Navegação – Mapa do site

InícioNúmeros56Críticas e debatesBouza, Fernando, D. Filipe I, Lis...

Críticas e debates

Bouza, Fernando, D. Filipe I, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Olival, Fernanda, D. Filipe II, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006; Oliveira, António de, D. Filipe III, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005

Federico Palomo
p. 246-252
Referência(s):

Bouza, Fernando, D. Filipe I, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005

Olival, Fernanda, D. Filipe II, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006

Oliveira, António de, D. Filipe III, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005

Texto integral

1Quando o visitante entra na Sala dos Capelos da Universidade de Coimbra, entre os elementos que decoram este representativo espaço, encontra uma galeria de retratos dos monarcas de Portugal, a maioria dos quais foram encomendados ao mestre Carlos Folch em 1655, tendo sido o resto elaborado já na centúria de 1800 e, ainda, nos primeiros anos do século passado. Ao percorrer as sucessivas imagens que compõem esta série, é notória a ausência dos reis que governaram Portugal e o seu Império entre 1580 e 1640. Uma natural disposição dos vários retratos fez com que, após a imagem do cardeal D. Henrique, se colocasse a tela que representa a figura de D. João IV, estabelecendo uma espécie de nexo ou vínculo directo entre ambas as personagens e apagando, de certa forma, a memória dos sessenta anos que mediaram entre os respectivos reinados. Na realidade, a galeria conimbricense não deixa de ser expressão do modo como o discurso político e historiográfico português, já desde o tempo da Restauração e, sobretudo, durante os séculos XIX e XX, foi construindo uma visão – de marcado teor nacional – do chamado período filipino, considerado uma espécie de parêntese alheia à própria história do reino e ao que deveria ter sido o seu curso normal.

2Não parece muito arriscado pensar que, quarenta ou cinquenta anos atrás, qualquer projecto biográfico sobre os reis portugueses, semelhante à colecção aqui analisada, teria provavelmente atribuído um espaço muito reduzido ou até inexistente ao estudo dos monarcas da dinastia de Habsburgo. Neste sentido, os três volumes em causa constituem uma prova eloquente das mudanças significativas que se têm verificado na historiografia das últimas duas décadas em relação à visão do Portugal filipino. Por um lado, é cada vez menos discutida a relevância do período e a pertinência do seu estudo; por outro, a investigação foi tecendo novas interpretações em torno da incorporação e integração do reino na Monarquia Católica, mais próximas dos parâmetros mentais e idelógicos que moldaram a cultura e a praxe políticas nos séculos XVI e XVII. Na realidade, o fenómeno não se pode desvincular nem da renovação – mais geral – experimentada no campo da história política da época moderna, nem do extraordinário interesse que, nesse âmbito, tem suscitado entre os historiadores o estudo da própria Monarquia Hispânica, dos seus actores, dos diferentes territórios que a constituíam, dos vínculos e estruturas que, de forma heterogénea, a articulavam, dos sentimentos de pertença que gerou e/ou reforçou, etc. Assim, o elenco dos historiadores que, desde a década de 1980, têm vindo a interessar-se e a (re)intepretar o Portugal dos Filipes começa a ser já muito avultado. Aos nomes de Fernando Bouza, Fernanda Olival e António de Oliveira, autores dos textos aqui apresentados, é preciso ainda juntar, entre outros, os de António M. Hespanha, Santiago Luxán, Diogo Ramada Curto, Joaquim Romero Magalhães ou João F. Marques, bem como os de Pedro Cardim, Mafalda S. da Cunha, Jean-Frédéric Schaub, Rafael Valladares, José P. Paiva ou Félix Labrador. Em boa medida, os contributos de todos eles constituíram uma sólida base bibliográfica e interpretativa para a elaboração das três biografias em análise, construídas, no entanto, em função de critérios e perspectivas que, como se expõe na sequência destas linhas, foram diferentes em cada volumes.

3Elaborado por um especialista em Filipe I, sobejamente conhecido nos meios académicos lusos pelos seus escritos sobre a cultura política do Portugal hispânico, o livro de Fernando Bouza foge acertadamente de uma organização temática que, estabelecida editorialmente, nem sempre parece a mais adequada para uma abordagem metodologicamente inovadora do próprio género biográfico. O autor prefere assim uma articulação dos capítulos em torno de três partes principais que incidem diferentemente na figura do monarca e no seu reinado: «D. Filipe I: vida ou história»; «D. Filipe I na História e na História de Portugal»; «D. Filipe I e o ofício de rei: majestade, opinião, gosto e cultura».

4Com a erudição que é habitual nos seus trabalhos, Bouza, num primeiro momento, não só recorda as variadas opiniões que, ao longo dos séculos, o soberano suscitou entre os historiadores, como, sobretudo, sublinha a relevância política do reinado filipino, evidenciando determinados traços de modernidade que nele se adivinham, tais como o reforço simbólico da autoridade régia, o desenvolvimento dos mecanimos burocráticos do poder, o confessionalismo, o uso da tipografia e da propaganda, entre outros. São aspectos que, em muitos casos, se tornariam visíveis nas próprias iniciativas que o monarca desenvolveu quando, em 1578, se abriu a questão da sucessão ao trono dos Avis. Como não podia deixar de ser, o problema que então se colocou na Europa e o modo como ele acabou por ser resolvido, em favor de Filipe I, é central na exposição do autor. Para este efeito, recupera e reelabora com perspectivas novas uma parte da investigação que lhe serviu de base para o trabalho Portugal en la Monarquía Hispánica (1986), obra ainda hoje inédita, mas que se tornou uma referência essencial para entender o Portugal dos Filipes e as condições que levaram à integração da Coroa portuguesa na Monarquia católica.

5As opiniões coetâneas, os argumentos e os interesses políticos e económicos que fundamentaram ou contestaram as aspirações de Filipe de Habsburgo, são assim objecto de uma análise que não se reduz nem às questões jurídicas que envolveram a disputa sucessória, nem à dimensão militar que teve o processo. Face às leituras que tradicionalmente fez a historiografia, Bouza destaca o carácter negocial que, em paralelo à actividade propagandística e à própria intimidação bélica, sustentou toda a estratégia do monarca hispânico. Através dos vários documentos que o poder filipino foi propondo ou outorgando, são analisadas as sucessivas fases e alterações que a negociação política experimentou desde 1578, concretizando-se, finalmente, nas Patentes que resultaram das Cortes de Tomar, em 1581. Sem deixar de sublinhar as opiniões de quem se opôs à eventual proclamação de um soberano que não era natural do reino, o autor indaga igualmente as posições de muitos portugueses – mais do que caberia pensar – que defenderam a candidatura filipina. Se, para eles, esta escolha nem sempre era a mais desejada, parecia ser, pelo menos, a mais conveniente ou, até, a única viável na conjuntura delicada em que o reino se encontrava. Bouza interroga-se, portanto, acerca das vantagens concretas e das expectativas (também dos temores) que, com a ajuda da propaganda, gerou a candidatura filipina entre determinados grupos da sociedade portuguesa, nomeadamente entre uma nobreza que aspirava a igualar-se em privilégios jurisdicionáis à aristocracia castelhana, um clero que buscava manter a sua posição de poder e uns homens de negócios e, em geral, um terceiro estado que esperava ver alargadas as suas possibilidades de comércio na Península e na América espanhola, bem como a diminuição da fiscalidade régia e o fim do problema do abastecimento de cereal no reino.

6Com efeito, a análise destas utilidades ou vantagens permite entender melhor o sentido dos privilégios estabelecidos no chamado Estatuto de Tomar, através do qual, como salienta o autor, se definiriam os termos da incorporação de Portugal a uma Monarquia como a Hispânica, configurada como uma agregação de reinos e territórios vinculados por laços dinásticos, que conservavam os seus particularismos politicos e jurídicos. Neste sentido, o exclusivismo lusitano é apontado, precisamente, como o elemento fundamental na arquitectura que sustentaria a integração de Portugal nos domínios de Filipe I, reservando para os naturais todos os ofícios do governo e da administração no reino e no império (justiça, fazenda, governo local, casa real), bem como os senhorios, as comendas das ordens militares, os benefícios eclesiásticos, etc. Era este exclusivismo o que, em última análise, garantia a conservação de Portugal como reino diferenciado, herdado e não conquistado, sendo igualmente essencial na configuração do poder delegado (vice-reis e governadores) que o Estatuto de Tomar consagrou face a perspectiva – bem real – da futura ausência do monarca. Para este mesmo efeito, criava-se um conselho junto do rei que, em exclusivo, devia tratar com ele os assuntos portugueses, propiciando visibilidade e reconhecimento, na corte, ao estatuto reínicola e autónomo de Portugal. Após a análise de outras questões que se incluiriam nas patentes de Tomar (conservação de todos os ofícios e instituições da Coroa, presença – sob o argumento da necessidade – das tropas castelhanas, privilégios reconhecidos aos três estados representados nas Cortes), esta parte do livro ainda dedica um breve capítulo ao período que se seguiu à saída do soberano de Portugal, em 1583. A análise do vice-reinado do cardeal Alberto da Áustria e do poder colegiado que o substituiu em 1593 permite assim entender as orientações que, na prática, determinaram a primeira governação filipina em Portugal, até à morte do monarca, em 1598.

7À imagem que Fernando Bouza constrói em torno da figura de Filipe I como rei de Portugal, segue-se um perfil bem diferente que, elaborado com base nas perspectivas da história cultural, diz respeito à visão do soberano no exercício do seu ofício. Interessa ao autor, em primeiro lugar, sublinhar os processos e mecanismos que o próprio Filipe I utilizou para a contrução de uma determinada imagem da majestade régia, entendida como elemento que, nas sociedades modernas, assumia um valor constitutivo de representação de uma comunidade política específica, a qual, sem outro meios que lhe permitissem ter expressão, se identificava na imagem e na visão do monarca. Neste sentido, a corte e o ritual seriam habilmente utilizados pelo soberano em favor de uma imagem de rei oculto que, indirectamente, lhe permitiria fortalecer o seu poder. Ao mesmo tempo, contribuiria para uma visibilidade diferente, escrita, que se concretizou em milhares de anotações de própria mão, deixadas em inúmeros papéis e consultas, revelando, por um lado, a intensa actividade leitora e escritora que marcou os modos de trabalho de Filipe I; por outro, as mudanças de peso que, com traços de indiscutível modernidade, introduziu nas formas do despacho. Sem esquecer a análise das múltiplas opiniões negativas (e das suas motivações) que, como elemento inerente ao ofício de rei, o monarca suscitou entre os seus própios súbditos, o autor encerra esta última parte deste magnífico trabalho através da abordagem das empresas e os consumos culturais que marcaram a vida do soberano. Para além dos usos políticos que as tais empresas habitualmente tinham, Bouza insiste em salientar a curiosidade e o verdadeiro gosto que Filipe I sempre mostrou em relação às diferentes formas do saber e da realização artística. Neste sentido, recorda intervenções arquitectónicas lisboetas, como as realizadas em São Vicente de Fora e no Paço da Ribeira. Porém, centra a atenção nas iniciativas vinculadas à construção do mosteiro-palácio de São Lourenço de El Escorial. Destaca o significado e as funções que encerraria a constituição da real biblioteca que aí mandou instalar, sem esquecer alguns dos projectos editoriais que financiou, bem como a sua faceta coleccionadora e o mecenato desenvolvido entre um bom número de artistas do seu tempo.

8Das três biografias que analisamos, a de Filipe II (1578-1621) é, com certeza, a que maiores dificuldades oferece, sendo o monarca que menor interesse tem suscitado na historiografia portuguesa (apenas se contava com a monografia de Gaillard sobre o governo de Salinas) e entre os historiadores espanhóis. Em geral, a imagem do soberano e a compreensão do reinado, marcado pela presença do Duque de Lerma, têm estado determinadas por visões negativas e estereótipos de longa data, que só começaram a ser revistos nos últimos anos, através dos trabalhos de historiadores como Antonio Feros, Bernardo García ou Paul Allen. As novas interpretações em torno da instituição do valimiento, sobre a figura de Lerma e sobre as orientações do seu governo constituem assim uma base fundamental para o estudo de Fernanda Olival, que se irá tornar, sem dúvida, um texto de referência. A análise que a biografia desenvolve – deve ser sublinhado – assenta aliás num extraordinário trabalho de arquivo, realizado sobre um conjunto notável de fontes inéditas, conservadas em diferentes acervos portugueses e espanhóis. Neste sentido, a autora não só recorda a necessidade de combinar o recurso aos documentos portugueses, hispanos e italianos para desenvolver uma reflexão mais completa do período dos Filipes. Insiste ainda na pertinência de considerar o conjunto da Monarquia, das suas instituições e conjunturas, de modo a colocar num quadro mais abrangente as questões que afectam particularmente a Portugal e os seus domínios.

9Com efeito, o equilíbrio entre a abordagem das dinâmicas políticas do reino e o olhar sobre a situação que, a cada momento, definia as estratégias gerais da Monarquia, faz-se patente desde os primeiros capítulos do livro, consagrados ao estudo dos aspectos relativos à infância do monarca, à sua formação e à sua chegada ao trono, em 1598. A atenção dada ao mundo da corte espanhola, permite à autora frisar as escolhas e os actores que determinaram a educação do príncipe, bem como a sua tardia iniciação nas práticas de governo, fortemente tutelada pelo português Cristóvão de Moura e pelo cardeal Alberto de Áustria. Ao mesmo tempo, os contextos áulicos servem para mostrar a reconfiguração que se produziu nas esferas do poder com o novo reinado, caracterizada pela posição estratégica que Lerma assumiu no serviço palaciano e no governo da Monarquia, em detrimento dos principais ministros do antigo soberano. Foi o caso do próprio Moura, que viu a sua capacidade de influência drasticamente diminiuda, embora continuasse a desempenhar funções de grande peso, nomeadamente nas instituições que intervinham no governo de Portugal. A figura dele revela-se incontornável na leitura que Olival oferece sobre a administração política do reino luso durante o reinado de Filipe II, analisada num extenso capítulo – o VII – que é, sem dúvida, o que encerra maior interesse do ponto de vista historiográfico. A autora oferece uma completa panorâmica do período, incorporando ao seu discurso várias das questões suscitadas nos debates mais recentes sobre a Monarquia Hispânica e os seus territórios. Centra assim a análise nos instrumentos que articulavam a comunicação entre o reino (e os súbditos) e um soberano ausente. Neste sentido, não só descreve o quadro dos vários agentes e instituições políticas da época, com destaque para o papel e as funções dos vice-reis e do Conselho de Portugal. Aponta ainda para o teor reformista que adoptaram algumas das iniciativas do poder régio neste campo e reconstrói brilhantemente a complexidade que encerrava o despacho dos assuntos e requerimentos ao soberano no quadro da cultura burocratica do Portugal hispânico (e do seu Império). Deste modo, salienta a pluralidade de instâncias que intervinham na tomada de decisões, quer no Paço em Lisboa, quer numa corte castelhana, onde o acesso ao soberano estava fortemente controlado pelo valido. A análise completa-se através da acção dos sucessivos vice-reis, das motivações políticas e estratégicas que os levaram a desempenhar esta função e dos problemas que tiveram de enfrentaram nas primeiras duas decadas do século XVII (perdão aos cristãos-novos, intervenções nas finanças régias, presença de tropas castelhanas). Evidencia-se as dificuldades que, a cada momento, suscitou a escolha de quem havia de ser o alter ego do rei num território políticamente sensível. Lembra-se assim o recurso frequente aos prelados do reino, bem como a dupla nomeação de Moura, e sublinha-se a opção pelo castelhano conde de Salinas, contrária aos privilégios de 1581 e abertamente contestada. A evocação deste último permite à autora levantar uma questão final – em certos aspectos mais controversa –, relativa aos complicados equilíbrios que, marcados pelo particularismo lusitano, determinaram as relações entre portugueses e castelhanos durante o reinado de Filipe II. Se o livro destaca a escassa integração dos súbditos lusos do sobernano nos circuitos da Monarquia e no seio de uma corte cada vez mais castelhanizada, ao mesmo tempo sublinha a notória presença de castelhanos em certas instituições, como as Juntas da Fazenda, que, criadas ex novo na corte e no próprio reino, responderiam ao intuito de promover reformas no controlo sobre as finanças régias. Quebrava-se assim (por uma questão de confiança?) um exclusivismo reínicola, que não seria contrariado do mesmo modo em relação a iniciativas semelhantes que se desenvolveram no âmbito da Justiça. Por fim, Fernanda Olival encerra o estudo com três capítulos, nos quais analisa o período final do reinado de Filipe II, desde as mudanças que se operaram no seio da corte, propiciando o afastamento final de Lerma, até à morte do soberano, pouco tempo depois do regresso da viagem que fez a Portugal, em 1619. A sempre adiada visita do monarca ao reino, tradicionalmente bem estudada, merece aqui uma esmerada atenção da autora, que lhe dedica uma análise pormenorizada, na qual conjuga acertadamente as dimensões políticas da jornada, os factores económicos que permitiram a sua realização e os elementos de carácter cultural e propagandístico que envolveram a presença do soberano em Portugal.

10Em relação à biografia do terceiro dos Filipes, a autoria é responsabilidade de quem bem conhece o tempo que antecedeu à crise de 1640 e os factores que a propiciaram. Não é por caso que António de Oliveira pertence a uma geração de historiadores que, nos anos 1970-80, se interessou decididamente pelo estudo das revoltas políticas e sociais no perído moderno, favorecendo, em parte, a reflexão que se desenvolveu em torno dos contextos da crise que viveu a Monarquia Católica em meados do século XVII. A produção historiográfica acabou assim por transformar progressivamente a percepção do reinado de Filipe IV de Espanha, de quem fora o seu ministro principal, o conde-duque de Olivares, e dos projectos que animaram a acção política deste último, até 1643. Os nomes de Elliott, Stradling, Alcalá-Zamora, Jover, Domínguez Ortiz, entre outros, são bem conhecidos e constituem referências incontornáveis para qualquer abordagem sobre o monarca hispânico.

11O domínio sobre a literatura produzida nos últimos trinta anos, com efeito, torna-se patente no livro de António de Oliveira. Na realidade, é a biografia que de forma mais clara aposta numa perspectiva centrada na figura do monarca, na sua personalidade e nos seus entornos mais próximos. Ao invés, a história política do período assume um peso relativamente menor na economia do texto. Contudo, não deixa o autor de frisar brevemente o papel de Olivares na construção e projecção da imagem do monarca, chamando a atenção para o teor belicista e reputacionista que o valido imprimiu à estratégia exterior da Monarquia, bem como para o reformismo que, no interior, inspiraria a projectada união dos reinos e a mais concreta união de armas. Este quadro inicial serve de ante-sala para uma série de capítulos que, sobretudo, visam reconstruir o quotidiano do soberano. Aos aspectos relacionados com os gostos literários de Filipe III e com o seu envolvimento no despacho dos assuntos de governo, segue-se a análise sobre os aspectos mais intimos e familares. Casamentos e amorios, bem como a importância política da sucessão, precedem o olhar sobre algumas figuras de relevo (até político), como a raínha Isabel de Bourbon e o príncipe herdeiro Baltasar Carlos, morto em 1646. Ao mesmo tempo, são descritos os diferentes espaços que habitou o monarca (Alcázar, Buen Retiro, Zarzuela, etc.), as suas variadas formas de público recreio (caça, festas, teatro) e a sua participação em determinadas celebrações religiosas.

12Antes de concluir o estudo, Oliveira consagra algumas páginas às implicações que o reinado de Filipe III e a acção de Olivares tiveram em Portugal e no seu Império. Destaca o papel dos cristãos-novos portugueses no financiamento da Monarquia, o peso que o Brasil assume no quadro de um Império cada vez mais ameaçado e as crescentes obrigações fiscais que, no âmbito exterior, impôs a política de reputação de Olivares, favorecendo surtos de constestação, como os levantamentos originados em Évora, em 1637. Ao lado das considerações que aponta em torno destas revoltas, o autor ensaia ainda uma breve reflexão sobre o vice-reinado da Duquesa de Mântua (1634-1640) e o papel que, em Madrid e Lisboa, desempenharam Diogo Soares e Miguel de Vasconcelos no governo de Portugal. Salienta o descontentamento que se gerou entre alguns membros da nobreza portuguesa e, finalmente, incide na conjura do 1.º de Dezembro e no conflicto que se prolongou até 1668. O discurso centra-se assim em questões que António de Oliveira domina e às quais, como foi referido, tem consagrado uma boa parte da sua investigação ao longo dos anos. Neste sentido, cabe apenas lamentar que o autor, na sequência dos seus trabalhos e dos contributos recentes de Bouza, Schaub ou Valladares, não tenha dedicado maior espaço à análise destes aspectos e, em geral, das condições que, do ponto de vista da cultura política da época, marcaram o reinado de quem foi o último monarca Habsburgo de Portugal.

13Com efeito, 1640 marcaria o final de um período que, como se apontava no início destas páginas, foi ignorado durante muito tempo pela historiografia, mas que tem vindo a ser objecto de uma salutar renovação. Se a própria inclusão dos soberanos hispânicos nesta galeria biográfica dos reis portugueses é sintomática neste sentido, os volumes analisados, como se indicou, são resultado directo dessas mudanças no discurso historiográfico. Como tentámos mostrar, os três estudos respondem a visões diferenciadas em torno do Portugal hispânico, mas recolhem e reflectem o que de melhor foi feito neste campo, contribuindo, ao mesmo tempo, em muitas das suas reflexões, para uma melhor compreensão de um tempo que foi fulcral para a história moderna portuguesa.

Topo da página

Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Federico Palomo, «Bouza, Fernando, D. Filipe I, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Olival, Fernanda, D. Filipe II, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006; Oliveira, António de, D. Filipe III, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005»Ler História, 56 | 2009, 246-252.

Referência eletrónica

Federico Palomo, «Bouza, Fernando, D. Filipe I, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Olival, Fernanda, D. Filipe II, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006; Oliveira, António de, D. Filipe III, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005»Ler História [Online], 56 | 2009, posto online no dia 15 outubro 2016, consultado no dia 23 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/2078; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.2078

Topo da página

Autor

Federico Palomo

Universidad Complutense (Madrid)

Topo da página

Direitos de autor

CC-BY-NC-4.0

Apenas o texto pode ser utilizado sob licença CC BY-NC 4.0. Outros elementos (ilustrações, anexos importados) são "Todos os direitos reservados", à exceção de indicação em contrário.

Topo da página
Pesquisar OpenEdition Search

Você sera redirecionado para OpenEdition Search