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Mobilidade Internacional dos Estudantes Europeus

O envio de bolseiros portugueses para os EUA, 1945-1952

Portuguese scholarship holders in the United States, 1945-1952
Les étudiants boursiers portugais aux Etats-Unis, 1945-1952
Gonçalo Mineiro
p. 53-74

Resumos

Progressivamente, a historiografia das relações internacionais tem-se debruçado sobre o estudo dos intercâmbios culturais. Seguindo esta tendência, este estudo vem contribuir para a análise do intercâmbio académico e profissional entre Portugal e o estrangeiro no período do Estado Novo. O artigo tem como objeto de estudo as bolsas académicas e profissionais oferecidas a cidadãos portugueses a fim de se deslocarem aos Estados Unidos da América para lá frequentarem cursos pós-graduados e estágios profissionais. Com recurso à documentação do Instituto para a Alta Cultura – instituição governamental do Estado Novo encarregue do intercâmbio cultural e do fomento à investigação científica –, pretende-se aqui compreender as tendências, as características e os objetivos do envio destes portugueses para os EUA no período de 1945 a 1952.

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  • 1 Para leituras adicionais sobre esta abertura no escopo de análise da historiografia do período da (...)
  • 2 É um argumento que tem vindo a ser desenvolvido ao longo da última década. Ver Scott-Smith (2008) (...)

1Nos últimos anos, a historiografia tem vindo a estudar os intercâmbios culturais numa tentativa de, através de uma nova abordagem às relações entre estados, chegar a conclusões complementares à tradicional abordagem diplomática.1 A história diplomática é, sem dúvida, uma componente muito relevante na história, na medida em que fornece uma análise das linhas de continuidade e de descontinuidade nas relações oficiais entre estados. No entanto, estas relações não são feitas apenas pela via diplomática. O intercâmbio de recursos humanos, de tendências e até de ideologias – seja através da música, da arte ou dos intercâmbios académicos e profissionais – contribui, também ele, para compreender a história das relações internacionais.2

2Este trabalho apresenta-se inserido neste campo de análise e tem como objeto de estudo as bolsas académicas e profissionais atribuídas a portugueses para se deslocarem aos EUA entre os anos de 1945 e 1952, ou seja, entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o ano em que o Instituto para a Alta Cultura (IAC), instituição governamental do Estado Novo responsável pela investigação científica e o intercâmbio cultural, sofreu uma reestruturação orgânica. Os Estados Unidos da América foram o país de destino escolhido para esta análise pois emergem da Segunda Guerra Mundial como a nova potência hegemónica mundial, contrastando com uma Europa destruída e devastada no campo económico e científico. Não tendo sido palco da guerra, a América do Norte tinha à sua disposição todos os recursos necessários ao desenvolvimento económico e científico, aos quais se acrescentou ainda a deslocação em massa de grande parte das elites dos vários ramos das sociedades europeias para o outro lado do Atlântico. Esta concentração de recursos humanos, aliada a uma não destruição deste continente, levou a que a clivagem sentida no pós-Guerra entre os EUA e a velha Europa fosse ainda maior.

3Foi com a realidade de uma Europa destruída em mente que os responsáveis norte-americanos criaram não só programas de assistência à recuperação da Europa – nomeadamente o Plano Marshall –, como instituíram também facilidades de deslocação e formação aos cidadãos europeus para ali estudarem e se especializarem. Portugal não foi exceção e não só recebeu assistência daquele país como também enviou para lá cidadãos nacionais para se formarem e especializarem, tanto ao abrigo dos programas norte-americanos como por força e patrocínio do próprio Instituto para a Alta Cultura.

  • 3 Para maior detalhe sobre a adesão portuguesa ao Plano Marshall, ver Rollo (1994, 2007).
  • 4 Para um maior aprofundamento sobre o processo de adesão de Portugal à NATO, ver Telo (1996) e Tei (...)

4Há que se ter em consideração a particularidade das relações luso-americanas à saída da Segunda Guerra Mundial. Estas eram, por um lado, caracterizadas pela “tradicional desconfiança em relação aos Estados Unidos da América” por parte de António de Oliveira Salazar, aliada à “dificuldade em reconhecer o declínio britânico e a emergência americana como grande potência marítima hegemónica no Atlântico” e, por outro, marcadas por uma aproximação e mesmo recurso a esta nova potência (Teixeira 2006). De acordo com António José Telo, para além do preconceito que não só Salazar mas também a “elite mais tradicional portuguesa” sentiam para com os EUA, havia três razões que levavam ao distanciamento entre Lisboa e Washington. A primeira era motivada pelo receio de que os EUA não compreendessem o regime do Estado Novo e que isso levasse a pressões para que se registassem mudanças políticas em Portugal. A segunda prendia-se com o medo de que os EUA apoiassem os movimentos de autodeterminação nos então territórios ultramarinos portugueses. A terceira estava relacionada com o receio de consequências internas de uma aproximação com a potência hegemónica, especialmente entre os militares (Telo 1996). A verdade é que o processo de participação de Portugal no Plano Marshall3 e o processo de adesão de Portugal à NATO4 demonstram uma resistência inicial do Estado Novo que lentamente se veio transformando numa aceitação do novo sistema internacional, caracteristicamente multilateral, com os EUA à cabeça.

5A nova reorganização mundial e as várias instituições internacionais então criadas obrigaram “o regime a uma estratégia ora de contenção, ora de cautelosa abertura” (Brandão 2012a, 80). Esta viria a proporcionar as condições para um crescente quebrar do isolamento português ao nível político, económico e até científico. Tal como refere Tiago Moreira de Sá, “no final da década de 40, Lisboa fazia parte das dimensões militar, política e económica do polo liderado pelos EUA, havendo a destacar neste processo os acordos dos Açores de 1946 e 1948, o Plano Marshall e a adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte” (2016, 415).

6Tendo esta realidade antagónica presente, pretende-se com este estudo compreender as motivações, tanto por parte das instituições portuguesas como dos próprios bolseiros, que levaram à escolha dos Estados Unidos da América como país de destino para os estudos. Por que não eram, então, estes bolseiros portugueses enviados para países europeus como a Inglaterra ou a França? Com certeza que os financiamentos atribuídos a estes seriam mais baixos. Além do mais, tendo-se presente que as relações externas de Portugal com estes dois países eram consideravelmente mais familiares e próximas, sendo a Inglaterra a velha aliada portuguesa e a França a potência continental de quem Portugal se aproximou diplomaticamente no pós-Segunda Guerra (Marcos 2006).

7É através da análise da documentação resultante da atividade do já referido Instituto para a Alta Cultura que este estudo pretende fazer uma decomposição dos seguintes pontos: em primeiro lugar, do número de bolsas atribuídas durante o período em questão; em segundo lugar, das áreas científicas a que se destinavam; e, em terceiro lugar, dos objetivos na promulgação dessas mesmas bolsas. Numa perspetiva mais macro, questiona-se se esta tendência da política externa portuguesa em se aproximar da então emergente potência hegemónica, os EUA, se refletiu na atribuição aos portugueses de bolsas com destino àquele país ou se a decisão de enviar bolseiros para aquele país assentou em fundamentos alheios às relações bilaterais entre ambos.

1. O soft power e a diplomacia cultural

  • 5 Para maior aprofundamento sobre o conceito de soft power, ver Nye (1990, 2004 e 2011). Melissen ( (...)

8Antes de ser iniciada a análise propriamente dita das bolsas, importa que nos detenhamos sobre o conceito de soft power e sobre uma das suas aplicações práticas, a diplomacia cultural. Tal como foi dito por Harry S. Truman, a “luta pelas mentes dos homens”, tão característica da Guerra Fria, assumiu um papel de grande relevância na política internacional ao longo daquele período (Hixon 1997, 14). Durante a Guerra Fria, o soft power representa precisamente esta luta. A diplomacia cultural, por sua vez, representa um dos ramos políticos onde este tipo de poder é aplicado na prática e oficialmente. Soft power é um conceito criado por Joseph Nye (1990), por contraposição ao conceito já anteriormente conhecido e estabelecido na comunidade académica, o hard power. Ao contrário deste último – que se caracteriza pelo exercício de poder através da coação, ameaça e persuasão, utilizando recursos como a força bélica, sanções económicas e até subornos e chantagens –, o soft power engloba as formas de exercício de poder entre estados ao abrigo do poder da atração com recurso aos valores, à cultura e às ideologias. Resumidamente, Nye caracteriza o soft power como o tipo de exercício de poder que utiliza recursos intangíveis (como a cultura, ideologia, valores e instituições) por oposição ao hard power, que utiliza recursos “palpáveis” (como a população, os territórios, os recursos naturais, o poder da economia, as forças armadas e o desenvolvimento tecnológico).5

9Existem assim várias “fontes” de soft power e Nye classifica a cultura como uma delas (Nye 2004, 44). Divide-a em “alta cultura” e “cultura popular”, sendo que define a primeira como a cultura erudita e a segunda como a cultura ligada aos costumes do povo. Ainda que sejam ambas fontes de soft power durante este período do início da Guerra Fria, Nye defende que os resultados com origem na “alta cultura” acabam por ser mais visíveis ou mais mensuráveis do que os da cultura popular, porque os intercâmbios das elites poderiam ter efeitos políticos maiores e, assim sendo, teriam repercussões diretas nas políticas adotadas por um qualquer país. Não obstante a tese de Nye, de acordo com o historiador austríaco Reinhold Wagnleitner, a atração pela cultura popular norte-americana por parte dos povos europeus após a Segunda Guerra Mundial foi também decisiva para a democratização daquelas sociedades (Wagnleitner 1999, 515).

10É com base nesta lógica do poder da atração que surge a diplomacia cultural, uma das aplicações práticas do conceito de soft power. Tendo sido um recurso diplomático frequentemente utilizado ao longo da história da civilização, somente no século XX se oficializou como uma ferramenta utilizada pelos estados, com especial relevância no caso dos EUA. Atualmente é identificada entre os académicos como um dos ramos da diplomacia pública e, tal como esta, “lida com a influência de atitudes públicas e com a formação e execução de políticas externas” (Snow e Taylor 2009, 19). Nye define a diplomacia pública como sendo um instrumento utilizado pelos governos para comunicar e atrair o público de outros países ao invés de se dirigir apenas aos seus governos e aos seus líderes (Nye 2008, 95).

  • 6 Sobre a história da Guerra Fria, ver Painter (1999), Leffler e Westad (2008), Gaddis (2005), Pate (...)

11Segundo Richard Arendt, o recurso à diplomacia cultural remonta à Idade do Bronze. De acordo com o autor, os diplomatas eram utilizados como veículos de transmissão de mensagens e eram ainda as principais figuras de intercâmbio entre as diferentes culturas das várias monarquias do passado. Porém, apesar de a diplomacia cultural estar presente mesmo antes da criação do estado moderno, foi apenas no século XX, com a criação da Divisão de Relações Culturais por parte da Administração Roosevelt, no ano de 1938, que esta adquiriu contornos formais e oficiais como veículo diplomático (Arendt 2005). Com o início da Guerra Fria e com a consequente mudança de paradigma bélico, os Estados Unidos da América viram-se então envolvidos numa guerra ideológica.6 Na esperança de “promover os valores democráticos pelo mundo e de destruir o fascismo, o comunismo e outras desagradáveis ideologias estrangeiras” (Scott-Smith e Krabbendam 2003, 226), começaram a recorrer à influência das suas elites culturais espalhadas pelo mundo, com o intuito de fazer proliferar a ideologia democrática e liberal norte-americana. Um dos recursos utilizados foram os programas de intercâmbio académico.

  • 7 Para exemplos relativos à utilização do intercâmbio cultural e científico por parte dos EUA face (...)

12Importa salientar que estes programas, qualquer que seja a sua origem ou destino, diferenciam-se da “propaganda” – frequentemente envolta numa conotação negativa – e utilizam métodos mais indiretos de “publicidade” e métodos de atração. No fim de contas, acabam por se tornar uma “arma” muito profícua para os governos. Os programas de intercâmbio académico enquadram-se precisamente nesta definição de “arma” como sendo um novo recurso utilizado pela diplomacia. No caso dos Estados Unidos da América é muito clara a utilização do intercâmbio cultural, científico e académico como um veículo de transmissão de ideologias e valores.7

13Ainda que em muitos casos não seja este o intuito principal, a verdade é que a experiência de estudar no estrangeiro é sempre transformadora para quem a vive. Para Nye, esta transformação pode ser contabilizada no facto de se criarem elites transnacionais durante a deslocação de alunos estrangeiros para os Estados Unidos para ali estudarem na universidade, sendo por isso este intercâmbio considerado uma forma de soft power. Os estudantes em intercâmbio naquele país, ao contactarem durante um certo período de tempo com aquele modelo de sociedade, sistema político e cultura, ficam a conhecer melhor os mesmos, criando uma empatia com estes e promovendo-os no seu país natal aquando do seu regresso (Nye 2004, 45-6).Compreende-se assim que a análise da permuta de bolseiros entre dois estados contribui para uma melhor compreensão das políticas externas de ambos os países envolvidos no intercâmbio (Mulcahy 1999, 7-28). Neste estudo, em concreto, será relevante para se tentar compreender os objetivos do estado português ao enviar bolseiros para os EUA.

2. O Instituto para a Alta Cultura e o programa de bolsas de estudo

  • 8 Ver a Lei nº 1941, Diário do Governo, I Série, nº 84, de 11 de abril de 1936.
  • 9 Sobre a JEN, ver Rollo et al. (2011) e o diploma da sua criação – Decreto-Lei n.º 16 381, Diário (...)
  • 10 Ver o Decreto-Lei nº 26 611, Diário do Governo, I Série, nº 116, de 19 de maio de 1936, que defin (...)

14O Instituto para a Alta Cultura, enquanto tal, nasceu formalmente em 1936, no contexto de uma reestruturação orgânica dos serviços e organismos da área da educação e cultura, então promovida pelo Estado Novo.8 Constituía uma secção especializada, e dotada de personalidade jurídica, da Junta Nacional da Educação, por seu turno dependente do agora denominado Ministério da Educação Nacional. Herdeiro, nas suas funções, da antiga Junta de Educação Nacional, criada em 19299 (não confundir com a novel Junta Nacional da Educação), o IAC era definido como um organismo de apoio à investigação científica, especialização académica, aperfeiçoamento artístico e fomento cultural, tendo como objetivo “promover o aumento do património espiritual da Nação e a expansão da cultura portuguesa, como mais elevada expressão da finalidade do Estado”.10 O Instituto para a Alta Cultura subdividia-se ainda em duas secções: a primeira dedicada à investigação científica e a segunda às relações culturais entre Portugal e o estrangeiro.

  • 11 Decreto-Lei nº 38 680, de 17 de março de 1952.

15Estas duas subsecções do IAC representavam, na sua essência, os objetivos principais do instituto. A primeira estava encarregue de coordenar os trabalhos da investigação científica em Portugal e nas então denominadas colónias, de organizar e conceder bolsas de estudo em Portugal e no estrangeiro e de criar centros de estudo e de investigação científica em Portugal. A segunda tinha como função “coordenar a representação oficial portuguesa no estrangeiro, no que respeita a relações culturais de toda a espécie”, nomeadamente a realização de congressos em Portugal, a participação de portugueses em congressos no estrangeiro, a organização e catalogação das bibliotecas portuguesas e de centros culturais no estrangeiro, a promoção e subsídio de missões de estudo no estrangeiro e em Portugal, a promoção de cursos de férias em universidades ou escolas portuguesas, a promoção e auxílio à realização de exposições internacionais, a promoção do estudo da língua portuguesa no estrangeiro e a promoção da tradução e publicação de livros “que sejam alto expoente da cultura portuguesa e documento da nossa ação civilizadora”, conforme o texto do decreto-lei. O IAC sofreria nova reestruturação em 1952, e uma subtil redenominação, passando então a denominar-se Instituto de Alta Cultura.11

  • 12 Nas suas mais recentes monografias, John Krige (2006 e 2016) tem vindo a desenvolver a tese de qu (...)

16Apesar da sua criação em 1936 (ou mesmo em 1929, se considerarmos a sua antecessora Junta de Educação Nacional), foi somente com o final da Segunda Guerra Mundial que o IAC ganhou maior fôlego. Após 1945, a ciência, a tecnologia e a educação adquiriram uma relevância renovada na sociedade ocidental. Ao nível internacional, o Plano Marshall veio dar força a este desenvolvimento ao financiar a recuperação e reestruturação científica de uma Europa devastada.12 Surge assim, na Europa, uma tendência crescente para a internacionalização da ciência, a par de um clima progressivamente competitivo de políticas científicas de recuperação e de investimento por parte dos estados, ao qual Portugal não foi indiferente, apesar de moderado quando comparado com o estrangeiro (Caraça 2002, 218). Ainda assim, é de notar que, em Portugal, houve um “deficit generalizado em cultura científica” e uma “falta de investimento do estado no plano científico e tecnológico”, pelo menos até ao 25 de Abril de 1974 (Rollo, Queiroz e Brandão 2011, 105-145).

17Em adição – e não obstante a desconfiança que Salazar tinha relativamente a tudo o que tinha origem do outro lado do Atlântico e a tudo o que emergia em prol da modernização –, a par dos referidos apoios económicos internacionais surgiram também novas correntes industrialistas e tecnocráticas dentro do Estado Novo. José Ferreira Dias aparecia na década de 1940 como o principal impulsionador da “cruzada científica, técnica, industrializante” que, de certa forma, deu também impulso à necessidade de modernização da sociedade portuguesa (Meneses 2010, 364). Ferreira Dias declarava então que “ainda faz lei entre nós a opinião errada de que a ciência e a técnica são devaneios sem proveito em matéria de indústria e que só o saber empírico do prático habilidoso é garantia de êxito seguro” (Dias Jr. 1998, 103). Em Portugal conviviam, assim, duas visões sobre esta matéria, uma tradicionalista que rejeitava a ciência e a máquina, e uma outra baseada na mudança e no progresso (Brandão 2012a, 72).

  • 13 Francisco de Paula Leite Pinto (1902-2000) – licenciado em matemática e com o curso de engenheiro (...)

18A verdade é que o IAC, ainda que alinhado com o Estado Novo e colocado diretamente sob a dependência da Presidência do Conselho de Ministros, possuía uma certa autonomia e uma agenda própria, assente nos principais líderes e impulsionadores do desenvolvimento da ciência e da cultura em Portugal. Tal como referiu Francisco Leite Pinto,13 não faltaram em Portugal “homens de boa vontade e de mentalidade superior que pregassem a doutrina tentadora das necessidades culturais portuguesas, num justificado anseio de adaptação ao que lá fora se ia fazendo de novo e de bom em matéria de ensino, de inovação pedagógica e de investigação científica” (Pinto 1951, 7) não havendo, ainda assim, uma política científica nacional bem definida, algo que só começaria a ser discutido amplamente no início dos anos 50 (Brandão 2012a).

  • 14 Gustavo Cordeiro Ramos (1888-1974), licenciado em Letras, foi ministro da Instrução Pública (1928 (...)

19Já desde a criação da Junta de Educação Nacional, em 1929, que se verificava existir a preocupação de estas serem instituições criadas em prol do desenvolvimento científico, económico, social e profissional português e ligadas ao aparelho de estado, ainda que a sua “obra (…) só poderá executar-se com sequência e firmeza se lhe for garantida a autonomia” (Pinto 1951, 7). Em 1929, aquando da sua criação, a presidência deste organismo seria entregue a Gustavo Cordeiro Ramos, “um claro apoiante de Salazar e adepto do projeto de renovação mental”, o que acabaria por coordenar a agenda “independente” do Instituto com os ideais do Estado Novo (Rollo et al. 2012, 51).14

  • 15 Decreto-Lei nº 26 611, Diário do Governo, I Série, nº 116, de 19 de maio de 1936.

20Como já foi referido, uma das principais funções do Instituto para a Alta Cultura era a de “organizar e conceder bolsas de estudo, em Portugal ou no estrangeiro, a diplomados de comprovada idoneidade moral e intelectual, que deem garantia da sua ulterior cooperação com o Estado, para o aperfeiçoamento dos métodos e o desenvolvimento da cultura”.15 O facto de esta transcrição constituir um dos pontos do decreto-lei que originou o IAC demonstra, por si só, a relevância que as bolsas de estudo tinham no seio deste instituto. O IAC dividia, assim, as bolsas de estudo em duas categorias: as “bolsas no país” e as “bolsas fora do país”. Entre 1929 e 1950, o número de bolsas concedidas no país foi de 1073 e para fora do país 811. Apesar de o número de “bolsas no país” ser mais alto ao longo do período 1929-1950, a verdade é que foi apenas a partir de 1939, com o início da conjuntura de guerra, que esta tendência se passou a verificar (Rollo et al. 2012, 169). Antes disso, entre 1929 e 1939, foi atribuído um total de 455 bolsas para fora do país e 311 bolsas para o país (Amaral 1972).

  • 16 Transcrição conforme o texto original. Todos os processos dos bolseiros continham um exemplar des (...)

21Independentemente do seu destino, as candidaturas às bolsas faziam-se acompanhar necessariamente dos seguintes documentos: um curriculum vitae do candidato, uma carta de apresentação e motivação certificada por um notário, e ainda uma declaração onde o candidato afirmava estar “integrado na ordem social estabelecida pela Constituição de 1933 e o seu repúdio pelos ideais comunistas e ideias subversivas”.16 Apesar de não ser de cariz obrigatório, na sua grande maioria as candidaturas dos bolseiros eram também acompanhadas por uma recomendação de alguém que ocupasse um alto cargo dentro do departamento onde o indivíduo prestava serviço. Isto porque as bolsas tinham como critério “dar preferência ou só tomar em conta casos reconhecidos pelas escolas e outros organismos de Estado, [de maneira] a que os interessados possam prestar ulterior cooperação, após o seu regresso, para assim se ter a garantia de que a especialização adquirida pelos bolseiros não redunda em exclusivo benefício pessoal” (Tavares 1951, 21-22). As candidaturas que completassem todos estes requisitos eram então levadas a reunião da Direção do IAC para uma aprovação final, ou não, da mesma. Acresce que as bolsas concedidas pelo IAC não seriam entregues sem que antes a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) investigasse as ideologias e ligações políticas do candidato.

22Os EUA assumiam então o oitavo lugar na lista dos países que mais bolseiros portugueses receberam entre o ano de 1929 e 1950. De acordo com os números apresentados por Ilídio do Amaral (1972, 15), durante o referido período foram enviados 360 bolseiros para França, 90 para Inglaterra, 77 para a Alemanha, 68 para Espanha, 53 para Suíça, 50 para Itália, 40 para a Bélgica e, finalmente, 29 para os Estados Unidos. No entanto, o presente estudo obteve números diferentes dos de Ilídio do Amaral, tendo chegado a um total de 37 bolseiros portugueses a deslocarem-se para os EUA, apenas no que se refere aos anos de 1945 a 1952. Como será possível explicar que tenhamos encontrado um maior número de bolseiros durante um período menor do que aquele apresentado por Amaral? Em primeiro lugar, explica-se pelo facto de, antes da Segunda Guerra Mundial, a escolha dos EUA como país de destino dos bolseiros ser rara devido aos custos elevados que comportariam a viagem e a estadia naquele país, sendo os destinos europeus preferidos entre os bolseiros portugueses. Em segundo lugar, o presente estudo não contabilizou apenas os bolseiros que se deslocaram ao estrangeiro para estudar, mas também todos aqueles que foram estagiar, especializar-se, e até difundir a cultura portuguesa do outro lado do Atlântico.

23As deslocações de portugueses ao estrangeiro, no âmbito da “Alta Cultura”, dividiam-se em categorias de acordo com os objetivos da segunda subsecção do IAC referidos atrás. Para além das “bolsas de estudo fora do país”, havia ainda a categoria das “missões oficiais fora do país”, a das “representações em congressos” e a do “intercâmbio cultural”. Para o presente estudo todas foram contabilizadas, em primeiro lugar porque na sua essência todas as categorias são bolsas para o estrangeiro e, em segundo lugar, porque todas representam e exprimem o intercâmbio cultural que houve com os Estados Unidos da América.

24Foram analisados 43 processos de bolseiros, incluindo 6 que não chegaram a obter permissão para saírem do país, ou por razões pessoais da parte dos candidatos ou apenas porque o departamento para o qual trabalhavam não o permitiu sob o pretexto de aqueles indivíduos serem demasiado importantes para ficarem isentos de exercer funções durante o tempo de duração da bolsa. Totaliza-se assim em 37 o número de portugueses a viajarem para os EUA durante o período aqui analisado. No entanto, o número total de bolsas atribuídas atinge as 66, já que, por vezes, as bolsas eram prorrogadas, “quando o labor dos bolseiros tenha sido profícuo e se reconhece a vantagem de ampliar o tempo do seu estágio” (Tavares 1951, 18). Por uma questão analítica, e apesar de se poder dizer que uma prorrogação de bolsa não é uma bolsa distinta mas sim uma continuação da primeira, contabilizou-se cada prorrogação como uma bolsa nova e independente. Desta análise quantitativa foram elaborados dois gráficos: o primeiro (gráfico 1) apresenta o número de bolsas anuais com destino aos EUA e o segundo (gráfico 2) mostra a sua distribuição por diferentes áreas científicas.

25Percebe-se assim, com recurso ao gráfico 1, que a média do número de bolsas por ano com destino aos EUA foi de 8, sendo que o máximo foi registado no ano de 1946, com um total de 12 bolsas atribuídas, e que o mínimo foi registado no ano de 1952, com apenas 6 bolsas atribuídas. A devastação causada pela Segunda Guerra Mundial na Europa explica facilmente o máximo atingido no ano de 1946, já que “em virtude dos acontecimentos internacionais, o Instituto para a Alta Cultura passou a encaminhar os seus bolseiros [para os EUA]” (Tavares 1951, 18). À saída da Segunda Guerra Mundial, a Europa tinha verdadeiramente poucas – em alguns casos, nenhumas – condições para o desenvolvimento do conhecimento científico a partir de iniciativas próprias. Salvo certas exceções, os laboratórios e as universidades europeias encontravam-se mal equipadas, destruídas, pilhadas ou desertas. Um outro fator que também contribuiu para a “pobreza” da investigação científica europeia foi o facto de grande parte dos cientistas proveniente dos países europeus mais afetados pela guerra terem fugido para os Estados Unidos da América durante o conflito bélico (Krige 2006, 1). O facto de 1952 ter sido o ano em que foram atribuídas menos bolsas, e uma vez que este ano se seguiu a dois anos em que foram atribuídas 9 bolsas por ano – o segundo maior número de bolsas atribuídas num ano – poderá ser demonstrativo de uma Europa, na altura, já em clara recuperação científica, com as comunidades, instituições e espaços científicos já quase recuperados na totalidade e a par das mais modernas técnicas científicas internacionais.

Gráfico 1. Número de bolsas anuais com destino aos EUA

Gráfico 1. Número de bolsas anuais com destino aos EUA

Fonte: Arquivo Histórico Camões, Lisboa, Cota – 3279/1, Actas da Direcção do Instituto para a Alta Cultura; Cota – 2681/1, Livro de actas da Direcção do Instituto de Alta Cultura de 1948 a 1953.

Gráfico 2. Número de bolseiros distribuídos por área científica

Gráfico 2. Número de bolseiros distribuídos por área científica

Fonte: ver gráfico 1.

26Com o objetivo de facilitar a análise, o autor dividiu as bolsas em cinco categorias que representam as diferentes áreas científicas nas quais as bolsas foram atribuídas: Medicina, Engenharias, Ciências Sociais e Humanas, Matemáticas, e Física. A partir deste gráfico, percebe-se que a Medicina – com 16 bolsas destinadas a medicina geral e 1 destinada a cirurgia – era claramente a área científica com maior número de bolseiros a deslocarem-se aos EUA, com um total de 17 – mais do dobro da área científica que lhe sucede. Com um total de 8 bolsas vinha a área das Engenharias, que se distribuía em 4 bolsas em Engenharia Agrónoma, 2 bolsas em Engenharia Eletrotécnica e 1 bolsa em Engenharia de Silvicultura e 1 em Engenharia Mecânica. A área das Ciências Sociais e Humanas perfazia um total de 7 bolsas, tendo sido atribuída uma a cada uma das suas subáreas – História, Biblioteconomia e Arquivística, Antropologia, Psicologia, aperfeiçoamento de técnicas de ensino, Filologia e Ciências Sociais. Nas matemáticas – área composta por Matemática e por Ciências Económicas e Financeiras –, foram atribuídas 4 bolsas no total, sendo que 1 foi atribuída à primeira subárea e 3 à segunda. A última área científica, a Física, por ser constituída apenas por uma bolsa, tomou a denominação da área científica da bolsa que a compõe.

  • 17 Oficialmente este programa de intercâmbio criado pelo Governo dos Estados Unidos da América teve (...)

27Tal como foi já mencionado, a área científica não era o único diferenciador entre as bolsas. Apesar de todas terem necessariamente que ser aprovadas pela direção do IAC, as bolsas podiam ser financiadas tanto pelos próprios interessados, como por diferentes instituições, governamentais ou privadas. Assim, havia bolsas que eram financiadas na íntegra pelo Instituto para a Alta Cultura, através de fundos governamentais destinados àquele instituto; e havia bolsas financiadas por instituições independentes do estado português, nomeadamente o governo norte-americano – no âmbito dos programas de intercâmbio da Economic Cooperation Administration e do chamado Smith-Mundt Act17 –, a Fundação Calouste Gulbenkian e a Fundação Rockefeller. Ao todo, foram atribuídas 23 bolsas financiadas pelo IAC, 14 por outras instituições e 9 foram subsidiadas pelos próprios bolseiros.

3. Porquê os Estados Unidos da América?

28Uma vez que todas as bolsas consideradas neste estudo careciam da aprovação do IAC, e por não terem sido analisados os arquivos históricos das outras instituições que subsidiaram bolsas para os EUA, a análise das motivações que levaram os candidatos a pedirem a permissão do IAC para serem bolseiros do outro lado do Atlântico tem como base apenas os pareceres e os processos de candidatura entregues ao Instituto para a Alta Cultura.

  • 18 Arquivo Histórico Camões, Lisboa (doravante AHC), Cota 1476/21, Pasta “António de Sousa Pereira”, (...)
  • 19 AHC, Cota 1530/3, Pasta “António Henrique Balté”, Documento 3/5, Ofício enviado pelo Presidente d (...)

29As razões pelas quais os bolseiros portugueses pretendiam deslocar-se aos EUA eram variadas. Não obstante essa diversidade, os objetivos dos bolseiros dentro de uma mesma área científica eram, grosso modo, idênticos. No campo da Medicina, os bolseiros escolheram como destino os Estados Unidos claramente pela possibilidade de ali poderem trabalhar com a tecnologia de ponta da época e, também, por poderem ali aprender e praticar as técnicas mais modernas, na altura já usadas naquele país. As bolsas destinadas a Medicina tinham como objetivo o estudo, estágio ou especialização dos bolseiros em centros como a Clínica Mayo, localizada em Rochester, no estado do Minnesota; ou a School of Hygiene and Public Health, da John Hopkins University, pois era nestes locais que se praticavam os “processos mais recentes (…) da cirurgia americana”18 e onde se podiam aprender “as modernas técnicas de cirurgia”.19

  • 20 AHC, Cota 143/18, Pasta “Alberto de Morais Cerveira”, Documento 2/3, Carta registada enviada por (...)
  • 21 AHC, Cota 0742/2, Pasta “António Franco Wittnich Carrisso”, Documento 8, Programa e finalidade do (...)
  • 22 AHC, Cota 1318/14, Pasta “António Pereira de Sousa da Câmara”, Documento 15/7, (s.d.).

30Na área da Engenharia, os bolseiros deslocaram-se aos EUA pelos seus “bem apetrechados laboratórios”,20 pelo maior grau de aperfeiçoamento técnico ali presente e para lá se aperfeiçoarem em estudos teóricos e práticos, uma vez que, de um modo geral, era nos Estados Unidos que se encontravam “das maiores e melhores organizações técnicas do seu ramo”.21 Exemplos disso são instituições como o Massassuchets Institute of Technology (MIT), a Universidade do Wisconsin, e as firmas privadas General Electric e Allis-Chalmers Manufacturing, para onde os bolseiros portugueses foram estagiar e estudar. A bolsa da qual António Sousa da Câmara foi beneficiário, em 1948, exemplifica exatamente esta necessidade de os engenheiros portugueses se deslocarem aos Estados Unidos devido às condições precárias que encontravam em Portugal. No caso de Sousa da Câmara, a sua alta especialização em engenharia agronómica levou a que se considerasse que este poderia “tirar dum estágio em laboratório especializado no estrangeiro dotado de instalações, estudo de campo, material e bibliografia conveniente, um rendimento consideravelmente superior ao que poderia alcançar no nosso meio, desprovido de muitas instalações essenciais”.22

  • 23 AHC, Cota 0834/10, “Processo n.º 4548 António Augusto Ferreira da Cruz” (s.d.).

31Relativamente à área das Ciências Sociais e Humanas, os bolseiros partiam para os EUA para aprenderem as técnicas e métodos de organização das bibliotecas que “dispõe[m] de organização mais perfeita”,23 para lá difundirem a língua e a cultura portuguesa e, até, para lá lecionarem, ao nível do ensino superior, cursos de história de Portugal e da colonização portuguesa na Universidade da Califórnia, como foi o caso de Virgínia de Robertes Rau, conhecida historiadora portuguesa que se deslocou aos EUA durante seis meses no ano de 1950. A Biblioteca do Congresso, em Washington, a Universidade de Fordham e a Universidade da Califórnia foram os destinos dos bolseiros portugueses desta área das Ciências Sociais e Humanas.

  • 24 Ver respetivamente os seguintes documentos do AHC: Cota 0359/9, Pasta “Manuel Neto Murta”, Doc. 4 (...)
  • 25 AHC, Cota 0671/03, Pasta “Carlos Ferreira Madeira Cacho”, Documento 4, Parecer da 2.ª Secção da F (...)

32No que toca às Matemáticas, os portugueses requisitaram bolsas com destino àquele país para lá se prepararem para a elaboração da tese de doutoramento, para estudos de mercado, e para aperfeiçoarem o domínio das técnicas ao nível da amostragem estatística e de controlo de produção.24 No campo da Física, apenas Carlos Cacho beneficiou de uma bolsa para os EUA, para ali estudar Física Nuclear. Com início no princípio de 1949 e término em abril de 1952, Carlos Cacho partiu para os Estados Unidos – mais precisamente, para a Universidade de Chicago – com uma recomendação do então presidente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, pois lá poderia retirar grandes vantagens para o grupo de Física daquela faculdade e também porque seria uma mais-valia para o futuro do ensino da Física em Portugal.25

4. O retorno dos bolseiros

  • 26 A título de exemplo, João Bello de Morais tornou-se Diretor do Serviço de Medicina Operatória em (...)

33Analisemos finalmente o impacto do regresso dos bolseiros a Portugal, tendo em conta os relatórios finais desses mesmos bolseiros e também os cargos profissionais que eles vieram no futuro a desempenhar. No campo da medicina, apesar de muitos dos bolseiros não terem elaborado um relatório final de bolsa, percebe-se pelos existentes que o regresso dos bolseiros tinha a intenção de aplicar as técnicas e os conhecimentos adquiridos nos EUA para aperfeiçoar e desenvolver tanto o ensino como a própria prática da medicina em Portugal. O facto de vários dos bolseiros se terem tornado docentes universitários na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, como nos casos de Acácio da Cruz e Silva e João Bello de Morais, e também diretores de serviços e até diretores clínicos de alguns dos principais hospitais públicos portugueses comprova isso mesmo.26

  • 27 AHC, Cota 0635/09, Pasta “Coriolano Albino Ferreira”, Documento 1/3, Ofício enviado pelo Diretor (...)
  • 28 AHC, Cota 0635/09, Pasta “Coriolano Albino Ferreira”, Despacho do Ministro do Interior (s.d.).

34Coriolano Albino Ferreira, que foi bolseiro em 1952 e 1953 na Universidade de Berkeley, na Califórnia, deslocou-se aos Estados Unidos para lá fazer um curso de Administração Hospitalar, por causa dos “altos benefícios que a sua especialização trará para o problema hospitalar do nosso país, e, de uma maneira genérica, para a nossa autoridade assistencial”.27 De acordo com Joaquim Trigo de Negreiros, ministro do Interior em funções à data, “já é tempo de curar a sério este abandonado serviço público, pelo que patrocino com o maior interesse a concessão de uma bolsa de estudo que permita ao requerente frequentar cursos de administração hospitalar”.28 Em 1979, já no período da democracia portuguesa, Albino Ferreira viria a tornar-se secretário de Estado da Segurança Social do V Governo Constitucional, liderado pela primeira-ministra Maria de Lurdes Pintassilgo.

  • 29 AHC, Cota 1318/14, Pasta “António Pereira de Sousa da Câmara”, Documento 15/7, (s.d.).
  • 30 Assembleia Nacional, Diário das Sessões da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa, V Legisla (...)

35O regresso dos bolseiros da área das engenharias é um espelho quase exato dos de medicina. De um modo geral, os bolseiros regressaram a Portugal para se empenharem na modernização e atualização do ensino técnico e universitário e também no desenvolvimento da indústria portuguesa e no aperfeiçoamento das técnicas de agronomia e silvicultura utilizadas em Portugal. Veja-se António Wittnich Carrisso, bolseiro nos EUA em 1946 durante sete meses, que regressou a Portugal para ser professor catedrático no Instituto Superior Técnico. Entre as instituições para onde os bolseiros portugueses regressaram a fim de aplicar os conhecimentos e as técnicas aprendidas do outro lado do Atlântico estavam também a Estação Agronómica Nacional, a Escola Agrícola D. Dinis, a Escola Industrial Marquês de Pombal e a Escola Industrial Fonseca Benevides, todas situadas na região de Lisboa. Por exemplo, o caso do atrás falado bolseiro António Sousa da Câmara reflete a preocupação de que através “dessa colaboração se estreitariam as relações mais benéficas entre os organismos de investigação agronómica portuguesa e americana, trazendo para Portugal novas técnicas e novos métodos de trabalho nesta especialidade”.29 António Sousa da Câmara, antes de ter partido para os Estados Unidos, era já o presidente da Estação Agronómica Nacional e continuou a sê-lo após o seu retorno. Importa referir que Sousa da Câmara foi, na década de 1950, um dos principais opositores do “culto da improvisação” e defensor da criação de uma política científica nacional, afirmando na Assembleia Nacional que “a Nação reclama uma estrutura poderosa de investigação científica”.30

  • 31 Atualmente Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG).

36Nas ciências sociais e humanas, o regresso dos bolseiros acabou por se repercutir na reorganização de algumas bibliotecas e arquivos portugueses e no elemento já comum a todas as áreas científicas, o aperfeiçoamento do ensino destas áreas científicas em Portugal. Virgínia Rau, já atrás mencionada, foi para os EUA no ano anterior a ter sido aprovada no concurso de provas públicas para professora na Faculdade de Letras da Lisboa (FLUL), onde em 1952 atingiu a cátedra. Foi ainda fundadora e diretora do Centro de Estudos Históricos daquela faculdade, que também viria a dirigir entre 1964 e 1969. Nas matemáticas, o retorno foi tanto ao nível académico como profissional. Em grande parte, os bolseiros tornaram-se professores universitários no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF)31 e na Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra. Ao nível profissional, foi o Instituto Nacional de Estatística (INE) que beneficiou do regresso de um dos bolseiros, Joaquim de Morais, que voltou do outro lado do Atlântico com conhecimentos sobre as mais modernas técnicas de amostragem estatística, com o propósito de modernizar as técnicas utilizadas naquele instituto público.

  • 32 A Junta de Energia Nuclear foi criada pelo Decreto-Lei n.º 39 581 de 29 de março de 1959. Sob a d (...)

37Por último, no campo da física, temos o exemplo de Carlos Cacho, que seria ainda bolseiro do Instituto para a Alta Cultura na Universidade de Oxford, em Inglaterra, onde, em 1954, iniciaria o seu doutoramento. Acabaria por não o terminar pois, em outubro de 1954, seria convidado por José Frederico Ulrich, na altura presidente da recém-criada Junta de Energia Nuclear (JEN),32 para ser assessor da JEN no processo de aquisição do equipamento para o futuro Laboratório de Física e Engenharia Nucleares (LFEN), onde se planeava construir um reator nuclear de investigação. Cacho viria a presidir ao LFEN anos mais tarde, quando este entrou em funcionamento. Ainda em 1956, Carlos Cacho assumiria o cargo de físico de 1ª classe da JEN e, neste mesmo ano, integraria ainda uma comissão de estudo com o objetivo de ser analisada a possibilidade de construção de uma central nuclear para produção de energia elétrica no âmbito do II Plano de Fomento. O retorno e contributo de Carlos Cacho para o desenvolvimento da física em Portugal – principalmente no campo da energia nuclear – foi, sem dúvida, notável, tendo sido uma das principais personalidades no desenvolvimento da investigação científica nuclear em Portugal.

5. Conclusão

38Apesar de, durante o período analisado, os Estados Unidos da América nunca terem sido o destino preferencial dos bolseiros portugueses, esse país esteve sempre entre os dez primeiros destinos. Em todas as áreas científicas, os bolseiros e as instituições portuguesas tinham, de modo geral, interesse num aperfeiçoamento do ensino superior técnico e universitário e no aperfeiçoamento das indústrias e dos serviços em Portugal.

  • 33 AHC, Cota 0513/11, Pasta “António Gaspar Henriques”, Documento 1, Ofício enviado pelo Secretário (...)

39Numa tentativa de abordagem conceptual através da aplicação do conceito teórico de soft power a este caso em particular, percebeu-se que, do lado português, as instituições nacionais tinham mais o propósito de se desenvolverem técnica e tecnologicamente do que de aplicar o soft power em prol da imagem portuguesa no estrangeiro. Ainda assim, houve um número reduzido de bolseiros (mais na área das ciências sociais e humanas) que se deslocaram aos EUA para lá disseminarem a cultura portuguesa, tal como foi o caso de Virgínia Rau e de António Gaspar Henriques, sendo que este último acreditava até que a publicidade de Portugal e o ensino do português nos EUA necessitavam de um impulso a fim de se passar ali uma melhor imagem de Portugal.33

40Não quer isto dizer que o soft power não tenha sido exercido por ambas as partes. No panorama internacional, vários estudos avançam a tese de que as bolsas oferecidas pelo governo norte-americano tinham de facto esse objetivo – entre outros, claro. Veja-se o exemplo da política de intercâmbio cultural norte-americana para com a URSS, a qual Richmond Yale considera até ter preparado o caminho para a perestroika de Gorbachev e para o fim da Guerra Fria. Neste caso, Richmond, com recurso a um estudo interno do National Security Council, identifica cinco objetivos “encobertos” no intercâmbio cultural entre os Estados Unidos e a URSS: 1) aprofundar as relações com a União Soviética ao aumentar os contactos entre as pessoas e as instituições dos dois países; 2) envolver os soviéticos em atividades conjuntas de maneira a desenvolver atos de cooperação com os EUA; 3) terminar com o isolamento dos soviéticos, proporcionando a estes uma visão mais ampla do mundo; 4) melhorar a compreensão dos norte-americanos sobre a União Soviética através do contacto dos primeiros com as instituições e as pessoas; 5) e, por último, obter os benefícios de uma cooperação cultural, educacional e científica de longa duração com a União Soviética (Yale 2005, 62).

41Mais perto da realidade portuguesa de então, ainda que durante um período mais avançado na Guerra Fria, Oscar Martín García (2013) fornece uma outra perspetiva, a de uma diplomacia pública norte-americana falhada destinada aos estudantes universitários espanhóis. No seu estudo, Martín analisa vários programas de diplomacia pública criados pela Administração Johnson com o objetivo de projetar e fomentar uma imagem positiva dos EUA entre os estudantes espanhóis do ensino superior. As conclusões que retira desta sua análise são que os programas norte-americanos não foram bem-sucedidos pois o público-alvo espanhol, devido à presença militar dos EUA em Espanha e no Vietname, considerava as políticas norte-americanas ilegítimas.

  • 34 Para consulta do catálogo e dos fundos dos arquivos históricos norte-americanos ver https://www.arc (...)

42Através destes dois exemplos, percebe-se que os EUA tinham de facto uma política de “sedução” das elites estrangeiras com o objetivo de difundir uma imagem positiva dos ideais e da cultura daquele país. Percebe-se também que nem sempre terão sido bem-sucedidos nos seus intentos. Para o caso aqui analisado, em particular, o autor acredita que havia também esse propósito norte-americano de difundir os seus ideais perante as elites portuguesas. Porém, dois factos não permitem confirmar inteiramente tais ilações neste estudo: em primeiro lugar, durante o período aqui em questão, os EUA não tinham ainda um programa de bolsas e de intercâmbio com Portugal bem estabelecido, sendo a grande maioria dos bolseiros portugueses que se deslocam para os Estados Unidos da América financiados pelo IAC; em segundo lugar, não tendo este estudo analisado a documentação norte americana sob a guarda dos US National Archives and Records Administration,34 não podem assim compreender-se as verdadeiras motivações por parte das administrações norte-americanas.

43Por outro lado, percebe-se também que as bolsas de estudo oferecidas a portugueses para se deslocarem aos Estados Unidos não refletem inequivocamente uma política das chefias governamentais do Estado Novo, nem tão-pouco refletem as vontades da diplomacia e da política externa portuguesas de então, não havendo qualquer tipo de indicador nos números e nas vontades que reflita que a aproximação portuguesa à potência hegemónica emergente da Segunda Guerra Mundial resultou num aumento das bolsas de estudo para aquele país. Reflete, sim, os esforços de alguns indivíduos defensores do desenvolvimento científico português, numa tentativa de modernizar as instituições governamentais e desenvolver a economia, pois, apesar de a atribuição destas bolsas de estudo não ter trazido resultados imediatos mas sim resultados de médio/longo prazo, esta trouxe a modernização das técnicas de investigação, o aperfeiçoamento dos métodos de ensino e até a remodelação e a melhoria da organização de algumas dessas instituições. Inevitavelmente, acabou por contribuir também para o eventual quebrar do isolamento das comunidades culturais e científicas portuguesas, que, tal como afirma Tiago Brandão (2012b, 96), foi tão característico nas décadas de 50 e 60.

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Notas

1 Para leituras adicionais sobre esta abertura no escopo de análise da historiografia do período da Guerra Fria, ver Brier (2013) e Romero (2014).

2 É um argumento que tem vindo a ser desenvolvido ao longo da última década. Ver Scott-Smith (2008) e Adam e Lerg (2015).

3 Para maior detalhe sobre a adesão portuguesa ao Plano Marshall, ver Rollo (1994, 2007).

4 Para um maior aprofundamento sobre o processo de adesão de Portugal à NATO, ver Telo (1996) e Teixeira (1993).

5 Para maior aprofundamento sobre o conceito de soft power, ver Nye (1990, 2004 e 2011). Melissen (2005) desenvolve também o conceito teórico aplicado às Relações Internacionais. Já Parmar e Cox (2010) problematizam especificamente a utilização do soft power por parte de várias administrações norte-americanas.

6 Sobre a história da Guerra Fria, ver Painter (1999), Leffler e Westad (2008), Gaddis (2005), Paterson e McMahon (2008). Romero (2014) fornece ainda uma análise sobre os principais caminhos que a historiografia da Guerra Fria tem tomado e sobre as principais problemáticas com que terá que lidar no futuro próximo.

7 Para exemplos relativos à utilização do intercâmbio cultural e científico por parte dos EUA face à Espanha e à China, ver, respetivamente, Martin Garcia (2013) e Wang (2010). Por sua vez, John Krige (2016) foca-se no intercâmbio científico, mais concretamente nas áreas afins à investigação e desenvolvimento nuclear entre a Europa e os EUA nas décadas de 50 e 60, defendendo que o próprio intercâmbio serviu para os EUA darem nova forma à ciência europeia.

8 Ver a Lei nº 1941, Diário do Governo, I Série, nº 84, de 11 de abril de 1936.

9 Sobre a JEN, ver Rollo et al. (2011) e o diploma da sua criação – Decreto-Lei n.º 16 381, Diário do Governo, I Série, n.º 13, de 16 de janeiro de 1929.

10 Ver o Decreto-Lei nº 26 611, Diário do Governo, I Série, nº 116, de 19 de maio de 1936, que define a organização e competências da Junta Nacional da Educação. Para uma história longa dos vários organismos oficiais que, em Portugal, têm tido por objeto o fomento cultural e o intercâmbio cultural externo, desde a Junta de Educação Nacional ao atual Instituto Camões, ver Rollo et al. (2012).

11 Decreto-Lei nº 38 680, de 17 de março de 1952.

12 Nas suas mais recentes monografias, John Krige (2006 e 2016) tem vindo a desenvolver a tese de que os Estados Unidos, no pós-Segunda Guerra Mundial, apoiaram a reconstrução das estruturas e das redes científicas europeias também com o objetivo de as “americanizar”.

13 Francisco de Paula Leite Pinto (1902-2000) – licenciado em matemática e com o curso de engenheiro-geógrafo e o da Escola Normal Superior de Lisboa – foi sucessivamente deputado à Assembleia Nacional do Estado Novo (1938-1942), presidente da Comissão de Estudos de Energia Nuclear do IAC (1954) e da Junta de Energia Nuclear (1962), ministro da Educação Nacional (1955-1961), reitor da Universidade Técnica (1963-1966) e presidente da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (1967).

14 Gustavo Cordeiro Ramos (1888-1974), licenciado em Letras, foi ministro da Instrução Pública (1928-1929 e 1930-1933), diretor da Junta Nacional de Educação (1936) e presidente do IAC (1942-1964).

15 Decreto-Lei nº 26 611, Diário do Governo, I Série, nº 116, de 19 de maio de 1936.

16 Transcrição conforme o texto original. Todos os processos dos bolseiros continham um exemplar desta declaração devidamente assinada pelo próprio.

17 Oficialmente este programa de intercâmbio criado pelo Governo dos Estados Unidos da América teve origem no United States Information and Education Exchange Act of 1948. O texto da Lei do Smith-Mundt Act de 27 de Janeiro de 1948 está disponível online em http://www.state.gov/documents/organization/177574.pdf [consultado em 6 de novembro de 2016].

18 Arquivo Histórico Camões, Lisboa (doravante AHC), Cota 1476/21, Pasta “António de Sousa Pereira”, Documento 5, Despacho do IAC (1944).

19 AHC, Cota 1530/3, Pasta “António Henrique Balté”, Documento 3/5, Ofício enviado pelo Presidente da Câmara Municipal de Lagos ao Diretor do IAC (24 de agosto de 1945).

20 AHC, Cota 143/18, Pasta “Alberto de Morais Cerveira”, Documento 2/3, Carta registada enviada por Alberto Cerveira ao Presidente do IAC (s.d.).

21 AHC, Cota 0742/2, Pasta “António Franco Wittnich Carrisso”, Documento 8, Programa e finalidade do estágio a que António Carrisso se propunha (s.d.).

22 AHC, Cota 1318/14, Pasta “António Pereira de Sousa da Câmara”, Documento 15/7, (s.d.).

23 AHC, Cota 0834/10, “Processo n.º 4548 António Augusto Ferreira da Cruz” (s.d.).

24 Ver respetivamente os seguintes documentos do AHC: Cota 0359/9, Pasta “Manuel Neto Murta”, Doc. 40, Despacho do IAC (9 de agosto de 1949); Cota 0695/12, “Processo n.º 4345 Carlos Manuel Pinto Alves Martins” (s.d.); Cota 0469/5, Pasta “Joaquim José Pais de Morais”, Ofício enviado pelo Ministro das Finanças ao Ministro da Educação Nacional (5 de fevereiro de 1958); Cota 0478/2, Pasta “Fernando Vieira Gonçalves da Silva”, Doc. 1/2, Ofício do Diretor do ISCEF ao Presidente do IAC (2 de junho de 1950).

25 AHC, Cota 0671/03, Pasta “Carlos Ferreira Madeira Cacho”, Documento 4, Parecer da 2.ª Secção da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (s.d.).

26 A título de exemplo, João Bello de Morais tornou-se Diretor do Serviço de Medicina Operatória em 1955 e Diretor dos Serviços de Ortopedia do Hospital de Santa Maria em 1960 e António Henrique Balté tornou-se Diretor Clínico do Hospital de Lagos (Ferro 2002, 44).

27 AHC, Cota 0635/09, Pasta “Coriolano Albino Ferreira”, Documento 1/3, Ofício enviado pelo Diretor Geral da Assistência do Ministério do Interior ao Presidente do IAC (20 de fevereiro de 1951).

28 AHC, Cota 0635/09, Pasta “Coriolano Albino Ferreira”, Despacho do Ministro do Interior (s.d.).

29 AHC, Cota 1318/14, Pasta “António Pereira de Sousa da Câmara”, Documento 15/7, (s.d.).

30 Assembleia Nacional, Diário das Sessões da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa, V Legislatura (1949-1953), n.º 30, 15 de março de 1950.

31 Atualmente Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG).

32 A Junta de Energia Nuclear foi criada pelo Decreto-Lei n.º 39 581 de 29 de março de 1959. Sob a dependência direta da Presidência do Conselho, a JEN tinha como objetivo o desenvolvimento e o fomento da energia nuclear em Portugal. Sobre a sua história ver Oliveira (2002) e Taveira (2003).

33 AHC, Cota 0513/11, Pasta “António Gaspar Henriques”, Documento 1, Ofício enviado pelo Secretário do IAC ao Cônsul Geral dos EUA (4 novembro de 1944).

34 Para consulta do catálogo e dos fundos dos arquivos históricos norte-americanos ver https://www.archives.gov/research [consultado em 8 de abril de 2016].

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Índice das ilustrações

Título Gráfico 1. Número de bolsas anuais com destino aos EUA
Créditos Fonte: Arquivo Histórico Camões, Lisboa, Cota – 3279/1, Actas da Direcção do Instituto para a Alta Cultura; Cota – 2681/1, Livro de actas da Direcção do Instituto de Alta Cultura de 1948 a 1953.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/docannexe/image/2871/img-1.jpg
Ficheiros image/jpeg, 32k
Título Gráfico 2. Número de bolseiros distribuídos por área científica
Créditos Fonte: ver gráfico 1.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/docannexe/image/2871/img-2.jpg
Ficheiros image/jpeg, 30k
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Gonçalo Mineiro, «O envio de bolseiros portugueses para os EUA, 1945-1952»Ler História, 71 | 2017, 53-74.

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Gonçalo Mineiro, «O envio de bolseiros portugueses para os EUA, 1945-1952»Ler História [Online], 71 | 2017, posto online no dia 02 janeiro 2018, consultado no dia 16 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/2871; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.2871

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Autor

Gonçalo Mineiro

ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, Portugal

gjsmo@iscte-iul.pt

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