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Críticas e debates
Recensões

José Carlos Laranjo Marques, Os Portugueses na Suíça – Migrantes Europeus

Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2008
João Peixoto
p. 287-289
Referência(s):

José Carlos Laranjo Marques, Os Portugueses na Suíça – Migrantes Europeus, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2008.

Texto integral

1O livro de José Carlos Laranjo Marques, intitulado Os Portugueses na Suíça – Migrantes Europeus, é muito relevante no panorama dos estudos sobre migrações internacionais recentes em Portugal. O seu principal mérito consiste em estudar, em contra-corrente com a investigação dominante, a emigração contemporânea dos portugueses. Uma rápida consulta dos títulos publicados sobre migrações internacionais em Portugal nas últimas décadas revela uma esmagadora maioria de referências sobre a imigração estrangeira. Quase nada se tem escrito sobre a emigração e o retorno dos emigrantes, temas tão comuns até aos anos 80 do século passado. Tal seria aceitável se a produção académica correspondesse à realidade dos factos ou se a escolha dos temas obedecesse a critérios políticos. É provável que em Portugal continue a existir uma «imaginação do centro» (Boaventura de Sousa Santos) e que se resista a admitir a manutenção de tendências passadas. Os académicos deveriam, porém, evitar estes desvios e descrever os traços estruturais da sociedade portuguesa. Ora tudo nos indica que a emigração nunca cessou realmente, antes mudou de natureza, e que terá mesmo aumentado em períodos recentes, como a partir de meados dos anos 80 do século XX ou nos primeiros anos do novo século.

2O objecto de estudo deste livro, que resulta de uma tese de doutoramento defendida pelo autor na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra em 2006, é a emigração portuguesa para a Suíça, particularmente no seu período áureo, que corresponde aos anos entre 1984 e 1992. Para além da descrição e análise dos fluxos migratórios (entradas e saídas) ao longo do tempo, o autor observa as formas complexas de relação entre emigração temporária e permanente, um dos pontos mais decisivos da transformação da emigração portuguesa recente; a inter-relação existente entre política de imigração suíça, lógicas do mercado de trabalho e redes migratórias, mecanismos explicativos cruciais da dinâmica migratória; e as estratégias de emigração e percursos de mobilidade dos portugueses na Suíça. Nos vários capítulos, aborda os principais conceitos e teorias sobre migrações internacionais; a imigração e a política de imigração na Suíça; a emigração e imigração em Portugal (fluxos que estão longe de ser independentes); e, com maior profundidade, a emigração portuguesa para a Suíça. Neste último ponto, efectua uma caracterização sociográfica, descreve as estratégias dos emigrantes e os seus percursos de mobilidade (legal, profissional e geográfica).

3Para além da sua relevância empírica, o livro apresenta grande solidez teórica e metodológica. Do ponto de vista teórico, realiza uma muito boa recensão das teorias das migrações. Deve ser sublinhado o facto de aliar a bibliografia de raiz anglófona, bem conhecida dos investigadores portugueses, à de língua alemã, muito menos divulgada. Do ponto de vista metodológico, recorre a vários modos de registo de informação, tanto quantitativos como qualitativos. Neste aspecto, os resultados mais originais resultam da observação longitudinal, rara em estudos sobre migrações. Considerando os diversos atributos, não surpreende concluir pela importância deste livro para as ciências sociais portuguesas e, em particular, para o estudo das migrações.

4As características positivas não impedem que alguns pontos possam ser equacionados. Em primeiro lugar, as teorias que enquadram a investigação poderiam ser revistas. Grande parte das teorias de referência apresentadas pelo autor trata dos mecanismos de accionamento ou causas das migrações (explicam a «iniciação» e a «manutenção no tempo» das migrações). Porém, aspectos importantes da realidade estudada não merecem igual desenvolvimento. Por um lado, são escassas as teorias que abordam o papel do Estado. Esta ausência é tanto mais saliente quanto se reconhece a pouca importância que se costuma atribuir às teorias sobre o Estado na análise das migrações e se avalia, na investigação empírica, a importância da política suíça de imigração no moldar dos fluxos. Por outro lado, há pouco aprofundamento dos mecanismos de integração dos imigrantes. Uma vez que parte do livro se dedica à integração dos portugueses na Suíça, poderiam ser discutidas teorias sobre os processos de integração. Nota-se, ainda, a escassez de contributos portugueses nestas e outras áreas teóricas. Ora a investigação sobre migrações efectuada nos últimos anos em Portugal já permitiu consolidar algumas molduras de relevo.

  • 1 Cornelius, W. et al., ed. (2004), Controlling Immigration – A Global Perspective, 2nd ed., Stanford (...)

5Em segundo lugar, alguns aspectos relacionados com a política de imigração suíça poderiam ser objecto de maior aprofundamento. Um deles é o grau de controlo efectivo exercido pelo Estado. Comparando o caso suíço com o de outros países europeus – analisados, por exemplo, no livro de Wayne Cornelius e outros, Controlling Immigration1 –, ele pode ser entendido como um caso de sucesso, pelo menos relativo, de controlo político da imigração. No estudo de Cornelius quase todos os países estudados (norte-americanos, europeus e asiáticos) revelam uma «crise de controlo». A existência de uma eventual excepção na Europa poderia ser, assim, equacionada. No mesmo sentido, o estudo de José Carlos Laranjo Marques não permite avaliar qual a verdadeira importância da imigração irregular. O autor explica o «insucesso» relativo da política de imigração suíça apenas pelo aproveitamento estratégico das oportunidades formais por parte dos imigrantes, que transformam regras de imigração temporária em imigração de longa duração. Mas existem ou não razões para uma falta de controlo ligada à irregularidade da imigração, tema mencionado pontualmente?

6Em terceiro lugar, o tema da integração ou, correlativamente, da não integração dos imigrantes portugueses na Suíça parece ser abordado de forma incompleta (para além da escassa referência a teorias nesta área). É certo que o autor admite que o estudo das «formas de relacionamento» dos imigrantes portugueses com a sociedade suíça é para «investigação futura». Mas as questões mais amplas da integração ocupam um lugar aparentemente central na tese: tal acontece quando se examina a inserção no mercado de trabalho ou a mobilidade profissional, por exemplo. Alguns elementos são ainda pontualmente adiantados para explicar uma integração limitada dos portugueses na Suíça. É referido, entre outros pontos, que as estratégias de emigração temporária e o uso instrumental da emigração, adoptados pelos portugueses, inibem a vontade de integração, e que tal é reforçado pelas estratégias também temporárias assumidas pela política de imigração suíça. Mas o problema, aceite pelo autor, é que muita da emigração não é realmente temporária. Deve-se questionar, assim, porque não foi levado mais longe o tratamento da questão da integração. Poderiam ter sido utilizados, talvez, outros materiais empíricos de natureza qualitativa não tratados no livro. Poderiam ter sido enfatizadas as atitudes da sociedade civil suíça perante a imigração (a atitude dos portugueses poderá ser uma reacção ao fechamento da sociedade civil), em lugar de terem sido apenas abordadas as estratégias dos imigrantes e do Estado suíço (que favorecem a não integração). E poderia ter sido evitada alguma indefinição terminológica neste ponto (que permite, por exemplo, o uso indistinto de termos como «inclusão», «integração» e «incorporação»).

7Ainda do ponto de vista da integração – mas, neste caso, de uma estratégia clara de não integração –, poderia ter sido dado maior relevo ao tema da rotatividade da emigração. É-nos dito que há bastantes saídas (retorno) de portugueses. Da análise longitudinal, por exemplo, conclui-se que podem sair 70 a 80% dos portugueses que entram. É certo que a tese é sobretudo sobre os emigrantes que permanecem. Mas seria importante conhecer, nesta ou em novas investigações, a realidade dos que saem. Algumas razões para o retorno, ou re-emigração, poderiam ter sido avaliadas; e poderia ter sido discutido, no capítulo sobre o «entrelaçar» de migrações em Portugal, o papel desta emigração temporária genuína a partir de Portugal. Deve notar-se que a emigração temporária é compatível com a manutenção dos principais laços sociais e económicos em Portugal, podendo também sustentar novos espaços transnacionais, pelo que o seu estudo deverá ser futuramente promovido.

8Finalmente, um período longo de investigação, como o que esteve na base deste livro, pode gerar algumas inconsistências cronológicas ou a necessidade pontual de maior actualização. Uma vez que a maior parte do trabalho de campo, segundo o autor, foi efectuado durante 1997-98, seria importante haver actualização sistemática dos dados principais – o que nem sempre sucede. Algumas referências à legislação sobre imigração em vigor na Suíça e, mesmo, em Portugal, denotam também ter sido escritas há algum tempo, não havendo aprofundamento de medidas mais recentes.

9Em suma, trata-se de um trabalho sólido, original e inovador. Apesar das novas modalidades de que a emigração portuguesa hoje se reveste, não deixa de ser irónico que a inovação passe, precisamente, por regressar ao passado. O «fim da emigração», tantas vezes enunciado, parece não ter ainda ocorrido. O volume e modalidades da emigração portuguesa actual são questões em aberto na investigação portuguesa, às quais este livro começou a responder.

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Notas

1 Cornelius, W. et al., ed. (2004), Controlling Immigration – A Global Perspective, 2nd ed., Stanford University Press, Stanford.

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

João Peixoto, «José Carlos Laranjo Marques, Os Portugueses na Suíça – Migrantes Europeus»Ler História, 56 | 2009, 287-289.

Referência eletrónica

João Peixoto, «José Carlos Laranjo Marques, Os Portugueses na Suíça – Migrantes Europeus»Ler História [Online], 56 | 2009, posto online no dia 15 outubro 2016, consultado no dia 19 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/2030; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.2030

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Autor

João Peixoto

SOCIUS, ISEG – UTL

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Direitos de autor

CC-BY-NC-4.0

Apenas o texto pode ser utilizado sob licença CC BY-NC 4.0. Outros elementos (ilustrações, anexos importados) são "Todos os direitos reservados", à exceção de indicação em contrário.

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