Coelho, Maria Helena da Cruz, D. João I, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Duarte, Luís Miguel, D. Duarte, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Gomes, Saul António, D. Afonso V, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006; Fonseca, Luís Adão da, D. João II, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Costa, João Paulo Oliveira e, D. Manuel I, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Buescu, Ana Isabel, D. João III, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Polónia, Amélia, D.Henrique, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Cruz, Maria Augusta Lima, D. Sebastião, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006
Coelho, Maria Helena da Cruz, D. João I, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005
Duarte, Luís Miguel, D. Duarte, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005
Gomes, Saul António, D. Afonso V, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006
Fonseca, Luís Adão da, D. João II, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005
Costa, João Paulo Oliveira e, D. Manuel I, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005
Buescu, Ana Isabel, D. João III, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005
Polónia, Amélia, D.Henrique, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005
Cruz, Maria Augusta Lima, D. Sebastião, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006
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Introdução e justificações
1Em Janeiro de 1927 a Livraria Sá da Costa-Editora / (De Augusto Sá da Costa & C.ª) / Largo do Poço Novo 24, / 2 Trav. Do Convento a Jesus, 6 / Telef. Trindade 384 / LISBOA» fez imprimir os «Quadros sinópticos Histórico-Literários de Portugal / I / CHEFES DE ESTADO / SEUS RETRATOS E FACTOS NOTAVEIS DA SUA ÉPOCA».
2Os «Quadros», como neles se escreve, foram coordenados pelo «Dr.António Baião» (1878-1961) e pelo «Dr. P. M. Laranjo Coelho» (1877-1969) e, uma vez «intertelados» e estendidos entre duas pequenas ripas de madeira, devidamente preparadas, policromadas e envernizadas num marmoreado em castanhos, antecedido de um friso dourado, seriam pendurados nas Escolas Primárias tornando-se num dos materiais escolares de todo o período do Estado Novo.
3Os «Quadros» eram mais para ser olhados do que lidos, daí o cuidado gráfico em encontrar o «retrato» de cada um dos «Chefes de Estado». Esse retrato é antecedido de um título, com variantes, «Dinastia Afonsina ou de Borgonha (1139-1383)», «Dinastia Joanina ou de Avis (1383-1580)», «Dinastia Filipina (1580-1640)», «Dinastia de Bragança (1640-1910)» e «Regime Republicano». O «retrato», tendo por base gravuras tardias ou fotografias imediatas, apresentava-se em forma ovalada, antecedido do nome do Rei, tendo entre parênteses rectos o «cognome», ou do Presidente da República, ladeados, à esquerda e direita do observador/aluno, da data de início e de término do seu período de poder, por herança ou por eleição. Deixava-se, em seguida, para um corpo tipográfico muito reduzido, um texto que contém os «factos notáveis». Neste «quadro» do poder central, a memorizar sequencialmente pelas crianças, o que interessava, tal como os «retratos» mais ou menos simulados e identitários recuperados, eram as linhas de escrita de flagrante evidência, tão flagrante quanto eram desejáveis as suas memorizações. As dinastias, os nomes, os cognomes, as datas.
4Quando no início do século XXI se avança para uma Colecção de monografias denominada «Reis de Portugal», tendo cada volume por título o nome de um dos Reis, seguido da referência onomástica sequencial no poder e fazendo-se constar expressamente na lombada de cada livro o número da dinastia, tem de ser muito diferente o que se procura e propõe. Muito diferente, convenhamos que sim, mas com uma tónica de diferença comum ao conjunto agrupado em dinastias, e como tal exteriorizado cromaticamente? Quer dizer, o que deve o leitor esperar destes livros? biografias? histórias de vida? histórias de conjuntura narrada a partir da pessoa do Rei? ou, simplesmente, uma história de Portugal por reinados, em que o Rei só é pessoa enquanto detentor de poder? Afinal, que corpo do Rei se estuda nesta Colecção, mais precisamente, como desenhou cada um dos historiadores os corpos do seu Rei?
5É que, bem vistas as coisas, não é nada fácil o género biográfico, nem é fácil, nem de resposta imediata no que à produção de conhecimento da História diz respeito. Senão, atentemos apenas em algumas das questões que aquele encerra e que nos podem ajudar a melhor compreender, e dar a compreender, o trabalho que oito historiadores contemporâneos realizaram em torno dos Reis da II Dinastia, a de Avis.
- 1 Marc Bloch, Introdução à história, Lisboa, Europa-América, 1997, pp. 88-89.
6Em 1949, num já clássico do século XX, Marc Bloch chama a atenção para o facto que «o objecto da história é por natureza o homem. Melhor: os homens. (...). É ainda muito vago. Temos de acrescentar: ‘dos homens no tempo’»1. O homem, os homens! as biografias, daquele, de alguns, de muitos, é aqui que tudo tende a começar a variar! Afinal, como fazer história sem deixar passar na narrativa o correr dos dias daqueles que tiveram nome e deixaram esse nome registado ou se registaram, daqueles que tiveram nome e só os historiadores o descobriram, daqueles que tiveram nome e por ele nunca serão historicamente chamados? Perguntas de fundo, questões de adequação do objecto e dos métodos, do inquérito e das categorias das respostas que aqui, agora, nos ultrapassam. Da validade histórica da biografia e das suas variabilidades não temos dúvidas e, por aí, também não as temos da extrema importância da Colecção «Reis de Portugal» e, de entre eles, as daqueles que aqui nos coube analisar.
7Porque esta dúvida não existe e pelo respeito que nos merecem os historiadores que trataram a II Dinastia deixaremos correr, neste início de texto, alguns exemplos dos nossos gostos e preferências por determinadas biografias, cientes que estas nos marcaram na proposta de leitura que apresentaremos.
8Os gostos da fruição literária misturam-se com áreas de estudo, com a múltipla oferta editorial de romance histórico biográfico, com a simpatia por determinadas formas de escrita. Por ordem alfabética, que não qualquer outra, ler, reler, ou quando ainda possível, esperar a edição de novas leituras em que o traçado biográfico é marcante, nascidas do saber literário de Eça de Queirós, Fernando Campos, Júlio Dinis, Marguerite Yourcenar, Mário Cláudio e Miklós Szentkuthy são-nos bons momentos de tranquila e preguiçosa forma de estar.
9Mas os gostos, complexificados por exigências metodológicas, de pesquisa e crítica documental, de compaginação historiográfica e actualização de problemáticas e discurso, também existem para o corpo das biografias que são estudo de dimensão histórica.
- 2 Lucien Febvre, Martinho Lutero. Um destino, Lisboa, Bertrand, 1976 (1.ª ed. 1927).
- 3 Jacques Le Goff, S. Francisco de Assis, Lisboa, Teorema, 2000; reunião de quatro textos de 1967, 19 (...)
- 4 Georges Duby, Guilherme, o marechal. O melhor cavaleiro do mundo, Lisboa, Gradiva, 1986; 1.ª ed. 19 (...)
10Agrada-nos sempre reler o Lutero de Lucien Febvre, pela sua capacidade de fazer história de época com a vida do indivíduo2; pela mão de Le Goff ver crescer as certezas e dúvidas em torno de Francisco de Assis e das suas fracas bases de acesso documental3; e deixar que o conhecimento de um tempo e configuração social permita desvendar um achado documental que fez Duby construir a biografia de um cavaleiro com o nome de Guilherme4.
- 5 Carlo Ginzburg, O queijo e os vermes. O cotodiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisi (...)
- 6 J. H Elliott., El Conde-Duque de Olivares. El político en una época de decadência, Barcelona, Edito (...)
- 7 Peter Burke, A construção de Luís XIV, Lisboa, Caleidoscópio, 2007.
- 8 Jacques Revel, «Maria Antonieta», in A invenção da sociedade, Lisboa, Difel, 1990.
11Três exemplos, que não podem fazer esquecer outros quatro exercícios hoje fundamentais, pelo menos para quem estuda os tempos modernos. Em 1976 Carlo Ginzburg escreve a vida do moleiro Menocchio, a partir de base documental complexa e de forte exigência crítica, estabelecendo relações de aproximação e contradição pouco acentuadas, até ali, entre o indivíduo e a conjuntura, as ideias, o tempo e as grelhas sociais ou utópicas. Procurava dizer-se algo novo5. John Elliott consegue, dentro de uma matriz bastante clássica, dominar o suficiente a história da vida de Olivares para, em 1986, escrever um texto magistral em que o percurso de vida é o percurso do poder do valido e do Rei, em que os Guzmán dão corpo ao Conde-Duque e este se confunde com os territórios. A biografia aclarou e levou até compreensões insuspeitas ou inexplicadas a antropologia histórica dos poderes6. Em afirmação menos territorial e de pragmática de poder, mas na procura dos complexos dos discursos e das imagens, das artes e dos poderes, de ontem e de hoje, deixando claras as dimensões da cronística momentânea, da documentação e da historiografia, estas últimas de construção do historiador, Peter Burke dá, em 1992, enormes passos no estudo de Luís XIV mas, e sobretudo, na afinação metodológica e epistemológica do fazer biográfico. A biografia de cada biografado tem, ela própria, a sua história, uma história de representações7. Por fim, o quarto exercício, este de 1988 e da pena de Jacques Revel. Uma miniatura, um texto problemático de síntese, de rigor, de interpretação da «história do eu» pela conjuntura. Vale a pena ler a história de Maria Antonieta, não da mulher, não da mulher do Rei, não da Rainha, não da Austríaca, não..., mas a da configuração biográfica Maria Antonieta8.
- 9 Oliveira Martins, Os filhos de D. João I, Lisboa, Revista de Portugal, 1889-1890.
- 10 Apud J. P. Oliveira Martins, Os filhos de D. João I, Lisboa, Parceria A. M.Pereira, 1926, 5.ª ed., (...)
12Não querendo estender esta introdução, cheia de justificações, não é possível deixar de citar as frases certeiras e irónicas de Eça de Queirós, em carta de Paris a 25 de Junho de 1891, dirigidas a Oliveira Martins, a propósito da edição de Os filhos de D. João I9. Avisadamente, em termos a não esquecer, escreve o romancista ao historiador: «Prado trouxe-me os Filhos. / Explendida edição – nobre e seria. / Como trabalho é um belo cartapacio. O meu amor fica fiel ao ‘Portugal Contemporaneo’; mas os Filhos fazem honra ao pae como critica, como elevação moral como reconstrucção do sentir passado, como arte, e como insuflação da vida a esse punhado de heroes de que se compõe as nossas chronicas. Recreaste homens, bello esforço! O teu D.Pedro, o teu D.Duarte, são creações superiores. Eram assim? Se eram, bemdita seja a tua arte de ressuscitar! Se não eram, honra á alma nobre que poude inventar taes almas. / Saes deste cartapacio, se não maior como artista, maior como homem.»10 Como conclusão algumas das palavras de Eça, aquelas que ele deixou assinaladas, Filhos (a obra!), arte (de um historiador!), Recreaste, creações e inventar (a biografia!) e uma frase: «Eram assim? Se eram, bemdita seja a tua arte de ressuscitar! Se não eram, honra á alma nobre que poude inventar taes almas»!
13Paremos com os exemplos e com o assinalar das contradições, limites, necessidades e impositivos da biografia. Todos os exemplos são de nossa escolha e servem para justificar um dos pontos de partida fundamentais na leitura destes oito estudos: é difícil ao historiador fugir à centralidade biográfica, pois cada historiador, ao fazer história, história dos homens, elege constantemente modelos de biografia, assim também o terão feito os que deram conteúdos a estes oito volumes.
14A esta preocupação sobre a biografia juntamos neste percurso de leitura duas outras. A existência de uma Colecção e a construção autónoma e individualizada de cada um dos historiadores. Se, quanto à segunda pouco há a sublinhar, importa acrescentar uma breve nota sobre a primeira, a Colecção.
- 11 Ensaios II. Sobre História de Portugal, Lisboa, Sá da Costa, 1978, 2.ª ed., pp. 1-28; Ensaios III. (...)
15Não é possível atentar em cada um dos títulos em análise esquecendo a sua sequência e integração na Colecção que quis trazer a públicos, largamente diversificados, uma História de Portugal por vida de Rei / reinado ou, se se quiser, uma História de Portugal em que o Rei e a sua biografia tem o centro da narrativa e gera uma conjuntura, também ela nele centrada, que é o reinado. A este propósito valerá sempre a pena reler os estudos de Vitorino Magalhães Godinho sobre periodização e territorialidades11.
16Para mais facilidade de remissão reduzimos cada um dos volumes a uma sigla, facilmente identificável, resultante da redução do nome do Rei e numeração de acordo com a sua repetição na sequência de poder que, quando é caso disso, é seguida do número da página. Essas siglas são: JI, D, AV, JII, MI, JIII, S, H, respectivamente por D. João I (1385-1433), D. Duarte (1433-1438), D. Afonso V (1438-1481), D. João II (1481-1495), D. Manuel I (1495-1521), D. João III (1521-1557), D. Sebastião (1557-1578), D. Henrique (1578-1580) e, o mesmo é dizer, os seus respectivos historiadores, Maria Helena da Cruz Coelho, Luís Miguel Duarte, Saul António Gomes, Luís Adão da Fonseca, João Paulo Oliveira e Costa, Ana Isabel Buescu, Maria Augusta Lima Cruz e Amélia Polónia.
Construção de cada um dos livros de uma Colecção
17Que leitura se vai fazer aqui? Uma análise do livro enquanto objecto, sujeito a regras de design gráfico, um layout geral de marcação de manchas e espaçamentos, tipografia, papel e encadernação mas, também, divisões e subdivisões, abreviaturas, formas de citar e alfabetar, identificar e remeter.
18Problemas de design gráfico. Não foi feliz a escolha tipográfica para a colecção. O tamanho da fonte do corpo da página é minúsculo, obrigando a uma redução microscópica das referências em nota de rodapé. Para mais a este minúsculo corpo sobrepõem-se, quando os há, títulos de parte, capítulo e subcapítulo em dimensão excessivamente afirmativa no tamanho das fontes, na utilização das caixas altas e baixas e, ainda, nos sobrecarregados a bold.
19Podíamos aplicar de novo, com propriedade, o termo microscópico para referir as margens laterais e centrais dos livros. Parece que o esforço foi não deixar margem de descanso ao olhar, é essa uma das funções das margens, para poupar algum, pouco, papel de impressão. O processo de encadernação, em conjunto com as ridículas margens centrais, faz destes objectos para serem lidos, livros, afinal livros que mal se abrem!
- 12 Armando de Mattos, Manual de heráldica portuguesa, Porto, Livr. Fernando Machado, 1941, 2.ª ed., p. (...)
- 13 Idem, p. 61.
20Para sobrecarregar ainda mais o denso e comprimido texto que se quer ler, nas páginas par e nas páginas ímpar, reproduz-se em cabeça, respectivamente, o nome do Rei que se trata no volume e o título do capítulo. Estas duas cabeças são ainda encimadas, desde a capa do livro até à última página, por um artifício gráfico, uma coroa! O artifício é, além do mais, heraldicamente incorrecto, visto que o que constantemente se repete é um coronel de Duque, um aro de ouro carregado de pedrarias «rematado por oito florões dos quais são aparentes cinco»12 e não uma coroa, isto é, um «coronel de duque, fechado por quatro diademas ornados de pérolas encimados no ponto de cruzamento por um mundo rematado pela cruz»13.
21Dois aspectos importa referir que, porque a construção gráfica se alia por completo aos conteúdos, serão tratados mais adiante: a organização interna dos volumes e a construção do(s) anexo(s) e genealogia(s). Em qualquer dos casos não há continuidade entre os volumes, ainda que, graficamente a maioria das regras de utilização sejam mantidas quanto à organização interna. anexo(s) e genealogia(s) são uma confusão completa.
22Para terminar fica uma chamada de atenção. Alguns destes aspectos gráficos, sobretudo os espaçamentos, as margens laterais e central, e a dimensão da fonte, foram resolvidos na nova edição (?) ou reedição (?), nenhuma das referências é feita na ficha técnica, parecendo estarmos perante a editio princeps, que teve lugar na editora Temas e Debates.
23Título e subtítulo. Para lá da não uniformidade da colecção, que sendo colecção deveria detê-la, mais uma vez, quando os subtítulos existem são escritos em desnorte de design gráfico. Atentemos na sua transcrição fiel: JI, «o que re-colheu Boa Memória»; D, «Requiem por um Rei Triste»; AV, «O Africano»; MI, «1469-1521 / Um Príncipe do Renascimento»; JIII, «1502-1557»; H, «O Cardeal-Rei». Exceptuam-se, na ausência de subtítulo, JII e S. Duas observações. A primeira tem, mais uma vez, a ver com o conceito editorial de colecção. A segunda, que mais nos interessa, tem a ver com a consagração evidente, na página de rosto de cada um dos volumes, do denominado «cognome», conteúdo a revisitar mais adiante. As dedicatórias. São quatro, dos quais três em apontamento inicial (JI, MI, JIII) e um em final de introdução (D) os livros dedicados. As quatro dedicatórias, JI, «É para vós, companheiros e leitores, esta obra»; D, «este livro é dedicado ao Henrique e ao Miguel; e à memória da minha madrinha, Maria do Carmo» (D, 13); MI, «A Geneviève e Etienne Bouchon. Aos mestres da Vida. À mestre do ofício»; JIII, «A Joel Serrão», são forma de personalizar, intenção de conteúdos e referência a ligações afectivas. Certo é que estas pequenas remissões permitem situar o autor, que a si próprio se situou ao escolher. Não afectam o livro e são literariamente apetecíveis ao leitor. No caso vertente, as quatro referidas dão conta das dimensões de mestria historiográfica, da afectividade pessoal e da existência do leitor como participante do objecto-livro. É uma forma de humanizar a relação de conhecimento, uma primeira e flagrante exposição do autor, aqui agrada-nos escrever historiador, dando conta da dimensão humana desta arte social.
24Os tempos e as páginas. A leitura do Quadro 1 permite visualizar e concluir sobre duas contradições temporais evidentes. Aquela, primeiro, que resulta da duração da vida do homem e a duração do exercício do poder pelo Rei (ainda que nela o tempo de regência seja muito alargado). A segunda, a que resulta da comparação, entre todos, do tempo de reinado. Quer dizer, os tempos de vida/reinado de cada rei já em si discrepantes e, ainda mais, entre si, obrigam por norma da Colecção a uma mesma ginástica de construção discursiva que ocupe as mesmas páginas, uma maioria de cadernos de impressão que vai de 317 a 366 páginas.
A utilização da iconografia. É uniforme a utilização de reproduções num caderno central. As imagens são numeradas, evitando a paginação, e são etiquetadas por uma reduzida legenda, mais um título do que uma identificação.25Os elementos de descrição, muitos deles ausentes ou de presença intermitente, junto como o nome do fotógrafo, este sim muito mais presente, podiam estar, como muitas vezes acontece, em lista final para não sobrecarregar a legenda.
26No final do volume não há qualquer listagem de arrolamento das imagens com todos os dados possíveis sobre o seu conteúdo, suporte, dimensões, instituição de origem, cota ou número de inventário e responsável pela sua captação (fotógrafo).
27Notas. A uniformidade caracteriza a referência de citação que se apresenta em nota de rodapé em todos os oito volumes. De uma maneira geral figura em evidência, versaletes, o APELIDO do Autor, o Título da obra em itálico ou a abreviatura do corpo ou compilação documental, seguindo-se a data e a(s) página(s) ou a cota do documento, podendo aparecer ainda a referência ao volume quando é caso disso. As notas são, na sua maioria, remissões documentais ou historiográficas, resultantes ou de referência ou de citação in extenso. Só algumas, muito poucas, e todas evitáveis ou facilmente integráveis no corpo do texto, têm conteúdo explicativo em JI, D, JII, JIII e S. As abreviaturas dos títulos colectivos ou corpos documentais são utilizadas e listadas em JI, D, AV, MI, H e S.
28Três apontamentos que resultam de faltas formais da utilização para notação do sistema de referência dito «anglo-saxónico». As regras que o caracterizam pautam-se pelo minimalismo descritivo gráfico, apenas se utiliza o necessário à localização da espécie na listagem bibliográfica final. Assim sendo é de salientar o cuidado, em JIII, em se evitar a sobrecarga «p.» e «pp.». Mas de notar que: em D, MI e S aparecem algumas vezes, em rodapé, artigos por extenso; em MI se antecedem quase todas as remissões de «Cf.»; em S várias vezes acontece que a remissão para a nota anterior dá origem à utilização de Idem ou Ibidem. Pormenores formais, não mais que pormenores, que deveriam ter sido corrigidos.
29Bibliografia. Preocupa-nos aqui, apenas, a disposição gráfica, a forma de apresentação e não uma leitura dos conteúdos.
30Há dois critérios gráficos de listagem, um deles mais adequado ao conjunto dos volume do que o outro. Enquanto a sequência [APELIDO, Nome, Título, local, editor, data] reproduz os conteúdos bibliográficos de AV, JII, MI (que é o único que na repetição do [APELIDO, Nome] usa um Idem) e S, uma outra, mais correcta na ligação com a notação de rodapé aparece em JI, D, JIII e H, fazendo uma ligação imediata entre a autoria bibliográfica e a data de edição [APELIDO, Nome, data, Título, local, editor].
31Algumas chamadas de atenção merecem ser feitas.
32Na bibliografia, o que tem de ficar à margem é o autor/título e não os excessos da linha anterior, o que parece ser um erro gráfico bastante recorrente e provoca alguma morosidade na leitura sequencial. Nas contagens realizadas para este trabalho pode acontecer que se verifique algum erro, sendo que ele resulta, em primeiro lugar, desta apresentação gráfica enganosa.
33Porque é que os versaletes dos apelidos dos autores vão a caixa alta quando nos colectivos ou colecções documentais são os títulos que têm de ser alfabetados (S) e porque é que os mesmos títulos se mantêm em itálico (JI, D, AV, JII, MI, JIII, H)?
34Porque é que só um dos volumes (MI), é verdade que o primeiro a ser editado, se utilizam os IDEM para substituir os apelidos que se repetem e, nalguns casos (MI, 305) se substitui o título por Ibidem, como se de Nota se tratasse?
35Porque é que é desigual o tratamento dos organizadores ou editores científicos, entre todos e dentro de alguns dos volumes? Nalguns há indexação pelo seu apelido seguindo-se-lhe o título (JII, MI), noutros só se justapõem ao título (JI, D, AV, JII, MI, JIII, H, S), sendo que em qualquer dos casos há entre parêntese pelo menos a indicação «org.» ou «ed.», noutros ainda, são indexados os apelidos e remetem para o título que é, neste caso, também alfabetado (AV).
36Na sequência do anterior também é desigual, em todas bibliografias (JI, D, AV, JII, MI, JIII, H, S), o tratamento dado aos estudos que constituem uma parte de um colectivo, actas de congresso, catálogo de exposição, histórias e dicionários. Há colectivos que são entradas próprias. Há parciais que também são ordenadas alfabeticamente. Mas há casos em que o parcial é citado e o colectivo não e outros em que se assume todo o colectivo sem qualquer destaque. Pode sempre alegar-se que todo o livro ou aquele parcial era o que interessava e não qualquer outro, é verdade, mas a regra geral deveria existir: sempre que se destaca uma parte, o todo tem de ser referido alfabeticamente, nem que seja dando origem a uma remissão.
37Todos estes poucos pormenores são preocupações mais que legítimas. Em livros de síntese como estes, destinados a um público de especialistas, mas, e em primeiro lugar, a uma divulgação qualificada e alargada, a bibliografia é uma peça fundamental. Se as notas são, e deverão ser, escassas e simplesmente remissivas, melhor seria ao correr do texto e de referência (exemplo: AUTOR, data, página) é imprescindível que haja correcção no elenco bibliográfico final. Esta devia ter sido uma das preocupações de unidade da Colecção, que se conseguiria agilizando a facilidade de consulta e a notação por forma a que as repetições de determinados livros se tornassem evidentes. Fundamental seria também que houvesse uma regra geral para toda a sequência das diferentes bibliografias. Ganharia com a unidade a Colecção e, por aí, os leitores, que poderiam percepcionar livros fundamentais e transversais a toda a época pela sua repetição nos oito volumes, repetição que acontece mas que dificilmente se pode constatar. Algumas vezes, esses livros, os mesmos, são citados diferentemente e com critérios de colecção bibliográfica não dissemelhantes mas, pelo menos no aspecto formal, desiguais. O trabalho de edição impunha-se; não é ao autor que compete esta uniformização final mas sim a um trabalho aturado e muito atento de edição (editing).
Sumário sobre um Rei
38A proposta de rosto do livro, o subtítulo, a pequena afirmação apensa ao nome do homem que reinou parece querer dizer alguma coisa? A escolha do subtítulo com tudo o que pode envolver permite-nos começar a pensar o Sumário. Subtítulo? Adopção do «cognome», tal como impresso para memorização nos «Quadros sinópticos Histórico-Literários de Portugal» de 1927?
39Só JII e S não foram enquadrados por uma frase-referência. Neste sentido, seis dos Reis biografados são portadores de uma marca historiográfica, (re)imputada (JI, «o que re-colheu Boa Memória»; AV, «Africano», H, «Cardeal-Rei», agora revista (D, «Requiem por um Rei Triste»), ou, simplesmente, de determinação cronológica da sua conjuntura/homem-Rei (MI, «1469-1521/Um Príncipe do Renascimento»; JIII, «1502-1557»). Deu-se a seis dos Reis um «cognome», que continuou a de ser uma palavra adjectivante e superlativa para, noutros casos, se alargar a conteúdos ou se reconduzir o Rei à dimensão do seu tempo de vida e poder.
- 14 A este propósito reler Anselmo Braamcamp Freire, Crítica e história. Estudos, Lisboa, Fundação Gulb (...)
40Porquê? Algum dos oito historiadores explica esta escolha? Os conteúdos abreviados no Sumário e desenvolvidos no corpo do livro permitem ou apontam para a sua utilização? A resposta deve ser limitada. O uso do subtítulo aparece mais como uma tentativa de síntese do que de «cognominar» o rei, é quase que um indicativo de leitura, uma tentativa de envolver o onomástico numa temática. Neste sentido todos os volumes deveriam tê-lo adoptado; ao não acontecer esta uniformidade parece que há duas leituras historiográficas quanto à utilização do «cognome» o que é difícil de explicar, porque não aduzido por cada um dos historiadores e porque ao ler os livros não é o que se verifica14.
41Passemos ao Sumário. Comecemos pela orgânica, pela articulação geral/
42/particular e hierarquização dos particulares. Pode-se dizer que na Colecção os volumes se organizam em Parte, Capítulo e Subcapítulo. Mas também se pode dizer que é desigual a utilização deste sistema articulado de textos quer na sua inter-relação de conteúdos, quer na sua numeração decrescente ou, nalguns casos, na apresentação gráfica.
43Alguns livros dividem-se em Partes e Capítulos (D, MI, S, H), outros em Capítulos que por sua vez se subdividem (JI, AV, JII, JIII). Os Capítulos não têm subdivisões (S) ou se as têm são de poucas (D, AV) ou de muitas (JI, JII, MI, JIII) páginas, algumas delas com títulos intercalados (JI, MI), neste último caso tendo mais uma função de Capítulo e este de Parte.
44Há que assinalar uma certeza: em todos os livros o Sumário é, em si, equilibrado, explícito, hierarquizado, mais ou menos literário na descrição, mantendo a regra clássica, ainda que rodeada de contornos vários, dos três tempos expositivos, «introduzir, descrever, concluir».
45Por tudo isto pareceu de interesse entrecruzar o octógono dos Sumário(s) e tentar constituir uma estrutura de aproximação aos conteúdos que os historiadores se propuseram explorar. Diga-se que não foi tarefa difícil. Espraiados nas sucessivas divisões, de acordo com a orgânica da escrita, o desenho da narrativa e o questionamento e problematização inerentes aos sabertes de cada um deles e adequadas aos tempos e problemas do Rei em estudo foi surgindo um Sumário/estrutura, um elencar de grandes temas que foram, de alguma maneira, abordados em todo.
D. João I a D. Henrique: oito Reis, oito Historiadores e oito Livros
46Não são de apresentar ou de louvar os historiadores em presença, por ordem de edição, João Paulo Oliveira e Costa, Luís Adão da Fonseca, Maria Helena da Cruz Coelho, Ana Isabel Buescu, Luís Miguel Duarte, Amélia Polónia, Maria Augusta Lima Cruz e Saul António Gomes. Todos eles têm obra firmada e criticamente abalizada pela comunidade universitária e de investigadores, quer nacional quer internacional, no que em Portugal diz respeito à investigação dos tempos tardomedievais e ao crescer e afirmar da primeira modernidade.
47Com todos eles se aprende, como ainda agora fica claro neste conjunto de trabalhos. Mais, aprende-se em diversidade, sentindo-se preocupações metodológicas, temáticas e problematizações diferentes entre si, que resultam de ciclos de formação diferenciados, das Universidades em que se enquadram como docentes, de preocupações cronológicas e de matéria predominantemente abordada, dos gostos de formulação, escrita e investigação de cada tema que lhes confere uma individualidade e dimensão a destacar e elogiar. Realmente, só o domínio de determinado saber e a sua aportação junto da comunidade científica de forma precisa, correcta, mas diferenciada, nos permite falar de historiadores, como os referidos, justamente denominados autores.
48Por esta última razão, e também por nos parecer que a Colecção e o conceito de «dinastia» que subjaz a todo o conjunto em análise (II Dinastia) a isso obriga, deverá haver uma leitura de cada um dos textos, sem preocupações comparativas, mas sim, de enumeração de conteúdos compreensivos, problemáticas e conclusões provisórias ou fundamentação de estados da questão. A unidade de análise, cada um dos trabalhos, de cada um dos historiadores, em cada um dos volumes é, assim, a constituinte valorativa do estudo final e intransigente travejamento de construção dos casos estudados individualmente e agregados em Colecção formal e temporalmente determinada.
- 15 Cf. Adolfo Carrasco Martínez, «La trama del tiempo. Algunas consideraciones en torno a lo narrativo (...)
49Sem outra preocupação que a de uma síntese perceptível em estrutura de unidade, procurámos fazer um descrição dos conteúdos de cada volume envolvendo-os no tema de fundo e de revisão problemática que se sentiu ser o condutor da narrativa no obra de cada historiador15.
50Foi assim que lemos, pela mão de escrita justa e escorreita de Maria Helena da Cruz Coelho, sem preocupação de princípio mas com intuitos muito esclarecedores, o assinalar das realidades da revolta (?), da revolução (?) para se estudar D. João I. Adensou-se, no discurso em diálogo oral e despreocupado de Luís Miguel Duarte, o saber em torno do Rei D. Duarte, reconhecendo a complexidade do homem fraco (?), sensível (?) em pleno tempo de confirmação de mudança com outras mudanças.
51Entrámos na atitude do Rei africano e cavaleiro D. Afonso V, com as discursividades longas e cruas de Saul António Gomes, encontrando constância de construção de poderes senhoriais e embaraços de práticas de governo. Assistimos, nas palavras adequadas e de cariz histórico de Luís Adão da Fonseca, à capacidade conjuntural de D. João II, fortalecida e em afirmação de força, um Príncipe que não se resguarda dos outros, que não os teme e que constrói.
52Percebemos com D. Manuel I, no escrever simples e directo de João Paulo Oliveira e Costa, a trama de uma mudança genealógica dentro da dinastia, verificamos a multiplicação dos espaços, gente nesses espaços e formas para os governar.
53Na continuidade olhámos, nas pinceladas fáceis e precisas de Ana Isabel Buescu, D. João III na fluência do poder de Corte hispânico e romano, de implicações novas, quer na diferença, quer na obrigação da oposição. O Rei-neto D. Sebastião chega ao poder e a fluidez e o cuidar das afirmações de Maria Augusta Lima Cruz deixa ver que é jovem e ardente na afirmação dessa juventude e que, em seu torno, cresce uma conjuntura de desfavores e de perdas.
54Por fim, no dizer conceptual e claro de Amélia Polónia, o encerrar do processo ibérico aproxima-se com a velhice e o cardinalato romano de D. Henrique, deixando despontar outros poderes e desenhar-se outra dinastia.
Documentos e historiografia: as notas
55Uma constante em todos os volumes é o tratamento da historiografia biográfica do Rei, o estado da arte. É interessante ler os títulos que revelam esta construção, quase todos eles encerram alguma analogia ao fazer da história e quase todos uma forte dimensão de proposição literária. «Os horizontes de leitura e as variações da historiografia», «D. Duarte na história: a sombra de Oliveira Martins», «Configurações de um rei», «Resenha biográfica e estado da historiografia», «A memória de um destino singular», «Jogo de espelhos», «Introdução» e «Olhares cruzados: as imagens construídas e a reconstrução da imagem», são os títulos dos textos que dão conta do fazer dos cronistas e historiadores sobre JI, D, AV, JII, MI, JIII, S e H. Títulos com explicação de extensão aberta por dois pontos, palavras «cruzadas», «espelhos», «imagens» de «imagens», «sombras», «memória», «configurações» e «horizontes de leitura», são algumas das expressões problemáticas e problematizantes em que os actuais historiadores querem dar a conhecer o acontecido na História sobre a história do Rei. São, ainda, a primeira nota da consciência de qualquer destes oito historiadores das dificuldades que a multiplicidade do estudo lhes reservava.
56Há que reforçar a importância deste campo de estudo no livro. A recolha bibliográfica, que os historiadores conseguiram com muita certeza balancear entre os clássicos da recolha documental, da cronística e da produção historiográfica e as produções recentes, dando conta precisa do estado da questão quanto ao acesso, aos conteúdos e às novas problematizações poderia ter melhor resultados exteriores.
57Essa melhoria aconteceria não só com um maior controlo gráfico, como já se referiu, mas, mais que tudo, de um corpo de regras comuns a todos os oito elencos e de um tratamento temático. A sequência alfabética e de data, implícita no sistema e notação, deveria ser continuada por um tratamento que permitisse arrumar a bibliografia, através da simples indicação «APELIDO, data», num corpo de conteúdos transversal a estes e a todos os Reis. Grandes classes bibliográficas, hoje já interiorizadas e admitidas, como Instrumentos de Trabalho, Sínteses Historiográficas, Documentação Manuscrita, Documentação Impressa, Estudos e Iconografia, podiam ser algumas das propostas. É claro que melhor seria não só este tratamento como um por grandes conteúdos, ou mesmo por capítulo.
58Deixando de parte esta necessidade de reforço do factor comunicacional da investigação desenvolvida ou a desenvolver, o olhar sobre a bibliografia conduz-nos a duas outras constatações possíveis.
59Como foi desenhado cada Rei? Na elaboração destas sínteses, qual a relação entre a base documental (manuscrita, impressa, iconográfica, objectual) e a produção historiográfica?
60Segunda questão, com dois níveis. Um primeiro, que pretende captar grandes áreas de estudo, metodologias, dimensões da biografia (modelos e construções anteriores sobre o Rei ou algum aspecto em particular da sua vida) e temáticas históricas abordadas. Da aproximação a estas temáticas nasce o segundo nível: qual o quantitativo, por incidência espacial, das espécies elencadas, em termos imediatos, sobre que espaço geográfico de produção incidem as propostas da Bibliografia (Portugal, Espanha ou Europa e Mundo). Os Quadros 2 e 3 traçam este panorama.
Quadro 2. Referências bibliográficas (%)
* Há estudos inventariados na Bibliografia com anexos documentais muito importantes que não foram considerados na categoria «documentos».
61
Quadro 3. Referências bibliográficas (número de espécies*)
* Há livros que se repetem nas contagens, cada livro não foi considerado em exclusivo numa só categoria.
62Podem retirar-se algumas conclusões imediatas deste realinhar da bibliografia. Pensando na articulação documentos / estudos verifica-se uma forte preponderância dos primeiros em relação aos segundos. Realmente as margens máximas absolutas situam-se entre 42,7% de documentos e 86,6% de estudos. Fazendo uma simples média aritmética para os oito volumes a média seria de 24,3% de documentos, 75,7% de estudos.
63Estas percentagens não são de estranhar, bem pelo contrário. Um trabalho de síntese, como aquele que é qualquer um destes volumes, tem por base, implicitamente, o carrear de estudos já realizados e fiáveis nas suas bases documentais de partida e compreensíveis nas narrativas e problematizações. O que é de destacar e enfatizar é o facto de, mesmo assim, estes historiadores incorporarem nos seus estudos saber de investigação ou adução documental na quantidade média referida, cerca de um terço das espécies citadas. Pode concluir-se que as sínteses elaboradas partilham de um grau específico de originalidade investigada em estreita relação com o arrolamento documental? Pode ser temerato, mas o indicador é a não desprezar e os conteúdos atentos de leitura reiteram-no continuamente.
64Menos expressivas são as indicações do segundo quadro. Se a dimensão de afloramento dos problemas compreende que se fixem na produção portuguesa, o espreitar espanhol também, já menos se compreende a diminuta informação de conjuntura europeia e, pensando nos constantes toques nos espaços não europeus, é flagrante a fraca comparticipação da história dos universos que vão do norte mediterrânico e de toda a costa atlântica africanos, aos territórios da enorme Índia ou ao litoral e sertão brasileiros. Uma centralidade portuguesa e europeia, assim acontece algumas vezes.
65No Quadro 3 é preocupante o arredamento manifestado em relação às metodologias, aqui se incluindo modelos historiográficos, novas perspectivas sobre o documento, análises e problematizações sobre o indivíduo e a conjuntura, as antroplogias do poder... e tantas outras se poderiam e mereciam ser referidas. Podia alegar-se, tentando justificar esta ausência no elenco, que alguns destes pontos estão contidos nos corpos bibliográficos que se denominaram estudos de dimensão biográfica. Mas não é assim. Alguns, muito poucos, respondem a esta dimensão, a maioria dos estudos aqui contabilizadas são já eles próprios trabalhos sobre o rei ou que contribuem para a leitura imediata do biografado. Colocando a tónica nos leitores, mais uma vez, os estudos de natureza metodológica seriam um bom referente para a melhor compreensão do trabalho do historiador. Todos estes livros têm notas, onde todos ou citam documentos, ou remetem para historiografia. Mas de forma muito reduzida e desequilibrada. Se as notas tivessem sido fixadas ao correr da linha, sistema anglo-saxónico, teria sido possível que fossem em muito maior número dando mais consistência a muitas das opiniões de síntese e permitindo mais citações documentais in extenso. Muitas das afirmações de escrita deixam intuir as bases documentais e historiográficas que as sustentam ou permitem, esforço que merece ser louvado no trabalho destes oito historiadores, mas isso acontece quando essas bases se conhecem, o facto de haver mais notação teria possibilitado uma exploração mais densa das problemáticas de interesse a um público alargado e um material de trabalho mais preciso para a massa dos docentes de História dos vários graus de ensino.
Iconografia
- 16 Entrevista de Isabel Margarit publicada em Historia y Vida, 1999, n.º 92, pp.162-171, reeditada em (...)
66As imagens, o sistema complexo da iconografia, não podem continuar alheias ao fazer da história. As imagens não decoram livros mas devem ser incorporadas no discurso como documentos e, como objectos, submetidos à crítica e sujeitos a fina e específica análise. Ainda em 1999, a propósito do já atrás referido J. H. Elliott, o historiador da sociedade e do poder com incorporação das artes visuais, dizia Jonathan Brown que «su comprensión intuitiva de las artes visuales le posibilitó trabajar con un tipo de recursos que la mayoría de historiadores contemplaban con recelo; es decir, los recursos de la imagen, opuestos a los de la palabra»16. Por isso os historiadores, tal como o fizeram para a maioria dos títulos bibliográficos elencados no final de cada volume, deveriam tê-lo feito para as imagens. As regras existem, os elementos mínimos de descrição, com pequenas variações, são mais que conhecidos. Talvez assim se começasse a evitar que os editores tenham a preocupação de equilibrar o texto com a imagem de forma estética, e tão só, e como corte da mancha sequencial do texto ou que, como aqui se fez, se acantonem as imagens num caderno mais ou menos central, como que um Apêndice de ilustração constituído sem critério expresso, agrupado não se sabe muito bem porquê.
- 17 Vitorino Magalhães Godinho, Os descobrimentos e a economia mundial, 2 vols.,Lisboa, Editora Arcádia (...)
67A este respeito veja-se o exemplo da utilização da imagem/extra-texto de legendagem como forma integrada de saber e de conteúdo imediato no já clássico de V. M. Godinho Os descobrimentos e a economia mundial17, onde se descreveu na badana dos volumes a intenção do historiador (aceite pelo editor!) como uma das novidades daquele estudo: «uma maravilhosa ilustração que foi inteiramente planeada em função do texto e nele se incorpora perfeitamente, sendo aliás ela própria objecto de análise, permite ao leitor sentir-se presente na época».
Anexo(s), Cronologia(s), Genealogia(s) e muito mais!
68No tocante à área dos conteúdos informativos e justificativos, tal como ressaltados pelos diferentes historiadores, a confusão de organização graficamente configurada no esquema de design adoptado é flagrante.
69Se abrirmos o Sumário do livro constam na enumeração das diferentes partes que o compõem, com remissões individualizadas para páginas: Anexo(s), Bibliografia, Índice Remissivo, Genealogias todos ao mesmo nível gráfico.
70Se lermos as coroadas cabeças das páginas, a confusão não se aclara, aí aparece: Anexo (Anexos, MI), Cronologia (Cronologias, MI), Bibliografia, Índice Remissivo e o título de cada uma das genealogias figuradas, não a palavra Genealogia!
71Se atentarmos na lógica gráfica do volume, a mais evidente e imediata para qualquer leitor, deparamo-nos com ANEXO(S), Bibliografia, Índice remissivo e GENEALOGIAS! Então a Bibliografia e o Índice remissivo são um ANEXO? Dizemos que não por nos parecer abusivo que o sejam e porque se colocaram em itálico, abrindo em caixa alta entrelinhada, mais nuns volumes que noutros, à altura do título dos Capítulos do livro. Mas a Cronologia(s) é tida como ANEXO(S), na arrumação do Sumário e do volume, apesar de se autonomizar como cabeça de página!
72Ao mesmo tempo estas variações das grandes divisões finais de Anexo, Bibliografia, Índice remissivo e Genealogia, que deveriam ser apresentadas pela ordem Anexo, Genealogia, Bibliografia e Índice Remissivo (com o R em caixa alta) são impeditivas, desde o Sumário às cabeças e ao grafismo, da detecção de importantes informações como as que resultam do desdobramento das Abreviaturas utilizadas e da localização de Quadros e Mapas fora do Anexo.
73Erros gráficos, que transformam em confusão componentes possíveis da construção de um discurso histórico com validação científica. É pena que assim tenha acontecido, é pena que, se subestime o trabalho de revisão e de copy desk; hoje há cada vez menos gralhas, mas o revisor é cada vez menos um verificador de composição ortográfica e sintáctica...
Quadro 4. Conteúdos e páginas do(s) ANEXO(S) (de acordo com a figuração gráfica)
* é o único dos oito volumes que designa a secção por «Fontes e Bibliografia» (D, 292); ** só nesta Cronologia se apresentam as Fontes (H, 291); *** titula-se esta secção «Cronologias» (MI, 277).
74O conjunto da(s) Genealogia(s) é comum a todos os volumes, mas não nas escolhas das árvores genealógicas a editar, o que muito bem se compreende, havendo duas que atravessam os oito livros: As Casas de Avis e de Áustria – 2ª e 3ª Dinastias de Portugal e a Genealogia dos Reis de Portugal. Se a segunda tem uma explicação imediata e implícita o mesmo não acontece com a primeira. Qual a razão, ou razões, que levam a que num livro sobre um Rei da Casa de Avis se apresente em conjunto a Casa de Áustria? E por que é que nos três volumes da Terceira Dinastia se repete esta mesma árvore genealógica? Haverá razões, para lá da facilidade editorial, mas o leitor não as conhece e haveria que explicar.
75A(s) Cronologia(s) são comuns aos oito volumes, apesar de só um deles (H) indicar as fontes da sua construção. Não são comuns as divisões internas, como se pode constatar no Quadro 9. Mas, também é certo, que há na variabilidade das denominações das subdivisões uma linha comum de informação: Data ou Ano (JI, D, AV, JII, MI, JIII, S, H); Portugal, sob as variantes: Portugal; História de Portugal; Reino/Ilhas e Espaços Ultramarinos; Reino/Espaço Ultramarino (JI, D, JII, MI, JIII, S, H); Península Ibérica (JI, D, JII, MI, JIII, S, H); Europa, sob as variantes: Europa; História Europeia; Cristandade; Outras Regiões (JI, D, JII, MI, JIII, H); Mundo, sob as variantes: História Mundial; Resto do Mundo; África, América e Ásia; África, Ásia e América (D, JII, MI, JIII, S, H). Não valerá a pena reincidir na chamada de atenção sobre os benefícios que a Colecção poderia ter retirado da uniformização e, nalguns casos, facilitado os trabalhos do historiador e do leitor!
Dispersos que se perdem: índices
76No final de cada volume há um Índice remissivo. O que é que aí se indexa? Os Nomes, e também titulares, cargos eclesiásticos e de Corte, e os Locais. O que teria sido excelente (ou será que é implícito a um trabalho desta envergadura?), era que dele também figurassem as datas e, sobretudo, os grandes temas e, como já mencionado, as grandes classes da Bibliografia.
77O Índice remissivo é parco em conteúdos a que acresce que quatro dos volumes (JI, D, AV, H), excepto H de forma incompleta, uma vez que há enumeração mas não há menção da página (H, 302), dizíamos que, quatro dos volumes, esquecem a indexação dos dispersos. Ao enumerarem-se esses dispersos verifica-se que se perdem no texto, só se detectando no decorrer da leitura. Deles fazem parte outras genealogias (por que é que não estão todas agrupadas?), esquemas e quadros (como alguns dos que figuram em Anexo), e mapas (que também têm presença em Anexo). No Quadro 6 dá-se conta dessa dispersão.
Biografia, história de vida, reinado, conjuntura?
78A pergunta que o subtítulo é permite uma primeira tentativa de compreensão global, como que uma conclusão da análise realizada nos pontos anteriores: esquema de abordagem, textualidades e preocupações historiográficas autorais e meios de apropriação de informação, de problemáticas e de construção histórica.
79Depois, há perguntas que se repetem: quem eram estes homens-Rei?; o que é Reino?; e os outros Reinos?; e os homens do Reino do Rei?; quais os saberes, os fazeres e os festejos do Rei e dos outros?; o que se passa no Reino não Europeu?; os poderes fazem o Rei? Conclusões que, apesar da precisão destes oito historiadores, devem ficar tão em aberto quanto eles nas suas sínteses as deixaram em esboço, mas não em desenho final.
Notas
1 Marc Bloch, Introdução à história, Lisboa, Europa-América, 1997, pp. 88-89.
2 Lucien Febvre, Martinho Lutero. Um destino, Lisboa, Bertrand, 1976 (1.ª ed. 1927).
3 Jacques Le Goff, S. Francisco de Assis, Lisboa, Teorema, 2000; reunião de quatro textos de 1967, 1981, 1967-1973 e 1980.
4 Georges Duby, Guilherme, o marechal. O melhor cavaleiro do mundo, Lisboa, Gradiva, 1986; 1.ª ed. 1984.
5 Carlo Ginzburg, O queijo e os vermes. O cotodiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição, São Paulo, Companhia das Letras, 1987.
6 J. H Elliott., El Conde-Duque de Olivares. El político en una época de decadência, Barcelona, Editorial Crítica, 1990.
7 Peter Burke, A construção de Luís XIV, Lisboa, Caleidoscópio, 2007.
8 Jacques Revel, «Maria Antonieta», in A invenção da sociedade, Lisboa, Difel, 1990.
9 Oliveira Martins, Os filhos de D. João I, Lisboa, Revista de Portugal, 1889-1890.
10 Apud J. P. Oliveira Martins, Os filhos de D. João I, Lisboa, Parceria A. M.Pereira, 1926, 5.ª ed., p.480.
11 Ensaios II. Sobre História de Portugal, Lisboa, Sá da Costa, 1978, 2.ª ed., pp. 1-28; Ensaios III. Sobre teoria da história e historiografia, Lisboa, Sá da Costa, 1971, pp. 29-34.
12 Armando de Mattos, Manual de heráldica portuguesa, Porto, Livr. Fernando Machado, 1941, 2.ª ed., p. 60.
13 Idem, p. 61.
14 A este propósito reler Anselmo Braamcamp Freire, Crítica e história. Estudos, Lisboa, Fundação Gulbenkian, 1996, (1.ª ed. 1910), e a nova aproximação de António de Vasconcelos de Saldanha, «Conceitos de espaço e de poder e seus reflexos na titulação régia portuguesa na época da expansão», La découverte, le Portugal et l’Europe. Actes du colloque, Paris, Foundation Calouste Gulbenkian, 1990, pp.105-129.
15 Cf. Adolfo Carrasco Martínez, «La trama del tiempo. Algunas consideraciones en torno a lo narrativo en historia», Cuadernos de Historia Moderna; Madrid, Universidad Complutense, 1998, n.º 20, pp. 87-109.
16 Entrevista de Isabel Margarit publicada em Historia y Vida, 1999, n.º 92, pp.162-171, reeditada em Jonathan BROWN, Escritos completos sobre Velázquez. Centro de Estudios Europa Hispánica, 2008, pp. 333-337; passagem citada a p.336.
17 Vitorino Magalhães Godinho, Os descobrimentos e a economia mundial, 2 vols.,Lisboa, Editora Arcádia, 1963-1965.
Topo da páginaÍndice das ilustrações
Título | Quadro 1. Temporalidades / Edição |
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Ficheiros | image/png, 996k |
Título | Quadro 2. Referências bibliográficas (%) |
Legenda | * Há estudos inventariados na Bibliografia com anexos documentais muito importantes que não foram considerados na categoria «documentos». |
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Título | Quadro 3. Referências bibliográficas (número de espécies*) |
Legenda | * Há livros que se repetem nas contagens, cada livro não foi considerado em exclusivo numa só categoria. |
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Título | Quadro 4. Conteúdos e páginas do(s) ANEXO(S) (de acordo com a figuração gráfica) |
Legenda | * é o único dos oito volumes que designa a secção por «Fontes e Bibliografia» (D, 292); ** só nesta Cronologia se apresentam as Fontes (H, 291); *** titula-se esta secção «Cronologias» (MI, 277). |
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Título | Quadro 5. As subdivisões da(s) Cronologia(s) |
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Título | Quadro 6. Conteúdos e páginas dos dispersos |
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Para citar este artigo
Referência do documento impresso
António Camões Gouveia, «Coelho, Maria Helena da Cruz, D. João I, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Duarte, Luís Miguel, D. Duarte, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Gomes, Saul António, D. Afonso V, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006; Fonseca, Luís Adão da, D. João II, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Costa, João Paulo Oliveira e, D. Manuel I, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Buescu, Ana Isabel, D. João III, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Polónia, Amélia, D.Henrique, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Cruz, Maria Augusta Lima, D. Sebastião, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006», Ler História, 56 | 2009, 231-246.
Referência eletrónica
António Camões Gouveia, «Coelho, Maria Helena da Cruz, D. João I, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Duarte, Luís Miguel, D. Duarte, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Gomes, Saul António, D. Afonso V, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006; Fonseca, Luís Adão da, D. João II, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Costa, João Paulo Oliveira e, D. Manuel I, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Buescu, Ana Isabel, D. João III, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Polónia, Amélia, D.Henrique, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005; Cruz, Maria Augusta Lima, D. Sebastião, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006», Ler História [Online], 56 | 2009, posto online no dia 15 outubro 2016, consultado no dia 16 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/2060; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.2060
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