Maria Luiza Penna, Luiz Camillo, perfil intelectual
Maria Luiza Penna, Luiz Camillo, perfil intelectual, Belo Horizonte, UFMG, 2006, 708 páginas.
Texto integral
1Tese de doutoramento da filha do biografado, Luiz Camillo, perfil intelectual, é uma edição que comemora o centenário do nascimento de um homem multifacetado que deixou marcas nos planos culturais e políticos do Brasil das décadas de 30 a 50. Baseado na correspondência de Luiz Camillo com inúmeras personalidades, este estudo traça a vida de um intelectual brasileiro, permitindo ao leitor fazer uma viagem pela história do Brasil desde a sua descoberta, dadas as pesquisas do biografado, até à época contemporânea, em virtude da acção de Luiz Camillo que, de observador do passado, passa a figura actuante do seu tempo.
2Luiz Camillo foi um dos elementos de um grupo de mineiros onde, entre outros, se destacou Carlos Drummond de Andrade. A sua morte prematura, em 1953, com quarenta e nove anos de idade, fez com que o seu nome permanecesse numa penumbra que a sua filha procurou iluminar. Neste ponto se encontra a principal fragilidade deste trabalho de investigação: o leitor nunca consegue esquecer o binómio afectividade / objectividade. A autora vê essa proximidade como uma vantagem: «tenho a me ajudar, entretanto, o facto de que essas temporalidades me são relativamente próximas. É um passado ainda visitável, quase palpável. É um certo Luiz Camillo que eu conheci como filha…» (p. 73). Nós somos tentados a defender que a ligação familiar não é benéfica e pode mesmo ser prejudicial: é difícil ao leitor esquecer-se de que quem escreve é a filha. Não será, por exemplo, discutível a transcrição de uma carta destinada a Elza Malheiro de Oliveira, mulher de Luiz Camillo e mãe de Maria Luiza Penna (e que, portanto, não se insere na correspondência de Luiz Camillo) onde se define Luiz Camillo como um «nobre mineiro», «grande brasileiro» e «puro cristão» (p. 165)?
3Refira-se ainda a este propósito que a própria autora tem posições divergentes sobre as vantagens/prejuízos da proximidade com o biografado, como se depreende da afirmação: «a filha do biografado descobriu nele uma outra pessoa; os documentos embaralham a experiência advinda do convívio. O distanciamento atrapalha e, ao mesmo tempo, ajuda a compreender uma personalidade contraditória» (p. 156).
4Outro ponto que merece referência prende-se com o facto de Maria Luiza Penna ter optado por traçar o percurso de vida de Luiz Camillo com recurso quase integral à correspondência que este trocou com uma grande variedade de figuras, o que sendo uma opção metodológica interessante, dada a vastidão e riqueza do espólio epistolar do biografado, conduz, não raras vezes, à inclusão no texto de longos excertos que pouco contribuem para a compreensão do seu perfil intelectual.
5De salientar positivamente são as denominadas «considerações subjacentes» que constituem um conjunto de pequenos interessantes estudos que emergem do principal, nos quais Maria Luiza Penna produz reflexões sobre a correspondência como fonte de informação para historiadores e biógrafos (pp. 67-73); sobre o modo como o historiador deve encarar e questionar os documentos a partir dos quais fará história (pp. 153-165); sobre história e memória (pp. 213-223); e sobre o papel dos intelectuais na participação política (pp. 265-277).
6A obra de Maria Luiza Penna, além de resgatar da história uma figura que, apesar dos inúmeros projectos nunca concluídos, tanto contribuiu para o melhor conhecimento do passado brasileiro, colocando à disposição das gerações vindouras de historiadores brasileiros uma série de documentos que até então não se encontravam disponíveis no país, e que desempenhou o seu próprio papel na história contemporânea brasileira ao envolver-se directamente na queda do Estado Novo, constitui um retrato cultural, social e político da primeira metade do século XX brasileiro. Contribui ainda com reflexões interessantes sobre o papel dos intelectuais na política, a sua crónica dependência financeira relativamente ao Estado e sobre o ofício de historiador, que, segundo Luiz Camillo, não se deve limitar a repetir a relação de factos descobertos e referidos por outros, nem a investigar e a esclarecer pontos controversos, mas deve ser capaz de «relacionar causa e efeito, de explicar e interpretar o passado brasileiro ligando-o com a história do mundo ocidental» (p. 369). Através da correspondência analisada, acompanhamos a evolução do investigador fascinado com documentos, que se transforma em historiador, que os questiona, e vemos como o historiador interessado na pequena cidade natal alargou depois os seus interesses a todo o Brasil e dá novo salto, procurando estabelecer ligações entre a história brasileira com a do mundo em que esta se insere.
Para citar este artigo
Referência do documento impresso
David Castaño, «Maria Luiza Penna, Luiz Camillo, perfil intelectual», Ler História, 55 | 2008, 211-213.
Referência eletrónica
David Castaño, «Maria Luiza Penna, Luiz Camillo, perfil intelectual», Ler História [Online], 55 | 2008, posto online no dia 16 outubro 2016, consultado no dia 16 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/2305; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.2305
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