Liberal…», pp. 55-56

10Mas, sendo verdadeiras e desejadas estas tentativas de reforçar o controlo do território a partir do centro, descritas e criticadas, por exemplo, por Alexandre Herculano, Tavares de Almeida observa nestas críticas «[…] uma boa dose de empolamento crítico e sofismação ideológica da realidade». As dificuldades de aplicação local das leis e diretivas emanadas do poder central eram, aliás, frequentemente reportadas ao Ministério do Reino pelos Governadores Civis20.

  • 21 Almeida (2007), «A burocracia do Estado no Portugal Liberal…», p. 63.
  • 22 Almeida (1995), «A construção do Estado liberal…», p. 239.

11É verdade que, com o advento da Regeneração (1851), se criaram as condições de estabilidade política propícias à consolidação e expansão das capacidades administrativas do Estado, ao mesmo tempo que suscitou um novo impulso modernizador dos meios de gestão burocrática21. O Estado central tinha pela primeira vez uma real intenção de chegar os territórios e de interferir nas vidas das pessoas comuns. Mas essa chegada e essas interferências não se fizeram sem tensões, como aliás atestam as dificuldades sentidas pela administração tributária ou no recrutamento militar, em linha com episódios anteriores mais conhecidos, como o da revolta da Maria da Fonte, uma resposta popular a reformas tributárias e sanitárias preconizadas pelo Estado central22.

  • 23 Sobral, José Manuel (2006), «Memória e Identidade Nacional: considerações de carácter geral e o cas (...)
  • 24 Branco (2012), «La vida politica», p. 45.

12De resto, a própria motivação política por detrás da introdução centralizada do modelo napoleónico em Portugal parece dever-se mais à necessidade de controlar estes poderes fácticos municipalistas e particularistas, liderados pelos notáveis locais, do que propriamente à vontade das elites estatais em construírem uma identidade nacional coesa, que aliás já estava bastante consolidada em Portugal23. Para Mouzinho, o desafio seria antes o de criar Portugal, enquanto Estado central capaz de exercer autoridade sobre o conjunto dos portugueses nos diferentes pontos do território nacional. Era isso que estava em causa, já que, no início do liberalismo, o Estado não dispunha dos meios para o efeito24.

  • 25 Almeida, Pedro Tavares de (1991), Eleições e Caciquismo no Portugal Oitocentista 1868-1890, Lisboa, (...)

13Aos olhos das populações o Estado central não era apenas o fator de desenvolvimento e investimento, mas também (e principalmente) o cobrador de impostos e o promotor do recrutamento militar25. A capacidade dos poderes locais para resistirem aos poderes centrais fazia com que os dirigentes da administração periférica fossem não apenas agentes da pressão do Estado sobre a sociedade local (como se pretendia) mas também agentes da pressão local sobre o Estado. Exatamente como sucedeu na restante Europa do Sul. Leia-se a este respeito o que escreve Guerrero sobre o caso espanhol:

  • 26 Guerrero (2007), «A rebelião das províncias…», p. 214.

«[…] a chegada dos governadores-civis aos seus destinos era acompanhada, normalmente, de um ambiente de mal-estar e desconfiança […] Posto isto, muitos deles não duvidaram em adotar uma postura acomodatícia e vergaram-se, com bastante suavidade, às conveniências internas e localistas das zonas provinciais que governavam […] O prefeito italiano era menos repressivo e dirigista que o seu congénere francês; mais identificado, por isso, com uma função de mediador entre o centro e a periferia e, inclusivamente, de porta-voz das elites locais e provinciais perante o Governo. Sem dúvida, o governador civil espanhol esteve mais perto do modelo italiano que do francês»26 (2007: 214).

14Por tudo isto, devemos ser prudentes em relação ao impacto real da legislação e dos objetivos políticos que emanavam do centro durante o liberalismo. Com efeito, aplica-se bem ao caso português o que nos diz Romanelli a propósito das abordagens que se foram desenvolvendo acerca da construção do Estado em Itália:

  • 27 Romanelli, Raffaele (2008), Duplo Movimento, Lisboa, Livros Horizonte, p. 156.

«Naturalmente, o mero registo desta continuidade jurídica e formal nada diz sobre as funções históricas e o modo de funcionamento de tal sistema, e não constitui ainda – ou não deveria constituir – uma sua interpretação histórica. Porém […] o dado de facto da centralização estribou-se como ponto de partida obrigatório das ideologias e da investigação»27.

  • 28 Sousa, Paulo Silveira e (2007), «A construção do aparelho periférico do Ministério da Fazenda em Po (...)

15As dificuldades de afirmação do poder central manifestaram-se
igualmente na lenta profissionalização do funcionalismo da adminis-
tração central e, principalmente, na persistência de práticas clientela-
res no recrutamento dos funcionários locais do Estado. Claro que o
funcionamento administrativo passou a ser regulado por leis gerais e
abstratas. E é certo que, com o liberalismo, terminou o carácter patrimo-
nial de muitos cargos e, através da incorporação de redes administrativas
e de poder existentes, a modernização foi fazendo o seu caminho. Mas co-
mo reconhece Silveira e Sousa, permaneceram formas de recrutamento
dos agentes pouco conformes com o modelo racional-legal e os resulta-
dos de muitas e importantes reformas do Estado ficaram aquém das expectativas28.

  • 29 Pereira, Miriam Halpern (2009), Mouzinho da Silveira, Pensamento e Ação Política, Alfragide, Texto (...)

16Pese embora o esforço traduzido no Código Administrativo de 1836, «Cerca de oito anos após a publicação das suas leis, Mouzinho continuava a apontar a falta de uma lei que regulamentasse a escolha na base da competência para um setor tão especializado como era o da Fazenda, e a persistência do hábito de utilizar os cargos como mercês e como uma forma de beneficência»29.

  • 30 Almeida (1995), «A construção do Estado liberal…», p. 9.
  • 31 Tavares de Almeida explora o conceito de caciquismo burocrático (Almeida (1991), Eleições e Caciqui (...)

17Na Regeneração (1851-1890), apesar da estabilização política, da consolidação do aparelho burocrático do Estado e da regulamentação das práticas concursais para o acesso ao funcionalismo público, o problema identificado por Mouzinho da Silveira, aparentemente, mantém-se30. Os partidos políticos ditos nacionais eram, em grande medida, criações artificiais e voláteis, sem qualquer espécie de articulação ideológica consistente entre o centro e a periferia. O sistema assentava basicamente numa lógica de troca entre os políticos do centro, que recebiam votos, e os chefes locais, que recebiam o controlo da distribuição local dos despojos das vitórias, isto é, o controlo da distribuição dos empregos e dos favores públicos, numa espécie de «caciquismo burocrático»31.

18É neste sentido que, a propósito das dinâmicas associadas ao processo eleitoral na Regeneração, Maria de Fátima Bonifácio fala do Estado liberal como «o maior patrono de Portugal»:

  • 32 Bonifácio, Maria de Fátima (2007), Estudos de História Contemporânea, Lisboa, ICS, p. 186.

«De todos os ministérios eram expedidas circulares aos governadores civis, instando-os a que motivassem os empregados sob a sua autoridade a votar nos candidatos recomendados pelo governo. […] De um modo geral, a “chusma de empregados” administrativos e fiscais espalhados por todos os cantos do país […] tinham a consciência de que um voto na oposição lhes podia custar o emprego»32.

  • 33 Almeida (1995), «A construção do Estado liberal…», p. 257.
  • 34 Estes países acompanhavam de perto, e por vezes antecipavam, estes movimentos legislativos moderniz (...)
  • 35 Sotiropoulos, Dimitri (2006), «Southern European bureaucracies», in Richard Gunther et al. (eds.), (...)

19E se é um facto que os concursos públicos vieram mudar práticas e costumes administrativos, não será menos seguro afirmar que isso foi insuficiente para afastar práticas de clientelismo e nepotismo e para transformar completamente uma burocracia baseada nessas práticas numa burocracia meritocrática33. Parece, pois, inegável que os modelos administrativos dos Estados liberais da Europa do Sul, como o português, embora formalmente não se distinguissem muito dos restantes regimes da Europa continental34, na prática continuavam a coexistir com relações clientelares e patrimonialistas pouco conformes com os modernos preceitos constitucionais e administrativos35.

20No entanto, devemos ser cautelosos em relação a todas as leituras que nos convidem a considerar a existência de um fenómeno absolutamente generalizado de politização clientelar durante a Regeneração, especialmente quando olhamos para o que se passava no Terreiro do Paço, ao nível do recrutamento para o topo da administração central do Estado.

  • 36 Almeida (2007), «A burocracia do Estado no Portugal Liberal…», p. 61.

21Esta imagem de politização clientelar era bastante real no que se refere à administração periférica ou desconcentrada do Estado: de facto, nos serviços fiscais, postais e alfandegários, «as transferências e demissões de empregados eram frequentes quando ocorria uma mudança de governo», à semelhança do que se passava nas repartições dos governos civis e da administração concelhia. Consequentemente, o acesso a cargos públicos nas repartições dos Governos Civis só foi provido por concurso público mais tardiamente, em 1878 – e no caso das administrações concelhias apenas em 189236.

  • 37 Almeida (2007), «A burocracia do Estado no Portugal Liberal…», pp. 60-61.
  • 38 Almeida (1995), «A construção do Estado liberal…», pp. 288-289.

22Contudo, no Terreiro do Paço, o cenário era outro. Aí, as práticas concursais institucionalizaram-se mais cedo (1859) e a capacidade de sobrevivência do pessoal dirigente face às mudanças eleitorais era bastante maior. Pedro Tavares de Almeida analisou as listas nominais dos funcionários das secretarias dos ministérios e concluiu «Mesmo os cargos superiores que eram considerados de “confiança política”, como o de diretor-geral, apresentavam uma surpreendente continuidade»37. Uma continuidade que contrasta com a circulação registada na elite ministerial e que não se circunscreve, no quadro da Monarquia constitucional, ao ciclo político da Regeneração38.

  • 39 Almeida (1995), «A construção do Estado liberal…»; Almeida, Pedro Tavares de (2005), «The Portugues (...)

23Pedro Tavares de Almeida fez, de resto, a única caracterização empírica conhecida da elite da administração central portuguesa oitocentista, e é a partir das suas análises que poderemos ver como ela evoluiu da Regeneração até aos nossos dias39.

  • 40 Almeida (2005), «The Portuguese administrative elite…», p. 441.

24É de facto interessante verificar a grande estabilidade ao nível das pessoas que exerceram cargos de topo na administração do Estado, em claro contraste com a instabilidade que caracterizava o pessoal político e com o que sugeria a imagem dominante do clientelismo generalizado: «[…] 101 indivíduos, no conjunto, desempenharam o papel de secretários-gerais e chefes de departamento […] entre maio de 1851 e 5 de outubro de 1910»40.

  • 41 Almeida (2005), «The Portuguese administrative elite…», p. 444.

25Como é que se caracterizava em traços gerais este pequeno grupo, do ponto de vista sociodemográfico e dos percursos académicos e profissionais? Um quarto dos dirigentes tinha as suas origens geográficas em Lisboa e quase metade vivia na capital. Nascer e viver em Lisboa afigurava-se como a situação ideal para estabelecer as redes sociais e políticas necessárias ao acesso a altos cargos no Estado: isto era particularmente visível no elitista Ministério dos Negócios Estrangeiros41.

26Em média, os secretários-gerais e diretores-gerais tinham 47 anos, em linha com a elite ministerial e europeia da época, e o Direito prevalecia como formação privilegiada entre este grupo dirigente: quase 60% dos diretores-gerais e equiparados tinham formação jurídica, tendência só atenuada nas Obras Públicas, onde a engenharia (militar) tinha uma óbvia preponderância. Consequentemente, a Universidade de Coimbra e a Escola Militar de Lisboa desempenhavam o papel de principais escolas de formação das futuras elites administrativas.

Tabela 1 - Formação académica dos diretores-gerais, 1851-1910 (%)

Formação

N

%

Licenciados

69

71.9

Licenc. Direito

40

58.0

Licenc. Mat./Engenharia

 8

11.6

Militar

11

15.9

Outras

10

14.5

Fonte: Almeida (2005), «The Portuguese administrative elite…», p. 448.

  • 42 Almeida (2005), «The Portuguese administrative elite…», p. 452.

27Outro indicador de significativa autonomia profissional é o peso de dirigentes com carreira na função pública: 86 % das pessoas que exerceram funções de topo durante este longo período fizeram toda a sua carreira no Estado. Isto teve duas consequências claramente identificadas por Pedro Tavares de Almeida: favoreceu a continuidade dos altos funcionários, a fraca mobilidade entre departamentos ministeriais e a estabilidade no topo, ao mesmo tempo que incentivou a especialização e a profissionalização dos papéis desempenhados pelas elites administrativas42.

Tabela 2- Origem profissional dos diretores-gerais, 1851-1910 (%)

Carreira

N

%

Administração Central

51

53.7

Administração Local

5 

5.3

Militar

12

12.6

Docência

11

11.6

Privado

10

10.5

Outra

 6

 6.3

Fonte: Almeida (2005), «The Portuguese administrative elite…», p. 451.

  • 43 Almeida (2005), «The Portuguese administrative elite…», p. 453 e 459.

28Ao contrário do que exprimia a retórica jornalística e política da época, em Portugal «…o padrão dominante é o da estabilidade e continuidade dos altos funcionários». Em síntese, Tavares de Almeida conclui que, embora não totalmente imune à participação partidária e ao controlo político, «… a elite administrativa era em grande medida “neutral” nas suas atitudes e na perceção que tinham acerca do seu papel»43.

  • 44 Rosas, Fernando (2009), «A crise do liberalismo oligárquico em Portugal», in F. Rosas e M. Fernanda (...)
  • 45 Almeida, Pedro Tavares e António Costa Pinto (2006), «Os ministros portugueses, 1951-1999: perfil s (...)

29Já relativamente à I República, a informação empírica sobre o perfil das elites administrativas é bastante escassa. Sabe-se, no entanto, que o advento do regime republicano, corolário da crise financeira e política do sistema oligárquico do liberalismo monárquico, representava as aspirações de uma pequena e média burguesia urbana com capitais económicos e culturais suficientes para intervir politicamente mas bloqueada no acesso ao poder político e económico44, e que isso se traduziu na reconfiguração da elite ministerial45.

  • 46 Lopes, Fernando Farelo (1994), Poder Político e Caciquismo na 1.ª República Portuguesa, Lisboa, Ed. (...)

30Por outro lado, o sistema de caciquismo burocrático parece ter continuado bastante ativo durante este período. Como nota Fernando Farelo Lopes, «Durante a Regeneração e a I República, os bens mais compensadores em termos de apoio eleitoral eram os empregos e promoções na função pública», especialmente num país que não dava incentivos ao empreendedorismo e a atividades privadas. Nas zonas rurais, à falta de empregos públicos para distribuir, retribuía-se com obras públicas e inaugurações, os chamados «melhoramentos materiais»46.

  • 47 Matos (2010), Tudo o que sempre quis saber sobre a Primeira República…, p. 112.

31Ao nível das funções e estruturas da administração central do Estado é que se verificam algumas mudanças: esta foi uma época de maior crescimento e diversificação. Salgado de Matos nota que foi em 1920 que se criaram as administrações gerais, ou institutos públicos, organismos com funções executivas que contrastavam com as funções reguladoras das direções-gerais tradicionais. Com isto, o número de serviços e organismos da administração central do Estado aumentou de 59 no final da Monarquia para 124 no final da I República. E mais especificamente, o número de direções-gerais aumentou de 17 para 37 no mesmo período47.

  • 48 Valente, Vasco Pulido (1999), O Poder e o Povo, Lisboa, Gradiva.

32A informação disponível nas fontes secundárias não nos diz muito mais do que isto. De qualquer modo, pelo retrato que Vasco Pulido Valente traça da história política deste período é possível perceber uma divisão de estratégias no interior da elite republicana acerca do papel a desempenhar pela elite administrativa oriunda da Monarquia no novo regime48. Isto traduziu-se em diferenças de ministério para ministério, em função da personalidade que o dirigia – o que constitui mais um exemplo da fraca institucionalização partidária e estatal que já testemunháramos na Monarquia constitucional.

  • 49 Almeida e Pinto (2006), «Os ministros portugueses, 1951-1999…», p. 23;
  • 50 Valente (1999), O Poder e o Povo

33Se António José de Almeida (ministro do Interior), Brito Camacho (ministro do Fomento) e José Relvas (ministro das Finanças) viam a revolução republicana como uma revolução de uma classe média ordeira, composta por professores e profissionais liberais – o que por si já representava uma mudança relativamente à elite política da regeneração49 –, Afonso Costa (Justiça e Cultos) e Correia Barreto (Guerra) preconizavam uma república ainda mais «democrática» e estavam em total sintonia com a militância e a imprensa republicanas, no sentido da necessidade de uma «limpeza» no topo do Estado50.

  • 51 Valente (1999), O Poder e o Povo…, p. 163.
  • 52 Valente (1999), O Poder e o Povo…, p. 167.

34Foi, pois, com perplexidade que a imprensa republicana mais radical olhou para as nomeações e reconduções de altos funcionários da Monarquia – «os adesivos» –, operadas pelos três primeiros (António José de Almeida, Brito Camacho e José Relvas). Chegavam a ser publicadas na imprensa listas de altos funcionários que tinham colaborado com o regime anterior e que, por essa razão, deviam ser substituídos51. António José de Almeida, à frente do importante Ministério do Interior, não dava ouvidos à sua gente: «Na verdade, o “ídolo querido” das massas republicanas conservou a antiga administração monárquica por quase todo o país rural e apoiou invariavelmente os proprietários da terra e os grupos político-administrativos que os representavam, em detrimento dos fiéis militantes do PRP»52.

  • 53 Valente (1999), O Poder e o Povo…, p. 170.
  • 54 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 491.

35No Ministério da Justiça e dos Cultos, pelo contrário, Afonso Costa «não fez uma nomeação sem consultar as comissões paroquiais do PRP, tanto ao preencher as vagas de funcionários eventuais […] como ao recrutar o pessoal do registo civil»53. De facto, com o fim da I República, foram encontradas várias identificações do Partido Democrático anexadas aos processos de diferentes funcionários do Ministério da Justiça e dos Cultos, o que indica que, a nível da administração central, deve ter sido essencialmente aqui que o regime republicano mais promoveu um sistema de politização clientelar no recrutamento dos funcionários54.

  • 55 Almeida e Pinto (2006), «Os ministros portugueses, 1951-1999…».
  • 56 Martins, Hermínio (1998), Classe, Status e Poder, Lisboa, ICS, p. 72.

36Não se sabe se a mudança para um regime de tipo republicano provocou efetivamente uma mudança no perfil social das elites administrativas, à semelhança do que se passou entre a elite ministerial55. Mas relativamente à administração central, e sem prejuízo da estratégia seguida por Afonso Costa no Ministério da Justiça, parece consensual, de acordo com a literatura disponível, que o perfil de autonomia profissional se mantém, em geral, dominante entre as elites administrativas: «Os saneamentos republicanos de funcionários realistas foram espasmódicos e muito limitados em proporção e amplitude». Até porque dificilmente teriam «conduzido à eficácia administrativa»56.

Do Estado Novo à Democracia

  • 57 Ferreira, José Medeiros (2001), O Comportamento Político dos Militares, Estampa, Lisboa.

37O derrube da República parlamentar foi um objetivo que juntou correntes políticas muito diversas. Não era pois forçoso que a Ditadura Militar iniciada pelo movimento do 28 de maio de 1926 desse lugar a um duradouro regime autoritário de direita. O período de 1926 a 1933 foi marcado por uma dura luta pelo poder da qual Salazar e o modelo da ditadura civil saíram vencedores. Pensar estes sete anos como um percurso linear e pré-determinado é cair no típico erro fatalista daqueles historiadores que sabem o que se passou57.

  • 58 Almeida e Pinto (2006), «Os ministros portugueses, 1951-1999…», p. 27.

38Para Salazar, o segredo do sucesso do controlo da sociedade portuguesa estava num apertado controlo político da ação governativa e na utilização dos seus instrumentos de censura, propaganda e repressão. Em Portugal, ao contrário da Itália fascista ou da Alemanha nazi, «… o controlo político era feito principalmente através da centralização administrativa, da polícia política e do aparelho corporativo, e não pelo partido único»58.

  • 59 Opello, Walter (1983), «The continuing impact of the old regime on Portuguese political culture», i (...)
  • 60 Cruz, Manuel Braga da (1988), O Partido e o Estado no Salazarismo, Lisboa, Dom Quixote, p. 255.

39Como recorda Walter Opello, houve sempre uma preocupação em despolitizar e desmobilizar os cidadãos em relação às decisões administrativas, privilegiando os tecnocratas no processo de decisão política59. Neste sentido, Braga da Cruz chega mesmo a definir este sistema de poder como uma forma de «ditadura de governo», em contraste com as ditaduras de partido (fascismo) e de movimento (nazismo): «E na medida em que a pessoalização da direção política tendeu para administrativizar a ação governativa, poderá igualmente falar-se de ditadura administrativa ou burocrática»60.

  • 61 Citado in Cruz (1988), O Partido e o Estado…, p. 182.

40De facto, nos discursos oficiais, Salazar fazia questão de distinguir o plano da política e o plano da governação e da administração: «é necessária a política no governo das Nações, mas fazer política não é governar»61. Contudo, também em relação ao Estado Novo, devemos evitar classificar o regime exclusivamente a partir dos discursos oficiais e das imagens dominantes, e especialmente não podemos confundir burocratização da política com total despolitização da burocracia ou com um centralismo omnipotente.

  • 62 Cruz (1988), O Partido e o Estado…, p. 181.

41Neste contexto, deve reconhecer-se o papel desempenhado pela União Nacional (UN), desde logo no recrutamento do pessoal responsável pela administração local e periférica, em linha aliás com o que se passava com os partidos dominantes no liberalismo. É verdade que, formalmente, ao contrário do que se passava noutros regimes autoritários e totalitários da época, não havia uma autonomia política do partido único ou um governo paralelo do partido único – nem sequer uma presença da direção da UN no governo (como na Espanha franquista) – mas antes uma governamentalização de um partido criado, aliás, já durante a ditadura e não antes62. Isto não significa, contudo, que os dirigentes mais radicais da União Nacional se conformassem com esta situação ou que o poder de Salazar e do seu centro administrativo chegasse ao ponto de travar as lógicas clientelares do partido único.

  • 63 Pinto, António Costa (1992), O Salazarismo e o Fascismo Europeu: Problemas de Interpretação nas Ciê (...)
  • 64 Cruz (1988), O Partido e o Estado…, p. 185.

42Falta estudar a ação territorial do partido único63, mas era visível que a União Nacional tinha o seu lugar no processo de recrutamento das elites parlamentares, distritais e locais64. Podia não ter o papel de enquadramento político das massas que alguns ideólogos do regime desejavam, e ser pouco determinante para as carreiras na administração central, mas, tal como os partidos do liberalismo, funcionava claramente como plataforma de mediação entre os interesses locais e o governo central. Marcello Caetano, que esteve à frente da União Nacional entre 1947 e 1949, lamenta, nestes termos, o tempo que passou à frente do partido único:

  • 65 Caetano, Marcello (2000), Minhas Memórias de Salazar, Lisboa, Verbo, pp. 444-445.

«O meu papel reduzia-se, pois, a receber todos os dias influentes políticos da província que me vinham expor pequenas questões locais ou solicitar a minha intervenção para obterem o deferimento pelos ministros de pretensões por eles apadrinhadas, e outras pessoas igualmente portadoras de pedidos para este ou para aquele. Uma vez traduzi esta situação a Salazar dizendo-lhe que, assim como havia em Lisboa um “Agente Geral das Colónias”, para receber e encaminhar os assuntos do Ultramar na Metrópole, o Presidente da União Nacional era uma espécie de Agente Geral da Província em Lisboa… A União Nacional não sendo um partido que procurasse conquistar o poder ou conservá-lo em mãos dos seus membros, sofria afinal de muitos dos inconvenientes dos partidos mas sem nenhuma das suas vantagens …»65.

  • 66 Ramos, Rui (1986), «O Estado Novo perante os poderes periféricos: o governo de Assis Gonçalves em V (...)
  • 67 De resto, estudos recentes sobre a política de emigração retratam um ditador muito mais condicionad (...)

43Devemos acompanhar Rui Ramos quando este nota, a propósito do Estado Novo, que «Continuamos [...] a definir o regime a partir de uma vontade política, cuja essência extraímos de um emaranhado sofístico dos discursos oficiais e de uma prática legislativa cheia de reversos»66. As declarações de Marcello Caetano atrás citadas confirmam plenamente a existência de outros poderes para além do poder central de Salazar, que nem sempre iam ao encontro dos interesses e da vontade deste67.

  • 68 Ramos (1986), «O Estado Novo perante os poderes periféricos…», pp. 125-126.
  • 69 Martins (1998), Classe, Status e Poder…, p. 43.

44No seu estudo sobre o Governo Civil de Vila Real nos primórdios do Estado Novo, Rui Ramos mostra como o representante do ministério do Interior na província, apesar dos poderes de nomeação que detinha, sofria as resistências e a concorrência dos notáveis locais: «Vamos ver o governador civil a fazer profissões de fé fascista, assim como os influentes muito pouco convertidos a epopeias totalitárias e mais interessados em preservar a sua autonomia e interesses locais. O choque, inevitável, põe finalmente a claro os limites da política do Estado Novo»68. E deste modo, como observa Hermínio Martins, «Estranhamente, o regime havia regressado ao sistema político que tinha pretendido destruir: a concessão de lugares públicos em troca de apoio político»69.

45Mesmo ao nível da administração central, as lógicas clientelares da União Nacional e (principalmente) as lógicas de controlo político tinham o seu papel. Recorde-se que a Constituição de 1933 estabelecia que «Os funcionários públicos estão ao serviço da coletividade e não de qualquer partido ou organização de interesses particulares, incumbindo-lhes acatar e fazer respeitar a autoridade do Estado». Ora tendo em conta a proibição do exercício de atividades políticas e sindicais fora da União Nacional e das instituições corporativas, é expectável que logo à entrada do sistema (no acesso à função pública) fosse feita uma seleção de carácter político.

  • 70 Estes foram anos de intensas “purgas”, retomadas em 1945, quando o regime se via internacionalmente (...)
  • 71 Isto incluía uma parte importante da população ativa: funcionários públicos, professores de liceu, (...)
  • 72 Amaral, Diogo Freitas do (1999), «Administração Pública», in António Barreto e Maria Filomena Mónic (...)

46De resto, dois anos depois, a legislação aprovada a 13 de maio de 1935 (Decreto-Lei nº 25: 317)70 concretiza o processo de saneamento político na administração pública, prevendo aposentações compulsivas e demissões e impedindo o acesso a cargos públicos para todos aqueles que revelassem «espírito de oposição aos princípios fundamentais da Constituição» ou pertença a qualquer «associação secreta» (leia-se maçonaria). Quando um funcionário entrava nos quadros do Estado71, era obrigado a declarar, sob compromisso de honra, o «ativo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas»72.

  • 73 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 421.
  • 74 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 502.

47De acordo com a investigação feita por Salgado de Matos, 288 dos 575 diretores-gerais que exerceram funções entre 1945 e 1974 pertenciam ao partido único, o que representa uma significativa percentagem de 50,1%73. O que não significa que os filiados no partido único constituíssem a totalidade do pessoal dirigente ou que o seu perfil correspondesse às expectativas dos líderes das instituições fascizantes do regime (União Nacional, Mocidade Portuguesa, Legião Portuguesa). É neste sentido que devemos interpretar o perfil das elites administrativas do Estado Novo descrito por Salgado de Matos, muito idêntico ao perfil «monárquico» e «republicano»: «O diretor-geral era um técnico do setor que ia dirigir; provinha quase sempre da carreira dominante na Direção-Geral em causa»74. Tal como no liberalismo, as ligações políticas ao regime eram um critério insuficiente para se aceder a este tipo de cargos: era essencial que fossem também (e principalmente) pessoas com determinadas competências técnicas e de preferência com carreira no funcionalismo.

  • 75 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 471. Em 1959 é aprovado o II Plano de Fomento (...)

48Especificamente sobre a elite administrativa do Estado Novo apenas dispomos de dados acerca do seu perfil académico. Recorrendo uma vez mais ao estudo de Salgado de Matos, podemos concluir que, tal como na Regeneração, a elite administrativa da fase inicial do salazarismo era dominada pelo Direito e pela Engenharia militar. À medida que se avança neste longo período de quase 50 anos, nota-se uma especialização crescente, com a engenharia civil e a economia a ganharem peso especialmente a partir de 195875. Sendo estes cursos inexistentes em Coimbra até muito tarde, assim se explica o progressivo declínio desta Universidade na formação da elite do Estado Novo.

Tabela 3 - Formação académica dos diretores-gerais do Estado Novo, 1933-1974

Tabela 3 - Formação académica dos diretores-gerais do Estado Novo, 1933-1974

Fonte: Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 472.

  • 76 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 498.
  • 77 Rocha (2001), Gestão Pública e Modernização Administrativa
  • 78 O carácter vitalício e inamovível dos cargos era contornável, por vontade do Governo, na medida em (...)
  • 79 Graham, Lawrence (1983), «Bureaucratic politics and the problem of reform in the state apparatus», (...)

49Tirando aspetos disciplinares, formalmente, nunca existiu durante o Estado Novo um estatuto do pessoal dirigente aplicável de forma universal a todos os ministérios76. As regras variavam de acordo com as leis orgânicas de cada departamento governamental, e as comissões de serviço dos diretores-gerais, aprovadas pelos ministros e pelo presidente do Conselho, podiam ser de apenas dois anos ou chegar a quatro anos. Mas era frequente que essas comissões fossem sucessivamente renovadas e que os diretores-gerais estivessem nos seus cargos bastante mais tempo do que os ministros que os tutelavam77. E estima-se que esse carácter quase vitalício e inamovível dos cargos dirigentes administrativos lhes desse um poder real superior ao seu poder formal78: «Enquanto os ministros chegavam e iam com frequência, os diretores permaneciam», escreve Graham79.

  • 80 Pinto (1992), O Salazarismo e o Fascismo Europeu…, p. 52.
  • 81 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 501.

50Como observa António Costa Pinto, «Após a purga dos elementos afetos à estrutura clientelar dos partidos da República, o ditador confia fundamentalmente na burocracia, reina sobre e baseado nela...»80. Assim, ao mesmo tempo que controlava politicamente o acesso ao funcionalismo público e que alargava a politização da administração central com a criação dos gabinetes ministeriais (Decreto Lei 26: 115, de 23 de novembro de 1935), o regime compensava os seus altos funcionários com a estabilidade na carreira. De facto, o Estado Novo conseguiu pôr em prática a generalização de procedimentos burocráticos modernos, reforçando os concursos públicos como método de acesso e progressão nas carreiras do funcionalismo público81.

  • 82 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 500.
  • 83 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 522.

51Por outro lado, sem os constrangimentos eleitorais e demoliberais da I República, o Estado Novo conseguiu igualmente reforçar a hierarquia burocrática que considerava estar minada por aumentos que haviam beneficiado desproporcionadamente os escalões inferiores do funcionalismo82. É assim que surgem as atualizações salariais e as oportunidades de acumulações remuneratórias nas direções-gerais e nas empresas, que dão aos altos funcionários um estatuto de privilégio social só verdadeiramente ameaçado a partir da concorrência que o setor privado industrial começou a oferecer nos anos 6083.

  • 84 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 513.

52Este elevado estatuto social traduzia-se, como nota Salgado de Matos, desde logo nas cerimónias da tomada de posse de cada diretor-geral, que eram sempre relatadas pela imprensa e que revelavam um investimento simbólico e político incomparavelmente superior ao que se verifica atualmente84.

  • 85 Castilho, José Manuel Tavares (1999), A Ideia de Europa no Marcelismo (1968-1974), Lisboa, Assemble (...)
  • 86 Rosas, Fernando (1999), «O marcelismo e a crise final do Estado Novo», in Fernando Rosas (coord.), (...)

53A derrota dos autoritarismos e totalitarismos de direita na Segunda Guerra Mundial, a progressiva abertura económica ao exterior e principalmente o desgaste da guerra colonial, fizeram emergir uma oposição democrática com um força crescente e uma presença cada vez mais visível nos setores dinâmicos da sociedade no espaço público. O marcelismo, habitualmente visto como uma política de equívocos e indecisões85, representou inicialmente uma resposta do regime a esta nova realidade política86.

  • 87 Citado por Carmo (1987), Os Dirigentes da Administração Pública …, p. 243.

54Também para a administração pública Marcello Caetano parecia reservar grandes mudanças: «A administração Pública atravessa um período de crise. Os seus métodos carecem de atualização. As suas normas têm de ser simplificadas. O seu pessoal precisa de ser melhor remunerado e de corresponder às exigências de maior produtividade», dizia o então Presidente do Conselho87.

  • 88 Pereira, Pedro Theotónio (1973), Memórias I, Lisboa, Verbo, p. 249.

55Data desta época (1972) a reorganização da administração central do Estado, com a criação de estruturas que ainda hoje conhecemos, como as divisões e os gabinetes de estudos. Esta requalificação técnica da administração pública era há muito reconhecida como uma necessidade pelos próprios ministros do Estado Novo. Aquando da passagem de pastas no Ministério do Comércio em janeiro de 1936, Sebastião Ramires (o ministro cessante) vira-se para Theotónio Pereira (o novo ministro) e fala-lhe da necessidade da reforma dos serviços públicos e da falta de apoio e aconselhamento qualificado à atividade ministerial, um problema que o regime tardou a enfrentar: «Com a complexidade que as coisas vão exigindo, muitos dos papéis entrados em cada dia seguem para a minha mesa e por ali ficam para serem estudados. No dia em que o Dr. Salazar me diga para recolher a casa, pego nessa pastinha que lá tenho e levo comigo o Ministério»88.

  • 89 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 507.
  • 90 Neste contexto, Graham (1983), «Bureaucratic politics and the problem of reform…» destaca a criação (...)
  • 91 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 536.

56Por outro lado, novos diretores-gerais, embora continuando a ser nomeados pelo governo, viram os seus cargos perderem o carácter vitalício com a institucionalização das comissões de serviços89. E o Estado também foi assumindo novas funções, aumentando assim o número de estruturas e consequentemente o emprego público90. Nas vésperas da democracia, em 1973, a administração do Estado já contava com 243 direções-gerais ou estruturas equivalentes e o emprego público já representava 8% do emprego total. Ora, em 1945 existiam 161 direções-gerais e em 1950 o emprego público representava ainda 2,3% do emprego total91.

  • 92 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 522.
  • 93 Martins (1998), Classe, Status e Poder, p. 105. Era também assim que a oposição democrática a retra (...)

57Como se sugeriu atrás, e apesar de uma relativa degradação salarial a partir dos anos 60, no essencial, ao longo de mais de quatro décadas de ditadura, a elite administrativa beneficiou sempre de um estatuto social relativamente elevado e fez parte do sistema de poder do Estado Novo92. Hermínio Martins coloca os escalões superiores do funcionalismo público na categoria de classe alta do Estado Novo. Era assim que os portugueses – pelo menos os que trabalhavam com ou para o Estado – a viam93.

  • 94 Schmitter (1999), Portugal: do Autoritarismo à Democracia…, p. 45.

58De acordo com Silva Leal, a opinião pública fazia uma «associação da classe política e dos altos funcionários com os detentores da riqueza» (1982: 937). Havia, portanto, uma espécie de «interpenetração do poder público e privado [....] através da colocação sistemática e deliberada de ministros, governadores das colónias e governadores civis, militares de alta patente, subsecretários de Estado e mesmo chefes de gabinete em empresas privadas ou mistas depois de um período ao serviço do Estado»94. O que representaria um sério desafio para esta elite do poder em caso de mudança política gerada por uma contra-elite, como efetivamente veio a acontecer. Aí se veria o grau de disciplina, coesão e autonomia da elite administrativa, bem como a imagem de competência e indispensabilidade de que beneficiava junto dos novos decisores políticos.

  • 95 Pinto, António Costa (1999), «Saneamentos políticos e movimentos radicais de direita na transição p (...)

59A transição portuguesa para a democracia iniciada em abril 1974 não foi uma transição iniciada pelo regime autoritário como seria a espanhola; foi antes uma iniciativa de uma nova elite (militar e política) que se opunha à elite do poder autoritário. Ora, este processo de mudança política, marcado por saneamentos, «dificultou qualquer rápida reconversão da elite salazarista»95.

  • 96 Isto não significa que a estrutura corporativa tenha sido completa e imediatamente desmantelada. A (...)

60O movimento de saneamento político e administrativo teve duas fases (Pinto, 1999). Uma primeira fase de saneamentos políticos legais e estratégicos, que conduziu à natural extinção dos serviços mais ligados à natureza autoritária do regime anterior (Ação Nacional Popular, Mocidade Portuguesa, Legião Portuguesa e PIDE/DGS) e ao afastamento dos seus dirigentes. Mas que ficou também marcada pela ocupação de câmaras municipais e expulsão dos dirigentes dos sindicatos corporativos96, para além de saneamentos espontâneos nalgumas empresas e universidades.

  • 97 Carmo (1987), Os Dirigentes da Administração Pública em Portugal…, p. 246.

61O programa do Movimento das Forças Armadas falava expressamente de saneamento da política interna e das suas instituições, e abria caminho «a um processo de alteração dos recursos humanos do Estado, partindo-se do pressuposto de que não se pode alterar radicalmente uma política, sem se alterarem as pessoas que detêm posições chave no aparelho de Estado»97.

62Em junho do mesmo ano, publica-se outro Decreto-Lei (n.º 277/74, de 25 de junho) que institui a Comissão Interministerial de Reclassificação. Invocando comportamento antidemocrático, incapacidade de adaptação à democracia ou mesmo incompetência, a Comissão recorreu a três tipos de punições: transferência, reforma compulsiva ou demissão de agentes e funcionários da administração pública.

  • 98 Pinto (1999), «Saneamentos políticos e movimentos radicais…», p. 30.
  • 99 Citado por Carmo (1987), Os Dirigentes da Administração Pública em Portugal…, p. 248.

63A partir do 11 de março de 1975, entra-se numa segunda fase de saneamento político-administrativo, marcada por uma maior radicalização, que, até à nova legislação introduzida após o 25 de novembro, envolveu o saneamento de cerca de 20 mil pessoas, acusadas de «colaboração com o fascismo»98. Era o próprio primeiro-ministro Vasco Gonçalves que dizia: «É preciso que tenhamos à frente da função pública, como das empresas, pessoas capazes, pessoas dinâmicas, pessoas imbuídas do espírito do 25 de abril», sugerindo assim a existência de resistências ao processo revolucionário no interior (e no topo) da administração pública99.

  • 100 Pinto (1999), «Saneamentos políticos e movimentos radicais…», p. 33.
  • 101 Oliveira, Pedro Aires (2006), «O corpo diplomático e o regime autoritário», Análise Social, n.º 178 (...)

64As Forças Armadas, por razões óbvias, «foram a instituição onde a rutura entre passado e presente mais claramente se definiu»100. Na administração pública, a intensidade do processo variou de ministério para ministério: na Justiça foram saneados 42 juízes, nos Negócios Estrangeiros «os saneamentos limitaram-se a uns poucos membros do corpo diplomático que tinham exercido funções governativas no anterior regime» (Pinto, 1999: 35). Esta capacidade de resistência dos funcionários da carreira diplomática às mudanças de regime já se tinha, aliás, registado no início da I República e no Estado Novo101.

  • 102 Graham (1983), «Bureaucratic politics…», p. 231.

65Os saneamentos foram, pelo contrário, mais intensos entre os dirigentes de ministérios mais recentes, nomeadamente na Educação e no Trabalho, onde a pressão sindical e política era mais forte do que a capacidade de resistência e organização dos altos funcionários que vinham do passado. Por vezes, a intensidade dos saneamentos variava de serviço para serviço dentro do mesmo ministério: estima-se, por exemplo, que, no ministério da Agricultura, o Instituto da Reforma Agrária fosse dominado pelo PCP, enquanto os serviços técnicos, mais dirigidos aos minifúndios, eram mais controláveis pelas clientelas da direita102.

  • 103 Aguiar (1985), «Partidos, estruturas patrimonialistas…», Portas e Valente (1990), «O primeiro-minis (...)

66Em que medida o regime de democracia consolidada, que se seguiu ao período revolucionário de 1974/75, manteve ou alterou o padrão histórico de recrutamento das elites administrativas? Como dissemos na Introdução algumas das referências iniciais dedicadas ao tema da relação entre política e administração no período democrático apontam no sentido da existência de práticas generalizadas de politização clientelar no recrutamento das elites administrativas e mesmo no emprego público em geral. É a perspetiva que encontramos, por exemplo, nas análises de Joaquim Aguiar, de Vasco Pulido Valente e Paulo Portas ou de Fernando Farelo Lopes103. Mas mesmo nos estudos de Valente e Portas e de Farelo Lopes, centrados no período democrático, é ao nível das empresas públicas que a referência a essas práticas se torna mais recorrente.

  • 104 Carla Teixeira (2010) conclui que os gabinetes ministeriais têm vindo a assumir as funções tradicio (...)

67Não pretendemos defender a inexistência de lógicas de politização partidária ou de controlo político na administração do Estado durante o período democrático104. Ela existe hoje, tal como existiu no passado. Mas de facto, quando olhamos para os (escassos) estudos que se debruçaram mais diretamente sobre o perfil da elite administrativa da democracia, a ideia de uma padrão generalizado de politização na administração do Estado não encontra respaldo.

  • 105 Carmo (1987), Os Dirigentes da Administração Pública em Portugal…; Almeida (1995), «A construção do (...)

68O estudo de Hermano Carmo leva-nos a considerar que persiste um padrão no topo da administração do Estado que vem da Regeneração, atravessa o Estado Novo (Matos, 2000) e se mantém, no essencial, nos anos 80105. Carmo descreve os dirigentes da administração pública em 1983 como um grupo algo envelhecido, muito dominado por juristas e engenheiros e com origens geográficas frequentemente lisboetas. Quanto ao seu perfil profissional, a esmagadora maioria dos dirigentes administrativos da primeira década da democracia continuava a fazer toda a sua carreira no Estado e mesmo nos ministérios em que exerciam funções (o que revela uma forte especialização e uma fraca mobilidade) e chegava aos lugares de topo na fase final dessa carreira.

  • 106 Rocha (2001), Gestão Pública e Modernização…; Nunes (2003), «Os diretores-gerais…»; Nunes (2012), « (...)

69O mesmo se conclui pela leitura de Rocha, Nunes e Teixeira106: a elite administrativa das últimas duas décadas da democracia surge como uma elite relativamente envelhecida, frequentemente lisboeta, muito dominada por juristas e engenheiros, oriundos da Faculdade de Direito de Lisboa e do Instituto Superior Técnico, recrutados no interior da administração e dos ministérios em que exercem funções dirigentes:

Tabela 4 - Carreira profissional dos diretores-gerais, 1999-2009

Tabela 4 - Carreira profissional dos diretores-gerais, 1999-2009

Fonte: Nunes (2012), «Os Diretores-Gerais…», p. 160.

Tabela 5 - Mobilidade interministerial dos dirigentes recrutados na administração, 1999-2009

Tabela 5 - Mobilidade interministerial dos dirigentes recrutados na administração, 1999-2009

Fonte: Nunes (2012), «Os Diretores-Gerais…», p. 164.

  • 107 Nunes (2012), «Os Diretores-Gerais…», p. 181.

70Nota-se também uma forte presença de carreiras especiais em cargos de topo na administração do Estado: médicos na Saúde, professores na Educação, militares na Defesa Nacional, magistrados na Justiça e diplomatas nos Negócios Estrangeiros107.

  • 108 Nunes (2012), «Os Diretores-Gerais…».
  • 109 Nunes (2012), «Os Diretores-Gerais…»; Teixeira (2010), «Administração e Política…».

71Do ponto de vista do perfil social das elites administrativas, os principais elementos de mudança prendem-se essencialmente com a maior presença de mulheres, o aumento das qualificações académicas e a consolidação do papel da Economia enquanto área de formação relevante108. Regista-se também uma crescente preponderância dos gabinetes ministeriais e dos institutos públicos enquanto fatores de politização109:

Gráfico 1 - Evolução da presença de ex-membros de gabinetes ministeriais entre os dirigentes de topo, 1999-2009

Gráfico 1 - Evolução da presença de ex-membros de gabinetes ministeriais entre os dirigentes de topo, 1999-2009

Fonte: Nunes (2012), «Os Diretores-Gerais…», p. 187.

  • 110 Nunes (2012), «Os Diretores-Gerais…», p. 174.

72Outra componente frequentemente apontada como mais permeável à politização – de tipo clientelar e partidário, como no passado – é a da administração periférica. Simplesmente, as posições de ministros e secretários de Estado entrevistados oscilam entre a forte crítica e o apelo a regras legais mais apertadas, por um lado, e a aceitação do fenómeno dentro de certos limites, por outro110.

Gráfico 2 - Número de institutos públicos por tipo e no tempo

Gráfico 2 - Número de institutos públicos por tipo e no tempo

Fonte: Moreira, Vital et al. (2001), «O universo dos institutos públicos», in Vital Moreira et al., (2001), Relatório e Proposta de Lei-Quadro sobre os Institutos Públicos, Lisboa, Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, p. 71.

  • 111 Idem.
  • 112 Idem.

73Por exemplo, um dos antigos ministros citados no referido estudo diz que «A tendência para a promiscuidade entre administração pública e partidos é dos aspetos piores da vida política nacional. É uma situação que existe e que só pode ser travada através de requisitos mais apertados»111. No entanto, outro admite que não haja alternativas melhores, considerando a natureza territorial das organizações partidárias e a lógica do sistema eleitoral: «Queremos clientela para organizar eleições e depois não queremos clientela para responder às expectativas? Isso é que não existe em mundo nenhum! Temos de responder ao clientelismo de forma inteligente. Uma resposta que o considere e integre. Não podemos pensar que viveríamos num mundo melhor sem clientelismo, porque não resolvíamos o problema das eleições e da organização dos partidos, do recrutamento e da influência territorial que precisamos de ter»112.

Conclusões

74Pelo que atrás fica dito, parece existir sempre, no decurso deste
longo período, um contraste entre a imagem produzida pelo senso co-
mum político e jornalístico das diferentes épocas e o que a realidade
nos revela sobre o poder do Estado central e o alcance da politização clientelar. Como já se disse, nota-se que o processo de centralização política, próprio do Estado moderno, contou, em Portugal, como na restante Europa do Sul, com a forte resistência das comunidades locais e das tradições socialmente enraizadas, o que implicou sempre uma negociação entre Estado central e poderes locais, quer na aplicação de políticas governamentais, quer mesmo na escolha dos dirigentes da administração territorial.

75Ora, isto reflete-se depois num duplo padrão de recrutamento que caracteriza historicamente as elites administrativas. Se na administração central o Estado português conseguiu ir impondo uma lógica de profissionalização e mérito no recrutamento dos dirigentes de topo, sem nunca se alcançar um perfil idêntico ao francês, na administração periférica do Estado essa lógica foi contrariada pelas pressões das estruturas sociais e políticas influentes no plano territorial, onde de facto pontificam as práticas clientelares. Se no liberalismo e no parlamentarismo, o caciquismo influenciava as escolhas dos deputados e dos dirigentes da administração local, tudo indica que na ditadura era o partido único, a União Nacional, que representava esse papel próprio no recrutamento político e administrativo de nível territorial, cujos traços essenciais a consolidação democrática não parece ter apagado completamente.

76Claro que em todos os regimes terão existido tentativas, mais ou menos declaradas, de escolher para os cargos políticos e administrativos de topo da administração central gente absolutamente fiel à situação política de cada momento. No entanto, parece ter prevalecido um padrão de forte estabilidade de pessoas no topo da administração, com perfis sociais (sobre-representação de lisboetas, de classe média-alta) e percursos formativos (predomínio de juristas) muito semelhantes, e quase sempre recrutados no interior da administração do Estado, independentemente das mudanças políticas e eleitorais.

77Esse grau de autonomia face às mudanças políticas e eleitorais pa-
rece ter sido, apesar de tudo, variável: variável em função do nível administrativo em causa (central ou local, como se viu) e também do tipo de ministério e de organismo ou da força das diferentes carreiras do Estado: as lógicas de politização encontram-se mais frequentemente localizadas na administração periférica e mais recentemente nos gabinetes ministeriais e institutos públicos, coexistindo com um padrão de profissionalização e relativa estabilidade de pessoas nos restantes setores da administração do Estado.

  • 113 Almeida (1995), «A construção do Estado liberal…»;
  • 114 Carmo(1987), Os Dirigentes da Administração Pública …»; Rocha (2001), Gestão Pública e Modernização (...)

78Sublinhe-se, contudo, que para partes significativas do período aqui em análise estamos apenas perante pistas resultantes da literatura disponível. De facto, só dispomos de dados mais completos sobre os perfis das elites administrativas para Regeneração113 e os anos de 1980 a 2009114. É certo que todos estes elementos apontam para o facto de estarmos aqui perante algumas tendências de longo prazo, mas trata-se ainda de hipóteses de trabalho que deverão ser devidamente testadas para os períodos face aos quais a informação empírica é mais escassa: a I República, o Estado Novo e a transição e consolidação democráticas (1974-1982).

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Notas

1 «O Fantasma dos boys», Público, 27 de dezembro de 2001, p. 4.

2 D’Épinay, João, «Governo faz 1260 nomeações», Diário Económico, 23 de agosto de 2002, p. 2.

3 Antunes, Rui Pedro, «Em três meses já foram entregues 450 “jobs”, 73 saíram aos “boys”», Diário de Notícias, 7 de agosto de 2011, pp. 2-3.

4 Sampaio, Gustavo e Sara Capelo, «Os boys do governo», Sábado, 19 de janeiro de 2012, pp. 46-50.

5 Aguiar, Joaquim (1985), «Partidos, estruturas patrimonialistas e poder funcional: a crise de legitimidade», Análise Social, n.º 87-88-89, pp. 759-783; Portas, Paulo e Vasco Pulido Valente (1990), «O primeiro-ministro: estudo sobre o poder executivo em Portugal», Análise Social, n.º 107, pp. 333-349; Lopes, Fernando Farelo (1997), «Partisanship and Political Clientelism in Portugal», South European Society & Politics, vol. 2, n.º 3, pp. 27-51; Lopes, Fernando Farelo (2000), «Clientelismo político e consolidação da democracia: Portugal, 1983-1990», in José Manuel Leite Viegas e Eduardo Costa Dias (coords.), Cidadania, Integração, Globalização, Oeiras, Celta, pp. 63-74.

6 Portas e Valente (1990), «O primeiro ministro…».

7 Lopes (2000), «Clientelismo…».

8 Nunes, Filipe (2012), Os Diretores-Gerais: O Recrutamento das Elites Administrativas no Portugal Democrático, 1999-2009, Tese de Doutoramento em Ciências Sociais (Sociologia Política), Lisboa, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

9 Carmo, Hermano (1987), Os Dirigentes da Administração Pública em Portugal: Contribuição para o seu Estudo, Lisboa, ISCSP; Rocha, José Oliveira (2001), Gestão Pública e Modernização Administrativa, Maia, Instituto Nacional de Administração; Cruz, José Maria Teixeira da (2002), A Função Pública e o Poder Político: As Situações na Alemanha, em França, na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos da América e em Portugal, Lisboa, ISCSP; Nunes, Filipe (2003), «Os diretores-gerais: perfil social e político», in António Costa Pinto e André Freire (coords.), Elites, Sociedade e Mudança Política, Oeiras, Celta, pp. 97-129; Teixeira, Carla Cardoso (2010), «Administração e Política: Os Limites da Coexistência», Dissertação de Doutoramento em Sociologia, Lisboa, ISCTE; Nunes (2012), «Os Diretores-Gerais…».

10 Almeida, Pedro Tavares de (1995), «A construção do Estado liberal: elite política e burocracia na regeneração», Tese de Doutoramento em Sociologia Política, Lisboa, FCSH/UNL; Matos Luís Salgado de (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», Tese de Doutoramento em Sociologia Política, Lisboa, ICS-UL. O estudo de Salgado de Matos tem bastantes dados sobre o Estado Novo mas não está centrado nas elites administrativas e, como tal, não nos permite tirar conclusões tão definitivas como o de Tavares de Almeida.

11 Carmo (1987), Os Dirigentes da Administração Pública…; Rocha (2001), Gestão Pública e Modernização Administrativa…; Nunes (2003), «Os diretores-gerais…»; Teixeira (2010), «Administração e Política…».

12 Almeida, Pedro Tavares de (2007), «A burocracia do Estado no Portugal Liberal (2.ª metade do século XIX)», in Pedro Tavares de Almeida e Rui Branco (coords.), Burocracia, Estado e Território, Lisboa, Livros Horizonte, pp. 53-79.

13 Valente, Vasco Pulido (1982), Tentar Perceber, Lisboa, INCM, pp. 355-356.

14 Branco, Rui (2012), «La vida politica» in António Costa Pinto e Nuno G. Monteiro, coord., Portugal en La Historia Contemporanea», vol. 2 – 1834-1890 de «Historia de la Ibero-America», dir. volume Pedro Tavares de Almeida, Madrid, Fundacion Mapfre/Editorial Taurus [no prelo], p. 3.

15 Carr, Raymond (1980), Modern Spain, 1875-1980, Oxford, Oxford University Press, p. 6.

16 Ramos, Rui (2009), «Idade contemporânea – séculos XIX a XXI», in Rui Ramos (coord.) (2009), História de Portugal, Lisboa, A Esfera dos Livros, p. 439.

17 O mesmo se passou entre os liberais espanhóis do século XIX, como nota Guerrero (Guerrero, Maria Antonia Peña (2007), «A rebelião das províncias: poderes centrais e periféricos na Espanha da Restauração (1876-1923), in Pedro Tavares de Almeida e Rui Branco (coords.), Burocracia, Estado e Território, Lisboa, Livros Horizonte,
p. 205.

18 Branco (2012), «La vida politica», p. 19…

19 Silveira, Luís Nuno Espinha da (1997), Território e Poder: nas origens do Estado contemporâneo em Portugal, Cascais, Patrimónia.

20 Almeida (2007), «A burocracia do Estado no Portugal Liberal…», pp. 55-56

21 Almeida (2007), «A burocracia do Estado no Portugal Liberal…», p. 63.

22 Almeida (1995), «A construção do Estado liberal…», p. 239.

23 Sobral, José Manuel (2006), «Memória e Identidade Nacional: considerações de carácter geral e o caso português», Working Paper 04-06, ICS-UL. Trata-se de uma especificidade portuguesa que Nuno Gonçalo Monteiro situa no contexto das monarquias quinhentistas (Monteiro, Nuno Gonçalo (1997), «Poder local e corpos intermédios», in Luís Espinha da Silveira (org.), Poder Central, Poder Regional, Poder Local, Lisboa, Cosmos. Ao contrário do que se passou em Espanha, França ou Inglaterra, Portugal não resulta de uniões dinásticas de diferentes reinos e ducados. Isto explica a homogeneidade institucional do Estado e a inexistência de corpos intermédios regionais entre centro administrativo e o nível micro-local dos municípios.

24 Branco (2012), «La vida politica», p. 45.

25 Almeida, Pedro Tavares de (1991), Eleições e Caciquismo no Portugal Oitocentista 1868-1890, Lisboa, Difel, p. 137.

26 Guerrero (2007), «A rebelião das províncias…», p. 214.

27 Romanelli, Raffaele (2008), Duplo Movimento, Lisboa, Livros Horizonte, p. 156.

28 Sousa, Paulo Silveira e (2007), «A construção do aparelho periférico do Ministério da Fazenda em Portugal (1832-
-1878)», in Pedro Tavares de Almeida e Rui Miguel Branco (coords.), Burocracia, Estado e Território: Portugal e Espanha (séculos XIX-XX), Lisboa, Livros Horizonte, p. 129.

29 Pereira, Miriam Halpern (2009), Mouzinho da Silveira, Pensamento e Ação Política, Alfragide, Texto Editores, p. 97.

30 Almeida (1995), «A construção do Estado liberal…», p. 9.

31 Tavares de Almeida explora o conceito de caciquismo burocrático (Almeida (1991), Eleições e Caciquismo…, pp.132-136). As relações entre patronos e clientes encontram-se teorizadas e caracterizadas por Eisenstadt, S. N. e Louis Roniger (1981), «The study of patron-client relations and recent developments in sociological theory», in Samuel Eisenstadt e René Lemarchand (eds.), Political Clientelism, Patronage and Development, London, Sage, pp. 276-277.

32 Bonifácio, Maria de Fátima (2007), Estudos de História Contemporânea, Lisboa, ICS, p. 186.

33 Almeida (1995), «A construção do Estado liberal…», p. 257.

34 Estes países acompanhavam de perto, e por vezes antecipavam, estes movimentos legislativos modernizadores (Almeida, 1995: 263).

35 Sotiropoulos, Dimitri (2006), «Southern European bureaucracies», in Richard Gunther et al. (eds.), Democracy and the State in the New Southern Europe, Oxford, Oxford University Press, pp. 197-234.

36 Almeida (2007), «A burocracia do Estado no Portugal Liberal…», p. 61.

37 Almeida (2007), «A burocracia do Estado no Portugal Liberal…», pp. 60-61.

38 Almeida (1995), «A construção do Estado liberal…», pp. 288-289.

39 Almeida (1995), «A construção do Estado liberal…»; Almeida, Pedro Tavares de (2005), «The Portuguese administrative elite, 1951-1910», Revista de História das Ideias, vol. 26, FL-UC.

40 Almeida (2005), «The Portuguese administrative elite…», p. 441.

41 Almeida (2005), «The Portuguese administrative elite…», p. 444.

42 Almeida (2005), «The Portuguese administrative elite…», p. 452.

43 Almeida (2005), «The Portuguese administrative elite…», p. 453 e 459.

44 Rosas, Fernando (2009), «A crise do liberalismo oligárquico em Portugal», in F. Rosas e M. Fernanda Rollo (coord.), História da Primeira República Portuguesa, Lisboa, Tinta da China, p. 18.

45 Almeida, Pedro Tavares e António Costa Pinto (2006), «Os ministros portugueses, 1951-1999: perfil social e carreira política», in Pedro Tavares de Almeida et al., Quem Governa a Europa do Sul?, Lisboa, ICS. A elite ministerial republicana revela, apesar de tudo, origens geográficas provincianas acima do que seria de esperar. Ver também Matos, Luís Salgado de (2010), Tudo o que sempre quis saber sobre a Primeira República em 37 mil palavras, Lisboa, ICS, p. 111.

46 Lopes, Fernando Farelo (1994), Poder Político e Caciquismo na 1.ª República Portuguesa, Lisboa, Ed. Estampa, p. 29.

47 Matos (2010), Tudo o que sempre quis saber sobre a Primeira República…, p. 112.

48 Valente, Vasco Pulido (1999), O Poder e o Povo, Lisboa, Gradiva.

49 Almeida e Pinto (2006), «Os ministros portugueses, 1951-1999…», p. 23;

50 Valente (1999), O Poder e o Povo

51 Valente (1999), O Poder e o Povo…, p. 163.

52 Valente (1999), O Poder e o Povo…, p. 167.

53 Valente (1999), O Poder e o Povo…, p. 170.

54 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 491.

55 Almeida e Pinto (2006), «Os ministros portugueses, 1951-1999…».

56 Martins, Hermínio (1998), Classe, Status e Poder, Lisboa, ICS, p. 72.

57 Ferreira, José Medeiros (2001), O Comportamento Político dos Militares, Estampa, Lisboa.

58 Almeida e Pinto (2006), «Os ministros portugueses, 1951-1999…», p. 27.

59 Opello, Walter (1983), «The continuing impact of the old regime on Portuguese political culture», in Lawrence Graham and Eleanor Wheller (eds.), In Search of Modern Portugal: the Revolution and its Consequences, Madison, Wisconsin University Press, p. 208.

60 Cruz, Manuel Braga da (1988), O Partido e o Estado no Salazarismo, Lisboa, Dom Quixote, p. 255.

61 Citado in Cruz (1988), O Partido e o Estado…, p. 182.

62 Cruz (1988), O Partido e o Estado…, p. 181.

63 Pinto, António Costa (1992), O Salazarismo e o Fascismo Europeu: Problemas de Interpretação nas Ciências Sociais, Lisboa, Estampa.

64 Cruz (1988), O Partido e o Estado…, p. 185.

65 Caetano, Marcello (2000), Minhas Memórias de Salazar, Lisboa, Verbo, pp. 444-445.

66 Ramos, Rui (1986), «O Estado Novo perante os poderes periféricos: o governo de Assis Gonçalves em Vila Real (1934-1939)», Análise Social, n.º 90, p. 111.

67 De resto, estudos recentes sobre a política de emigração retratam um ditador muito mais condicionado pela persistência de um conjunto de forças e atores, muitos deles locais, do que seria de prever (Domingos e Pereira, 2010: 21), à luz não só da retórica do regime como do próprio Código Administrativo de 1936, da autoria de Marcello Caetano (Amaral, 1999: 52).

68 Ramos (1986), «O Estado Novo perante os poderes periféricos…», pp. 125-126.

69 Martins (1998), Classe, Status e Poder…, p. 43.

70 Estes foram anos de intensas “purgas”, retomadas em 1945, quando o regime se via internacionalmente isolado pela derrota dos autoritarismos e dos totalitarismos de direita na II Guerra Mundial (Matos, 2000: 493).

71 Isto incluía uma parte importante da população ativa: funcionários públicos, professores de liceu, professores universitários e também pessoal das grandes empresas que aderiram à situação (Martins, 1998: 43).

72 Amaral, Diogo Freitas do (1999), «Administração Pública», in António Barreto e Maria Filomena Mónica (coords.) – Dicionário de História de Portugal – Suplemento A/E, vol. VII, Porto, Livraria Figueirinhas, p. 52.

73 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 421.

74 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 502.

75 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 471. Em 1959 é aprovado o II Plano de Fomento. Os efeitos dos planos de fomento na formação académica dos dirigentes serão ainda mais visíveis quando se falar, mais à frente, dos perfis das atuais elites administrativas – um grupo que começa a entrar no ensino superior justamente a partir dos anos 60.

76 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 498.

77 Rocha (2001), Gestão Pública e Modernização Administrativa

78 O carácter vitalício e inamovível dos cargos era contornável, por vontade do Governo, na medida em que se estabelecera um limite de idade que rondava os 58 anos.

79 Graham, Lawrence (1983), «Bureaucratic politics and the problem of reform in the state apparatus», in Lawrence Graham e Eleanor Wheller (eds.), In Search of Modern Portugal: the Revolution and its Consequences, Madison, Wisconsin University Press, p. 226. O exemplo talvez mais conhecido (embora não totalmente representativo) deste poder dos altos funcionários está, como não podia deixar de ser, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, uma das pastas que Salazar acumulou. Vejamos a forma como o Embaixador Teixeira de Sampaio é recordado por Marcello Caetano: «Promovido a Secretário-Geral e a Embaixador, o seu domínio no Ministério era total: durante a longa permanência de Salazar no Ministério a administração foi-lhe entregue, era de facto o dono da casa e o chefe da careira, dependendo do seu critério a colocação e a promoção dos funcionários. Absorvido, como o patrão, pelos negócios políticos, adiava constantemente os movimentos do pessoal e a própria Secretaria-Geral se foi desguarnecendo de chefias: no dia em que Sampaio faleceu, repentinamente, era ele o único Diretor-Geral, tendo abaixo uns quatro ou cinco chefes de repartição, nada mais». Caetano (2000), Minhas Memórias de Salazar…, p. 317.

80 Pinto (1992), O Salazarismo e o Fascismo Europeu…, p. 52.

81 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 501.

82 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 500.

83 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 522.

84 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 513.

85 Castilho, José Manuel Tavares (1999), A Ideia de Europa no Marcelismo (1968-1974), Lisboa, Assembleia da República, p. 50.

86 Rosas, Fernando (1999), «O marcelismo e a crise final do Estado Novo», in Fernando Rosas (coord.), Portugal e a Transição para a Democracia (1974-1976), Lisboa, Ed. Colibri.

87 Citado por Carmo (1987), Os Dirigentes da Administração Pública …, p. 243.

88 Pereira, Pedro Theotónio (1973), Memórias I, Lisboa, Verbo, p. 249.

89 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 507.

90 Neste contexto, Graham (1983), «Bureaucratic politics and the problem of reform…» destaca a criação de novos institutos públicos, vendo-a como forma de promover jovens tecnocratas à margem das regras de promoção da administração tradicional.

91 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 536.

92 Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 522.

93 Martins (1998), Classe, Status e Poder, p. 105. Era também assim que a oposição democrática a retratava. Raúl Rego, diretor do jornal República, observou práticas de circulação entre a elite político-administrativa e a elite dos negócios, que incluíam os próprios diretores-gerais, referindo-se a «companhias transformadas em verdadeiras colmeias de antigos ministros, subsecretários de Estado, diretores-gerais, governadores das colónias [...]» (citado por Schmitter, Philippe (1999), Portugal: do Autoritarismo à Democracia, Lisboa, ICS, p. 45.

94 Schmitter (1999), Portugal: do Autoritarismo à Democracia…, p. 45.

95 Pinto, António Costa (1999), «Saneamentos políticos e movimentos radicais de direita na transição para a democracia», in Fernando Rosas (coord.), Portugal e a Transição para a Democracia (1974-1976), Lisboa, Edições Colibri, p. 30.

96 Isto não significa que a estrutura corporativa tenha sido completa e imediatamente desmantelada. A Câmara Corporativa e as corporações foram extintas. Manuel Lucena (2002) fala de «metamorfoses corporativas», para se referir ao facto de muitas estruturas corporativas intermédias e de base terem continuado a desempenhar funções nos primeiros anos da democracia e revelarem uma influência que foi muito para além do período temporal da ditadura.

97 Carmo (1987), Os Dirigentes da Administração Pública em Portugal…, p. 246.

98 Pinto (1999), «Saneamentos políticos e movimentos radicais…», p. 30.

99 Citado por Carmo (1987), Os Dirigentes da Administração Pública em Portugal…, p. 248.

100 Pinto (1999), «Saneamentos políticos e movimentos radicais…», p. 33.

101 Oliveira, Pedro Aires (2006), «O corpo diplomático e o regime autoritário», Análise Social, n.º 178, pp. 145-166.

102 Graham (1983), «Bureaucratic politics…», p. 231.

103 Aguiar (1985), «Partidos, estruturas patrimonialistas…», Portas e Valente (1990), «O primeiro-ministro…»; Lopes (2000), «Clientelismo político…».

104 Carla Teixeira (2010) conclui que os gabinetes ministeriais têm vindo a assumir as funções tradicionais da administração. Marina Costa Lobo, por outro lado, demonstra claramente como as lógicas de politização se foram impondo na Presidência do Conselho de Ministros, através do afastamento da Secretaria-Geral do processo de decisão política, da livre nomeação dos membros do seu centro de estudos jurídicos e do correspondente afastamento dos magistrados do ministério público (2005: 121). Mas trata-se de um estudo focado no centro do governo e nos processos de decisão e não nos perfis dos dirigentes.

105 Carmo (1987), Os Dirigentes da Administração Pública em Portugal…; Almeida (1995), «A construção do Estado liberal…»; Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo».

106 Rocha (2001), Gestão Pública e Modernização…; Nunes (2003), «Os diretores-gerais…»; Nunes (2012), «Os Diretores-Gerais…»; Teixeira (2010), «Administração e Política…».

107 Nunes (2012), «Os Diretores-Gerais…», p. 181.

108 Nunes (2012), «Os Diretores-Gerais…».

109 Nunes (2012), «Os Diretores-Gerais…»; Teixeira (2010), «Administração e Política…».

110 Nunes (2012), «Os Diretores-Gerais…», p. 174.

111 Idem.

112 Idem.

113 Almeida (1995), «A construção do Estado liberal…»;

114 Carmo(1987), Os Dirigentes da Administração Pública …»; Rocha (2001), Gestão Pública e Modernização Administrativa…; Teixeira (2010), «Administração e Política…»; Nunes (2012), «Os Diretores-Gerais…».

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Índice das ilustrações

Título Tabela 3 - Formação académica dos diretores-gerais do Estado Novo, 1933-1974
Créditos Fonte: Matos (2000), «Um Estado de Ordens Contemporâneo», p. 472.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/docannexe/image/318/img-1.png
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Título Tabela 4 - Carreira profissional dos diretores-gerais, 1999-2009
Créditos Fonte: Nunes (2012), «Os Diretores-Gerais…», p. 160.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/docannexe/image/318/img-2.png
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Título Tabela 5 - Mobilidade interministerial dos dirigentes recrutados na administração, 1999-2009
Créditos Fonte: Nunes (2012), «Os Diretores-Gerais…», p. 164.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/docannexe/image/318/img-3.png
Ficheiros image/png, 26k
Título Gráfico 1 - Evolução da presença de ex-membros de gabinetes ministeriais entre os dirigentes de topo, 1999-2009
Créditos Fonte: Nunes (2012), «Os Diretores-Gerais…», p. 187.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/docannexe/image/318/img-4.png
Ficheiros image/png, 88k
Título Gráfico 2 - Número de institutos públicos por tipo e no tempo
Créditos Fonte: Moreira, Vital et al. (2001), «O universo dos institutos públicos», in Vital Moreira et al., (2001), Relatório e Proposta de Lei-Quadro sobre os Institutos Públicos, Lisboa, Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, p. 71.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/docannexe/image/318/img-5.png
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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Filipe Abreu Nunes, «O Recrutamento das Elites Administrativas no Portugal Contemporâneo»Ler História, 64 | 2013, 137-162.

Referência eletrónica

Filipe Abreu Nunes, «O Recrutamento das Elites Administrativas no Portugal Contemporâneo»Ler História [Online], 64 | 2013, posto online no dia 11 novembro 2014, consultado no dia 17 março 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/318; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.318

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Autor

Filipe Abreu Nunes

Instituto de Defesa Nacional. Politólogo, licenciado em Sociologia pelo ISCTE e doutorando no ICS/UL. Exerceu vários cargos de assessoria em gabinetes ministeriais. Actualmente é investigador no Instituto da Defesa Nacional.
f.abreu.nunes@gmail.com

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