Uma estudiosa da África lusófona
Texto integral
1Durante trinta anos Jill e o seu falecido marido, Alberto Romão Dias, viveram num bonito apartamento, nas Amoreiras, com terraços floridos da parte da frente e nas traseiras e uma majestosa vista sobre o Tejo e a serra da Arrábida. O apartamento estava preenchido do chão até ao tecto com a maravilhosa biblioteca da Jill – e também com os cachimbos de tabaco que Alberto fumava quando era membro do governo, dirigente na Faculdade ou director de uma revista científica. Foi a biblioteca da Jill, dez anos depois do 25 de Abril, que utilizei para escrever a minha História de Portugal: uma perspectiva mundial que, agora na sua segunda edição, é dedicada à Jill e ao Alberto. Contudo, os livros não eram a única componente da biblioteca da Jill. Antes de trabalhar a tempo pleno na Universidade, Jill coleccionou postais antigos de cenas coloniais e explorou os alfarrabistas da parte alta da cidade – incluindo os tesouros da casa J. C. da Silva, na Travessa da Queimada. Entre os seus muitos projectos inacabados que a morte interrompeu, encontra-se um livro sobre as imagens imperiais e simbolismos africanos.
2A carreira profissional de Jill enquanto historiadora está largamente relacionada com o antigo Império Ultramarino Português. O seu Centro de Estudos Africanos e Asiáticos contribuiu de forma relevante para a afirmação do Instituto de Investigação Científica e Tropical até os superiores hierárquicos decidirem encerrálo, em 2007, pouco depois de Jill se ter retirado da direcção. O legado inclui trabalhos tão relevantes como «Os sons do silêncio», no qual o seu colega João Pedro Marques reinterpretou, de forma radical, a história colonial portuguesa de meados do século XIX e os papéis relativos de conservadores e de liberais na luta contra a exportação de escravos de Angola para o Brasil. Outros colegas seus de renome incluem Augusto Nascimento, cujo livro a sair em breve na edição inglesa sobre as políticas laborais no século XIX está já disponível numa edição portuguesa, e Aida Freudental que prosseguiu a investigação de Jill sobre a Angola do século XIX dando-lhe continuação para ao início do século XX na Nova História da Expansão Portuguesa. Planos para um único volume em inglês sobre a História de Angola eram ainda um sonho distante quando Jill morreu.
3O primeiro dos seus artigos académicos, inovadores e meticulosos foi publicado em inglês, num volume de 1976 do Journal of African History. Foi pioneira no estudo das sociedades crioulas que constituíam a fronteira cultural entre Portugal e África na bacia do Rio Cuanza. Vinte anos depois escreveu outro ensaio: «Quem eram os ambanquistas», como contribuição para o monumental volume por si própria editado, Construindo o Passado Angolano, que a Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses publicou no ano 2000. Jill planeou escrever e publicar outras das suas investigações iniciais, mas o destino decidiu de forma contrária. Teve, contudo, oportunidade de ler Pioneiros Africanos: caravanas de carregadores na África Centro-Ocidental entre 1850 e 1890, o trabalho de Beatrix Heintze, uma das suas discípulas e continuadora dos seus passos.
4As dimensões mundiais da perspectiva histórica ganharam realce devido à sua carreira no ensino da história da antropologia na Universidade Nova de Lisboa. À medida que foi crescendo em estatuto e em confiança, sem nunca perder a sua aparência e modos tímidos, progrediu até se tornar a dirigente do Departamento de Antropologia e fomentou a carreira de muitos jovens investigadores reconhecidos tanto em Lisboa como em outros lugares. Fora do mundo lusófono Jill é particularmente lembrada – não apenas em França como em outros países – pela sua edição e direcção dos vinte e dois números da Revista Internacional de Estudos Africanos. No mundo lusófono todos os académicos permanecerão para sempre gratos pelo seu meticuloso estudo académico sobre Angola, um país que Jill visitou pela primeira vez em 1973 e que sempre foi o seu primeiro amor. A prematura morte de Jill na Primavera de 2008 enlutou a comunidade académica não apenas na Europa e em África, mas também nas longínquas costas da América.
Para citar este artigo
Referência do documento impresso
David Birmingham, «Uma estudiosa da África lusófona», Ler História, 55 | 2008, 200-201.
Referência eletrónica
David Birmingham, «Uma estudiosa da África lusófona», Ler História [Online], 55 | 2008, posto online no dia 16 outubro 2016, consultado no dia 21 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/2296; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.2296
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