Comentário à recensão a: Leonor Freire Costa e Mafalda Soares da Cunha, D. João IV, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006
Texto integral
1Tendo havido a oportunidade de comentar a recensão de José Pedro Paiva a D. João IV, gostaríamos, antes de mais, de agradecer o cuidado com que a obra foi lida e sublinhar a pertinência de muitos dos reparos. Com efeito, é importante para a vitalidade da academia a apresentação pública de olhares cruzados sobre problemáticas e ideias que assim enriquecem a historiografia. É, pois, com este espírito que respondemos.
2Começando por questões mais gerais, afirma o autor que «esta obra é mais sobre o tempo de D. João IV do que uma biografia do rei». Concedemos que a necessidade de clarificar os contextos da acção do rei e as influências de algu- mas personagens na corte e no governo pudessem ter ofuscado a pessoa do rei. Mas a ideia que se pretendeu transmitir, e que se cruza com a falta de aptidões próprias do duque de Bragança em 1640 que assim aparece como refém do grupo de conjurados, é justamente que o duque-rei se deixou, não tanto ofuscar, mas sim conduzir por essas mesmas personagens: antes de 1640 (o que explica a sua mudança de posição política) e nos anos imediatos. Ora a ideia de que D. João IV teve um papel menor no processo de ruptura e na consolidação inicial do movimento em nada colide com o triunfo final da Restauração, como faz crer J. P. Paiva. Pelo contrário, reforça-a, uma vez que a ruptura política esteve longe de ser obra de um homem só. Também a afirmação de J. P. Paiva sobre a boa caracterização do grupo dos revoltosos contraria a ideia depois apresentada de que as motivações dos conjurados para a revolta não foram sequer «apressada- mente» analisadas. Afinal que mais óbvia motivação poderia haver para um grupo marginalizado das posições políticas dominantes que aspirar a detê-las?, ou seja, o «assalto» ao poder de que se fala?
3Outra ideia que parece ter ficado pouco clara na obra é a da evolução da aprendizagem política do monarca, já que JP Paiva considera serem «oscilações de análise». A nosso ver radicam de uma leitura, essa sim, «apressada» da frase que dizia que D. João se revelou activo na governação e na guerra após dois anos de tensões no centro de decisão política (p. 129). Ou seja, só a partir de 1643, e portanto não simultaneamente como o afirma J. P. Paiva, há uma mudança de estilo político em que o rei passa a tomar o controlo.
4Outras críticas pontuais decorrem de opções narrativas que J. P. Paiva julga menos oportunas. Serão discutíveis, mas são também irrelevantes, seja para a caracterização dos contextos, seja da personagem. Veja-se o exemplo da articu- lação entre os caps. 4 e 5: o ponto criticado é a localização do tema «conquista de apoios políticos internos» que a seu ver deveria estar no cap. 4 e não no 5. Por- quê, perguntamos nós? Outra situação respeita a referência alegadamente tardia da dimensão melómana do rei. Essa crítica não é verdadeira (vejam-se os caps. 2, 7 e 9), mas se porventura estivesse referida apenas no capítulo 9, qual era o problema? As obras têm forçosamente de seguir uma linha cronológica contínua? Se sempre foi melómano, era necessário referi-lo constantemente?
5Por tudo isto não compreendemos em absoluto que se diga que só nas últimas duas páginas do livro houve um «esforço» para «pensar D. João IV», su- pondo-se que tal decisão correspondeu a uma tomada de consciência tardia do problema da nossa parte e subsequente tentativa de remediação. Ora, que é ine- ludível existência de uma tese estruturadora do livro, comprova-se na própria re- censão. Primeiro, porque JP Paiva a sintetiza: «quanto ao rei, a tese de fundo…». Segundo, porque leu (e bem) o «epílogo» como uma «conclusão», prova da co- erência destas páginas com o corpo do livro. As conclusões não se confundem com enxertos desajeitados para remediar falhas. E se antecedesse o desenvolvi- mento condicionaria a liberdade do leitor para formular o seu juízo sobre a nossa interpretação da personagem.
Para citar este artigo
Referência do documento impresso
Leonor Freire Costa e Mafalda Soares da Cunha, «Comentário à recensão a: Leonor Freire Costa e Mafalda Soares da Cunha, D. João IV, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006», Ler História, 56 | 2009, 283-284.
Referência eletrónica
Leonor Freire Costa e Mafalda Soares da Cunha, «Comentário à recensão a: Leonor Freire Costa e Mafalda Soares da Cunha, D. João IV, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006», Ler História [Online], 56 | 2009, posto online no dia 15 outubro 2016, consultado no dia 11 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/2159; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.2159
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