- 1 Sobre o final deste sistema de recrutamento de trabalhadores estrangeiros veja-se, entre outros, Ca (...)
1É bem conhecido que a migração intra-europeia foi fortemente afectada pelas consequências da crise económica do início dos anos 70 que levou os países industrializados da Europa a fechar as suas fronteiras a novos migrantes laborais, a declarar oficialmente a desnecessidade de mais recrutamentos de forças de trabalho e, assim, declarar obsoleto o sistema dos gastarbeiter em que até então se tinha baseado o recrutamento de forças de trabalho estrangeiras1. Os potenciais trabalhadores emigrantes portugueses encontraram-se entre os particularmente afectados por este mais ou menos rápido encerramento das fronteiras dos seus principais destinos emigratórios do pós-II Guerra Mundial (em especial a Françaea Alemanha) e pela inexistência ou insuficiência de destinos novos e alternativos que pudessem utilizar os trabalhadores portugueses. A quebra da emigração portuguesa para os países da Europa Ocidental conduziu ao desenvolvimento de um forte stock de candidatos à emigração, o qual se tornou especialmente significativo dada a concomitância do mencionado encerramento das fronteiras dos destinos privilegiados da emigração portuguesa com o processo de independência das colónias portuguesas e o subsequente regresso à metrópole de um número significativo de «retornados» (aproximadamente 500.000 segundo Pires (2003: 132)) e a redução do número de efectivos empregues nas forças militares.
2A evidência empírica mostra que nos dez anos subsequentes à crise económica de 1973/74 o potencial migratório nacional não se transformou em migração efectiva. Com efeito, em comparação com os 1.293.484 emigrantes que deixaram o país entre 1964 e 1974, os 294.423 que saíram entre 1975 e 1985 representam um decréscimo significativo (Baganha e Marques, 2001). Para além desta alteração quantitativa registou-se, também, uma profunda modificação na composição do fluxo migratório, o qual passou a ser constituído preponderantemente não por trabalhadores, mas por membros familiares de trabalhadores emigrados antes da referida crise económica.
- 2 O Decreto-Lei n.º 438/88 de 29 de Novembro aboliu o «passaporte de emigrante» no qual se tinham, at (...)
- 3 Em Outubro de 1991, o ministro Português dos Negócios Estrangeiros declarou numa entrevista ao Jorn (...)
3A redução dos fluxos de saída e o final da série estatística oficial sobre a emigração dos cidadãos portugueses2 tornou, a partir de meados dos anos 80, crescentemente difícil a obtenção de um conhecimento fidedigno sobre o número de saídas. A inexistência ou, pelo menos, a invisibilidade dos fluxos de saída tornou a emigração quase imperceptível para os mass media, os políticos e os investigadores nacionais e levou o governo português a declarar oficialmente, no início dos anos 90, o «fim da emigração portuguesa»3. Deslumbrada com a importância política, económica e simbólica de se ter tornado parte do grupo de países desenvolvidos (a Comunidade Europeia), a persistência da emigração surgia aos olhos da elite política como um embaraço (Baganha e Góis, 1998/1999: 249). A inclusão do país no conjunto de países centrais e desenvolvidos deveria, na sua perspectiva neoclássica, levar à emergência de padrões migratórios similares aos observados nos restantes países desenvolvidos. Isto é, ao tornar-se parte do centro era esperado que o país começasse a receber imigrantes de países menos desenvolvidos e que a emigração estivesse, se não já extinta, num rápido e acelerado processo de extinção. A saída de trabalhadores portugueses surgia, assim, como uma anomalia teórica, não justificável por desequilíbrios económicos entre países pertencentes ao mesmo espaço comunitário, mas por motivos situados fora de uma racionalidade estritamente económica. O desconforto, sentido pelas autoridades portuguesas, em lidar com a questão da emigração portuguesa alargou-se mesmo aos emigrantes que tinham saído do país nas décadas precedentes, levando, por exemplo, as entidades oficiais portuguesas a substituir o termo «emigrante» pelo termo «comunidades portuguesas» e a substituir a distinção entre portugueses residentes em Portugal e emigrantes pela distinção entre portugueses residentes e não-residentes (Santos 2004: 65-69).
- 4 A tese da transição migratória afirma que a direcção dos movimentos migratórios se encontra directa (...)
4Ao mesmo tempo que o discurso sobre o final da emigração portuguesa começava a generalizar-se entre a elite política e a comunidade científica nacional, Portugal via-se confrontado com uma nova realidade migratória, muito mais em consonância com a ideia de «país desenvolvido». A evolução positiva dos fluxos imigratórios observada a partir de meados dos anos 80 levou, na ausência de informação suficiente sobre as saídas, à contínua repetição do anúncio da tese da transição migratória4. Assim, a afirmação de que se tinha passado de país de emigração para país de imigração tornou-se comum no decurso deste período, sendo cientificamente legitimada através da publicação, em 1991, de um livro precisamente intitulado «Portugal país de imigração» (Esteves 1991). O forte aumento da população estrangeira residente no país ao longo das décadas de 80 e 90 – passando de 58.091, em 1980, para 190.896, em 1999 – justificava a maior atenção que o fluxo de entrada recebia por parte dos investigadores científicos, a classe política e a generalidade da opinião pública. A nível político a ideia da transformação em país de imigração foi apropriada pelo Estado português que a integrou no seu discurso da «imaginação do centro» (Santos 1993: 49). Isto é um discurso usado para apresentar (sobretudo internamente) o país como parte integrante do centro devido à sua integração na Comunidade Europeia e, por isso, já não relegado para uma posição periférica no sistema económico mundial. Esta «imaginação do centro» apenas parcialmente era confirmada pela paisagem migratória portuguesa na qual o crescimento da população imigrante seguia a par com o aumento dos fluxos de saída.
- 5 Deflação significa, aqui, a existência de movimentos migratórios de saída que, contudo, não são inc (...)
- 6 Por inflação entende-se aqui o avolumar extensivo das temáticas relacionadas com a imigração (sinal (...)
5A deflação5 do estudo e relevância atribuída a emigração portuguesa contrastava, deste modo, claramente com a inflação6 do discurso e da prática científica sobre os fluxos imigratórios. Contudo, como sucede frequentemente, os factos insistiam em contradizer as definições da realidade dominantes.
6Como demonstrado por Baganha e Peixoto (Baganha e Peixoto, 1997, Peixoto, 1993b), a emigração portuguesa encontrava-se longe da anunciada extinção, tendo mesmo registado um aumento contínuo a partir de meados dos anos 80. A retoma dos movimentos emigratórios portugueses não significava, contudo, que eles se tenham produzido num contexto institucional e com características semelhantes às que moldaram o fluxo emigratório português das décadas de 60/70. A afirmação clássica de Kingsley Davis de que os movimentos «migratórios reflectem, antes de mais, o mundo tal como ele é no momento em que se processaram» (Davis 1974) é particularmente adequada para resumir o conjunto de transformações que influenciaram a evolução do fluxo emigratório português a partir de meados dos anos 80. O surgimento de novos destinos migratórios, o desenvolvimento de novas (ou aparentemente novas) modalidades migratórias e a alteração do contexto institucional e político em que ocorre o movimento de saída dos portugueses surgem como as características mais salientes dos novos fluxos migratórios. Vejamos com algum detalhe alguns dados que ilustram estas características.
- 7 O recrudescimento do movimento emigratório português pode também ser evidenciado pela evolução do v (...)
- 8 Entre 1965 e 1974 a média de saídas anuais foi de 122.000 indivíduos (Baganha e Marques, 2001).
- 9 A análise das remessas por países de origem confirma, também, a crescente importância deste novo de (...)
- 10 Para além deste fluxo emigratório para a Europa há ainda a registar durante a década de 80 um aumen (...)
7A análise das estatísticas sobre a entrada de portugueses em alguns países de destino, realizada por Baganha e Peixoto (Baganha e Peixoto, 1997, Peixoto, 1993b), demonstra que, entre 1985 e 1990, Portugal assistiu a uma intensificação das saídas permanentes (em média saíram durante este período 33.000 indivíduos)7, embora a níveis bastante inferiores aos das décadas precedentes8. À semelhança do que sucedeu nos anos 60 e nos primeiros anos da década de 70, os portugueses continuaram, durante os anos 80 e 90, a emigrar, sobretudo, para os países europeus. Verificou-se, porém, uma importante alteração na relevância dos diferentes destinos emigratórios, assumindo-se a Suíça como principal pólo de atracção em detrimento da França. Assim, entre 1985 e 1991, a França acolheu 6% dos emigrantes portugueses que se dirigiram para a Europa, enquanto a Suíça recebeu cerca de 59% desses emigrantes9 (cálculos com base nos dados apresentados por Baganha e Peixoto, 1997)10.
8O aumento da mobilidade externa dos portugueses e a alteração na posição relativa dos países de acolhimento europeus pode, igualmente, ser observado através da análise da evolução do stock da população de nacionalidade portuguesa a residir noutro país europeu. Como a tabela seguinte exemplifica para sete países europeus, após uma diminuição do stock de portugueses, entre 1981 e 1985, devido ao continuar do efeito de regresso daqueles que emigraram nas décadas de 60 e 70, assiste-se, a partir de 1985, ao aumento contínuo dos portugueses residentes, o qual, certamente, não se fica a dever somente ao crescimento natural das comunidades aí residentes, mas também à acção de novos movimentos migratórios.
Tabela 1. População portuguesa residente no estrangeiro, 1981-2006
|
1981
|
1985
|
1990/1
|
1995
|
2000/1
|
2006
|
Andorra
|
1.304
|
1.731
|
3.951
|
6.885
|
6.748
|
12.789
|
Alemanha1 e 4
|
109.417
|
77.000
|
92.991
|
125.100
|
133.726
|
115.028
|
Bélgica1
|
10.482
|
9.500
|
16.538
|
23.900
|
25.600
|
28.514
|
Espanha1 e 5
|
24.094
|
23.300
|
33.268
|
37.000
|
42.000
|
100.196*
|
Luxemburgo2
|
28.069
|
–
|
39.100
|
51.500
|
58.450
|
67.790
|
Reino Unido1
|
–
|
–
|
–
|
30.000
|
58.000
|
83.000**
|
Suíça6
|
16.587
|
30.851
|
85.649
|
134.827
|
134.675
|
173.477
|
Total
|
189.953
|
142.382
|
271.497
|
409.212
|
459.173
|
580.794
|
Fontes: 1 SOPEMI, diversos anos; 2 Service Central de la Statistique et des Études Économiques (STATEC); 3 Ministeri de Justícia i Interior (Andorra) [http://www.estadistica.ad/indexdee.htm (acceded 25/07/2007)]; 4 Statistische Bundesamt Deutschland, Foreign Population. Results of the Central Register of Foreigners, 2006; 5 National Statistics Institute Spain, Estimate of the Municipal Register at 1 January 2007 (Provisional data); 6 Bundesamt für Migration, Ausländer- und Asylstatistik, 2006/2
Notas: * Refere-se a 01.01.2007 / ** Refere-se a 2003.
- 11 Mark Twain, após a publicação acidental do seu obituário num jornal, respondeu aos jornalistas que (...)
- 12 É necessário referir que nos inícios da década de 70 os portugueses em Andorra não chegavam à cente (...)
9É particularmente significativo que na maioria dos países a população permanente portuguesa tenha praticamente duplicado entre 1985 e 2006, indicando claramente que, parafraseando Mark Twain, as notícias sobre o final dos movimentos emigratórios portugueses são manifestamente exageradas11. Os aumentos expressivos (em termos percentuais e absolutos) registados em países nos quais a presença de portugueses não tinha até então assumido números significativos indicam que, a partir dos anos 80, a emigração portuguesa parece ter encontrado destinos alternativos aos tradicionais países receptores de mão-de-obra nacional. Os casos da Suíça e de Andorra são particularmente elucidativos da criação e consolidação de novos destinos migratórios, uma vez que, em ambos os casos, a presença de portugueses passou, num espaço de tempo relativamente curto, de numericamente irrelevante e exígua a uma das comunidades nacionais mais significativas12.
10A par das saídas de carácter mais permanente testemunhadas na tabela precedente há ainda a registar um fluxo importante de saídas temporárias (isto é, saídas em que a intenção de permanência é inferior a um ano) cuja real dimensão é difícil de calcular. Só para a Suíça, como se verá mais adiante, o valor das saídas temporárias rondou, anualmente, as 33.000 durante as décadas de 80 e 90. Dado tratar-se de saídas de natureza temporária torna-se inadequado afirmar que ao número global de saídas corresponde um igual número de migrantes. Com efeito, muitas das saídas são realizadas pelo mesmo migrante em anos sucessivos, tratando-se, por isso, de movimentos repetidos de um mesmo migrante e não de migrações de novos migrantes. No caso helvético, por exemplo, estas estadias temporárias fora do país de origem repetem-se, geralmente, até à satisfação das condições necessárias à obtenção da condição de migrante permanente.
- 13 OMI = Office des Migrations Internationales; INED = Institut Nationale D’Études Démographiques
11A relevância das migrações temporárias é visível mesmo nos movimentos com direcção ao destino tradicional de emigração portuguesa permanente na Europa (a França), passando de aproximadamente 3.000, em 1976, para 14.719, em 1989, e para 16.568, em 1991. Parte destes temporários foram posteriormente incluídos nos 15.368 trabalhadores permanentes portugueses registados, em 1992, pelos serviços do OMI e do INED (dados da OMI citados em Ruivo 2001: 160)13. Interessante neste movimento para França é o facto de, pelo menos parcelarmente, ele parecer assentar e ser potenciado pela comunidade portuguesa que se estabeleceu em França durante as décadas de 60 e 70. Como refere Simon (1990: 16), alguns destes emigrantes permanentes e, sobretudo, os seus filhos tinham-se constituído em empresários do sector da construção aos quais era relativamente fácil, através das suas redes sociais e aos contactos com o país de origem, proceder ao recrutamento de trabalhadores portugueses quer através de contratos sazonais, quer através de uma rede de trabalhadores clandestinos.
12As referidas formas migratórias coexistem com movimentos migratórios de cariz mais clássico, assistindo-se à diferenciação dos processos emigratórios seguidos pelos portugueses e a uma crescente indeterminação entras estas diferentes formas de saída do país. Trata-se, em muitos casos, de movimentos mistos em que a estada permanente é conseguida através da reiteração dos movimentos temporários e, frequentemente, através da permanência irregular no país de acolhimento após o final da autorização de permanência temporária.
13Parte significativa das novas modalidades migratórias resulta do novo contexto institucional criado com a adesão de Portugal à União Europeia em 1986 e das novas condições de circulação para os trabalhadores portugueses possibilitadas por essa adesão. O efeito mais visível e politicamente mais significativo desta adesão nas migrações dos portugueses no espaço comunitário durante os anos 90 e inícios do século XXI, manifestou-se através do desenvolvimento de um novo tipo de mobilidade – o movimento dos trabalhadores destacados – (Ramos e Diogo, 2003) que divergiu (por vezes de modo apenas aparente) das tradicionais formas de emigração dos portugueses.
- 14 Este processo não é totalmente novo, uma vez que já durante a década de 80 um número desconhecido d (...)
- 15 Sobre as diferentes estratégias e formas de relacionamento das empresas de construção portuguesas c (...)
14O Tratado de Adesão de Portugal à, então denominada, Comunidade Económica Europeia determinava que a livre circulação de trabalhadores portugueses só poderia realizar-se após um período de transição que se estenderia até 1 de Janeiro de 1992. No entanto, o Tratado não sujeitava ao mesmo período de transição a liberdade de prestação de serviços no espaço comunitário por parte de empresas portugueses. Assim, nos anos de 1996 e 1997 assistiu-se à mobilidade de centenas de trabalhadores destacados, sobretudo para obras de construção no Sul de França e nas imediações de Paris (Eichhorst 1998: 157). Esta prática estendeu-se à Alemanha onde se tornou particularmente evidente durante a década de 90, altura em que se registou um entrada massiva de trabalhadores portugueses no mercado de trabalho alemão, para laborarem, em especial, no sector da construção civil (Baganha e Carvalheiro, 2002: 65). À semelhança do caso francês, este fluxo distingue-se das tradicionais formas da emigração portuguesa devido ao facto da mobilidade do trabalhador ser promovida por empresas portuguesas que funcionam, geralmente, como subcontratadas das empresas de construção Alemãs14 e que utilizam a seu favor as vantagens da livre circulação no espaço europeu. Esta circunstância permitiu às empresas de construção portuguesas ampliar o seu espaço de actuação para os países da UE, utilizando o diferencial no custo de mão-de-obra existente entre os trabalhadores portugueses e os trabalhadores alemães para assegurar contratos de construção em partes significativas de obras e para ultrapassarem a crise no mercado da construção e obras públicas que momentaneamente se fazia sentir em Portugal (Baganha e Carvalheiro, 2002: 65-68)15.
15O movimento dos trabalhadores destacados distingue-se dos anteriores fluxos de imigração na Alemanha, uma vez que enquanto durante o período dos ‘Gastarbeiter’ vigorava o principio da territorialidade no que se refere à segurança social e às condições laborais (aplicando-se aos imigrantes os standards sociais e laborais/salariais da sociedade de acolhimento), as novas formas migratórias, caracterizam-se pela exclusão explícita dos trabalhadores migrantes dos direitos sociais e, parcialmente, dos direitos salariais vigentes na Alemanha. Ou seja, o facto dos migrantes que entram na Alemanha como trabalhadores destacados terem um estatuto extraterritorial, decorrente de continuarem ao serviço de empresas não alemãs e de estarem abrangidos pelo sistema de Segurança Social do seu país de origem, implica que não lhe seja aplicável a legislação laboral e social alemã (Faist 1995 e 42). Na realidade os trabalhadores destacados não são migrantes individuais que se dirigem para um determinado país de forma privada e particular, mas são, sim, ‘migrantes colectivos’ cuja entrada no pais de destino se encontra condicionada à realização de um contrato de empreitada por parte do empregador português. Dado que continuam a fazer parte do mercado de trabalho do seu país de origem e não se inserirem no mercado de trabalho do país de destino, não lhes é aplicável o Regulamento Comunitário 1612/68 (de 15 de Outubro de 1968), relativo à Liberdade de Circulação dos Trabalhadores na Comunidade, nomeadamente o seu artigo 7.º sobre a proibição da descriminação dos trabalhadores nacionais de um Estado-membro em relação às condições de trabalho e às condições remuneratórias (Dreher 2003: 19; Guild 2002).
16O número exacto de trabalhadores portugueses envolvidos nos processos de destacamento é difícil de determinar dada a sua não inclusão em sistemas de registo assentes na participação no mercado de trabalho ou na segurança social alemã. Segundo os dados apresentados por Worthmann (2003b), o número de trabalhadores portugueses destacados na Alemanha, em 1997, era de 21.919, o que representava 12,1% do total de trabalhadores destacados e 40,1% dos destacados com origem num dos Estados comunitários. Os portugueses seriam, assim, o maior grupo de trabalhadores destacados com origem num País membro da União Europeia. Trata-se de um número que, de acordo com algumas fontes, peca por defeito, dado referir-se apenas aos que se encontram em situação regular, não incluindo, por isso, os estimados 35.000 portugueses a trabalhar como destacados de forma irregular (Gago e Vicente, 2002: 212).
- 16 Em Março de 1996 entra em vigor a lei relativa às condições de trabalho aplicáveis aos prestadores (...)
- 17 Esta disposição foi introduzida em finais de 1998 para fazer face às dificuldades de cobrança das c (...)
- 18 Instituições suportadas e administradas pelos parceiros sociais cujo objectivo principal consiste e (...)
- 19 Fundo para pagamento aos trabalhadores que devido às más condições atmosféricas se encontram imposs (...)
- 20 Ilustrativo do desenvolvimento de práticas destinadas a contornar a lei é a evolução positiva do nú (...)
17No final da década de 90 este movimento migratório temporário dos trabalhadores portugueses (realizado por intermédio de empresas nacionais) parece ter entrado numa fase decrescente devido à acção legislativa do governo alemão que impôs condições laborais que tornavam o movimento pouco vantajoso para as empresas portuguesas16, à redução do volume de construção na Alemanha e à «responsabilização jurídica dos donos de obra alemães, pela situação legal dos trabalhadores destacados (...) que anteriormente era descartada para os subempreiteiros ao seu serviço»17 (Baganha e Carvalheiro, 2002: 81). Esta redução das condições de competitividade das empresas portuguesas no mercado da construção civil alemão, decorrente, sobretudo, da imposição da obrigatoriedade de pagamento do salário mínimo e da observância dos regulamentos de férias, não fez, contudo, desaparecer o fenómeno. De facto, como afirmam Worthmann e Zühlke-Robinet (2003: 108), as empresas com sede em países com níveis salariais mais baixos continuavam a auferir de duas principais vantagens competitivas. Primeiro, o facto do salário mínimo a pagar aos trabalhadores destacados ser significativamente inferior ao salário médio alemão no sector. Segundo, a manutenção de custos do trabalho superiores nas empresas alemãs devido às suas contribuições para as Sozialkassen18, para as associações profissionais e para a Winterbauumlage19. Para além destas razões, há a acrescentar que algumas empresas de destacamento procuraram ultrapassar as condições menos favoráveis resultantes do novo quadro legal aprovado pelo governo alemão através da passagem para a ilegalidade, utilizando os contactos estabelecidos anteriormente à entrada em vigor da Lei para se inserirem no mercado de trabalho informal (Worthmann e Zühlke-Robinet, 2003: 110)20.
18Como referido, a Suíça começa, a partir de meados dos anos 80, a atrair um número crescente de trabalhadores nacionais. Atendendo a que a emigração portuguesa para este país é paradigmática das alterações verificadas na emigração portuguesa a partir de meados dos anos 80, quer por assentar inicialmente em novas modalidades migratórias (a emigração sazonal), quer por se constituir como um novo e principal destino da emigração portuguesa, torna-se relevante dedicar uma atenção mais demorada a este fluxo migratório.
19Os dados disponíveis sobre a emigração portuguesa para a Suíça permitem afirmar que, durante os anos 60 e 70, este país se manteve à margem dos fluxos migratórios intra-europeus dos portugueses. A primeira vez em que a presença de portugueses é referida nas estatísticas suíças data de 1960. Nesse ano encontravam-se em território helvético 373 portugueses que representavam menos de 0,1% dos 495.638 estrangeiros presentes na Suíça. A inexistência, até 1969, de dados referentes ao movimento anual de entrada de portugueses apenas permite afirmar que o fluxo de entrada se deverá ter processado a um ritmo lento mas contínuo, levando a população residente portuguesa a passar de 1.409, em 1964, para 1.600, em 1966, e para 5.996, em 1975. O desenvolvimento do número de portugueses residentes em território helvético é particularmente interessante de analisar se tivermos em consideração que, em 1964, o Governo Helvético negou «explicitamente as possibilidades de imigração aos cidadãos de países do Sul (Ásia, África, mas também Grécia, Portugal e Turquia)» (Piguet 2005: 92), os quais apresentavam maior distância cultural em relação à cultura helvética e diferentes concepções políticas, sociais e religiosas que tornavam a adaptação às condições de trabalho e de vida suíças bastante difícil (Bundesamt für Industrie Gewerbe und Arbeit 1964: 173-174).
- 21 Bundesamt für Ausländerfragen.
- 22 A partir de 2002 o volume de entradas inclui indiferenciadamente os detentores de uma autorização d (...)
20A partir de 1969 já é possível documentar estatisticamente a evolução anual do fluxo de entrada de portugueses na Suíça. Segundo os dados do Serviço Federal de Estrangeiros Helvético21, o movimento de entrada de portugueses apresenta uma evolução positiva que é ligeiramente interrompida nos períodos recessivos de 1974/75 e 1983 e, com mais intensidade, a partir de 1991. Ultrapassadas as recessões económicas, em que se registou um aumento das saídas, a emigração portuguesa para a Confederação Helvética regista uma retoma do crescimento, o qual se prolonga até 2006 (Gráfico 1)22.
- 23 A designação de «população portuguesa permanente» refere-se ao conjunto dos portugueses detentores (...)
Gráfico 1. Evolução do volume de entradas (1969-2006) e saídas (1974-2006) de Portugueses permanentes23
Fonte: Bundesamt für Ausländerfragen, vários
- 24 Esta afirmação encontra suporte empírico na elevada percentagem de migrantes sazonais que adquirem (...)
21A este fluxo de imigrantes permanentes deve, como já mencionado atrás, adicionar-se os migrantes sazonais que, em muitos casos, após a satisfação dos requisitos legais impostos pela legislação helvética, transitam para um estatuto de residência mais duradouro. Esta migração temporária como precursora da migração permanente parece ir ao encontro da afirmação avançada por Baganha e Peixoto (1997: 25) de que a migração sazonal portuguesa constitui uma migração permanente potencial que só assume a primeira forma devido às leis de imigração do país de acolhimento24. Como referido por Baganha (1993: 826) e Peixoto (1993b: 288), parte substancial desta emigração temporária constitui uma migração permanente dissimulada, cuja estada na Suíça assenta em consecutivas renovações dos contratos de trabalho sazonais, interpoladas por estadas ilegais no país de acolhimento ou por períodos de permanência em Portugal. Como demonstrado noutro local (Marques, 2006), esta afirmação, apesar de válida para a maioria dos migrantes sazonais, merece uma precisão adicional dado que uma parte dos migrantes não adquire um estatuto mais permanente quer devido ao abandono precoce da Suíça, quer devido à incapacidade de alcançar os requisitos necessários à aquisição de um estatuto mais permanente, quer, ainda, pelo facto de a migração temporária ser parte da sua própria estratégia migratória e não constituir, por isso, um meio para atingir uma migração de carácter mais permanente.
22A migração portuguesa para a Suíça assenta, assim, na coexistência de modalidades migratórias de cariz temporário com movimentos migratórios mais clássicos e permanentes que apenas transitoriamente, e devido às restrições colocadas pela política de imigração helvética, assumem uma natureza temporária. Estas restrições funcionam, neste último caso, como um verdadeiro entrave à consecução imediata de projectos migratórios de natureza permanente dos migrantes.
23Torna-se, porém, difícil saber se a necessária temporalidade da experiência migratória é conscientemente tomada em consideração pelo migrante na consecução da sua migração permanente, ou se o projecto migratório inicialmente temporário do migrante vai evoluindo no sentido de se tornar cada vez mais permanente. Não obstante a referida dificuldade, a análise realizada pelo autor (cf. Marques, 2006) aponta para a confirmação da hipótese de inclusão de um período de migrações temporárias na estratégia migratória de cariz permanente do migrante. Deste modo, a entrada na Suíça com o estatuto sazonal não resulta de uma mudança dos projectos migratórios dos migrantes, mas da adaptação das estratégias migratórias individuais às políticas migratórias existentes.
- 25 Com a entrada em vigor do acordo de livre circulação entre a Suíça e a União Europeia (a partir de (...)
24A relevância da entrada de trabalhadores sazonais na evolução do volume de entrada dos anuais e permanentes impõe que se descreva sucintamente o seu desenvolvimento. À semelhança dos migrantes permanentes, os sazonais também manifestaram uma evolução positiva até à década de 90, passando de cerca 23.700 entradas por ano, entre 1980 e 1983, para 40.700, entre 1984 e 1990 (Gráfico 2). Dado tratar-se de uma categoria de residência em estreita relação com a evolução do mercado de trabalho, a crise dos anos 90 repercutiu-se de forma mais imediata sobre os migrantes sazonais do que sobre os migrantes permanentes. Assim, a diminuição começou a evidenciar-se logo em 1991, tornando-se particularmente pronunciada no ano seguinte. A redução do volume de entradas de trabalhadores sazonais portugueses prolongou-se até 1998, ano em que atingiram valores próximos dos registados no início da década de 80. Entre 1999 e 2001 o fluxo de migrantes sazonais portugueses mostrou sinais de retoma, atingindo, no último ano, as 29.291 entradas. Após 2002 deixam de existir as autorizações de trabalho sazonal25, mas os dados relativos à entrada de trabalhadores de curta duração que não pertencem à população permanente estrangeira indicam que as entradas temporárias se mantiveram a um nível elevado, embora inferior ao registado em 2001 (nos últimos dois anos foram atribuídas 10.125, em 2005, e 12.081, em 2006, autorizações de permanência com validade inferior a 12 meses).
Gráfico 2. Entrada de Portugueses com autorizações de residência sazonal (1980-2001) e com autorizações de curta duração (2002-2006)
Fonte: Bundesamt für Ausländerfragen, vários anos.
25
Gráfico 3. Evolução dos portugueses residentes na Suíça, 1980-2006
Fonte: Bundesamt für Ausländerfragen, vários anos.
- 26 Em termos relativos os portugueses presentes na Suíça representam 11,4%, os sérvios 12,5% e os ital (...)
26Em resultado do forte movimento de entrada atrás descrito, os portugueses tornaram-se na terceira maior comunidade de estrangeiros a residir em território helvético logo a seguir aos italianos e aos sérvios26. Em finais de Dezembro de 2006 residiam na Suíça 173.477 portugueses, 122.935 (70,8%) dos quais portadores de uma autorização de residência permanente. O stock de portugueses a residir na Suíça segue uma evolução semelhante à registada no fluxo de entrada de portugueses (com autorizações anuais ou permanentes), apresentando uma evolução contínua até 1996, uma certa estagnação a partir dessa data e uma retoma da evolução positiva após 2001 (Marques 2006).
27Os diferentes fluxos migratórios brevemente descritos neste texto são elucidativos do padrão migratório que se desenvolveu, sobretudo, a partir de meados dos anos 80. Analisados em conjunto é possível notar, à semelhança do que já fizeram diversos autores anteriores (cf. Baganha 1993; Baganha e Peixoto, 1997; Peixoto 1993b; Ramos e Diogo, 2003), que o padrão migratório contemporâneo se caracteriza pela coexistência entre novas formas migratórias e movimentos migratórios de cariz mais clássico. Estas novas formas são o resultado quer do quadro legal criado pela adesão de Portugal à União Europeia, quer dos condicionalismos à entrada impostos por diversos países de destino dos portugueses. O crescimento de diferentes formas de movimentos de saída temporários, assim como a frequente indefinição entre «movimentos permanentes e temporários» (Peixoto 1993a: 68) surge, neste contexto, como o aspecto mais visível da transformação verificada nos movimentos migratórios externos portugueses. Está-se, em muitos casos, perante movimentos híbridos em que a estada permanente é, por vezes, conseguida através da reiteração de movimentos temporários e de estadas superiores ao permitido pelo título de permanência do migrante. Estas novas mobilidades são particularmente evidentes no caso dos movimentos de trabalhadores destacadas para a Alemanha e dos emigrantes sazonais portugueses para a Suíça, em que as movimentações repetidas resultam, frequentemente, da alternância do trabalho destacado ou sazonal com o trabalho irregular e, por vezes, mesmo trabalho independente. Trata-se de movimentos migratórios que se diferenciam da migração portuguesa para a Europa durante as décadas de 60 e 70 e que ocorrem perante a emergência de «espaços sociais transnacionais» (Faist, 2003) no interior dos quais se integra a mobilidade dos trabalhadores portugueses. Estes movimentos referem-se, em parte e de foram crescente, à participação regular e intensa num espaço de trabalho transnacional delimitado pelas fronteiras exteriores do conjunto dos países aderentes a um espaço de livre circulação (do qual a União Europeia é o elemento propulsionador) e, em especial pelas novas possibilidades de mobilidade dos trabalhadores no interior deste espaço.
28Para além destes factores de carácter institucional, há a referir, do lado dos países de destino e de origem, uma série de factores inter-relacionados para compreender as razões da manutenção dos fluxos de saídas dos portugueses. Primeiro, e à semelhança de fluxos emigratórios anteriores, o movimento de saída contemporâneo é o resultado de uma diversidade de motivos, a maioria dos quais tende a confirmar a relevância das teorias económicas para a explicação do movimento migratório português. Entre estes podem referir-se a desigualdade do processo de desenvolvimento português, os cálculos económicos dos emigrantes portugueses e a procura de realização de oportunidades económicas que escasseiam em Portugal.
29Segundo, a estrutura segmentada dos mercados de trabalho dos países de acolhimento. Tal é particularmente evidente no caso da emigração portuguesa para a Suíça em que os lugares no mercado de trabalho secundário foram, numa primeira fase, ocupados por imigrantes italianos e espanhóis e, numa segunda fase, pelos imigrantes portugueses que vieram substituir aqueles dois grupos de imigrantes que crescentemente abandonavam o segmento secundário do mercado de trabalho. É este abandono por parte dos imigrantes que se encontram na Suíça há mais tempo (motivado pelo regresso destes imigrantes, ou pela sua mudança para empregos mais atractivos), juntamente com o esgotamento das tradicionais regiões de recrutamento de forças de trabalho do mercado labora helvético, que cria a necessidade dos empresários helvéticos se dirigirem a outras regiões para a obtenção da mão-de-obra indispensável ao desenvolvimento das suas actividades produtivas.
30Terceiro, o desenvolvimento de uma cultura migratória (Kandel e Massey, 2002), vocacionada para o exterior em algumas regiões do país. A presença desta cultura migratória em algumas regiões ou comunidades de Portugal, alicerçada num sistema de valores de suporte a modos de vida com uma forte propensão migratória (Baganha e Góis, 1998/1999: 231), tende a enquadrar positivamente as decisões migratórias dos seus membros. Num contexto europeu caracterizado pela eliminação de uma parte substancial dos obstáculos à mobilidade dos trabalhadores comunitários, esse sistema de valores interiorizado pela prática continuada dos movimentos de saída cria as condições necessárias à realização da emigração logo que se desenvolvam as condições suficientes (isto é, as circunstâncias externas) à sua efectivação.
31Quarto, a existência de comunidades portuguesas espalhadas por diversas regiões do mundo que se constituem como verdadeiras estruturas sociais de apoio à migração. A participação dos indivíduos nestas redes migratórias permite-lhe ter acesso às informações difundidas na rede e suporte material à realização dos projectos migratórios. De uma forma geral, no actual contexto emigratório português, as redes migratórias não se limitam a manter o fluxo migratório entre dois locais específicos. Antes se reconfiguram continuamente de modo a possibilitar a ligação entre a origem e vários possíveis destinos, os quais são activados de acordo com o sancionamento económico e político vigente no mercado internacional de trabalho. Está-se, assim, na presença de redes migratórias multi-polares com diferentes graus de produtividade e com uma forte capacidade de inclusão de novos destinos emigratórios. Isto é, redes que em relação a um destino particular se podem encontrar momentaneamente hibernadas, mas que, relativamente a outro destino podem estar em plena actividade. É esta dinâmica das redes migratórias que, em conjunto com a evolução da procura internacional de mão-de-obra, poderá ajudar a explicar o ressurgimento de destinos emigratórios tradicionais como a França ou o Luxemburgo, a manutenção da emigração para a Suíça e o desenvolvimento de diversas formas de mobilidade externa dirigida para países como a Espanha, a Inglaterra, a Alemanha, ou a Holanda.