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Espelho de Clio

O Brasil e o Atlântico Sul na historiografia de Charles Boxer

Brazil and the South Atlantic in the historical writing of Charles Boxer
Le Brésil et l’Atlantique Sud dans l’historiographie de Charles Boxer
Alberto Luiz Schneider
p. 181-203

Resumos

O objetivo deste artigo é refletir acerca da historiografia de Charles Boxer (1904-2000), com destaque às obras dedicadas à América portuguesa e ao Atlântico Sul nos séculos XVII e XVIII. Embora vários outros textos sejam considerados, o centro da análise recai principalmente nos seguintes livros: Salvador de Sá and the Struggle for Brazil and Angola (1952), The Dutch in Brazil (1957), e The Golden Age of Brazil (1962). O artigo também se propõe a observar a maneira como Charles Boxer descreve o Brasil colonial como parte do império português. São ainda objeto de análise e reflexão os diálogos de Boxer com os historiadores brasileiros e portugueses do seu tempo, bem como o seu legado historiográfico.

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Notas do autor

Este texto é fruto do pós-doutorado no Departamento de História da USP, com financiamento da Fapesp, sob supervisão de Laura de Mello e Souza, a quem agradeço.

Texto integral

1Charles Ralph Boxer (1904-2000) foi um bibliófilo e um prolífico historiador, tendo publicado mais de trezentos textos, entre livros e artigos. Militar de origem, a partir de 1947 tornou-se historiador profissional, embora jamais tenha tido formação acadêmica no sentido estrito da palavra. Naquele ano, assumiu a Cátedra Camões de Estudos Portugueses do King’s College London, onde atuou por mais de 20 anos. Stuart Schwartz considera o historiador britânico como o maior responsável pela introdução do império português, especialmente o do Atlântico Sul, na historiografia de língua inglesa, e afirma que “ninguém teve melhor domínio de crônicas, gramáticas, cânticos, peças de teatro, narrativas e histórias numa perspectiva imperial do que Boxer” (Schwartz 2009, 452).

2O objetivo deste artigo é apresentar, de modo acurado e analítico, a caudalosa produção intelectual de Boxer nas décadas de 1950 e 1960, especialmente aquela que incidiu sobre o Brasil e o Atlântico Sul, e discutir o seu impacto. O material trabalhado, entre artigos e livros, soma mais de 2000 páginas apenas de textos do historiador inglês, o que nos obrigou a uma opção metodológica portadora de custos e benefícios. Entre os custos está a impossibilidade de problematizar detalhadamente uma série de questões que os textos suscitam. Já entre os benefícios está a possibilidade de compreender o sentido mais geral da obra de Boxer, com destaque para a emergência de temas como a dinâmica imperial, as relações entre as diferentes áreas do império português, a questão racial, os vínculos entre as instâncias políticas, econômicas e culturais, ou a historicidade do império português da época moderna, como se verá ao longo do texto.

3Se até ao final da década de 1940 o historiador inglês havia se dedicado fundamentalmente à Ásia, em particular Japão, Macau e Goa, a partir dos anos 50 ele deslocou o olhar prioritariamente em direção ao Atlântico Sul. “Ele esteve se preparando por muitos anos para escrever sobre alguns aspectos da história do Brasil”, nota Dauril Alden (2009). Trata-se de uma mudança de foco tanto em termos geográficos quanto temporais. Declinam os estudos sobre a Ásia no século XVI e ascendem as pesquisas acerca do Atlântico Sul e do Brasil nos séculos XVII e XVIII. Interessa-nos compreender a maneira como Boxer interpretou a América portuguesa e sua contra-face, a costa africana, fundamentalmente Angola. Entre o princípio da década de 1950 e meados da década seguinte, Charles Boxer escreveu obras decisivas, como Salvador de Sá and the Struggle for Brazil and Angola (1952), The Dutch in Brazil (1957), The Golden Age of Brazil (1962), e ainda os não menos importantes Race Relations in the Portuguese Colonial Empire (1963) e Portuguese Society in the Tropics. The Municipal Councils of Goa, Macao Bahia, and Luanda (1965b).

  • 1 Em 1967 Boxer transferiu sua prestigiosa coleção de obras raras à Lilly Library (campus de Bloomi (...)

4Quando Boxer tornou-se um acadêmico, em 1947, já era um homem de 43 anos, com experiência no serviço de inteligência do exército britânico, onde atuou como tradutor e intérprete de diferentes idiomas, inclusive o japonês. Boxer permaneceu à frente da Cadeira Camões até sua aposentadoria, em 1967.1 inserido na universidade, Boxer nunca se tornou um especialista de recortes estreitos e verticais, ao contrário, foi um grande construtor de panoramas, embora sempre atento ao lastro documental.

5Como sabemos desde Michel de Certeau, toda “operação historiográfica” é marcada pelo lugar social e institucional no qual a pesquisa foi executada e, podemos agregar, pelos diálogos historiográficos encetados pelo historiador. O peso da instituição e o emprego de métodos e técnicas, bem como os autores mobilizados, foram decisivos na legitimação e na credibilidade do texto produzido (Certeau 1982, 56-107). Não se compreende a obra de um historiador sem compreender sua inserção temporal no mundo, seus diálogos, suas circunstâncias, bem como suas expectativas de futuro, como têm demonstrado Reinhart Koselleck (2006), Paul Ricoeur (2007) e François Hartog (2013). Portanto, busca-se apresentar a obra de Boxer como um produto intelectual influenciado pela vida universitária, o que é uma das razões que marcam os ganhos de qualidade da obra do Boxer maduro, posterior ao seu ingresso no King’s College.

6Os diálogos entre Boxer e os historiadores brasileiros e portugueses, seus contemporâneos, foram decisivos na execução de sua obra. Também a recepção foi marcada pelo circuito universitário dedicado ao império português e ao Brasil colonial, inclusive entre historiadores europeus e norte-americanos. Embora não haja espaço para explorar com mais acuidade essa problemática, os diálogos entre Boxer e diferentes historiadores estão no centro das preocupações deste artigo.

7O artigo está organizado em quatro secções. Na primeira busca-se contextualizar a obra do historiador britânico na década de 1950, dedicada ao Brasil e ao Atlântico Sul. Na secção seguinte enfoca-se seu investimento historiográfico na dinâmica imperial portuguesa do século XVIII, em que aparece a forte centralidade do Brasil (tanto no império quanto na historiografia de Boxer). Na terceira, procura-se rastrear os diálogos de Boxer na historiografia brasileira e portuguesa, sobretudo a partir das obras de Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Vitorino Magalhães Godinho. Na última secção, à guisa de conclusão, pretende-se refletir acerca do legado da obra de Boxer para a historiografia contemporânea.

1. O Atlântico Sul na dinâmica imperial do século XVII

8Boxer acabou por realizar o ambicioso plano de seu compatriota Robert Southey (1774-1843), que havia planejado (mais de um século antes) escrever sobre o império português. Boxer construiu ao longo de sua vida um grande périplo historiográfico sobre a presença lusitana no mundo, em que o Brasil aparece de modo decisivo. Charles Boxer já coletava documentos e obras raras sobre o Atlântico português desde a década de 1930, sobretudo a respeito das invasões holandesas no Brasil. O assunto passou a ocupar o centro de suas atenções, tendo realizado importantes pesquisas sobre o século XVII, sempre atento à centralidade do tráfico de escravos e às consequentes relações com Angola, bem como aos contatos entre o império português e o espanhol, entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires (Alden 2009, 377-91).

9O deslocamento historiográfico produzido por Boxer – da Ásia para o Atlântico Sul – acompanha a própria mudança do dinamismo do império português da era moderna. Dois de seus mais importantes livros sintetizam esse deslocamento: trata-se de Salvador de Sá and the Struggle for Brazil and Angola e The Dutch in Brazil. Esse livros, publicados há pouco mais de meio século, continuam importantes para se entender o Brasil, os impérios português e holandês, “sobretudo, as dinâmicas da economia atlântica em construção e as políticas europeias do XVII” (Magalhães 2009, 535).

  • 2 Salvador Correia de Sá e Benevides descendia da família dos fundadores do Rio de Janeiro, Mem de (...)
  • 3 Charles Boxer escreveu sobre António de Cadornega outras vezes. Ver Boxer (1961).

10A primeira daquelas obras não é uma biografia convencional de Salvador Correia de Sá e Benevides (1602-1688), mas a história de um homem, de seu mundo e de sua época (Dutra 2009, 14). O livro entrelaça a história de Portugal, de Angola e da América portuguesa e suas conexões com o Prata, em particular o Paraguai, Potosí e Tucumán.2 É o próprio Boxer quem resume seu personagem: “foi caçador de índios, ‘puruleiro’, cultivador de cana-de-açúcar e traficante de escravos por um lado; almirante, general, governador e experiente estadista por outro” (Boxer 1952, 391). Na obra em questão, Boxer narrou a reconquista de Angola, de 1647, como parte decisiva das Guerras do Açúcar. A presença da Companhia das Índias Ocidentais no norte do Estado do Brasil (1630-1654) e em Angola (1641-1647), justamente na época da Restauração e do longo conflito com a Espanha (1640-1668), compunham o complexo mundo de Salvador de Sá, que o historiador soube compreender como poucos, beneficiando-se do profundo conhecimento dos cronistas da época, entre eles António de Oliveira Cadornega (1624-1690), autor de História geral das guerras angolanas (1681-1683).3

  • 4 O jesuíta italiano André João Antonil (1649-1716) chegou à Bahia em 1681, possivelmente por inter (...)
  • 5 Ao longo da vida, desde os anos de 1930, Boxer alimentava sua biblioteca adquirindo cartas, manus (...)

11Diferentemente dos textos produzidos nas décadas de 1930 e 1940, em que predominavam os eventos políticos e militares, Boxer elaborou em Salvador de Sá uma história dos agentes econômicos e sociais, articulando a história da Europa e do mundo colonial. O livro, como nota Diogo Ramada Curto (2002, xxiii), não sem razão foi recebido com entusiasmo por historiadores dos Annales, como Pierre Chaunu. No livro, chama também a atenção o zelo com que Boxer apresentou a atuação dos jesuítas. O próprio personagem biografado possuía forte relação com os padres inacianos, postura muito diferente da maioria dos colonos brasílicos, especialmente da capitania de São Paulo e do Grão-Pará e Maranhão. Como se sabe, os colonos disputavam com os padres da Companhia o controle sobre a mão-de-obra indígena. A temática jesuíta foi uma antiga obsessão de Boxer, já presente nos seus estudos sobre o Oriente. Aliás, Boxer tencionava biografar Antonil,4 além de Padre Antônio Vieira, que ele considerava o mais importante nome do mundo português do século XVII.5 É interessante observar que o próprio biógrafo de Boxer, Dauril Alden, foi um de seus herdeiros intelectuais e viria a explorar justamente o assunto. Entre os livros “que Boxer pretendeu escrever e nunca completou, seu projeto sobre Vieira, um complemento perfeito de Salvador de Sá, é provavelmente nossa maior perda” (Alden 2009, 386).

12Em The Church Militant (1978), Boxer voltou ao tema da religião, que, a rigor, ele nunca abandonou (Alden 1996). O historiador entendia a religião e as instituições eclesiásticas como instituições de fronteira, entrelaçadas ao fenômeno colonial. Em outras palavras, as missões atingiam zonas remotas, onde colonos e autoridades não chegavam, em regiões onde viviam povos ainda fora da dinâmica colonial. Nesses lugares, a atuação das ordens religiosas foi um dos poucos elementos capazes de assegurar certa lealdade à coroa no âmbito dos impérios ibéricos. Como em vários outros livros, Boxer atentava-se à globalidade da “igreja militante”, do Peru às Filipinas, da Bahia a Goa. Ele expôs de modo visceral a questão do racismo, e não só do escravismo, patentes na atuação das ordens, o que demonstra a sensibilidade do historiador para a emergência de temáticas identitárias caras às gerações que lhe seguiram, goste-se ou não da postura.

13Não se pode esquecer que Salvador de Sá e The Dutch in Brazil são duas obras profundamente interligadas. No segundo título, Boxer enfatizou um aspecto que a historiografia de Pernambuco destacaria nas décadas seguintes: a guerra contra os holandeses na América do Sul foi vencida, em grande parte, pelos esforços luso-brasílicos, pois os colonos, enfatizava o historiador, lutavam por suas “vidas e fazendas”, ou, ainda, lutavam pela sua cosmovisão (religião), bem como seus interesses concretos (ou econômicos). As quase 500 páginas do livro acerca da presença holandesa no Brasil conferem, de modo pioneiro, visibilidade à emergência do Atlântico Sul no século XVII. Apesar da enorme contribuição da produção de Evaldo Cabral de Mello, era o próprio quem notava que The Dutch in Brazil era ainda a melhor visão de conjunto do período, embora tivesse sido publicada há pouco mais de cinquenta anos (Mello 2010, 11-24).

2. O Brasil na dinâmica imperial do século XVIII

14Os anos cinquenta marcaram a virada “brasileira” de Boxer, cujo ponto mais alto foi a publicação, já em 1962, de The Golden Age of Brazil, fechando uma série de três grandes livros sobre a América portuguesa. Esta “Idade de Ouro” do Brasil faz referência ao tempo marcado pela penetração ao interior, processo que vinha desde o século XVII, mas que se consolida no século XVIII com a mineração e o surgimento de vilas distantes do litoral, em Minas Gerais, em Goiás e em Mato Grosso. A despeito do título, o livro não trata apenas do ouro das Gerais, mas realiza um imenso panorama histórico da América portuguesa na primeira metade do século XVIII, período no qual a dinâmica econômica e demográfica foi profundamente alterada em consequência da descoberta do metal. Bem ao estilo de Boxer, afeito a grandes painéis, de pinceladas largas e horizontais, o livro é muito diferente da historiografia contemporânea, cujas obras nascem de teses universitárias, com recortes estreitos e verticalizados.

  • 6 Afonso de Taunay (1876-1958), autor da História Geral das Bandeiras Paulistas, em 11 volumes, edi (...)

15Na formação das Gerais, Boxer valoriza o surgimento das vilas que, diferente da concentração econômica, política e eclesiástica em uma única urbe (como foi o caso da Bahia), diferia Minas das demais capitanias. Razão pela qual a vida citadina foi mais intensa do que em outras áreas do Brasil. Boxer sugere também que a descoberta de ouro tornou possível a ocupação, em bases sólidas, de uma imensa área que, no século XVII, havia sido devassada pelos sertanistas da capitania de São Paulo, mas que não foi objeto de ocupação efetiva. O historiador inglês não deixa de abordar a expansão para o Oeste, mas sem glorificar a figura do “bandeirante”, nem atribuir um sentido geopolítico e anacronicamente nacional às bandeiras paulistas, como havia feito até aos anos 1950 a historiografia brasileira, liderada por Afonso de Taunay.6

16A obra retrata de modo factual e documentado a formação do território brasileiro ao traçar um painel acerca da formação de uma gigantesca massa territorial, que acabou consagrada pelo tratado de Madri, fenômeno incompreensível sem o deslocamento populacional, econômico e político que a descoberta do ouro fez disparar. Se Salvador de Sá e The Dutch in Brazil tinham retratado o século XVII em sua dimensão profundamente atlântica (e africana), The Golden Age estabelece um grande panorama histórico da América portuguesa do século XVIII, no seu aspecto mais territorial e colonial, profundamente dependente do abastecimento de escravos africanos, tema que aparece de modo central ao tratar da Bahia ou Minas.

17Boxer demonstra que o século XVIII luso-brasileiro foi, por um lado, continuidade e, por outro, ruptura em relação ao século XVII. Continuidade porque a América portuguesa e o Atlântico Sul permaneceram vitais ao império português, ou se tornaram ainda mais importantes, em um momento em que a presença lusitana no Oriente havia declinado há muito tempo. Mas é também ruptura, na medida em que os antigos núcleos povoadores, açucareiros e litorâneos, como Pernambuco e a Bahia, gradativamente perderam centralidade em relação a Minas Gerais e ao Rio de Janeiro, embora as velhas regiões do açúcar permanecessem importantes, em particular a Bahia, que foi a maior urbe lusitana do Novo Mundo durante praticamente todo o período colonial. No entanto, a leitura que Boxer realiza do século XVIII evidencia a transferência do eixo dinâmico do império português para o Centro-Sul do Brasil.

  • 7 Sobre o assunto, ver Fragoso e Florentino (2001) e Fragoso, Almeida e Sampaio (2007). O conjunto (...)

18As Minas, pela primeira vez na história da América portuguesa, atraíram grande contingente populacional de reinóis, bem como gente oriunda de São Paulo, da Bahia e do Rio de Janeiro. Deslocamentos humanos que ensejaram ou aprofundaram a formação de uma economia de abastecimento de gêneros e dinamizaram o mercado interno, tal como viria a ser explorado pela historiografia brasileira mais recente.7 A transferência do pólo dinâmico da América portuguesa para o eixo Rio-Minas Gerais teve, inclusive, efeitos sobre o continente do Rio Grande, pois facilitou o domínio político sobre as regiões mais meridionais do Brasil, em disputa com Castela durante grande parte do Setecentos. Esse veio foi explorado pela obra de Maria Fernanda Bicalho (2003) sobre o Rio de Janeiro no século XVIII, o que atesta a vitalidade de Boxer na historiografia brasileira.

19Boxer afirmou que, a despeito dos esforços da coroa, o Brasil foi, ao menos em parte, autocolonizado, empregando para isso populações pobres, livres e mestiças, que não encontravam lugar na ordem escravocrata. O empenho dos velhos paulistas em localizar metais preciosos atendia menos aos interesses da coroa que seus próprios. Quando os senhores das vilas açucareiras de Pernambuco lideraram a ocupação dos sertões, o faziam movidos pelos interesses e dinâmicas locais. Evaldo Cabral de Mello (2002, 79) afirma que The Golden Age nos mostra que a colonização dos “brasis de dentro” nasce das franjas litorâneas, já marcadas pela dinâmica interna, ou seja, funcionou como uma válvula de escape, permitindo ainda a consolidação do escravismo.

20A obra de Boxer sugere justamente a formação dessas diferentes regiões – a Amazônia, os atuais Nordeste e o Sudeste –, com sua própria historicidade, perfil demográfico, econômico e cultural singulares, mas de algum modo vinculadas entre si, com laços maiores ou menores. Isoladamente, todos esses aspectos foram contemplados e aprofundados pela historiografia das últimas décadas, empalidecendo as páginas de Boxer. No entanto, se atentarmos para a historicidade da obra, podemos flagrar a sensibilidade do historiador em apontar novos caminhos e temas, fontes e abordagens e, sobretudo, colocá-los em perspectiva. O Brasil continuou a aparecer, sempre em perspectiva imperial, em livros como Race Relations (1963), The Portuguese Society in the Tropics (1965b), Mary and Misogyny (1975) e The Church Militant (1978).

21Em 1965, Boxer publicou The Dutch Seaborne Empire, obra menos conhecida no ambiente historiográfico luso-brasileiro e jamais traduzida ao português, demonstrando a extensão de seus interesses, pois também foi um importante pesquisador do império holandês. Para Boxer, não se pode entender este império, especialmente do século XVII, sem compreender a centralidade das fricções com os outros impérios europeus, em particular o português. The Dutch Seaborne Empire, bem como The Portuguese Seaborne Empire (1969) são livros de certo modo complementares, nos quais o historiador realizou grandes sínteses. Neles, a formação brasileira aparece em perspectiva internacional, como parte da grande expansão europeia no ultramar.

3. Diálogos e tensões: Gilberto Freyre, Sérgio Buarque e Vitorino Magalhães Godinho

22Charles Boxer tinha bom domínio da historiografia brasileira. Nos seus grandes livros sobre o Brasil colonial – escritos nas décadas de 1950 e 1960 –, ele citava historiadores brasileiros como João Capistrano de Abreu (1853-1927), Afonso de Taunay (1876-1958), José Honório Rodrigues (1913-1987), Gilberto Freyre (1900-1987), Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), Caio Prado Jr. (1907-1990), José António Gonsalves de Mello (1916-2002), entre outros. Não é objetivo deste texto nem há espaço para reconstituir o conjunto dos diálogos brasileiros de Boxer, mas é preciso chamar a atenção para um aspecto decisivo: embora a sua produção tenha sido inovadora para a época, Boxer não poderia ter construído sua obra sem o fecundo diálogo com a historiografia brasileira, e também a portuguesa.

23Apesar de utilizar fontes eruditas da época moderna, o célebre e polêmico Race Relations (1963) só pode ser entendido nos marcos de seu tempo e de seus diálogos, em tom nem sempre amistoso. A obra é fruto de três conferências proferidas na Universidade da Virgínia, em 1962: “Morocco and West Africa”, “Moçambique and India” e “Brazil and Maranhão”. Ao abordar a questão racial, envolvendo os portugueses e os “povos de cor”, Russell-Wood (2009, 472) afirma que o texto de Boxer “transmite com eficácia ao leitor o cinismo, o subterfúgio e a deturpação que eram inerentes ao modo como os colonos descreviam suas relações aos índios”. Boxer (1967, 40) procurou demonstrar que as pessoas de “sangue infecto” ou com “defeito de sangue”, mesmo quando livres e até proprietárias, tinham suas possibilidades restritas, pois “o padrão social que prevalecia era aquele da consciência da superioridade branca”. Esse livro teve particular importância no Brasil, pois ajudou a questionar a composição do caldo de cultura a respeito da suposta tendência dos portugueses à miscigenação e à integração racial, pressupostos defendidos por Gilberto Freyre, que alcançaram grande audiência da representação do país.

24Em Race relations, Boxer atacou as teses luso-tropicais de Gilberto Freyre, bem como questionou, ainda que indiretamente, aspectos da propaganda salazarista. Na abertura do livro, Boxer (1963, 35) citava, em tom crítico, uma entrevista de António de Oliveira Salazar à revista britânica Life, na qual o governante português afirmava que os contatos entre os colonizadores portugueses e os povos colonizados “jamais envolveram a menor ideia de superioridade racial ou discriminação”. Para demonstrar que “a verdade é mais complexa”, Boxer citou António de Oliveira Cadornega, autor de História Geral das Guerras Angolanas, na qual o cronista relatara a execução em massa de chefes africanos acusados de conspirar contra o domínio português em 1624, acrescentando que o exemplo “tornou-se inesquecível para as gerações futuras, e deixou todos os pagãos destes reinos amedrontados e temerosos, pois é apenas pela força e pelo medo que podemos manter nossa posição sobre estes indomáveis pagãos” (Boxer 1963, 60). De maneira irônica, Boxer concluiu que o capitão Oliveira Cadornega, que viveu mais de 40 anos na Angola do século XVII, era um guia mais autorizado que o Dr. Oliveira Salazar.

  • 8 Sobre o assunto, ver Castelo (1999, 2011), Léonard (2001), Maxwell (2006) e Iñiguez (1999).
  • 9 Entre 27 de dezembro de 1963 e 4 de janeiro de 1964, o Diário Popular, próximo ao regime, publico (...)
  • 10 Freyre, Gilberto. “O nada estranho caso do Major Boxer”. O Cruzeiro, de 6 junho de 1964. Convém r (...)

25Ao demonstrar ao longo do livro, com erudito lastro empírico, a violência, o escravismo e o racismo colonial português, Boxer atacava os pressupostos intelectuais que compunham a argumentação de Freyre, assim como a de Salazar. As teses luso-tropicais marcaram a produção intelectual de Gilberto Freyre na década de 1950 e início da de 1960 por meio de livros como Um Brasileiro em Terras Portuguesas (1953), Aventura e Rotina (1953) e Integração Portuguesa nos Trópicos (1958) mas, sobretudo, O Luso e o Trópico (1961), livro publicado no âmbito do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, realizado em Lisboa, em 1960, em flagrante operação historiográfica pró-regime.8 A polêmica foi violenta: Armando Cortesão, que havia sido amigo de Boxer, o atacou fortemente através da imprensa portuguesa,9 enquanto Freyre o contestou pela brasileira, inclusive pela Cruzeiro, revista de grande circulação no Brasil, a mais importante da época.10

  • 11 Para maiores detalhes, ver (Schneider 2013) e Curto (2013).
  • 12 Sobre assunto, ver Thomas (2002), Rampinelli (2004) e Maxwell (2006).

26No entanto, é importante lembrar o momentum da publicação de Race Relations, lançado nos Estados Unidos em 1963. No começo dos anos sessenta o regime salazarista era objeto de duras críticas de intelectuais estrangeiros, como o inglês Basil Davidson e o norte-americano James Duffy. Eles contestaram a política portuguesa de repressão e discriminação aos nativos em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. Duffy, em Portugal in Africa (1962), foi um dos pioneiros no estudo sistemático da história da África nos Estados Unidos. No Brasil, José Honório Rodrigues, autor de Brasil e África: Outro Horizonte (1961), amigo pessoal de Boxer,11 criticou severamente a política externa brasileira, acusando-a de subserviente aos interesses imperialistas de Portugal na África.12 Não menos relevante foi o início da guerra contra o colonialismo em Angola, em 1961. Naquele mesmo ano, o Conselho de Segurança da ONU, com apoio formal dos Estados Unidos, condenou a repressão contra as populações locais. Em dezembro de 1961, o exército da Índia invadiu e ocupou Goa, encerrando cinco séculos de presença portuguesa em território indiano. Em Moçambique, durante o ano de 1962, eclodiu um movimento organizado cujo objetivo expresso era a libertação da região sob o secular domínio português. Aliados históricos de Portugal, como a Inglaterra, recusaram-se a socorrer o país, diplomática ou militarmente.

27No momento que Boxer escreveu o livro, na primeira metade dos anos sessenta, estavam assim criadas as condições para rever o passado, em linha com uma nova onda de discussões políticas e intelectuais, onde o racismo, cada vez mais, estava na ordem do dia. Era um momento de evidente rachadura no edifício intelectual construído por Gilberto Freyre. Segundo Ronald Raminelli e Bruno Feitler (2011, 13), “o mito da integração harmoniosa entre os portugueses e os povos coloniais, conforme defendiam Gilberto Freyre e a historiografia salazarista”, estava com os dias contados na historiografia universitária. Boxer produziu uma intervenção historiográfica articulando implicitamente temporalidades diversas. Olhando para o presente e refletindo sobre ele, o historiador pôde ver outro passado, marcado pelo racismo, pelo escravismo e pelo colonialismo. Hoje, essa crítica é de uma atroz obviedade, mas, nos anos sessenta, a tese freyreana da excepcionalidade portuguesa ainda gozava de grande respeitabilidade intelectual.

  • 13 Sobre o assunto, ver Lima (2009), Rojas (2006) e Schneider (2015).

28As expectativas e disputas do presente criaram as condições para que Boxer construísse uma intervenção historiográfica capaz de alterar a percepção do passado. Não é preciso, desde Marc Bloch e mais recentemente Koselleck, Ricoeur e Hartog, insistir nas conexões entre o presente e o passado. Mas vale a pena aludir à emergência, a partir dos anos 1960, de forte racialização do debate político e intelectual, comprometendo, ao menos em parte, a força explicativa de Gilberto Freyre, cada vez mais questionado. Talvez por isso, Boxer (1964) se defendeu dos ataques de Armando Cortesão justamente pela Revista de História, da USP, à época dirigida por Eurípedes Simões de Paula, que havia sido aluno de Fernand Braudel quando de sua passagem por São Paulo entre 1935 e 1937.13

  • 14 A Universidade de São Paulo foi criada em 1934 e a Universidade do Distrito Federal, atual Univer (...)

29Se as relações com Gilberto Freyre foram particularmente tensas e ásperas, tanto por razões políticas como historiográficas, Boxer manteve, em contrapartida, um diálogo frequente e amistoso com Sérgio Buarque de Holanda. A historiadora Maria Odila Leite da Silva Dias, sua herdeira intelectual, referia-se a Boxer como um “amigo” de Sérgio Buarque (Dias 1994, 271). Sérgio foi decisivo na renovação da historiografia brasileira nos anos 50 e 60. No Brasil, as universidades, no sentido moderno da palavra, foram criadas apenas na década de 1930.14 Nos anos 50 e 60, porém, a universidade já estava relativamente enraizada na vida intelectual do país e foi, ao menos em parte, responsável pelo nascimento de um novo sistema intelectual. Declinava o ensaísmo – que o próprio Sérgio Buarque praticara em Raízes do Brasil (1936) – em benefício de estudos especializados, marcados por estudos monográficos, metodologicamente controlados e fortemente lastreados na documentação, já marcados pela história-problema, nos marcos da historiografia praticada nas universidades europeias.

  • 15 Em 1960, Sérgio Buarque de Holanda era um historiador de prestígio. Antes de ingressar na Univers (...)

30Um novo modo de pensar implica em novos empreendimentos editorais. Não por coincidência, Paul Jean Monteil, diretor da editora Difusão Europeia do Livro (DIFEL), convidou Sérgio Buarque para dirigir a importantíssima coleção intitulada História Geral da Civilização Brasileira, cujo primeiro volume sairia em 1960.15 Em 1957, o historiador paulista convida alguns dos mais importantes historiadores dedicados à História do Brasil a fim de contribuir para a obra coletiva. Entre os convidados estava Charles Boxer. Chama a atenção o fato de que Gilberto Freyre, provavelmente o mais reputado intelectual brasileiro à época, não fora convidado. Dessa forma, nota André Carlos Furtado (2014, 33), Sérgio “constituiu em torno de si importantes formas de sociabilidades intelectuais”, marcadas pelo microcosmo das relações afetivas, das alianças, das preferências teóricas e políticas, além das disputas por prestígio e visibilidade. O convite a Boxer evidenciou duas coisas: a) bem antes de Race Relations (1963), Boxer e Freyre já não comungavam do mesmo círculo; b) o historiador inglês era reputado a ponto de ser convidado para um dos mais importantes empreendimentos editoriais da época, o que sugere relações muito enraizadas na comunidade dos historiadores brasileiros.

  • 16 Carta de 5 de novembro de 1957. Sistema de Arquivos da Universidade de Campinas (Siarq - Unicamp) (...)

31Boxer recusou o convite para escrever naquela coleção acerca da presença holandesa no Brasil do século XVII, como se pôde testemunhar por uma carta de 5 de novembro de 1957. Na missiva, o historiador deixava transparecer intimidade com Sérgio, cujo contato datava ao menos de 1949, quando o historiador brasileiro recebeu o britânico em São Paulo. Boxer declinou em relação ao convite, certamente prestigioso, com a seguinte justificativa: “não posso nem quero aceitar enquanto está vivo o nosso bom e mútuo amigo José Antônio Gonsalves de Mello, que é autoridade mundial no assunto”.16 Ainda na carta, Boxer mencionou a não participação de Sérgio em um colóquio realizado em Lisboa, acabando por elogiar seus “escrúpulos de consciência”, “porque no fim das contas o governo de Salazar é uma ditadura declarada”. Essa observação mostra que, desde o fim dos anos 50, Boxer, um historiador até então pouco afeito aos enfrentamentos políticos, já se opunha à ditadura salazarista.

  • 17 Carta de 2 de dezembro de 1957. Siarq – Unicamp. FSBH. 432, CP 210, p. 9.
  • 18 Sobre o assunto, ver Furtado (2014).

32Sérgio Buarque não desistiu e voltou a insistir no convite, mas Boxer recusou terminantemente ao dizer que não poderia “dar lições a brasileiros na sua própria história materna”.17 Ele chegou a aventar o nome de José Honório Rodrigues, seu amigo pessoal, mas que não era especialista no assunto. No entanto, o capítulo sobre a invasão holandesa, na História Geral da Civilização Brasileira, ficou mesmo por conta do pernambucano Gonsalves de Mello como queria Boxer.18 Se foi do agrado de Sérgio Buarque não é possível saber. Mas é preciso lembrar que o Tempo dos Flamengos foi prefaciado por seu conterrâneo e primo, Gilberto Freyre, com quem o Sérgio Buarque das décadas de 1940 e 1950 buscava estabelecer certa distância.

  • 19 Sobre o assunto, ver Monteiro e Schwarcz (2016) e Carvalho (2013).

33O recente estudo de Pedro Meira Monteiro e Lilia Moritz Schwarcz (2016) sobre as diversas edições de Raízes do Brasil mostra-nos uma constante intervenção de Sérgio Buarque nas novas edições da obra, entre elas a retirada de citações e os argumentos de Gilberto Freyre, um intelectual que, após a década de 1950, era cada vez mais reputado como conservador. Na primeira edição de Raízes do Brasil, escrita sob o impacto da publicação de Casa-Grande & Senzala (1933), havia um notável diálogo entre as obras de Freyre e Sérgio. Mais tarde, essa relação se tornou um problema e Sérgio Buarque buscou afastar-se de um Freyre que vivia uma guinada em direção ao tradicionalismo e ao conservadorismo. Enquanto Freyre inclinava-se à direita, Sérgio Buarque, ao contrário, parecia inclinar-se à esquerda, justamente no momento em que se consolidava como historiador profissional, interessado na institucionalização da História, produzida já dentro de um departamento acadêmico.19 O movimento de Sérgio rumo à institucionalização do fazer historiográfico guarda semelhanças com o percurso de Boxer, que desde sua entrada no King’s College, em 1947, viveu a experiência de historiador profissional, com grande produtividade acadêmica nas décadas de 1950 e 1960. Vale notar que Gilberto Freyre, diferentemente, sempre evitou a departamentalização universitária.

34A proximidade de Boxer e Sérgio Buarque, a despeito da recusa do convite para contribuir na História Geral da Civilização Brasileira, ajuda-nos a compreender a posição que o historiador inglês assumiu em Race Relations (1963). Boxer buscava afastar-se de intelectuais “simpáticos” ao salazarismo, como Armando Cortesão e Gilberto Freyre. O fato de os interlocutores de Boxer no Brasil de fins dos anos 50, como José Honório Rodrigues e Sérgio Buarque de Holanda, serem críticos de Gilberto Freyre (e do salazarismo) contribuiu para viabilizar esse movimento.

  • 20 Em “Some notes”, Boxer elencou o que considerava os sete pecados da historiografia portuguesa: 1º (...)

35No que respeita aos historiadores portugueses, merece ainda destaque a relação que Boxer teve com Vitorino Magalhães Godinho. Joaquim Romero de Magalhães mostra-nos que ambos mantiveram, desde 1947 e ao longo da década de 50, frequente troca de cartas. Em 1956 – em retribuição ao envio do vol. III de Documentos sobre a Expansão Portuguesa, que Godinho acabara de publicar – Boxer mandou Some Notes on Portuguese Historiography, que ele havia publicado em 1954. Esse texto não é exatamente um balanço sofisticado e acurado da historiografia portuguesa da época, mas serve para evidenciar os interesses e as preferências de Boxer. Até àquele momento, Boxer interessava-se mais pela história política e militar do que pelas questões econômicas e sociais, como já praticava Godinho, bem entrosado na maneira de escrever história praticada na França por Fernand Braudel. O Boxer anterior à entrada no King’s College – a despeito de seus méritos, de sua erudição – era epistemologicamente bastante conservador, pouco analítico, mas fortemente empirista, ainda que conhecesse melhor as crônicas da era moderna do que os arquivos. Em termos propriamente políticos, Boxer não se colocava como um inimigo do regime português da época.20 Romero Magalhães (2005, 19) nota que, apesar de elogiar Godinho, dizendo que sua leitura era sempre estimulante e esclarecedora, Boxer afirmou que alguns de seus preconceitos o levavam a interpretações exageradas e errôneas.

36Godinho, por sua vez, considerava a avaliação de Boxer sobre a historiografia portuguesa insuficiente, defendia os Annales e negava preconceitos. Para ele, os problemas estavam, sobretudo, na tutela do estado sobre a pesquisa e os pesquisadores. A resposta é polida e Boxer passou a reconhecer a excelência do trabalho de Godinho. O historiador português parece ter ficado incomodado com a acusação de “preconceito” em alusão ao seu anticlericalismo, afirmando que não esperava do historiador inglês uma crítica tão ao gosto dos historiadores conservadores, católicos e simpáticos ao regime. Em bom português, Godinho acusou Boxer, não sem alguma razão, de certo conservadorismo (tanto político quanto historiográfico). A resposta de Boxer não foi elogiosa apenas em sentido protocolar, uma vez que o historiador inglês compreendeu que Godinho estava produzindo uma nova interpretação da história de Portugal e do império, não só atualizada e sofisticada intelectualmente, mas inovadora e crítica, tornando-se uma referência incontornável na historiografia sobre a expansão europeia. De certo modo derrotado, mas sem comprometer as boas relações que mantiveram ao longo da vida, Boxer parece ter incorporado as lições de Godinho que, possivelmente, tiveram um papel nas obras que o historiador inglês, já maduro, viria a escrever.

37É preciso chamar a atenção para a historicidade da obra de Boxer, um homem que se fez historiador profissional tardiamente. Não chegou a haver uma polêmica pública entre Boxer e Godinho, mas o incidente entre os dois historiadores acabou por reforçar o interesse de Boxer na produção historiográfica portuguesa, ampliando seu conhecimento sobre a história de Portugal e seu império. Romero Magalhães (2005, 23) não notou apenas que as referências bibliográficas de Boxer se enriqueceram, mas também que, em comparação a trabalhos anteriores, o britânico assimilou rapidamente o que tinha em seu alcance sem colocar em perigo suas próprias ideias.

38A ruptura com Gilberto Freyre e Armando Cortesão e suas relações por vezes tensas, mas calorosas, com Sérgio Buarque de Holanda e Vitorino Magalhães Godinho, evidenciam o movimento e a historicidade da obra de Boxer. O major do exército britânico, o diletante estudioso acerca da presença portuguesa e holandesa no Oriente, de corte um tanto conservador, foi capaz de, no pós-guerra, reinventar-se como um influente historiador profissional, signatário de posições progressistas (sem nunca ter aderido ao marxismo) e produtor de uma obra historiograficamente sofisticada. A contribuição de Boxer não nasceu apenas da leitura dos cronistas da época moderna, mas também do intenso diálogo com seus contemporâneos que, evidentemente, são mais extensos que os diálogos aqui assinalados.

4. Conclusão: o legado historiográfico de Boxer

39Passado mais de meio século da publicação dos grandes livros de Boxer aqui tratados, se pode perguntar qual foi o legado dessas obras à historiografia. Tal pergunta está aqui esboçada, mas requer uma acurada análise das condições internas e externas da produção historiográfica de Boxer. No entanto, se pode afirmar que a grande contribuição dele aos historiadores brasileiros e portugueses está justamente na sua perspectiva imperial, o que permitiu enxergar a historicidade do Brasil colonial em conexão com outras áreas do império português, como a África, mas também os contatos e tensões entre os impérios português, espanhol e holandês. Ao investigar os contatos entre os impérios modernos – atento a contribuições de historiadores brasileiros e portugueses, como Sérgio Buarque de Holanda e Vitorino Magalhães Godinho, ou ainda José Antônio Gonsalves de Mello (1916-2002) e Alice Canabrava (1911-2003), ou mesmo norte-americanos especializados na América hispânica, como Lewis Hanke (1905-1993), entre muitos outros pesquisadores –, permitiu a Boxer empreender um olhar abrangente, capaz de conectar as partes. As tradições historiográficas em língua portuguesa devem ao historiador inglês a primeira grande obra de conjunto acerca da expansão lusitana na época moderna e, sobretudo, devemos a Boxer uma abordagem transnacional, pois ele havia compreendido que as histórias portuguesa e brasileira, entre o século XVI e o começo do XIX, não são inteligíveis separadamente.

40Nas últimas duas décadas, a discussão sobre os impérios modernos tem assumido certa relevância na historiografia de língua inglesa, historicamente interessada nessa temática. Questões em torno das concepções de poder e das inter-relações entre as partes do império, envolvendo europeus e não europeus no interior desse processo, têm recebido crescente atenção. A publicação de uma série de títulos de grande impacto, como os de Jack P. Greene (1986), John Elliott (2006) ou Anthony Padgen (2006), aponta neste sentido. Em Portugal, o tema do império também tem sido objeto de uma renovada historiografia, já livre das heranças salazaristas e enriquecida pelo debate com outras tradições intelectuais, interessadas em compreender tanto a multiplicidade, como a especificidade do império português. Em 1998, Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri organizaram em cinco volumes a alentada História da Expansão Portuguesa. A obra coletiva busca pensar as relações entre Portugal e os territórios ultramarinos em suas múltiplas conexões. Ao lado das clássicas questões econômicas e políticas, aparecem temas religiosos, artísticos, arquitetônicos e literários. Do mesmo modo, Portuguese Oceanic Expansion, dos historiadores portugueses Francisco Bethencourt e Diogo Ramada Curto (2006), originalmente direcionado ao público de língua inglesa, e posteriormente publicado em português, confirma a força e a atualidade desse veio historiográfico de algum modo aberto por Boxer.

41Também no Brasil e em Portugal, nas últimas duas décadas renovaram-se os debates historiográficos e o interesse pela história do império português. No caso brasileiro, consolidou-se a percepção de que a América portuguesa integrou ativamente um vasto império ultramarino, participando de múltiplas redes políticas, econômicas e culturais. Os estudos sobre o Brasil colonial, cada vez mais, têm utilizado explícita ou implicitamente o conceito de império a fim de compreender a dinâmica ultramarina portuguesa. Um dos desdobramentos historiográficos desta leitura é a percepção de que o Atlântico Sul, a partir do século XVII, erigiu-se como o pólo mais dinâmico do império, formando um sistema próprio. Luiz Felipe de Alencastro (2000) foi quem levou mais longe tal interpretação, afirmando a impossibilidade de se compreender o Brasil sem levar em conta as intensas relações entre as duas margens do Atlântico Sul, uma perspectiva aberta por Boxer em Salvador de Sá, onde a centralidade da África e especialmente de Angola é absolutamente manifesta. Essa agenda também aparece em Manolo Florentino (1997) e em Jaime Rodrigues (2005). São obras que confirmam a vitalidade da agenda historiográfica aberta por Boxer.

  • 21 Ver ainda Vainfas e Monteiro (2009) e Furtado, Souza e Bicalho (2009).

42Sob influência do historiador português António Manuel Hespanha, a publicação da importante coletânea O Antigo Regime nos Trópicos (2001) – organizada no Rio de Janeiro por João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho e Maria de Fátima Gouvêa – produziu nova compreensão acerca do funcionamento do estado português e da participação das elites locais na administração. Os historiadores fluminenses também dialogaram com outros historiadores portugueses, como Nuno Monteiro e Mafalda Soares da Cunha, ao proporem uma leitura da América portuguesa marcada pela crítica à tradição intelectual de cunho marxista (que valoriza o mercantilismo), produzida em São Paulo por historiadores como Caio Prado Jr. e Fernando Novais. Conceitos como os de “redes imperiais” e “paradigma de ação político-administrativa” orientam esses trabalhos.21 Tratar-se-ia de um “governo polissinodal”, formado por uma complexa rede de instituições, jurisdições e práticas de governo, que teria limitado o poder real, num mundo assentado na hierarquia e no privilégio, no qual o público e o privado eram fundamentalmente indistintos, e em que atos informais e arranjos circunstanciais dos poderes locais foram decisivos (Hespanha 1994).

43Tal abordagem teórica introduz a ideia de que o mundo colonial havia se constituído numa sociedade regida pelo signo político e cultural do Antigo Regime. A ênfase nas elites locais acabou por valorizar Portuguese Society in the Tropics (1965b). Stuart Schwartz (2009, 450) se refere ao texto como “um pequeno, mas fundamental livro de história comparada, repleto de insights e sugestões a respeito do papel do governo local no sistema imperial português”. A valorização das elites locais é um movimento muito mais amplo e não é exclusividade de nenhuma perspectiva teórica. De certo modo, nos Estados Unidos, historiadores como Russell-Wood (1968), Dauril Alden (1968) e o próprio Stuart Schwartz (1973) também percorreram alguns dos caminhos propostos por Boxer, algo que os historiadores do Rio de Janeiro também viriam a fazer. Em Portugal, Romero Magalhães (especialmente 2010 e 2011) também pode ser considerado tributário da discussão esposada por Boxer em Portuguese Society in the Tropics.

44Escritos nos últimos anos de sua vida produtiva, livros como Mary and Misogyny e The Church Militant sugerem perspectivas comparativistas entre os impérios português e espanhol, perspectiva ainda hoje pouco explorada. Jonh Elliott viria a escrever um importante estudo comparativo entre os impérios espanhol e o inglês, mas ainda não há leituras sistemáticas de conjunto, em perspectiva comparativa, entre os dois impérios ibéricos.

45Boxer antecipou em várias décadas o que hoje é um dos principais aspectos das investigações sobre o Brasil colonial, fundamentalmente as relações entre os poderes locais e a coroa, ou entre a metrópole e a colônia e a formação de redes de interesse e poder, tema abordado especialmente em Portuguese Society in the Tropics (1965b) e em vários outros textos. As câmaras municipais foram, para Boxer, instituições fundamentais na constituição e na longevidade do império português. O investimento historiográfico sobre as relações entre os poderes locais e imperiais viriam a render importantes frutos na historiografia brasileira, como atesta o livro de Maria Fernanda Bicalho sobre o Rio de Janeiro (2003), entre muitas outras obras dedicadas ao assunto.

46Em balanços historiográficos relativamente recentes dedicados à história do Brasil colonial – como os citados trabalhos de Fragoso, Bicalho e Gouvêa (2001), de Souza (2006) ou de Furtado, Souza e Bicalho (2009), entre outras obras –, a herança intelectual de Charles Boxer aparece revisitada. No entanto, surpreende que no Brasil livros importantes como Salvador de Sá e Holandeses no Brasil estejam há mais de 30 anos fora do catálogo das editoras. Os importantes Portuguese Society in the Tropics e The Dutch Seaborne Empire nunca foram sequer traduzidos para o português, quer no Brasil, quer em Portugal.

47O presente artigo buscou oferecer uma visão de conjunto acerca da obra de Boxer, ao menos no que tange o Brasil e o Atlântico Sul. Podemos afirmar que Boxer soube evitar a sobrevalorização do estado, à maneira de Raimundo Faoro (1975), ou conferir peso excessivo à família patriarcal e à miscigenação, tal como fez Gilberto Freyre (2002), ou ainda ler a experiência colonial excessivamente calcada na expansão do capitalismo comercial, como o fez Caio Prado Jr. (1994). Não se trata aqui de hierarquizar os autores, nem negar méritos, mas registar a singularidade de Boxer, marcado por um esquema interpretativo aberto, interessado em captar, com maior ou menor sucesso, a integralidade da experiência histórica. Se é verdade que Boxer não se concentrou na vida econômica do império português, não é menos verdade que o historiador manteve constante atenção ao tema da escravidão e do colonialismo. Não se pode esquecer que a temática imperial, bem como a questão racial – temas decisivos na historiografia de Boxer – foram impactados pelo contexto político das décadas de 1950 e 1960, tempo em que o movimento pela descolonização se tornou irrefreável, colocando em xeque o que restava dos grandes impérios erigidos pelos europeus na época moderna. É sempre o presente orientando os olhares (múltiplos) ao passado, esse país estrangeiro, que constantemente precisa ser reconstruído pelos historiadores.

48Entrincheirado na vida universitária inglesa e norte-americana, em profundo diálogo com a historiografia brasileira e portuguesa, Boxer construiu uma abordagem do império português livre de esquemas teóricos rígidos, bem como avessa ao peso das agendas historiográficas nacionalistas, o que o habilitou a enxergar as partes do império como integrantes de um grande corpo político e, de certo modo, econômico e cultural, sem deixar de reconhecer as singularidades e historicidades locais. O fato de conhecer a história dos outros impérios modernos, especialmente o holandês, mas também o inglês e o espanhol, certamente lhe enriqueceu o olhar.

49A obra de Boxer é diferente da historiografia pós-estruturalista, na qual os historiadores das décadas 1970 e 1980 foram educados, ainda que a “história em migalhas”, na expressão de François Dosse (1995), só tenha se tornado hegemônica nos anos 90. Essa tradição historiográfica, caracterizada por abordagens verticais e recortes temporais e espaciais restritos, impõe aos leitores contemporâneos certa estranheza em relação à forma com que Boxer enxergava o passado, por meio de grandes painéis de épocas, bem contextualizados e documentados, mas por isso mesmo porosos, o que implicava em inevitáveis generalizações. Eis aqui, precisamente, a força (e, se quisermos, a fraqueza) de sua obra.

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Notas

1 Em 1967 Boxer transferiu sua prestigiosa coleção de obras raras à Lilly Library (campus de Bloomington), pertencente à Universidade de Indiana, onde foi professor visitante entre 1969 e 1972.

2 Salvador Correia de Sá e Benevides descendia da família dos fundadores do Rio de Janeiro, Mem de Sá e Estácio de Sá. Foi neto de Salvador Correia de Sá, o velho (1547-1631), natural de Coimbra, que havia sido governador-geral do Rio de Janeiro. Salvador de Sá (o neto) nasceu em Cádis em 1602, durante a União Ibérica. Depois de 49 anos voltou ao Reino, onde chegou a ser membro do Conselho Ultramarino.

3 Charles Boxer escreveu sobre António de Cadornega outras vezes. Ver Boxer (1961).

4 O jesuíta italiano André João Antonil (1649-1716) chegou à Bahia em 1681, possivelmente por intermédio de Padre Vieira. Em 1711 publica a importante obra Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas, logo em seguida proibida e confiscada.

5 Ao longo da vida, desde os anos de 1930, Boxer alimentava sua biblioteca adquirindo cartas, manuscritos e obras raras, inclusive a primeira edição dos Sermões, de Vieira, publicada em Lisboa, em 14 volumes, entre 1679 e 1714.

6 Afonso de Taunay (1876-1958), autor da História Geral das Bandeiras Paulistas, em 11 volumes, editada entre 1924 e 1950, foi o maior nome dessa tradição, claramente identificada com os setores mais conservadores de São Paulo. Boxer discordaria ou matizaria as proposições de Taunay. Sobre o assunto, ver Ferreira (2002), Anhezini (2011) e Fonseca (2005).

7 Sobre o assunto, ver Fragoso e Florentino (2001) e Fragoso, Almeida e Sampaio (2007). O conjunto de suas pesquisas, bem como a de muitos de seus orientandos, empenhou-se em demostrar a existência de um mercado interno maior e mais dinâmico do que sugeriam as obras de Caio Prado Jr. e Fernando Novais. Para Laura de Mello e Souza (2006), esses estudos não invalidam a obra de Fernando Novais (1979), herdeiro de Caio Prado Jr., embora sirvam para matizar diferentes aspectos.

8 Sobre o assunto, ver Castelo (1999, 2011), Léonard (2001), Maxwell (2006) e Iñiguez (1999).

9 Entre 27 de dezembro de 1963 e 4 de janeiro de 1964, o Diário Popular, próximo ao regime, publicou o primeiro de uma série de quatro textos, intitulada: “O insidioso livro”.

10 Freyre, Gilberto. “O nada estranho caso do Major Boxer”. O Cruzeiro, de 6 junho de 1964. Convém registar que a revista Cruzeiro, poucos meses antes, havia apoiado o golpe militar de 31 de março de 1964. Pouco mais tarde, Freyre publicou ainda “Mais sobre o caso do Major Boxer”, no Diário de S. Paulo, de 29 de janeiro de 1965. Nos textos, apresentou Boxer como alguém saudoso do imperialismo inglês.

11 Para maiores detalhes, ver (Schneider 2013) e Curto (2013).

12 Sobre assunto, ver Thomas (2002), Rampinelli (2004) e Maxwell (2006).

13 Sobre o assunto, ver Lima (2009), Rojas (2006) e Schneider (2015).

14 A Universidade de São Paulo foi criada em 1934 e a Universidade do Distrito Federal, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, é de 1935.

15 Em 1960, Sérgio Buarque de Holanda era um historiador de prestígio. Antes de ingressar na Universidade de São Paulo, em 1958 (aos 56 anos), o historiador já havia dirigido o Museu Paulista (1946-1956) e publicado Raízes do Brasil (1936), Monções (1945), Caminhos e Fronteiras (1957). Em 1959, publicou Visão do Paraíso, sua tese de ingresso na USP.

16 Carta de 5 de novembro de 1957. Sistema de Arquivos da Universidade de Campinas (Siarq - Unicamp). Fundo Sérgio Buarque de Holanda. Correspondência. Subsérie: passiva, 431. CP 209, p. 9.

17 Carta de 2 de dezembro de 1957. Siarq – Unicamp. FSBH. 432, CP 210, p. 9.

18 Sobre o assunto, ver Furtado (2014).

19 Sobre o assunto, ver Monteiro e Schwarcz (2016) e Carvalho (2013).

20 Em “Some notes”, Boxer elencou o que considerava os sete pecados da historiografia portuguesa: 1º prolixidade; 2º gosto por discursos e conferências; 3º ilustrações escolhidas antes do texto, fazendo apelo aos olhos (mais que ao cérebro); 4º ausência de consulta de obras estrangeiras maiores; 5º falta de índices apropriados; 6º falta de mapas adequados; 7º censura governamental. O sétimo “pecado” é uma crítica ao regime.

21 Ver ainda Vainfas e Monteiro (2009) e Furtado, Souza e Bicalho (2009).

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Alberto Luiz Schneider, «O Brasil e o Atlântico Sul na historiografia de Charles Boxer»Ler História, 71 | 2017, 181-203.

Referência eletrónica

Alberto Luiz Schneider, «O Brasil e o Atlântico Sul na historiografia de Charles Boxer»Ler História [Online], 71 | 2017, posto online no dia 05 janeiro 2018, consultado no dia 17 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/2965; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.2965

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Alberto Luiz Schneider

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil

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