1Uma população imigrante visível, com um número significativo de imigrantes é um fenómeno recente em Portugal. De facto até meados dos anos de 1970, o número de estrangeiros residentes em Portugal era aproximadamente de trinta mil e a maioria ou era de nacionalidade espanhola ou era descendente de emigrantes portugueses.
- 1 Houve muitas excepções a esta regra, particularmente no caso de residentes africanos que demonstras (...)
2Esta situação mudou drasticamente a seguir à Revolução de 1974 e subsequente independência das colónias portuguesas em África. Durante este período de transição, aproximadamente meio milhão de nacionais portugueses regressaram a Portugal. Ao abrigo da Lei 308 – A/75 (24 de Junho), uma parte desta população «retornada», de ancestralidade africana, perdeu a nacionalidade portuguesa1. Formavam-se assim e de uma forma retroactiva, as primeiras comunidades imigrantes com algum significado numérico, comunidades que, devido ao processo de reunificação familiar e de formação de novas famílias, registaram um crescimento ininterrupto nos anos seguintes. Deste modo, em 1985, o número de estrangeiros legalmente residentes no país era de 79.594, dos quais 44% tinha a nacionalidade de um país africano de língua oficial portuguesa (PALOP).
3Em 1986, Portugal entrou para a Comunidade Económica Europeia (CEE), factor que, no quadro dos fundos estruturais de coesão, promoveu a transferência de avultados montantes financeiros para Portugal. Nos anos seguintes a maioria destes fundos foram aplicados em infra-estruturas de comunicação viária e ferroviária, edifícios e equipamentos públicos e recuperação urbana. Todo este investimento em obras públicas e na construção civil provocou um continuado aumento da procura de mão-de-obra para este sector o que atraiu novos imigrantes dos PALOP, particularmente de Cabo Verde.
4Apesar do crescimento verificado no sector da construção civil e obras públicas, que gerou um número significativo de novas oportunidade de emprego para trabalhadores não qualificados ou pouco qualificados e do marcado crescimento económico em actividades do terciário, como seja por exemplo a banca, o imobiliário, o marketing e a informática, que atraiu sobretudo imigrantes altamente qualificados provenientes da Europa Ocidental e do Brasil, o número de imigrantes em Portugal permaneceu relativamente baixo até á viragem do milénio. De facto em 1999, viviam em Portugal, 190.896 estrangeiros com residência legal, o que representava menos de 2% do total da população residente.
5Acresce, que os imigrantes de países terceiros residentes em Portugal eram maioritariamente provenientes de países lusófonos (76%, em 1999, e 77%, em 2000). Ou seja, até 2000 a presença de imigrantes em Portugal era relativamente fraca e a sua presença podia atribuir-se essencialmente a dois factores: ao nosso passado colonial e às nossas relações históricas e culturais; e ao crescimento económico do país promovido em grande parte pelo investimento público e pela captação de investimento estrangeiro.
- 2 Até 2000, esta população imigrante representava cerca de 10% da população imigrante legalmente resi (...)
6De uma forma um pouco estilizada podemos afirmar que a principal característica da população imigrante residente no país até à viragem do milénio, era apresentar um perfil marcadamente bipolar. De um lado uma população maioritariamente constituída por imigrantes oriundos dos PALOP, esmagadoramente concentrada na área metropolitana de Lisboa e inserida economicamente essencialmente no sector da construção civil e obras públicas e nos serviços pessoais e domésticos em actividades pouco ou nada qualificadas. Do outro lado uma população composta por imigrantes da Europa Ocidental e do Brasil, espacialmente mais dispersa que o primeiro grupo e que, quando economicamente activa, se inseria preferencialmente no sector terciário e em ocupações altamente qualificadas. Entre estes dois pólos, ficava uma população imigrante, numericamente pouco significativa2, constituída por um conjunto heterogéneo de nacionalidades, maioritariamente concentrada na área metropolitana de Lisboa e inserida economicamente em actividades diversificadas, nomeadamente nos sectores da construção civil e obras públicas, restauração, venda ambulante e pequeno comércio.
- 3 Estas regularizações foram criadas, respectivamente, pelos seguintes diplomas: Decreto-Lei 212/92 d (...)
7Este terceiro grupo de imigrantes (cf. Tabela 1) cresceu e diversificou-se ao longo da década de 90. Os dados referentes às regularizações extraordinárias de imigrantes de 1992 e 19963 permitem apreender com particular clareza a diversificação que se foi verificando (cf. Tabela 2), sendo especialmente de assinalar o notável crescimento de imigrantes provenientes da China e do Paquistão, países com os quais Portugal não tinha qualquer laços históricos ou económicos.
Tabela 1. Estrangeiros legalmente Residentes em Portugal 1980-2006
Fontes: 1980-1995: Estatísticas Demográficas e SEF, cit. in Baganha (1996); 1996-2005: Estatísticas Demográficas, 1996-2006.
Notas: 1 Os valores para 1992 e 1993 variam consoante as fontes estatísticas; 2 As estatísticas de 1994 e de 1996 incluem os processos de legalização extraordinários de 1992/93 e 1996 respectivamente; 3 Cerca de 95% dos Estrangeiros Residentes originários de África são de países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP); 4 Na Europa cerca de 90% vêm, até 2001, de um país da União Europeia. A partir de 2001 a proporção dos imigrantes oriundos de um país membro diminuem continuamente e aumenta a proporção dos imigrantes com origem num país do Leste da Europa; 5 Dados provisórios em Janeiro de 2008.
8
Tabela 2. Regularizações extraordinárias de imigrantes de 1992 e 1996
Nacionalidade
|
1992
|
1996
|
N
|
%
|
N
|
%
|
PALOP
|
28.345
|
72,4
|
23.400
|
66,7
|
Angola
|
12.525
|
32,0
|
9.255
|
26,4
|
Cabo Verde
|
6.778
|
17,3
|
6.872
|
19,6
|
Guiné Bissau
|
6.877
|
17,6
|
5.308
|
15,1
|
Moçambique
|
757
|
1,9
|
416
|
1,2
|
São Tomé e Príncipe
|
1.408
|
3,6
|
1.549
|
4,4
|
Brasil
|
5.346
|
13,6
|
2.330
|
6,6
|
China
|
1.352
|
3,5
|
1.608
|
4,6
|
Senegal
|
1.397
|
3,6
|
–
|
–
|
Paquistão
|
286
|
0,7
|
1.745
|
5,0
|
Europa de Leste
|
227
|
0,6
|
5411
|
1,5
|
Total
|
39.166
|
100.0
|
35.082
|
100.0
|
Fonte: SEF (dados não publicados).
Nota: 1 Os dados deste ano referem-se apenas aos cidadãos da Hungria, Roménia e Rússia.
9A partir de 1996, ano em que se efectuou a última regularização extraordinária de imigrantes ilegais da década de 90 e Portugal acedeu ao Espaço Schengen, o número de imigrantes ilegais tendeu a crescer, particularmente após a promulgação do Decreto-Lei 244/98, em que se consagrou a possibilidade de obtenção de autorização de residência a imigrantes ilegais a residir no país (artigo 88.º do Decreto-Lei 244/98 de 8 de Agosto).
- 4 Relatório sobre a evolução do fenómeno migratório, 1 de Março de 2002, IGT, ACIME, SEF.
10De acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), nos finais de 2000, existiam 41.401 pedidos de concessão de autorizações de residência ao abrigo do referido artigo 88.º do Decreto-Lei 244/98. Ou seja, reconhecia-se oficialmente que existiam no país pelo menos 41.401 imigrantes ilegais. Este facto era atribuído, no documento que estamos a citar4, às necessidades do mercado, particularmente do sector da construção civil e obras públicas e à informalidade da economia. Assim, afirma-se no referido documento:
«As necessidades do mercado de trabalho, potenciadas pela sua informalidade em larga escala nos sectores de mão-de-obra intensiva, iam-se satisfazendo, através do recurso à contratação de imigrantes em situação irregular.
(….) Verificou-se um crescimento assinalável da economia informal no sector da construção civil e obras públicas, fenómeno associado ao aumento do número de imigrantes necessários a este mercado, o que, no quadro jurídico existente, se estabeleceu através da contratação irregular, nos planos da estadia e permanência e da situação laboral e da segurança social.»
- 5 Relatório sobre a evolução do fenómeno migratório, 1 de Março de 2002, IGT, ACIME, SEF.
- 6 Baganha, Marques e Góis (2001), p. 21.
11De facto, o sector da construção civil e obras públicas, porta de entrada no mercado de trabalho para a maioria dos imigrantes recém-chegados, registou, durante este período, uma fase de intenso crescimento. O número de pedidos de novos alvarás para empresas de construção entrados no Instituto do Mercado de Obras Públicas e Particulares (IMOPP) saltou de 3.677 em 1999 para 11.149 em 2000 e para 18.588 em 20015. Por seu turno, a população empregada no sector cresceu de 361.100 trabalhadores em 1990 para 593.500 trabalhadores no ano 20006.
- 7 Para efeitos de análise foram considerados como países do leste europeu os países do continente eur (...)
12É reconhecido que a procura dirigida a este sector depende em grande parte da conjuntura económica e do montante do investimento público. Ora entre 1995 e 2003 o investimento público neste sector não parou de crescer, através do lançamento de grandes projectos, como seja por exemplo a Expo´98, a ponte Vasco da Gama, o Metro do Porto, e os novos estádios para o Euro 2004 e respectivas acessibilidades. A realização destes grandes projectos, alguns dos quais foram lançados em simultâneo, provocou uma intensa procura de mão-de-obra para este sector. Esta procura não foi apenas satisfeita pelas fontes de mão-de-obra tradicionais (trabalhadores portugueses, imigrantes dos PALOP e do Brasil), mas, também, por novas e inesperadas fontes, nomeadamente por imigrantes de países do leste europeu7, e particularmente da Ucrânia. De facto, a entrada em Portugal de imigrantes provenientes da Ucrânia foi tão intensa, que registou o maior número de concessões de Autorizações de Permanência, ao abrigo do processo de legalização de imigrantes que resultou da aprovação do Decreto-Lei n.º 4/2001 de 10 de Janeiro (cf. Tabela 3).
Tabela 3. Autorizações de permanência concedidas ao abrigo do D.L. n.º 4/2001 de 10 de Janeiro
|
2001
|
2002
|
2003
|
Nacionalidade
|
N
|
%
|
N
|
%
|
N
|
%
|
PALOP
|
15.624
|
12,3
|
6.874
|
14,4
|
1.925
|
21,2
|
Angola
|
4.997
|
3,9
|
2.681
|
5,6
|
855
|
9,4
|
Cabo Verde
|
5.488
|
4,3
|
2.452
|
5,1
|
618
|
6,8
|
Guiné Bissau
|
3.239
|
2,6
|
866
|
1,8
|
213
|
2,3
|
Moçambique
|
315
|
0,2
|
117
|
0,2
|
29
|
0,3
|
São Tomé e Príncipe
|
1.585
|
1,2
|
758
|
1,6
|
210
|
2,3
|
Brasil
|
23.713
|
18,7
|
11.559
|
24,3
|
2.648
|
29,1
|
Europa de Leste
|
70.430
|
55,5
|
26.475
|
55,6
|
4.057
|
44,6
|
Moldávia
|
8.984
|
7,1
|
3.066
|
6,4
|
582
|
6,4
|
Roménia
|
7.461
|
5,9
|
2.992
|
6,3
|
473
|
5,2
|
Rússia
|
5.022
|
4,0
|
1.807
|
3,8
|
218
|
2,4
|
Ucrânia
|
45.233
|
35,6
|
16.916
|
35,5
|
2.546
|
28,0
|
Outros
|
3.730
|
2,9
|
1.694
|
3,6
|
238
|
2,6
|
China
|
3.348
|
2,6
|
520
|
1,1
|
41
|
0,5
|
Paquistão
|
2.851
|
2,2
|
-29
|
-0,1
|
34
|
0,4
|
Índia
|
2.828
|
2,2
|
488
|
1,0
|
69
|
0,8
|
Outros
|
8.107
|
6,4
|
1.770
|
3,7
|
323
|
3,6
|
Total
|
126.901
|
100,0
|
47.657
|
100,0
|
9.097
|
100,0
|
Fonte: SEF, Estatísticas de Estrangeiros, 2001, 2002, 2003 (http://www.sef.pt/estatisticas.htm/).
- 8 O artigo 55.º do Decreto-Lei 4/2001 estabelecia que até à aprovação do relatório contendo a previsã (...)
- 9 A partir da entrada em vigor do Decreto-Lei 4/2001 a população estrangeira legalmente residente pas (...)
13As autorizações de permanência concedidas ao abrigo do D.L. 4/2001 de 10 de Janeiro, permitiram confirmar a emergência em Portugal de comunidades imigrantes anteriormente pouco significativas do ponto de vista numérico, assistindo-se a que, pela primeira vez, os imigrantes ucranianos, romenos, moldavos ou russos surgissem no topo das estatísticas da imigração em Portugal. E permitiu, igualmente, tomar consciência de que a imigração em Portugal já não se encontrava confinada às regiões de acolhimento tradicionais, antes se dispersando por todo o território nacional. Assim, no espaço de um ano (2001), e ao abrigo do artigo 55.º do referido Decreto-Lei 4/2001, foram concedidas 126.901 autorizações de permanência a trabalhadores imigrantes que se encontravam ilegalmente no país8. Mais de metade destas autorizações de permanência foram concedidas a cidadãos do Leste da Europa (56%) e 36% a trabalhadores imigrantes provenientes da Ucrânia. Num só ano, o número de imigrantes a residir legalmente9 no país passou de 208.198 em 2000 para 350.503 em 2001, ou seja, registou um crescimento de 68%.
14Tendo em conta os padrões migratórios dos anos 80 e dos anos 90 esta mudança foi súbita e inesperada. Foi particularmente imprevisível porque Portugal não adoptou, durante este período, nenhuma política pró-activa de recrutamento de imigrantes do leste europeu, nem tinha quaisquer laços históricos, culturais ou económicos privilegiados com esta região a que se possa atribuir este súbito e intenso movimento de trabalhadores imigrantes desta região para Portugal. Acresce que o número de cidadãos de países da Europa do Leste residentes em Portugal durante os anos 90 era diminuto, 2373 pessoas em 1999 (SEF, Estatísticas de 1999), e além do mais encontrava-se disperso por várias nacionalidades, pelo que nenhuma nacionalidade tinha, em finais dos anos 90, relevância numérica suficiente para suportar uma rede migratória na qual este súbito e intenso movimento se pudesse basear.
- 10 De facto, nenhuma das investigações levadas a cabo até 2002 e que procuravam estimar os futuros flu (...)
15A maior perplexidade que nos surge quando analisamos as migrações da Europa de Leste para Portugal tem a ver com o facto destas terem sido extraordinariamente intensas e concentradas num espaço temporal muito curto (2 a 3 anos, 2000-2002) não tendo, por isso, existido o espaço temporal necessário ao desenvolvimento e consolidação de redes migratórias. Também não se verificou um recrutamento directo por parte de Portugal, nem tão pouco acordos bilaterais para fornecimento de mão-de-obra entre país de destino e de origem. Isto significa que as estruturas intermediárias entre os locais de origem e o país de destino, usualmente apontadas como facilitadoras e promotoras dos fluxos migratórios laborais estavam, neste caso, ausentes10.
16A constatação de que este movimento surge no espaço de poucos meses e tem uma difusão extremamente rápida é reconhecida por documentos oficiais portugueses que atribuem este súbito e intenso fluxo migratório do Leste Europeu para Portugal a três causas principais, a saber:
-
à falta de controlo na emissão de vistos de curta duração por parte de outros países da União Europeia;
-
à velocidade e facilidade de movimento dentro do Espaço Schengen; e
-
- 11 Relatório sobre a evolução do fenómeno migratório, 1 de Março de 2002, IGT, ACIME, SEF.
ao tráfico de seres humanos organizado a partir da Europa de Leste sob o disfarce de denominadas «agências de viagem»11.
17Estes factores são sem dúvida importantes. Um fluxo súbito e intenso só pode ocorrer se houver infra-estruturas organizadas para o transporte e se os documentos necessários à viagem poderem ser rápida e facilmente obtidos. Assim, no caso das migrações de indivíduos do leste da Europa para Portugal, a maioria das estruturas intermédias facilitadoras dos movimentos migratórios foram criadas pelo sector empresarial, nomeadamente pelas agências de viagens formais ou informais, que foram as primeiras a perceber a oportunidade de negócio que este tipo de imigração representava.
- 12 Inquéritos realizados para os projectos de investigação «Novos fluxos imigratórios em Portugal» (fi (...)
18De facto, os resultados dos dois inquéritos por nós realizados em 2002 e 2004/200512 confirmam a relevância destes factores. Assim, por exemplo, 96% dos inquiridos do inquérito de 2002 indicaram que tinham entrado em Portugal com um visto de curta duração e 66% com um visto de turismo) emitido por um consulado não português. Mais de metade dos inquiridos declarou que entrou em Portugal com a ajuda de uma «agência de viagens» e 86% que tinham feito a viagem em autocarros ou mini-autocarros. Acresce que quando questionados directamente se tinham tido dificuldades com as máfias uma significativa percentagem de 16%, respondeu afirmativamente.
19Apesar de relevantes estes factores não explicam cabalmente porque é que estas pessoas resolveram deixar o seu país, nem porque é que decidiram vir para Portugal. De facto, para responder a estas perguntas outros factores têm que ser também tomados em consideração.
- 13 Em várias regiões, como por exemplo na Trans-Dniestra na Moldávia e na Abkhazia na Georgia, os conf (...)
- 14 Satzewich (2002), p. 192.
- 15 Em 2002, os dois países com o salário mínimo médio por mês mais baixo (salário mínimo anual dividid (...)
20Recorrendo a um modelo clássico de repulsão/atracção podemos dizer que após o desmantelamento da União Soviética, os países da Europa de Leste entraram num período de transição para uma economia de mercado e para sistemas de governação democráticos que aumentaram consideravelmente a propensão para a emigração13. Primeiro, porque se tornou possível emigrar para um número muito substancial de pessoas, isto é, as barreiras legais à mobilidade externa foram sendo progressivamente desmanteladas em todos os países do leste Europeu14. Segundo, porque as diferenças de salários e de níveis de vida entre os países da Europa de leste e da União Europeia tornaram-se conhecidos do público em geral. Saliente-se a este propósito que 65% dos inquiridos, no nosso inquérito de 2002, declararam ganhar menos de 100 euros por mês nos seus países de origem, o que é significativamente menos do que qualquer um dos salários mínimos então em vigor nos países da União Europeia15. E terceiro, porque se reactivou em algumas regiões uma forte cultura emigratória tradicional. Estamos a pensar, por exemplo, na região Oeste da Ucrânia, que desde há séculos tem uma forte cultura migratória e de onde provieram mais de 49 por cento dos inquiridos ao nosso inquérito de 2002.
- 16 In: Inquérito aos salários por profissões na Construção Civil e Obras Públicas. Ministério da Segur (...)
21Estas determinantes explicam, a nível macro, porque é que uma parte da população dos países do Leste Europeu decidiu emigrar. A razão porque alguns decidiram emigrar para Portugal pode ser atribuída ao seguinte conjunto de factores. Primeiro, à promoção de Portugal feita por «agências de viagens» dos países do Leste Europeu, particularmente da Ucrânia, que ofereciam pacotes atractivos que incluíam viagem, documentos, transporte e a promessa de trabalho no país de destino e que eram acessíveis a um largo segmento da população. Segundo, ao facto de os salários em Portugal serem várias vezes superiores aos praticados nos países de origem. Lembremos, por exemplo, que o salário mínimo médio de servente da construção civil e obras públicas, sector em que como dissemos se insere a grande maioria dos imigrantes recém chegados, era de 458 euros em Janeiro de 2001 e de 474 euros em Janeiro de 200216. E finalmente, o facto de que havia uma regularização extraordinária de trabalhadores imigrantes, aberta em permanência de Janeiro a Novembro de 2001, que oferecia uma alternativa real a uma eventual estadia ilegal noutro país da União Europeia. É a combinação de todos estes factores a nível macro e a nível micro que explicam o súbito e intenso movimento migratório da Europa do Leste para Portugal.
22A maior parte dos imigrantes do leste europeu que entraram em Portugal entre 2001 e 2003, ou já regressou ao seu país de origem ou re-emigrou para outro país. A prolongada recessão económica que desde 2004/2005 se instalou no sector da construção civil e obras públicas em simultâneo com a estagnação ou o fraco crescimento da economia portuguesa, significou a perda de emprego para muitos destes imigrantes o que na maioria dos casos levou ao abandono do país.
23Como é sabido, todos os fluxos migratórios deixam resíduos, isto é, independentemente da evolução económica há sempre alguns imigrantes que se fixam de forma permanente no país de acolhimento, dando origem a novos fluxos migratórios de cariz familiar. Assim por exemplo, os Ucranianos residentes em Portugal, que em 2004 eram aproximadamente 65 mil e mais de noventa por cento homens, em 2007 tinham descido para 39 mil, sendo que 24 mil (62%) eram homens e 15 mil (38%) eram mulheres (SEF, Estatísticas, 2007).
- 17 Lei 308-A/75 de 24 de Junho
24Portugal, como afirmámos no início deste trabalho, tem uma curta experiência com fluxos significativos de imigrantes. Nesta breve história da imigração é possível discernir, três fases distintas nos movimentos migratórios. Os primeiros movimentos (1974/1975 a 1985) podem essencialmente atribuir-se a dois factores. Primeiro, a descolonização e a consequente alteração da lei da nacionalidade17 que fez emergir no país a primeira comunidade significativa de ‘imigrantes’. Segundo, e substancialmente imbricado no primeiro factor, os processos de reunificação familiar e de formação de novas famílias e o consequente desenvolvimento de redes migratórias informais.
25Com a entrada de Portugal para CEE e a abertura da nossa economia ao exterior, inicia-se uma nova fase nos movimentos migratórios para Portugal (1986 a 1999/2000), que reflecte na sua composição o crescimento económico do país e o modelo de desenvolvimento que foi seguido. Durante este período o país registou um crescimento significativo de imigrantes oriundos do Brasil, da Europa e da América do Norte que, apesar de numericamente um pouco menos significativo do que os imigrantes provenientes dos PALOP, desempenharam funções relevantes para o desenvolvimento do país nos segmentos mais qualificados do mercado de trabalho nacional.
26Na viragem do milénio e até 2003/2004, inicia-se uma terceira fase nos movimentos imigratórios, estes novos movimentos responderam ás oportunidades de emprego geradas no sector da construção civil e obras públicas e nas indústrias ligadas ao turismo, contribuíram para formação de uma população imigrante significativa no país e para a diversificação das origens nacionais dos imigrantes. Estes recentes movimentos migratórios afirmaram Portugal como país de imigração e integraram Portugal no sistema migratório global na sua dupla faceta de importador e exportador de mão-de-obra. Uma parte substancial dos imigrantes que chegaram a Portugal durante o final do século XX e início do século XXI, vieram de países do Leste da Europa com os quais Portugal não tinha quaisquer laços históricos, culturais ou políticos. O aproveitar de oportunidades conjunturais relacionadas com a possibilidade de inserção praticamente imediata no mercado de trabalho, de uma regularização simplificada e de uma rede estruturada de resposta rápida e eficaz por parte de uma indústria das migrações, sediada nos países de origem, tornou Portugal um destino atractivo para imigrantes improváveis. Em síntese, podemos afirmar que foi a conjuntura económica em simultâneo com o lançamento de grandes projectos públicos e com os sinais decorrentes da política migratória portuguesa os responsáveis pelo intenso fluxo (e pelo posterior refluxo) desta última vaga migratória. Ei-los que chegam. Ei-los que partem.