- 1 A história das migrações resultantes da expansão europeia iniciada no século XV por portugueses e e (...)
- 2 Castelo (2007), p. 21.
1A migração de naturais das potências colonizadoras europeias para as suas possessões em África, nos séculos XIX-XX1, teve características análogas à emigração europeia anterior a meados de oitocentos: assegurava o domínio político-administrativo e socio-económico da sociedade colonial baseada na exploração dos recursos naturais e de uma mão-de-obra indígena abundante e extremamente barata (por vezes, gratuita). Na maioria dos casos, era uma migração temporária. Só nalgumas colónias, como a África do Sul (desde meados do século XVII), a Argélia (desde 1830), a Rodésia do Sul, o Quénia, Angola (desde finais do século XIX) e Moçambique (já no século XX), se conseguiu combinar o domínio dos territórios, dos povos indígenas e do seu trabalho com um povoamento europeu com carácter definitivo2.
- 3 A emigração exerce, há mais dum século, uma profunda acção na sociedade portuguesa […]. Fenómeno de (...)
- 4 À revelia dessa tendência, veja-se Castelo, 2007.
2A emigração e a colonização são dois dos fenómenos sociais que mais marcaram a sociedade portuguesa na longa duração. Interligados entre a expansão europeia iniciada no século XV e a independência do Brasil em 18223, voltaram a articular-se parcialmente nas últimas décadas do império português em África. A mobilidade entre a «Pátria Mãe» e as suas colónias no continente africano, que atingiu o seu auge entre o fim da II Guerra Mundial e 1974, enquadra-se num tipo específico de movimento migratório, a migração ultramarina. Apesar da vasta produção historiográfica e sociológica sobre a emigração portuguesa e da recente proliferação de centros de estudos e projectos de investigação em torno das migrações, a migração ultramarina continuava, até há pouco, um terreno quase inexplorado4.
- 5 Circunscrevemos a abordagem a estes dois territórios porque nas outras colónias portuguesas em Áfri (...)
- 6 Tendo em conta que só existem séries estatísticas homogéneas e comparáveis a partir de 1943/1944, a (...)
3Este artigo tem como objecto a migração de metropolitanos para Angola e Moçambique5, entre o último quartel do século XIX e 1974. Além da explanação do debate ideológico em torno do povoamento ultramarino e da política para o sector, pretendemos traçar o quadro geral daquela corrente migratória do ponto de vista quantitativo, demográfico e social6.
- 7 Pereira (1981), p. 8 e seguintes.
4Em Portugal, entre o último quartel do século XIX e 1930, a política de emigração procurou responder a três objectivos: manter a entrada de divisas provenientes do Brasil; conseguir simultaneamente desviar para África uma parte do contingente emigratório, indispensável à implantação da administração portuguesa; conciliar os dois primeiros objectivos com as necessidades de mão-de-obra da burguesia agrária e industrial metropolitana. Esta tripla motivação é um dos factores da aparente contradição da política emigratória portuguesa, que, reconhecendo o papel financeiro e sociológico da emigração, tenta concomitantemente limitá-la para a inserir parcialmente no projecto colonial e compatibilizá-la com o desenvolvimento interno7.
5A emigração portuguesa em larga escala para o Brasil era sobretudo constituída por activos jovens do sexo masculino. A separação familiar assegurava o envio de remessas de dinheiro dos emigrantes isolados para as suas famílias que haviam permanecido nas terras de origem em Portugal. As remessas eram um dos pilares da política económica e financeira portuguesa. A importância das remessas dos emigrantes no equilíbrio financeiro português foi, aliás, destacada desde a década de 1870 pelos principais economistas e políticos portugueses8.
- 9 Depois da independência do Brasil e de um período de hesitação, Portugal virou-se para África. Desd (...)
- 10 Martins (1953 [1880]), p. 224.
- 11 Martins (1953 [1880]), pp. 230-237.
6A ideia de reorientar uma parcela da emigração portuguesa para o ultramar, apesar de muito vulgarizada junto da opinião pública, nunca foi consensual9. Oliveira Martins expressou-se contra a canalização para África da corrente de emigração que rumava ao Brasil e contra a criação de uma colónia agrícola em África, onde colonos brancos trabalhassem com os seus próprios braços. Explicava que o trabalho remunerado e livre dos africanos condenaria os emigrantes portugueses, sem capital e habilitações profissionais, à ruína, e que a emigração portuguesa para o Brasil tinha um «carácter comercial-industrial» e não agrícola10. A realizar-se, a colonização agrícola de Angola significaria que o Brasil perdia o seu cunho lusitano e Portugal deixava de contar com as remessas dos emigrantes e um importante destino do seu comércio externo. Defensor da colonização interna, aceitava que se povoasse a metrópole em vez do Brasil, mas nunca que se trocasse o Brasil pela África11.
- 12 Costa (1911), pp. 171-173.
7O presidente do Partido Republicano Português, Afonso Costa, salienta que as colónias africanas são essencialmente agrícolas e insiste na ideia que o emigrante português não resiste ao trabalho da terra em África. Além disso, os emigrantes que se dirigem ao Brasil são sobretudo oriundos do norte de Portugal, onde uma propriedade fundiária demasiado pulverizada – o minifúndio – não permite nem precisa de assalariados, ao contrário do que acontece no sistema latifundiário que caracteriza o sul do país. Em favor do seu argumento, refere ainda que enquanto alguns defendem a ida de colonos brancos para arrotearem a terra em África, os nativos de lá emigram para territórios vizinhos. Conclui que nas colónias portuguesas há disponibilidade de braços em relação às exigências da agricultura. Portanto, tentar substituir essa mão-de-obra nativa por colonos brancos seria um absurdo12. No centro das suas preocupações está o desenvolvimento equilibrado da metrópole, o aproveitamento dos invisíveis proporcionados pela emigração para o Brasil, a rentabilização do trabalho indígena, e não uma intensa fixação de portugueses nas colónias africanas.
- 13 Matos (1926), pp. 26-29.
8Norton de Matos, alto-comissário da República em Angola (1921-1924), tem uma posição diferente. Apesar de não pôr em causa o destino preferencial dos emigrantes portugueses (ou não fosse ele natural do Minho, região de intensa emigração para o Brasil), não deixa de defender a fixação de famílias rurais portuguesas nas colónias africanas e a ida crescente de migrantes de todas as origens sociais para África13.
- 14 Monteiro (1933), p. 27.
- 15 Castelo (2007), p. 77.
9No período inicial do Estado Novo, a concepção que prevalece é a que aponta para uma migração ultramarina circunscrita a pessoal especializado, quadros técnicos e dirigentes. Segundo o ministro das Colónias, Armindo Monteiro (1931-1935), à África portuguesa devem dirigir-se apenas indivíduos com conhecimentos técnicos, quadros da indústria, do comércio e, sobretudo, da agricultura; técnicos que vão dirigir grandes empresas, técnicos que tomem conta de pequenas e médias explorações agrícolas14. «O colono ideal de Norton de Matos e paradoxalmente o colono modelo duma forte corrente ideológica no seio do próprio Estado Novo, não agrada a Armindo Monteiro. Para o ideólogo da «mística imperial», colonização da África nunca serviria para resolver o problema dos excessos demográficos ou para suster a emigração.»15
- 16 Salazar (1945), pp. 158-159 e 163
10A posição de Oliveira Salazar sobre o problema do povoamento colonial estava em consonância com a de Armindo Monteiro. Na sessão inaugural da I Conferência Económica do Império, realizada em 1936, considera que a preferência do emigrante português pelo Brasil se conjuga com o interesse nacional brasileiro e, referindo-se ao problema dos excedentes demográficos, prevê que a solução esteja na colonização e na industrialização. Dada a debilidade da indústria nacional, o presidente do Conselho defende a especialização das colónias na produção de matérias-primas para a abastecer e para lhe adquirir os produtos manufacturados. Logo, não deixa de conceber a migração ultramarina como uma transferência de quadros e dirigentes para as colónias e descarta responsabilidades estatais no encaminhamento dos colonos para África. Isto não quer dizer que não atribuísse importância à fixação com carácter permanente de portugueses em Angola e Moçambique, mas tinham que ser portugueses com capacidade financeira, iniciativa e qualificações técnicas16.
11A ideia de uma colonização assente na exploração económica dos recursos e dos povos coloniais, em benefício de interesses metropolitanos, não era consensual dentro do próprio regime salazarista. Na conjuntura do pós-II Guerra Mundial, perante as pressões externas tendentes à autodeterminação das colónias, a defesa daquela ideia torna-se marginal no discurso político-ideológico do Estado Novo. Na revisão da Constituição de 1951, Portugal deixa de se apresentar como um país que possui colónias, surgindo antes como uma unidade nacional espalhada por vários continentes e, portanto, constituída por províncias metropolitanas e ultramarinas. Na prática, continuou a assistir-se à exploração económica do «ultramar» para proveito, em grande medida, da metrópole. Só com a pressão da guerra colonial e do movimento internacional anticolonial se começou a apostar num desenvolvimento endógeno das sociedades coloniais.
12No pós-II Guerra Mundial aumentam as vozes favoráveis a um povoamento em larga escala, fortemente financiado pelo Estado, directamente em programas de colonização dirigida e, indirectamente, através do apoio à colonização livre e ao desenvolvimento económico. Contudo, à frente da pasta das Colónias/do Ultramar, continuam a surgir políticos que colocam fortes reservas a uma migração ultramarina massiva. Marcelo Caetano preconiza uma colonização livre regulada e Teófilo Duarte defende formas indirectas de promoção do povoamento.
13O povoamento do ultramar com portugueses da metrópole foi muitas vezes equacionado em conjunto com os problemas da emigração e dos excedentes demográficos nacionais. Nos anos 50 e 60, o assunto é retomado na Assembleia Nacional. Considerada uma extensão da colonização interna, a migração para os territórios ultramarinos é apontada como uma das soluções para o excesso populacional da metrópole, sem ser necessária a expatriação dos nacionais.
14Nos anos 60, o discurso oficial do presidente do Conselho, produzido para consumo interno (nas notas e declarações à imprensa nacional) e externo (nas entrevistas à imprensa estrangeira) sustenta que as províncias ultramarinas eram um prolongamento do Portugal metropolitano, onde populações portuguesas se fixavam para viver, e não um domínio para mera exploração económica.
15Nos anos finais do colonialismo português, não obstante o grande esforço de propaganda em favor do povoamento ultramarino, o mérito de atrair ao ultramar largas camadas da população metropolitana caberá antes ao acelerado desenvolvimento económico de Angola e de Moçambique, emprestando àquela corrente migratória características bem diversas da emigração para o estrangeiro e das idealizadas pelos propagandistas da colonização rural.
16Em meados do século XIX, o Estado português toma as primeiras medidas avulsas de criação de colónias agrícolas em Angola e transporta a título gratuito algumas centenas de colonos. Esses empreendimentos enfrentam obstáculos de vária ordem e apenas as colónias brancas de Moçâmedes (1849-1850) e do Lubango (1884-1885) deixarão raízes.
17Perante o expressivo crescimento da emigração para o Brasil, a partir de 1870, terminada a guerra do Paraguai e abolido o tráfico de escravos, houve a preocupação de perceber aquele surto emigratório, mediante um inquérito parlamentar. Os resultados do inquérito deram origem à lei de 28 de Março de 1877, a qual, entre outras medidas, defendia o desvio de parte da emigração portuguesa do Brasil para África (artigo 3.º). Este diploma, inserido no esforço de desenvolvimento das colónias empreendido por Andrade Corvo, só seria regulamentado em 16 de Agosto de 1881. Apesar das intenções, esta legislação não alcança o êxito desejado. As condições económicas e demográficas existentes nas colónias repeliam os potenciais migrantes e apenas os menos aptos e preparados – sem nada a perder – se arriscavam a partir, orientando-se, à chegada, para actividades comerciais.
18Em 1896, o passaporte para a África portuguesa passou a ser gratuito, para incentivar a migração espontânea de metropolitanos e em 1907 (lei de 25 de Abril) foi mesmo abolido, impondo-se a concepção de que não se tratava de um movimento emigratório para fora das fronteiras nacionais, mas de mobilidade populacional no interior do império. Não obstante, no início do século, a população branca de Angola e de Moçambique era relativamente diminuta: não chegava à dezena de milhar (vd. quadro 1).
19A ocupação militar, concluída na segunda década do século XX, possibilitou a expansão da administração civil e da colonização branca. A propaganda em torno da colonização do império continuou a ocupar a imprensa e o debate político. Porém, África ainda não era atractiva aos olhos dos potenciais migrantes, que a viam como terra de condenados e degredados, inóspita e povoada de perigos e doenças mortais.
20Os altos-comissários da República em Angola (sobretudo) e em Moçambique procuraram promover a fixação de portugueses nas colónias. No primeiro território foram promulgadas diversas medidas nesse sentido, o que contribuiu para o aumento da população branca ali residente. No entanto, a breve trecho, seriam descontinuadas devido à crise económica mundial de 1929 e à imposição de equilíbrio orçamental do ministro das Finanças Oliveira Salazar.
- 17 Cf. Portaria n.º 676, de 5-11-1930, do Governo-geral de Angola (publicada no Boletim Oficial da Col (...)
- 18 Cf. Diplomas legislativos n.º 410 e 430 do Governo-geral de Angola, de 29-10-1932 e 13-1-1933, resp (...)
21Embora no Acto Colonial se dissesse que era «da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos» (artigo 2.º), a verdade é que na década de 1930 são impostas apertadas restrições à entrada de migrantes portugueses em Angola e Moçambique. Essas medidas traduzem-se num decréscimo efectivo de novos residentes metropolitanos. O modelo de desenvolvimento económico das colónias posto em prática pelo Estado Novo, assente na exploração dos recursos naturais e da mão-de-obra africana, não se compadecia com uma migração em massa para Angola e Moçambique. Assim, a migração que se vai processando é sobretudo a migração espontânea de quadros e técnicos qualificados. Esta política tem a concordância dos governos coloniais fortemente preocupados com a eventual entrada de migrantes desprovidos de capital e competências técnicas, que fossem engrossar o rol de desempregados e empolassem o fantasma dos poor whites17. Além dos entraves à migração de naturais da metrópole, é também dificultada a entrada de migrantes estrangeiros18.
- 19 Cf. Portaria n.º 10919, de 9-4-1945 (publicada no Diário do Governo, I Série, n.º 75, de 9-4-1945), (...)
22A migração portuguesa para Angola e Moçambique só ganha verdadeira expressão quando o modelo de desenvolvimento económico e de relações raciais a instituir no terreno deixa de assentar exclusivamente na exploração dos recursos naturais e humanos locais, em benefício da economia metropolitana. O auge da migração portuguesa para Angola e Moçambique acontece apenas depois do fim da II Guerra Mundial, graças ao desenvolvimento económico propiciado pela alta da cotação dos géneros coloniais e, curiosamente, quando estava já em marcha o movimento anticolonial. Neste contexto, assiste-se a uma tímida inversão da política oficial de migração colonial19. Em 1947, a emigração para o estrangeiro é suspensa temporariamente. Pretendia-se «regulamentar a emigração portuguesa, tendo em conta a protecção devida aos emigrantes, os interesses económicos do País e a valorização dos territórios do ultramar pelo aumento da população branca» (decreto n.º 36199, de 29 de Março). No ano seguinte é promulgado um decreto que regula a entrada de naturais nas colónias, mas ainda com muitas reservas (decreto n.º 37196, de 27 de Novembro). Mantém-se a oposição oficial à migração de estrangeiros para as colónias portuguesas em África (sobretudo para impedir a ‘desnacionalização’ dos territórios e a penetração do «perigo vermelho»).
- 20 Despacho de 4 de Outubro, do ministro do Ultramar, que teve a concordância do ministro do Interior. (...)
- 21 O decreto n.º 44171, de 1 Fevereiro de 1962 (publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 22, de 1- (...)
23Com a criação da Junta de Emigração (decreto-lei n.º 36558, de 28-10-1947) no Ministério do Interior, são montados os serviços de emigração e estabelecidos os processos legais de enquadramento e protecção do emigrante. Desde 1955, eram «atribuição exclusiva da Junta de Emigração todas as operações relativas ao recrutamento de emigrantes destinados a colocação em colonatos e instituições oficiais do Ultramar»20. Tiveram início em 1956 as inscrições (abertas através das Câmaras Municipais) e a selecção das famílias de colonos que partiriam para o ultramar dentro dos planos estabelecidos (colonato da Cela e do Cunene, em Angola, e colonato do Limpopo, em Moçambique). Além de tardia, a migração ultramarina é inferior à emigração portuguesa para o estrangeiro, primeiro para o Brasil e, a partir de 1963, para França. Os projectos de povoamento postos em prática pelo Estado Novo nos anos 50 (no quadro dos Planos de Fomento) e todo o investimento oficial no desenvolvimento das colónias depois do início das guerras coloniais são algo anacrónicos em comparação com outras realidades coloniais. Em 1956, são introduzidas novas facilidades à entrada de migrantes portugueses no ultramar (decreto-lei n.º 40610, de 25-5-1956), mas só em 1962 é instituída a livre circulação e fixação de cidadãos portugueses por todo o território nacional21. Entretanto, em 1961, depois do sobressalto do início da guerra colonial, haviam sido criadas as Juntas Provinciais de Povoamento de Angola e Moçambique. Estes organismos tinham como função conduzir e orientar naqueles territórios ultramarinos os assuntos referentes ao povoamento, num sentido de integração multirracial e não apenas de fixação à terra de famílias europeias (decreto n.º 43895, de 6-9-1961).
24O elevado fluxo emigratório verificado em meados dos anos 60 esteve na origem da resolução do Conselho de Ministros de 14 de Janeiro de 1965:
- 22 Reproduzido em Ribeiro (1986), p. 45.
«Após ter examinado detidamente o assunto, verificou o Conselho, em primeiro lugar, que o volume crescente de emigrantes para o estrangeiro e, sobretudo, a forma desordenada como se tem processado a emigração, com as consequentes incidências regionais e sectoriais das disponibilidades de mão-de-obra, podem vir a ter repercussões desfavoráveis no desenvolvimento harmónico da economia nacional.
O Conselho considerou, além disso, que o desvio sofrido pelas correntes emigratórias nos últimos anos é igualmente susceptível de afectar a realização da política tradicional de povoamento das províncias ultramarinas, que constitui o imperativo constitucional e exigência crescente do progresso do nosso Ultramar.»22
- 23 Castelo (2007), p. 180.
25Apesar da preocupação expressa nesta resolução, em 1965, a emigração abarcaria 92488 indivíduos e no ano seguinte 111903, ficando-se o saldo do movimento de passageiros entre a metrópole e o ultramar em 14326 e 11745, respectivamente23. As medidas do governo não conseguiam reorientar o destino migratório, dado o forte poder de atracção das oportunidades de trabalho no centro da Europa.
- 24 Ribeiro (1986), p. 54.
26Aquando da criação do Secretariado Nacional de Emigração (decreto-lei n.º 402/70, de 22-8-1970) junto da Presidência do Conselho de Ministros, volta-se a pugnar pela inserção do movimento emigratório no contexto geral dos interesses nacionais, sendo um dos mais prioritários «canalizar de preferência para as províncias ultramarinas os excedentes de mão-de-obra metropolitana.»24
27No decreto-lei n.º 16/72, de 12 de Janeiro, que visa concentrar num só diploma todas as questões referentes ao Secretariado, expressa-se o desejo de reduzir o fluxo emigratório para a Europa, canalizando-o para a África portuguesa. Manifesta-se a intenção de organizar campanhas de informação para incentivar o povoamento do ultramar. Preconiza-se ainda a divulgação junto dos emigrantes de ofertas de emprego no continente, ilhas adjacentes e províncias ultramarinas. Porém, todas estas preocupações e intenções governamentais não conseguiram alterar o rumo dos acontecimentos.
28A migração ultramarina para as duas principais colónias portuguesas do continente africano – Angola e Moçambique – foi um fenómeno tardio na história de Portugal e em grande medida distinto da emigração para o estrangeiro.
- 25 Castelo (2007), pp. 174-182
29O momento da ‘descolagem’ da migração para a África portuguesa aconteceu no imediato pós-II Guerra Mundial, num contexto económico muito favorável gerado pelas altas cotações dos géneros coloniais. Num trabalho recente25, a análise do ritmo de crescimento do saldo de passageiros entre a metrópole e as províncias ultramarinas situa o apogeu deste fluxo nos anos 50 – primeira metade dos anos 60 (vd. quadro 2). A segunda metade da década de 60 foi já de abrandamento, ao contrário do que os números absolutos pareciam sugerir. Nos treze anos de guerra colonial, a taxa de fixação de novos residentes de origem metropolitana foi menor, mas a entrada de contingentes militares muitíssimo volumosos recrutados na metrópole traduziu-se, na prática, por um substancial aumento da população branca temporária.
30Em comparação com a emigração para o estrangeiro o movimento migratório para as colónias teve uma dimensão reduzida (vd. quadro 3). Este facto contrasta com a abundante propaganda em torno da colonização branca veiculada pela imprensa e esgrimida nos fóruns políticos ao longo do período estudado. A distância entre o discurso e a realidade é particularmente notória após o início da guerra colonial, quando o povoamento é assumido com uma «alta prioridade» da Nação.
- 26 Castelo (2007), pp. 182-201.
31A análise da informação estatística disponível26 permitiu-nos caracterizar, em termos demográficos e sociais, a grande vaga da migração ultramarina. Os migrantes que fixaram residência em Angola e Moçambique entre 1943 e 1973 eram originários sobretudo dos distritos de Lisboa, Porto, Viseu e Guarda. Inicialmente esta migração era predominantemente masculina, mas ao longo do tempo tende-se para o equilíbrio ente os sexos. O grupo etário mais representado foi sempre o dos indivíduos em idade activa, tal como o estado civil que reuniu sempre mais migrantes foi o dos casados. O grau de instrução dos embarcados era mais elevado que o dos portugueses metropolitanos (e dos emigrantes para o estrangeiro), ainda que no período áureo da corrente migratória ultramarina tenha havido um abaixamento do nível médio de escolaridade. Em termos relativos, para Moçambique iam indivíduos mais qualificados do que para Angola. Quanto ao ramo de actividade e à situação na profissão, para o território angolano embarcavam sobretudo pessoas ligadas ao comércio e os patrões e isolados estavam mais representados; para o território moçambicano iam mais pessoas ligadas aos serviços e à administração pública e destacavam-se os funcionários. Esta situação reflectia-se na forma de custear a viagem: para o primeiro destino, a maioria dos embarcados seguia a expensas próprias ou do chefe de família; para o segundo, a maioria viajava à custa do Estado. Para o conjunto do ultramar, entre meados dos anos 50 e meados dos anos 60, os activos ligados ao sector primário ocuparam a primeira posição no movimento de passageiros. Terá sido neste período que a migração ultramarina mais se aproximou do padrão social da emigração para o estrangeiro. Foi também neste período que o Estado Novo mais se empenhou no transporte de trabalhadores agrícolas, embora no destino, à revelia dos projectos oficiais, aqueles voltassem as costas à enxada.
32O perfil social dos migrantes que se fixaram em Angola e Moçambique não corresponde ao dos emigrantes portugueses que se deslocaram para o Brasil ou, mais tarde, para França. Tal como em qualquer movimento migratório, na migração ultramarina influíram factores de repulsão, geralmente de natureza económica, e de atracção. Note-se que terão sido estes os mais determinantes. Os migrantes – mesmo no período de expansão e consolidação da administração colonial – tinham consciência de que se iam instalar num espaço de desigualdade, no qual estariam em situação permanente de superioridade relativamente à restante população. Devido à sua inserção no estrato dominante da sociedade colonial, era-lhes garantido acesso privilegiado ao poder político, social, económico e simbólico. As oportunidades acrescidas de promoção social, a abundância de mão-de-obra barata e subjugada, a certeza de um estatuto inquestionável perante o conjunto da população africana – largamente maioritária – terão influenciado na decisão de migrar. A partir dos anos 50, o acelerado crescimento das economias angolana e moçambicana, tornaram a migração ultramarina apetecível aos olhos de um número crescente de portugueses. Na recta final do colonialismo português em África o recrutamento empresarial e o recrutamento público indirecto tiveram um peso considerável na atracção de jovens quadros saídos do ensino médio e superior.
33Até muito tarde, e apesar de algumas medidas avulsas em contracorrente, o Estado português procurou afastar das colónias a migração determinada por factores de repulsão de carácter económico. Embora nos período áureo da migração ultramarina (meados dos anos 50 a meados dos anos 60) se tenha verificado um abaixamento da origem social dos migrantes – muito evidente nos contingentes recrutados para os colonatos e núcleos de povoamento agrário oficiais –, uma análise de longo curso confirma um padrão migratório muito heterogéneo e, em média, socialmente mais elevado.
34Aquando da descolonização, em 1975, afluíram a Portugal cerca de meio milhão de portugueses que viviam permanentemente em Angola e Moçambique. Fechava-se, assim, o ciclo migratório ultramarino, marcado por ambiguidades e obstáculos de diversa natureza. As questões identitárias forjadas naquela dupla expatriação – 1) saída voluntária da «Pátria mãe» e fixação no ultramar; 2) abandono ‘forçado’ da pátria adoptada em África e retorno à antiga metrópole –, essas continuam em aberto.
Quadro 1. População branca (1846-1973)
Anos
|
Angola
|
Moçambique
|
1846
|
1 830
|
|
1900
|
9 198
|
2 064*
|
1910
|
12 000
|
c. 11 000**
|
1920
|
20 700
|
1928
|
|
17 842
|
1930
|
30 000***
|
|
1935
|
|
23 131
|
1940
|
44 083
|
27 438
|
1945
|
|
31 221
|
1950
|
78 826
|
48 213
|
1955
|
|
65 798
|
1960
|
172 529
|
97 245
|
1970
|
280 101
|
162 967
|
1973
|
324 000
|
190 000
|
Fontes: Colónia de Angola, Repartição Central de Estatística Geral, Anuário Estatístico: 1940, Luanda, Imprensa Nacional, 1941 (estimativas). Colónia de Moçambique. Repartição Central de Estatística, Boletim Económico e Estatístico, série especial, n.º 13, Lourenço Marques, Imprensa Nacional, 1936. Colónia de Moçambique, Repartição Técnica de Estatística, Anuário Estatístico: 1945, Lourenço Marques, 1946. Estado de Angola, INE, Anuário Estatístico: 1973, Luanda, Imprensa Nacional, 1974. Província de Moçambique, Repartição Técnica de Estatística, Anuário Estatístico, Ano XXXIII, 1960, Lourenço Marques, Imprensa Nacional, s.d. Moçambique, República Popular de Moçambique, Direcção dos Serviços de Estatística, Anuário Estatístico: 1973, s.l., s.n., [d.l. 1976].
* Habitantes europeus no Território sob administração directa do Estado. / ** Por ocasião da I Guerra Mundial. Cf. Clarence-Smith, 1990 [1985], p. 141. / *** Estimativa efectuada após o censo de 1940.
35
Quadro 2. Movimento de passageiros metropolitanos embarcados e desembarcados na metrópole, por via marítima (1943-1973)
Anos
|
Entrados Angola
|
Saídos Angola
|
Saldo
|
Entrados Moçambi- que
|
Saídos Mo- çambique
|
Saldo
|
Entrados Ultramar
|
Saídos Ultramar
|
Saldo
|
1943
|
2.505
|
1.526
|
979
|
1.261
|
1.163
|
98
|
4.374
|
3.227
|
1.147
|
1944
|
2.180
|
1.489
|
691
|
1.595
|
1.000
|
595
|
4.267
|
2.929
|
1.338
|
1945
|
3.558
|
2.070
|
1.488
|
2.601
|
1.336
|
1.265
|
6.762
|
4.012
|
2.750
|
1946
|
3.983
|
2.211
|
1.772
|
3.167
|
1.563
|
1.604
|
8.021
|
4.780
|
3.241
|
1947
|
6.549
|
2.271
|
4.278
|
5.080
|
1.284
|
3.796
|
12.231
|
4.234
|
7.997
|
1948
|
6.549
|
3.216
|
3.333
|
4.159
|
1.953
|
2.206
|
11.547
|
5.721
|
5.826
|
1949
|
7.512
|
3.163
|
4.349
|
4.654
|
1.664
|
2.990
|
12.997
|
5.654
|
7.343
|
1950
|
10.335
|
3.525
|
6.810
|
4.725
|
1.954
|
2.771
|
15.735
|
6.012
|
9.723
|
1951
|
10.598
|
3.378
|
7.220
|
4.822
|
1.815
|
3.007
|
16.288
|
6.002
|
10.286
|
1952
|
14.483
|
4.505
|
9.978
|
5.441
|
2.132
|
3.309
|
21.224
|
7.477
|
13.747
|
1953
|
13.071
|
5.004
|
8.067
|
4.805
|
2.131
|
2.674
|
19.134
|
8.124
|
11.010
|
1954
|
13.739
|
5.172
|
8.567
|
4.865
|
2.231
|
2.634
|
19.839
|
8.507
|
11.332
|
1955
|
16.550
|
6.659
|
9.891
|
5.512
|
2.290
|
3.222
|
23.388
|
9.764
|
13.624
|
1956
|
15.139
|
6.493
|
8.646
|
6.927
|
2.072
|
4.855
|
23.366
|
9.567
|
13.799
|
1957
|
15.081
|
7.651
|
7.430
|
6.529
|
2.638
|
3.891
|
22.887
|
11.438
|
11.449
|
1958
|
16.906
|
8.725
|
8.181
|
8.032
|
2.705
|
5.327
|
26.349
|
12.505
|
13.844
|
1959
|
18.308
|
9.481
|
8.827
|
8.867
|
3.214
|
5.653
|
28.691
|
13.795
|
14.896
|
1960
|
14.731
|
9.976
|
4.755
|
9.522
|
2.991
|
6.531
|
26.157
|
14.311
|
11.846
|
1961
|
9.216
|
14.187
|
-4.971
|
6.752
|
3.721
|
3.031
|
17.345
|
19.803
|
-2.458
|
1962
|
19.965
|
8.967
|
10.998
|
6.512
|
3.672
|
2.840
|
27.803
|
14.374
|
13.429
|
1963
|
14.151
|
11.759
|
2.392
|
5.864
|
4.160
|
1.704
|
26.067
|
17.295
|
8.772
|
1964
|
16.031
|
10.674
|
5.357
|
6.795
|
4.312
|
2.483
|
23.766
|
16.178
|
7.588
|
1965
|
19.804
|
11.216
|
8.588
|
9.209
|
3.547
|
5.662
|
30.329
|
16.003
|
14.326
|
1966
|
19.793
|
11.610
|
8.183
|
6.973
|
3.481
|
3.492
|
27.853
|
16.108
|
11.745
|
1967
|
16.621
|
12.123
|
4.498
|
5.156
|
4.442
|
714
|
22.700
|
17.499
|
5.201
|
1968
|
19.140
|
11.589
|
7.551
|
5.917
|
3.682
|
2.235
|
26.032
|
16.165
|
9.867
|
1969
|
16.621
|
10.581
|
6.040
|
5.662
|
3.605
|
2.057
|
23.300
|
15.268
|
8.032
|
1970
|
14.173
|
10.542
|
3.631
|
4.708
|
3.185
|
1.523
|
19.619
|
14.588
|
5.031
|
1971
|
12.390
|
10.136
|
2.254
|
3.636
|
2.442
|
1.194
|
16.503
|
13.243
|
3.260
|
1972
|
12.639
|
7.864
|
4.775
|
2.305
|
1.561
|
744
|
15.362
|
9.924
|
5.438
|
1973
|
9.589
|
9.063
|
526
|
1.704
|
1.974
|
-270
|
11.572
|
11.591
|
-19
|
1974
|
5.215
|
8.247
|
-3.032
|
29
|
843
|
-814
|
5.331
|
9.295
|
-3.964
|
Total
|
397.125
|
235.073
|
162.052
|
163.786
|
80.763
|
83.023
|
596.839
|
345.393
|
251.446
|
Fonte: Portugal. INE, Anuário Estatístico do Império Colonial (de 1943 a 1949) / Anuário Estatístico do Ultramar (de 1950 a 1960) / Anuário Estatístico, vol. II, Ultramar (de 1961 a 1965) / Anuário Estatístico, vol. II, Províncias Ultramarinas (de 1966 a 1974).
Quadro 3. Confronto entre o movimento migratório para o ultramar e o movimento emigratório para o estrangeiro (1943-1974)
* Apurado no quadro 2, última coluna.
Fontes: Barata, 1965, p. 101. Portugal. INE (1976), Estatísticas Demográficas: Continente e Ilhas: 1975, Lisboa, Soc. Astória Lda. (Dados retrospectivos e comparativos). Portugal. INE, Anuário Estatístico do Império Colonial (de 1943 a 1949) / Anuário Estatístico do Ultramar (de 1950 a 1960) / Anuário Estatístico, vol. II, Ultramar (de 1961 a 1965) / Anuário Estatístico, vol. II, Províncias Ultramarinas (de 1966 a 1974).
Observação: Não são apresentadas percentagens para os anos de 1961, 1973 e 1974 porque nesses anos o saldo foi negativo.