SILVA, Maria Aparecida de Oliveira. Plutarco historiador. Análise das biografias espartanas
SILVA, Maria Aparecida de Oliveira. Plutarco historiador. Análise das biografias espartanas. São Paulo, Edusp, 2006, 168p.
Texto integral
1O que foi ser historiador no período Greco-romano? Como se definiam os procedimentos, identificavam-se as fontes e se examinava o objeto? Perguntas como essas já não surpreendem demasiadamente o historiador moderno, ainda mais depois das obras hoje clássicas de Arnaldo Momigliano, Moses Finley, Jean-Pierre Vernant, Pierre Vidal-Naquet, Paul Veyne e François Hartog. Contudo, quando a questão focaliza a trajetória de indivíduos e não de coletividades (de uma época ou local), as ambigüidades persistem. É o caso, por exemplo, dos estudiosos da obra de Plutarco, ora vista como histórica, ora vista como literária, ora vista como filosófica ou moralista.
2De modo que é muito bem vinda a obra: Plutarco historiador, de autoria de Maria Aparecida de Oliveira Silva, originalmente apresentada como dissertação de mestrado à FFLCH da Universidade de São Paulo, sob os cuidados do professor Norberto Luiz Guarinello.
3Com alguns pequenos retoques, como é comum ao se transformar uma dissertação ou tese (apresentadas sob vários cuidados a uma banca de especialistas) num livro (voltado para um público amplo, e na maioria das vezes não especializado), que conta ainda com uma bela apresentação do professor Guarinello, que situa o período e o tema pesquisado, e esclarece ao leitor as contribuições oferecidas pela obra. Para ele: «como mostra a autora de Plutarco historiador, as vidas paralelas projetam o confronto entre gregos e romanos num passado pré-imperial, quando ainda existiam cidades autônomas e independentes. Os personagens cuja biografia Plutarco descreve – esta é a tese central e a grande originalidade deste livro – inscrevem-se, assim, na história de suas próprias cidades: Roma, por um lado, e as grandes cidades gregas de outrora, como Atenas, Tebas e Esparta» (p. 20).
4Na introdução a autora indica seu objetivo principal que «é demonstrar que além de Plutarco ter desenvolvido um trabalho de historiador na coleta, seleção e registro das informações colhidas, pensou a história de Esparta por meio da composição das biografias de espartanos ilustres, a saber: Licurgo, Lisandro, Agelisau, Agis IV e Cleômenes» (p. 23).
5O livro (tal como a dissertação) permaneceu dividido em três capítulos. No primeiro, «Biografia e História em Plutarco», destaca as ambigüidades sobre as interpretações que foram sendo construídas para a obra de Plutarco, das quais «a maioria dos estudiosos assent[aram] a ahistoricidade de sua narrativa, descaracterizando a finalidade de sua obra, associando-a à filosofia, à pedagogia, à retórica, à religião ou à literatura» (p. 35). De modo que procurou mostrar «aqueles que desqualificaram o conteúdo histórico das biografias», quanto aqueles que «pugnaram por sua prática de historiador». Começa por identificar quando ocorreram traduções completas de sua obra Vidas Paralelas: em 1385 surgia a de Juan Fernández de Heredia em aragonês; em 1559 a de Jacques Amyot em francês; em 1579 a de Sir Thomas North para o inglês, na qual toma como referência a tradução de Amyot. Observa que algumas confusões sobre o cunho histórico da obra ocorreram devido à forma como nas Vidas Paralelas Plutarco definiu história e biografia; enquanto outras se deviam a maneira como sua obra inspirou autores como William Shakespeare, em suas peças, Rousseau, em seus romances, como Émile, ou ainda, Voltaire e Montesquieu.
6Segundo sugere em seu argumento «em virtude de a obra biográfica ser vista como uma deformação da realidade os estudiosos analisaram-na e enfatizaram suas características filosóficas e literárias. Com isso relegaram ao esquecimento seus aspectos sociais e históricos» (p. 49). Por Plutarco levar em consideração que «havia em torno do biografado a sociedade que regulava e interferia no curso de sua história», e essa é a principal hipótese da autora, ao procurar «contextualizar as ações de suas personagens originou-se a escrita de um texto que poderíamos denominar histórico» (p. 50). Para tanto, a autora apoiou-se nas obras de Arnaldo Momigliano, tais como, A historiografia grega, O desenvolvimento da biografia na Grécia e As raízes clássicas da historiografia moderna, nas quais o autor ressaltava que Plutarco, tal como outros autores da Antiguidade, teriam escrito não a História, mas um tipo específico de história. Para a autora o tipo de história escrita por Plutarco teria sido diferente do conceito grego de História, por não ter abordado apenas assuntos relativos (ou diretamente relacionados com) à guerra. E isso teria ocasionado, juntamente com os fatores já indicados acima, uma aparente contradição nas interpretações que foram elaboradas sobre sua obra.
7No segundo capítulo, «A composição das biografias espartanas», a autora aprofunda seu argumento, identificando as principais fontes, obras e autores (há um interessante levantamento em pp. 78-84) que Plutarco teria se baseado para compor as Vidas Paralelas. E aqui está um ponto alto em seu texto, ao procurar estabelecer os possíveis diálogos que Plutarco teria cotejado. Para ela Plutarco estaria procedendo como historiador, por privilegiar as «ações públicas de suas personagens», tornar claro o «trabalho de pesquisa» e a «crítica das fontes», apresentar as «incoerências das interpretações que encontra», buscar novas fontes e interpretações, e «ainda na comparação que faz de eventos históricos semelhantes ocorridos em épocas diferentes, avaliando as ações de suas personagens e as conseqüências para a cidade que lhes confiou poderes» (p. 109).
8No terceiro e último capítulo, «A biografia de Esparta», por meio das biografias de Licurgo, Lisandro, Agelisau, Agis IV e Cleômenes, a autora indica que Plutarco demonstraria «o entrelaçar de causas e efeitos em sua interpretação dos eventos históricos de Esparta». Naquelas biografias, segundo a autora, encontrar-se-ia o «relato da história espartana desde o período arcaico até o helenístico». Assim, haveria uma cronologia, na ordenação daquelas biografias, permitindo se estabelecer «uma sucessão de acontecimentos que conferem continuidade à história espartana». Por isso seu objetivo neste capítulo foi «demonstrar a linha evolutiva que conduz a narrativa das biografias espartanas, bem como situar em seu relato os fatos que resultaram na decadência de Esparta» (p. 113). Tal como a trajetória de uma biografia incide em nascimento, vida e morte, assim procedeu a autora ao analisar, com base naquelas biografias, a história da cidade de Esparta. A autora chega a conclusão de que a singularidade da obra de Plutarco estaria «em registrar a história de Esparta em forma de biografias». Nas suas palavras: «Em suma, não há um princípio único a reger a história das cidades-estados. Cada uma delas, como cada biografado, é única e singular. Não há causas gerais, nem uma concepção cíclica da História constitucional, corrente na tradição grega mais clássica, de Platão a Políbio. O que há é uma história linear e única, que deriva da visão biográfica e, portanto, biológica que Plutarco tinha da história das cidades como pano de fundo essencial de suas vidas ( p. 151).
9Nesse sentido, a autora critica uma idéia, quase sempre corrente na historiografia antiga, segundo a qual na Antiguidade clássica os sujeitos históricos vislumbrariam apenas ciclicamente o tempo, a vida e a história. Para se concluir, deve-se ressaltar o cuidado editorial na diagramação da obra, mapas e quadros, indicando o alto nível profissional em que se encontram as editoras universitárias hoje no país, mais um motivo, além dos já destacados, para o leitor vir a conhecer este belo texto.
Para citar este artigo
Referência do documento impresso
Diogo da Silva Roiz, «SILVA, Maria Aparecida de Oliveira. Plutarco historiador. Análise das biografias espartanas», Ler História, 54 | 2008, 243-246.
Referência eletrónica
Diogo da Silva Roiz, «SILVA, Maria Aparecida de Oliveira. Plutarco historiador. Análise das biografias espartanas», Ler História [Online], 54 | 2008, posto online no dia 03 fevereiro 2017, consultado no dia 19 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/2447; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.2447
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