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Dossiê: Política e Revolução (1945-1975)

As Direitas Radicais no Estado Novo (1945-1974)

Les droites radicales sous l’Estado Novo (1945-1974)
Radical Nationalism on Salazar’ New State (1945-1974)
Riccardo Marchi
p. 95-110

Resumos

O artigo visa reconstruir a dinâmica histórica das elites intelectuais e dos grupos políticos que, desde o final da II Guerra Mundial até à queda do Estado Novo, reivindicam a herança do nacionalismo radical português (desde o Integralismo Lusitano à Acção Realista ao Nacional-Sindicalismo), filtrada pela experiência das revoluções fascista e nacional-socialista. Esta dinâmica segue o desenrolar histórico das crises do Estado Novo no período contemplado. O artigo frisa o isolamento e a marginalidade desta subcultura política radical com tentações neofascistas, face à família política mais amplia das direitas salazaristas, não necessariamente de cultura fascista.

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Texto integral

1. Introdução

1Com o fim da II Guerra Mundial, os novos cenários da Guerra-fria e a neutralidade colaborante garantida pelo Estado Novo aos Aliados, permitem a Salazar a salvaguarda do Império e a sobrevivência do Regime. Neste sentido, o Portugal do pós-guerra não representa a última resistência do fascismo derrubado em 1945, mas o mais prosaico alinhamento de um Estado pluricontinental no Bloco Ocidental, dentro da nova ordem bipolar.

2Para encontrar em Portugal, como nos outros países ocidentais, vestígios do radicalismo de cariz fascista, não se tem que navegar rumo à cultura oficial, à opinião pública maioritária, ao imprimatur do Regime. Há, em vez disso, que vasculhar nas culturas políticas minoritárias, na militância de elites marginais, ainda que secundadas pela Situação.

2. Alfredo Pimenta e a frente contra-revolucionária

  • 1 Barros, Júlia Leitão, «Anglofilia e germanofilia em Portugal durante a II Guerra Mundial», in AA.VV (...)

3Nos anos 20 e 30, o meio nacionalista português tinha acolhido com entusiasmo o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão. Porém o avançar da política expansionista germânica e a consequente incompatibilização com a antiga aliada Inglaterra, fez com que muitos monárquicos nacionalistas virassem costas aos regimes de Roma e Berlim, preferindo manter, durante a guerra, um baixo perfil, quando não um aberto apoio aos Aliados1. A par das sucessivas derrotas militares do Eixo, a frente filofascista portuguesa vai perdendo cada vez mais apoiantes, reduzindo-se a um restrito círculo de nacionalistas radicais.

  • 2 Telo, António José, Propaganda e guerra secreta em Portugal (1939-1945), Lisboa, Perspectivas & Rea (...)

4No imediato pós-guerra, a voz oficial desta direita radical é representada pelo semanário A Nação (1946-1948). O jornal é dirigido por José O’Neill e animado por nacionalistas da antiga ‘frente germanófila’. Alfredo Pimenta é o ponta de lança do semanário, graças ao seu papel de mestre do pensamento contra-revolucionário e de referência para os que, em Portugal, apoiaram as Potências do Eixo, à volta do semanário Esfera2.

5Influenciados pela interpretação de Pimenta do fascismo como força contra-revolucionária, o grupo de A Nação empenha-se para combater, desde logo, as possíveis tentativas democratizantes do Regime. Cavalos de batalha do jornal são a exaltação da ortodoxia da revolução de 28 de Maio de 1926, a oposição à Nova Ordem Mundial, a oposição à Democracia quer na sua versão liberal, quer na versão soviético-popular, e a denúncia da Democracia Cristã europeia emergente, cujo catolicismo progressista, influenciado pelo filósofo Jacques Maritain, é considerado o cavalo de Tróia do Comunismo internacional, assim como a Maçonaria e o Sionismo.

6Através dos artigos de Pimenta, A Nação ataca também os antigos militantes do Integralismo Lusitano que, abandonadas as tentações fascistas dos anos 20, procuram agora desenvolver uma possível hipótese de «monarquia democrática» como evolução do Regime mais adequada às contingências históricas.

7A recusa de qualquer hipótese de abertura democratizante acaba para dividir os meios do nacionalismo português. De facto, será apenas no campo do nacionalismo antidemocrático que hão-de desenvolver-se as expressões do radicalismo lusitano de simpatias fascistas.

  • 3 Pimenta, Alfredo, Nos escombros de A Nação, 1948, Lisboa, Santelmo.

8Em 1948, todavia, os projectos de A Nação desmoronam-se devido a um escândalo financeiro protagonizado pelo seu director e que desacredita o meio radical e o mesmo Alfredo Pimenta3.

3. A primeira geração neofascista

  • 4 Marchi, Riccardo, «A direita radical na Universidade de Coimbra (1945-1974)», Análise Social, XLIII (...)

9No radicalismo de A Nação encontram inspiração os estudantes que, em 1946, fundam, na Universidade de Coimbra, o periódico Mensagem (1946-1950), dirigido por Caetano de Mello Beirão4. A Mensagem nasce da vontade de encontrar uma alternativa doutrinária à «salazarização» do Regime, isto é, ao perigo de desmoronamento do Estado Novo subsequente ao inevitável desaparecimento do seu Chefe.

  • 5 Lourenço, Eduardo, «Fascismo e cultura no antigo regime», Análise Social, n.º 72-73-74, 1982, p. 14 (...)

10Inicialmente formado por antigos integralistas, por monárquicos e jovens neofascistas, o jornal reduz-se a órgão exclusivo desta última componente quando, nas suas páginas, aparecem as intervenções doutrinárias de Alfredo Pimenta. Seguindo as pisadas de Pimenta, os jovens redactores da Mensagem abraçam a causa antidemocrática, pautando a sua escolha de campo de acordo com parâmetros especificamente fascistas, em polémica tanto com a oposição anti-situacionista (MUD-juvenil), como com os monárquicos moderados e os católicos progressistas do CADC. Estes jovens podem ser considerados a primeira geração neofascista portuguesa que, alcançada a maturidade política no final dos anos 50, dará vida à primeira expressão consistente do radicalismo de direita lusitano, empenhado principalmente no campo intelectual: a revista Tempo Presente (1959-1961), dirigida por Fernando Guedes e animada por António José de Brito, Florentino Goulart Nogueira, Caetano de Mello Beirão, Amândio César e António Manuel Couto Viana5.

11Tempo Presente nasce por iniciativa de Moreira Baptista (chefe do SNI), que, no seguimento da crise do Regime causada pelo «terramoto delgadista», decide oferecer novo impulso à produção cultural do Estado Novo, apostando também nos intelectuais nacionalistas radicais. Nas páginas do Tempo Presente, além dos temas antidemocráticos, é possível encontrar também pontes culturais com o neofascismo europeu que inserem de pleno direito os seus fundadores no âmbito desta família política. No Tempo Presente aparecem, pois, as evocações de uma identidade europeia comum, da qual estes jovens portugueses se proclamam herdeiros, tal como declara António José de Brito, num artigo em memória de Robert Brasillach:

  • 6 Brito, António José de, «Brasillach», Tempo Presente, n.º 10, Fevereiro de 1960, p. 13.

«(...) foi para nós o Fascismo (...) o encontro supremo, a revelação inesquecível da nossa juventude, (...) com o seu ethos de camaradagem viril, o seu gosto da grandeza, o seu desdém dos valores burgueses, a sua apologia da coragem e da disciplina, o seu alto idealismo (...).»6

12Esta identidade política é vivida dentro do Estado Novo, mas não exactamente com o Estado Novo, fazendo com que este nacionalismo radical seja, desde as suas origens, uma subcultura autónoma.

  • 7 Brito, António José, O Professor Jacinto Ferreira e o destino do nacionalismo português, Lisboa, ed (...)

13A reivindicação do fascismo como identidade específica face ao Estado Novo e as tendências vanguardistas nas artes e nas letras, criam alguns desentendimentos entre os redactores do Tempo Presente e os meios do nacionalismo monárquico e conservador. O distanciamento dos jovens neofascistas face aos meios monárquicos já se tinha evidenciado por ocasião da Primeira Semana de Estudos Doutrinários (Janeiro 1959), quando as comunicações do Caetano de Mello Beirão, Goulart Nogueira e António José de Brito, centradas na reivindicação dum nacionalismo totalitário e fascizante, tinham sido acolhidas com frieza, se não com autêntica repulsa, como aconteceu com Jacinto Ferreira, o director do prestigiado semanário monárquico Debate, com o qual a polémica azedará definitivamente em 19627.

14Também os meios dos ultras do Regime, reunidos à volta do semanário Agora (1962-1969), recebem com a mesma desconfiança os jovens fascistas. O Agora exclui estes jovens das suas páginas, principalmente devido à apologia por eles feita no Tempo Presente das vanguardas artísticas e literárias, consideradas aberrações e desvios perigosos pelos nacionalistas conservadores ultra-católicos. Paradoxalmente, este mesmo semanário tornar-se-á ponto de referência para o neofascismo português a partir de Agosto de 1967, quando a sua direcção é assumida por Goulart Nogueira. Sinal da mudança na linha editorial é a publicação, logo em 4 de Novembro de 1967, dum suplemento inteiramente dedicado ao Fascismo, no qual são recolhidos simbolicamente os testemunhos de três gerações do neofascismo português: a que cresceu nos anos da guerra e entrou na militância político intelectual só depois de 1945, a da primeira metade dos anos 60 e a mais nova, surgida em final da década de 60, e projectada na de 70.

15Tal como a Nação tinha sido o ponto de referência e o berço das primeiras habilidades intelectuais para a primeira geração neofascista, o Tempo Presente e o Agora dos últimos anos representam o trampolim para a segunda geração de nacionalistas radicais, já nascida no segundo pós-guerra e que, por contingências históricas, se encontra na necessidade de conjugar o empenho intelectual e cultural com a militância política propriamente dita.

4. A segunda geração do nacionalismo radical

16No princípio da década de 60, dois fenómenos históricos concorrem a que muitos jovens com simpatias nacionalistas radicalizem as suas posições e formem organizações políticas, algumas de cariz neofascista. Por um lado, a comunidade internacional começa a questionar abertamente a faceta colonialista de Portugal, com as resoluções da ONU de Dezembro de 1960. A ofensiva diplomática agrava-se com os massacres no Norte de Angola de Março de 1961 e o alastrar da guerra nas restantes províncias ultramarinas. Por outro lado, a partir da crise de 1962, o meio académico torna-se o palco das contestações mais arrojadas ao Regime.

17A facilidade com que a elite oposicionista consegue mobilizar tantos estudantes confirma, aos olhos das direitas académicas, a perigosidade da actividade subversiva, por um lado, e, por outro, as graves falhas da Situação. A direita radical já há muitos anos vinha denunciando o abandono da juventude por parte do Regime, em termos de doutrinação e educação política. A ofensiva interna e internacional, desperta as primeiras reacções do meio ultranacionalista que, até então, tinha-se limitado a uma intervenção substancialmente intelectual, expressa em jornais e revistas de cultura e política, subvencionados pelo Regime e, portanto, dependentes dos equilíbrios precários entre as facções da Situação.

18A nova geração nacionalista dos anos 60 já não se contenta com a simples expressão intelectual e, apesar de partilhar os valores de fundo do Estado Novo, já não se reconhece totalmente nas estruturas oficiais da Situação, julgando-as sede de rituais repetitivos, insuficientes para a formação dos futuros patriotas e inúteis para as necessidades actuais de mobilização política.

  • 8 Pinto, Jaime Nogueira, Portugal os anos do fim – O fim do Estado Novo e as Origens do 25 de Abril, (...)

19Apesar de não ter ainda assumido uma consciência plena de que «Salazar (...) não era um fascista mas um reaccionário que, como dizia Drieu la Rochelle, é o seu oposto»8, estes jovens sentem já a necessidade de procurar a própria dimensão militante fora das estruturas do Regime. Do ponto de vista da cultura política, permanecem como referências consolidadas certo catolicismo tradicionalista, certo nacionalismo contra-revolucionário da escola francesa, certas experiências originais portuguesas como o Integralismo Lusitano, a Acção Realista, certo Nacional-Sindicalismo. Estas referências, todavia, não chegam para encarnar o espírito revolucionário desta geração. Por convicção pessoal uns, pelo extremismo típico da idade outros, estes jovens procuram as suas referências culturais também fora das tradicionais fontes do nacionalismo autoritário português, base do Estado Novo. Assim, viram-se para as experiências que tinham conseguido mobilizar as massas num sentido orgânico, comunitário e anti-subversivo: designadamente o Fascismo.

  • 9 Figueiredo, José Valle de, «A lição necessária», Política, n.º 14/15, Julho de 1970, p. 3.

20Autores de referência tornam-se os que, nos anos 30, viram no fascismo a alternativa anti-capitalista e anti-marxista para a Europa, em particular os nacionais-sindicalistas e falangistas espanhóis como Onésimo Redondo, Ramiro Ledesma Ramos e José António Primo de Rivera, os collabôs franceses, como Robert Brasillach e Pierre Drieu de La Rochelle, mas também o romeno da Guarda de Ferro Corneliu Zelea Codreanu. Partilhando este património cultural com milhares de jovens europeus, esta é a primeira geração militante a dar corpo a um nacionalismo revolucionário; uma geração comungando a ideia de ser um povo na trincheira, cercado pelo Comunismo internacional e pelo Capitalismo plutocrata, o que explica, nas palavras dum dos seus líderes, como «toda uma Juventude que nasceu politicamente na década de sessenta, tenha optado por uma via nacional revolucionária em que Salazar surgia como máximo garante da «transformação do Estado» no sentido mais autenticamente nacionalista, popular e social»9.

4.1. O Movimento Jovem Portugal

  • 10 Marchi, Riccardo, «Jovem Portugal: a extrema-direita acorda», in Paço, A. S. (org.), Os anos de Sal (...)

21A primeira organização animada por estes jovens surge em 1960, com o nome de Movimento Jovem Portugal (MJP)10. Seu fundador é Zarco Moniz Ferreira, um empregado bancário e estudante de Letras. Às especulações intelectuais, Zarco prefere a militância de rua através de uma organização hierarquizada, que consegue finalmente constituir graças à cada vez maior aproximação à política activa de jovens revoltados com as convulsões internas e internacionais.

22Primeiro movimento português a utilizar oficialmente o símbolo dos movimentos neofascistas europeus (a cruz céltica), o Jovem Portugal consegue reunir, num curto prazo, uma larga centena de militantes em Lisboa. A sua estruturação territorial expande-se na área metropolitana da capital e na Universidade de Coimbra. Em particular a adesão ao MJP de um consistente núcleo de Almada, permite ao movimento constituir uma base militante conjunta de estudantes e trabalhadores, ultrapassando assim a habitual composição dos núcleos nacionalistas restritos à pequena e média burguesia e às profissões intelectuais.

23Em Coimbra, por sua vez, Zarco consegue chegar a um acordo com o grupo nacionalista radical de José Valle de Figueiredo, que passa a liderar o MJP na cidade do Mondego.

24Jovem Portugal não consegue, todavia, estender a sua rede a todo o território nacional. Pode contar, de facto, em simpatizantes espalhados em diferentes cidades da província, mas a presença significativa permanece apenas em Lisboa e Coimbra. Quanto à actividade política, o movimento opera exclusivamente através da propaganda, através da distribuição de panfletos, colagem de manifestos e grafitis na parede, actividade não tolerada pelo regime apesar do seu cariz nacionalista. Pontuais e infrutíferas são as tentativas de operar nos meios operários, através da propaganda nacional-sindicalista.

  • 11 Ramos, Aníbal, «Conversando», Ataque, n.º 16, Outubro de 1963, p. 6.

25A divulgação das ideias do movimento é garantida por uma série de publicações que aparecem ao longo de todos os anos de existência do movimento: a página «Jovem Portugal» do semanário Agora (Março-Maio de 1961), os jornais Ofensiva (Dezembro de 1960-Março de 1961) e Ataque (Maio-Junho de 1961), as revistas Ecos Nacionalistas (Junho de 1961-Maio de 1962) e Renovação (Dezembro de 1963 e Maio de 1965). Desde Maio de 1962 até Dezembro de 1963, Ataque torna-se o órgão oficial do movimento, financiado por sectores do Estado Novo, mas, também, interrompido pela intervenção censória do mesmo Salazar, devido às críticas ao Regime pela gestão militar da guerra em África11.

26Jovem Portugal adquire uma certa fama, devido também aos confrontos violentos com a esquerda, em particular os assaltos às Associações Académicas controladas pelo Movimento Estudantil e à Sociedade Portuguesa de Escritores (1965), controlada pelos intelectuais oposicionistas.

27Nascido e crescido nas crises de 1960-1962, o Jovem Portugal não consegue consolidar-se para além do clima de emergência. O regresso à normalidade e à gestão rotineira da crise por parte do Regime, hão-de conduzir, de facto, ao abrandamento progressivo das fileiras de MJP por parte de muitos aderentes. Entretanto a gestão centralizadora do seu líder Zarco agrava as tensões internas com o afastamento de muitos militantes da velha guarda. O biénio 1963-1965 é, assim, uma parábola descendente para o movimento. Zarco tenta reagir às progressivas defecções, aproximando-se às estruturas do Regime controladas pelos ultras, onde procurar apoio material e logístico. A oportunidade é oferecida pelo interesse da Legião Portuguesa em englobar os militantes do MJP nas suas fileiras, através da constituição da Formação Legionária Académica (FLA) em 1964, cuja chefia é entregue ao Zarco.

28A entrada de MJP na FLA agrava, todavia, a crise do movimento, sendo que muitos militantes destacados não aceitam a ligação às estruturas do regime, desacreditadas nos meios juvenis. O projecto da FLA, fica, pois, só no papel, tal é o carácter artificial da operação quer por parte da Legião, quer por parte dos nacionalistas revolucionários. Assim, em finais de 1965, a experiência do Jovem Portugal pode ser considerada exaurida.

4.2. O grupo do Combate da Universidade de Coimbra

29A secção de Coimbra de Jovem Portugal desenvolve, nestes anos, uma actividade bastante autónoma. O líder dos radicais de Coimbra é José Valle de Figueiredo. Valle de Figueiredo não é um político ‘puro’ como o Zarco, mas provém do meio intelectual do nacionalismo radical de final dos anos 50 quando, ainda bastante novo, frequenta os intelectuais fascistas da revista Tempo Presente. É, todavia, na Universidade de Coimbra que assume o papel de dirigente político a começo da década de 60.

30Em Coimbra apesar da histórica presença dos conservadores nas organizações estudantis, as direitas encontram-se em grave crise: demasiado condescendentes face à política do Regime, perdem cada vez mais a capacidade de representar os anseios reformistas dos estudantes e deixam às esquerdas a liderança das lutas na vaga de protestos de 1962. Valle de Figueiredo tenta responder à falta de capacidade das direitas moderadas, organizando um pequeno, mas determinado, grupo de nacionalistas revolucionários. Reunidos à volta das mesas do Café Brasileira de Coimbra, estes jovens radicais fundam, em 1962, o Combate, periódico de intervenção doutrinária e militante. Através das páginas de Combate, os jovens nacionalistas de Coimbra denunciam as palavras de ordem do movimento estudantil como estratégia do comunismo internacional para insinuar os dogmas da subversão nos estudantes apolíticos. As campanhas de Combate fogem aos tons reaccionários típicos do nacionalismo conservador, pois são sempre acompanhadas por uma crítica ao Regime. A falta de doutrinação, a perda do sentido revolucionário do 28 de Maio, o espírito burguês, conservador e imobilista do Estado Novo, são apontados, pois, como os principais responsáveis do desnorteamento da juventude universitária.

  • 12 Agóra 14/10/1967 p. 6; 21/10/1967, p. 7; 28/10/1967, p. 7.

31Deve-se, entretanto, a Valle de Figueiredo, a introdução no meio nacionalista radical português das análises do neofascismo europeu acerca do papel desenvolvido pelas centrais do capitalismo internacional e do imperialismo americano (Fundação Ford, Grupo de Bilderberg, Trilateral) contra a Europa e a sua presença em África12.

32Apesar da crítica dirigida tanto contra o Movimento Estudantil como contra o imobilismo do Estado Novo, o grupo de Combate não consegue cativar as simpatias da massa apolítica, mais incomodada pelo reaccionarismo do Regime vigente que pelos supostos perigos do comunismo. De igual maneira não consegue a adesão de todas as direitas – católicos, monárquicos e republicanos conservadores – desde sempre desconfiadas das atitudes demasiado radicais e cada vez mais assustadas frente à crescente mobilização das esquerdas.

4.3. A Frente dos Estudantes Nacionalistas

  • 13 Presidentes da FEN são Nuno Lousada (1962/63), Jorge Moreira (1963/64), Norman Mascarenhas (1964/65 (...)

33O Jovem Portugal e o grupo do Combate não detêm a exclusividade da militância nacionalista radical. Assim, durante a crise académica de 1962, surge, na Universidade de Lisboa, com o patrocínio oculto do Ministério do Interior, a Frente dos Estudantes Nacionalistas13. Particularmente forte na Faculdade de Ciências de Lisboa, a FEN diferencia-se de Jovem Portugal por se aproximar mais ao nacionalismo clássico português (católico integralista) do que ao neofascismo europeu e por nunca ter conseguido estruturar-se fora de Lisboa. As suas expressões fascizantes devem-se mais ao modelo assumido pelo Estado Novo nos anos 30, sinal, aos olhos destes jovens, do originário espírito revolucionário do Regime. Juntamente com o Jovem Portugal, a FEN participa nos confrontos violentos contra as esquerdas, mas a diferença de MJP desenvolve uma actividade institucional mais ligada às estruturas do Regime (celebrações do 10 de Junho na presença das autoridades académicas).

  • 14 Manuel Castelo Branco, Princípios do Centro dos Estudantes Nacionalistas, Lisboa, ed. CEN, 1966.

34Passada a tempestade da contestação estudantil, os aparelhos do regime que tinham promovido o nascimento da FEN, preocupam-se também em fazê-la desaparecer. Com esse fim, o ministro do Interior, Santos Júnior, alimenta as divisões internas, entregando a liderança da FEN aos moderados que a transformam no inofensivo Centro de Estudantes Nacionalistas (CEN), porta-voz dum genérico nacionalismo patriótico, inspirado no personalismo católico14.

4.4. Jovem Europa

  • 15 Fundada por Joaquim Caimoto Duarte, Jovem Europa terá o seu mais importante dirigente em José Manue (...)

35Na perspectiva de uma comparação com o neofascismo europeu, resulta mais interessante a experiência da quarta organização nacional-revolucionária do princípio da década de 60: Jovem Europa. Trata-se da secção portuguesa do movimento criado pelo belga Jean Thiriart. Composto por um pequeno núcleo de colegas do Liceu Camões de Lisboa15, Jovem Europa manter-se-á elitista também nos anos da Universidade até o seu fim no seguimento da extinção do movimento a nível europeu decretado pelo mesmo Thiriart.

  • 16 Agóra 9/03/1963 p. 5; 23/03/1963 p. 6; 3/04/1963 p. 8; 20/04/1963 p. 3.

36A particularidade de Jovem Europa, face aos outros movimentos, reside em ser a única organização do nacionalismo radical português a recusar o anti-europeísmo clássico da direita portuguesa e querer integrar o «Portugal Império» na «Europa Nação». Para os jovens de JE, a «Europa Nação», fortalecida pelas colónias, representa a única alternativa geopolítica em condições de enfrentar o imperialismo de Washington e Moscovo. Esta ideia é uma verdadeira heresia para o nacionalismo revolucionário português que, pelo contrário, vê na integração europeia de Portugal o primeiro passo para a perda de soberania na metrópole e no Ultramar. Estas divergências agudizam-se no momento da visita de Jean Thiriart a Portugal, em Agosto de 1966. A conferência organizada no Porto pelos militantes de Jovem Europa provoca ásperas polémicas nas mais importantes publicações da extrema-direita – principalmente o Agora16 – demonstrando como o europeísmo fosse um património absolutamente alheio ao nacionalismo radical português.

4.5. A galáxia fluida do nacionalismo radical

37Para além destes quatro movimentos, existem outras micro-organizações surgidas na primeira metade da década de 60. Umas são fruto da fantasia de indivíduos isolados, sem nenhuma expressão militante consistente, como os Viriatos ou os Centuriões. Outras nascem da ocasional aliança de militantes saídos dos grupos maiores, reunidos à volta de siglas oriundas do estrangeiro, conhecidas através dos boletins nacionalistas vindos de França, Itália ou Espanha. É o caso, por exemplo, da Frente Nacional Europeia do Trabalho. Outras ainda surgem pela radicalização de jovens pertencentes a outras famílias políticas, como os da Causa Monárquica que fundam a Real União Portuguesa, e alinham, nos anos da Universidade, com os nacionalistas revolucionários em nome do anti-comunismo. Tratam-se, todavia, de experiências menores, que não aportam novidades doutrinárias ou militantes na área radical.

38Característica comum a todas estas organizações radicais das décadas de 60 e 70 é a fluidez da filiação dos militantes. É frequente a passagem de militantes de uma organização a outra ou a participação em actividades de diferentes organizações. De facto a galáxia das siglas nacionalistas pertence a uma área bastante homogénea em termos ideológicos, mas também bastante fraca na capacidade de elaborar e protagonizar uma síntese organizativa. As frequentes alianças, fusões ou divisões resultam mais dos personalismos dos dirigentes que de factores doutrinários. Todas essas experiências de militância alcançam o seu ápice nos momentos de crise do Regime e de maior mobilização das esquerdas. O fim da crise académica de 1962 e o esbater da inicial retórica belicista da guerra ultramarina deixam as organizações nacionalistas numa lenta agonia até o seu desaparecimento de facto em meados dos anos 60.

  • 17 Pinto, Jaime Nogueira, Portugal os anos do fim…, 1999, p. 374.

39Fracassam assim todas as tentativas desta primeira geração nacional-revolucionária de dar vida a um projecto consistente. A última e mais assinalável é a de 1966. Com o patrocínio da Legião Portuguesa, os antigos líderes do Jovem Portugal e do grupo do Combate fundam a Frente Nacional Revolucionária (FNR). O intuito é criar uma casa comum para todos os militantes dos primeiros anos 60. Apesar da estruturação da FNR em Lisboa, Porto e Coimbra, o único resultado tangível é a publicação do boletim Frente (1965-66), que repropõe os temas clássicos da batalha integracionista e do nacionalismo radical. Com o fracasso do projecto FNR, muitos militantes deixam a política activa, uns para se dedicarem à vida profissional, outros para ingressar nas estruturas do Regime, outros ainda para cumprir o serviço militar. A experiência da guerra confirmará em muitos deles a consciência da incapacidade do Regime em garantir a integridade de Portugal para o futuro: daí a sua participação, já na fase final do marcelismo, numa tentativa gorada de controlar o I Congresso dos Combatentes, em 1973, para mobilizar e radicalizar os veteranos de África17.

5. A terceira alvorada nacional-revolucionária

40A partir de 1968 assiste-se a uma renovação na área radical a nível de militantes e dirigentes, embora, neste último caso, permaneçam activos também elementos vindos das organizações do princípio da década. São, aliás, os veteranos das organizações desses anos que mantêm uma certa ortodoxia doutrinária e hierárquica, numa área cada vez mais caracterizada pela heterodoxia político-organizativa protagonizada por uma nova geração. Uma nova geração de nacionalistas que pouco ou nada tem a ver com as experiências antecedentes, que entra nas universidades aquando da vaga contestatária europeia de 1968, e que procura formas mais flexíveis de militância, ditadas pelas novas exigências da politização do meio estudantil e das mudanças na orgânica do Estado Novo.

5.1. O Movimento Vanguardista

  • 18 Marchi, Riccardo, «Movimento Vanguardista», História, n.º 65, Abril 2004, pp. 40-45.
  • 19 Sete meses antes da publicação do Decreto-Lei, os graduados da MP publicam, no semanário Agóra de 9 (...)

41Exemplo mais evidente do radicalismo ainda ligado à experiência da primeira metade da década é o Movimento Vanguardista (MV), liderado por um antigo militante de MJP, Luís Fernandes18. A génese do Movimento Vanguardista remonta a 1966, quando, no interior da Mocidade Portuguesa (MP), já minada pela progressiva despolitização dos seus dirigentes, se produz uma vaga de protestos contra a política reformista do Governo, cujo objectivo é retirar à MP o monopólio das actividades extra-escolares (Decreto-lei n.º 47311 de 12-09-1966). Algumas dezenas de graduados da MP tentam, assim, rebelar-se, publicando um manifesto de condenação e ao mesmo tempo de fervente espírito nacionalista19.

42O interesse despertado entre os «camisas verdes» pela iniciativa convence Luís Fernandes e alguns camaradas mais activos a passar das reivindicações corporativas a uma batalha política de alcance mais amplo. Surge, assim, em 1967, o Movimento Vanguarda de Combate, rebaptizado Movimento Vanguardista, com núcleos em Lisboa, Coimbra e Porto. A sua actividade é eminentemente doutrinária, querendo, antes de mais, preencher aquele vazio de formação apontado como o maior erro do Regime. Os cursos políticos e conferências organizadas pelo MV tornam-se um momento de coesão para os escassos militantes radicais da capital e uma oportunidade de contacto entre esta jovem geração e os ultras do Regime. A propaganda do movimento é garantida pelo semanário Agora e pelo próprio boletim Vanguarda (1969-1970), cujos financiamentos por parte de sectores do Regime são abruptamente interrompidos devido aos seus repetidos ataques ao governo de Caetano.

43O resultado mais interessante alcançado pelo MV é, sem dúvida, ter representado, no começo dos anos 70, uma ponte entre a área radical portuguesa e o neofascismo europeu. Graças aos contactos do Luís Fernandes nos meios internacionais, o Movimento Vanguardista (integrado na Convergência Ocidental) participa, em 1969, no projecto da Constituinte Juvenil Europeia, uma plataforma europeia concebida em colaboração com outros movimentos neofascistas, nomeadamente os italianos do Movimento Sociale Italiano e os franceses das organizações surgidas pela implosão de Occident. Com base nessas relações internacionais, o MV organiza, em 1970, um dos eventos mais importantes deste período: o I Encontro José António Primo de Rivera, com a participação de intelectuais neofascistas portugueses e estrangeiros.

44O Movimento Vanguardista não traz novidades assinaláveis de pensamento e acção ao meio radical, mas representa uma das primeiras organizações nacionalistas a declarar a própria oposição aberta ao reformismo do governo de Caetano.

5.2. Os nacionais-revolucionários de Coimbra

45No rescaldo da contestação de 1968, as novidades na área nacionalista radical provêm da Universidade de Coimbra. O ano de 1969 em Coimbra é, de facto, um marco na militância das «extremas» portuguesas. Na extrema-esquerda multiplicam-se as facções autónomas em relação ao PCP, com um discurso que ultrapassa o «sindicalismo estudantil» típico da crise de 1962 e visa directamente o derrubar do Regime.

46Em contrapartida, os nacionalistas radicais ganham novo fôlego na denúncia da ofensiva comunista e capitalista contra «Portugal Império». Desta vez, não estão interessados na fundação de uma estrutura clássica compartimentada e hierárquica. Preferem, pelo contrário, o caminho da metapolítica, isto é, da organização flexível, constituída por núcleos autónomos, assentes nos interesses práticos e contingentes dos estudantes; núcleos ligados entre si numa rede de relações capaz de abranger o maior número de indivíduos. Trata-se de imitar a estratégia das esquerdas de 1962: aliciar os apolíticos com temas corporativos, para os consciencializar e politizar num segundo momento, desta vez numa frente comum contra a subversão académica. No Verão de 1969, a ocasião é oferecida pelo boicote aos exames decretado pelo Movimento Estudantil, no seguimento dos incidentes de Abril de 1969 e da prisão dos dirigentes estudantis. Face ao descontentamento dos estudantes contrários a perder a época de exames, os nacionalistas radicais organizam grupos de «furas» à greve que atacam os piquetes «associativos», principalmente na Faculdade de Direito. Alcançada, assim, uma posição destacada na frente contra a contestação, em Outono de 1969 criam o Secretariado Organizador da Acção e Coordenador dos Grupos de Estudo. Esse é o embrião da rede metapolítica pensada pelos nacionalistas. O Secretariado é constituído por pequenos núcleos de Faculdade que se preocupam a analisar os problemas específicos dos estudantes e, em geral, a política universitária do Governo, para avançar propostas de reformas adequadas a uma Universidade orgânica e corporativa.

47Logo a partir destas primeiras iniciativas, emerge como líder da área nacional-revolucionária o estudante de Direito José Miguel Júdice, apoiado por colegas mais velhos, crescidos, entre 1964 e 1969, nas Comissões Administrativas da Associação Académica de Coimbra, entregues pelo Regime às direitas na sequência da proibição de eleições regulares, cada vez mais favoráveis aos estudantes oposicionistas.

48Esta rede de pequenos núcleos pode já contar com duas estruturas universitárias controladas pelos nacionalistas: o Orfeón Académico e a Oficina de Teatro da Universidade de Coimbra (OTUC). O Orfeón, mais antigo órgão autónomo dos estudantes, entra, a partir da década de 60, numa rota de colisão com os restantes Organismos Autónomos da Universidade, recusando-se a integrar a frente comum de oposição às autoridades académicas e ao Governo e passando, assim, a ser considerado um baluarte da extrema-direita estudantil. A OTUC, por sua vez, surge em 1966 graças aos estudantes do grupo de José Valle de Figueiredo empenhados na Comissão Administrativa da AAC, com o intuito de dar vida a uma companhia de teatro alternativa às duas já existentes e controladas pela extrema-esquerda (CITAC e TEUC). A OTUC, dirigida pelos intelectuais fascistas Goulart Nogueira e António Manuel Couto Viana, encena peças de cariz nacionalista. A sua actividade, que entretanto atingira elevados níveis de qualidade, torna-se, assim, uma constante provocação ao Movimento Estudantil, a ponto de provocar violentos confrontos entre estudantes esquerdistas e forças da ordem em 9 de Maio de 1970, por ocasião da representação da peça de Paul Claudel, O Livro de Cristóvão Colombo, uma celebração das descobertas e da missão imperial e civilizadora de Portugal.

49Seguros desta situação organizativa e de uma renovada vontade de militância, os nacionalistas revolucionários de Coimbra protagonizam, em finais de 1970, uma das mais importantes e sólidas iniciativas desta área política: a fundação da Cooperativa Livreira Cidadela. Cooperativa cultural para a prestação de serviços aos estudantes de Coimbra, com o intuito de auto-financiar a produção e divulgação da cultura radical, a Cidadela é a primeira tentativa do género na área nacionalista. A Cooperativa torna-se, desde logo, ponto de referência não só para o meio nacional-revolucionário de Coimbra, mas para todos os jovens radicais que no princípio dos anos 70 entram na vida política activa. Do ponto de vista do trabalho cultural, o êxito mais assinalável é o de procurar uma síntese entre os clássicos do neofascismo (Ugo Spirito, Vilfredo Pareto, Brasillach, La Rochelle, Larteguy, os Hussardos de Nimier, Ledesma Ramos e Primo de Rivera) e os marxistas heterodoxos como Edgar Faure, Ota Sick, Franz Fannon e René Dumond. O objectivo é delinear uma nova identidade tercerista, que procura exemplos não somente no justicialismo peronista, mas também nas vias nacionais para o socialismo, desde o socialismo nacional árabe, ao nacionalismo totalitário maoísta ou romeno, ao nacionalismo de esquerda latino-americano, principalmente o de Fidel Castro.

  • 20 Júdice, José Miguel, «Oposição de direita a Marcelo Caetano», in Barreto, A. e Mónica, M. F. (orgs. (...)
  • 21 Santos, Luís Aguiar, «Um teste aos conceitos de nomocracia e teleocracia: o jornal Política perante (...)

50O papel da Cidadela torna-se marcante também na formação de uma oposição de direita ao governo de Marcelo Caetano, estreitando ligações com os monárquicos antisalazaristas integracionistas (Fernando Pacheco de Amorim), com a associação Programa (think-tank da direita radical alternativo à liberal SEDES) e com os católicos tradicionalistas do Círculo de Estudos Sociais Vector20. Porta-voz desta frente anti-marcelista é o semanário Política (1969-1974), dirigido pelo antigo militante de MJP, Jaime Nogueira Pinto21, cuja linha editorial assenta na defesa intransigente do Império, mas também na renovação cultural proposta pela Nova Direita europeia de Alain de Benoist.

5.3. O Movimento Nacionalista do Ensino Secundário

51Entre os fruidores mais novos da Cidadela e do Política, há também um grupo de jovens estudantes liceais de Lisboa que não tinham praticamente nenhuma referência organizativa. Estes jovens estudantes reúnem-se à volta do Movimento Nacionalista do Ensino Secundário e publicam o boletim Posição (1972-1973). Surgido em 1972, o MN, menos que uma organização, começa por ser uma rede de contactos entre estudantes dos liceus da capital e os colegas de Coimbra e Porto.

52No começo da sua militância, estes jovens caracterizaram a própria luta por uma dupla vertente: por um lado partilham com os camaradas mais velhos a interpretação essencial da contestação estudantil como longa manus da subversão internacional contra Portugal e combatem-na no ensino secundário denunciando a instrumentalização promovida pelas organizações marxistas-leninistas sobre os estudantes dos liceus. Por outro lado, partilham também a desconfiança dos camaradas universitários em relação às elites do Regime e promovem uma dura crítica à reforma do ensino do ministro marcelista Veiga Simão. Por uma questão geracional, estes jovens estudantes estão pouco ou nada ligados à memória de Salazar, cujo mito a área nacional-revolucionária celebrava cada vez mais na vertente anti-marcelista do que como saudosismo de um chefe desaparecido. A revolta dos jovens do MN é direccionada principalmente contra a atitude derrotista do Regime que, em relação ao Ultramar, promove a ideia do soldado português em África mais num papel de ‘polícia neutro’ que de combatente patriota contra as cobiças dos imperialismos estrangeiros. Aqui é evidente a influência exercida pela Cidadela sobre os camaradas mais novos, que aderem totalmente ao projecto euro-africano do «Grande Espaço Português», promovido pelos nacionalistas-revolucionários de Coimbra, com fortes tons justicialistas e terceiromundistas. Neste sentido, o ‘Império’ é visto não como um elemento estático, adquirido, imutável, mas como um caminho, uma dinâmica de destino para o mundo lusitano. Para concretizar esta ‘revolução imperial’, os nacionalistas radicais propõem a transferência da capital de Lisboa para Luanda (sendo Angola a maior parcela territorial). Portugal seria, assim, o nome de todo o conjunto. A sua parcela europeia, rebaptizada Lusitânia, perderia aquela centralidade que sempre teve, concretizando de uma vez por todas a tão proclamada especificidade euro-afro-asiática de Portugal.

53A relativa autonomia destes jovens liceais face ao Regime revela-se mesmo no 25 de Abril. Encarando o período revolucionário não como o fim da militância política, mas como o começo duma nova fase do combate por «Portugal Eterno», constituirão durante o PREC a ala juvenil dos efémeros partidos da direita radical (nomeadamente o Partido Federalista Português/Partido do Progresso). Estruturarão, posteriormente, o Movimento Nacionalista, tornando-o a casa dos nacionalistas radicais durante os últimos anos da transição para a democracia, num clima político absolutamente desfavorável, mas paradoxalmente mais fecundo em termos de adesão e militância.

6. Conclusões

54No Portugal autoritário, as forças políticas herdeiras dos derrotados de 1945, que propõem uma alternativa radical para a solução dos problemas nacionais, ocupam uma posição extremamente minoritária com influência nula nas estruturas do Estado Novo.

55Implantados essencialmente nos meios universitários de Lisboa, Porto e Coimbra, sofrem de uma escassa capacidade mobilizadora, que apenas se agudiza nos momentos de maior crise do Regime numa atitude de «reacção contra» mais que de «acção por». Principais animadores do meio nacionalista radical são individualidades ou pequenos grupos de bom nível intelectual, provindo do meio burguês urbano – apesar de algumas excepções assinaláveis – num país maioritariamente agrícola. Partidários da defesa intransigente do Império Português das cobiças internacionais, e perenemente insatisfeitos com as cedências da frente interna, tentarão, só na fase marcelista, uma renovação do próprio património ideológico e da estratégia política. Tarde de mais para maturar uma identidade radicalmente antagonista à decadência do Regime e eficazmente alternativa para a salvaguarda do «Grande Espaço Português». Encontrar-se-ão, assim, num beco sem saída, resolvido por uma revolução levada a cabo por outros, num sentido diametralmente oposto ao apregoado pelo nacionalismo radical nas últimas três décadas.

56Apesar de tudo, estes movimentos portugueses não deixam de desempenhar um papel importante, comungando, nalguns casos, daquela subcultura política neofascista que nos anos 60 e 70 viveu um florescimento assinalável, dentro do fenómeno mais amplo da revolução do imaginário colectivo das jovens gerações europeias.

57No entanto não podemos falar de um neofascismo português genuíno e autóctone. Mais correcto é referir-se a uma parcial «neofascistização» do nacionalismo radical lusitano, como resposta ao declínio de «Portugal Eterno».

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Notas

1 Barros, Júlia Leitão, «Anglofilia e germanofilia em Portugal durante a II Guerra Mundial», in AA.VV., Portugal na II Guerra Mundial, Lisboa, D. Quixote, 1989, p. 131.

2 Telo, António José, Propaganda e guerra secreta em Portugal (1939-1945), Lisboa, Perspectivas & Realidades, 1990, p. 34.

3 Pimenta, Alfredo, Nos escombros de A Nação, 1948, Lisboa, Santelmo.

4 Marchi, Riccardo, «A direita radical na Universidade de Coimbra (1945-1974)», Análise Social, XLIII (3), 2008, pp. 552-557.

5 Lourenço, Eduardo, «Fascismo e cultura no antigo regime», Análise Social, n.º 72-73-74, 1982, p. 1432.

6 Brito, António José de, «Brasillach», Tempo Presente, n.º 10, Fevereiro de 1960, p. 13.

7 Brito, António José, O Professor Jacinto Ferreira e o destino do nacionalismo português, Lisboa, ed. do autor, 1962.

8 Pinto, Jaime Nogueira, Portugal os anos do fim – O fim do Estado Novo e as Origens do 25 de Abril, Lisboa, Difel, 1999.

9 Figueiredo, José Valle de, «A lição necessária», Política, n.º 14/15, Julho de 1970, p. 3.

10 Marchi, Riccardo, «Jovem Portugal: a extrema-direita acorda», in Paço, A. S. (org.), Os anos de Salazar, vol. 19, Lisboa, Planeta de Agostini, 2008, pp. 68-73.

11 Ramos, Aníbal, «Conversando», Ataque, n.º 16, Outubro de 1963, p. 6.

12 Agóra 14/10/1967 p. 6; 21/10/1967, p. 7; 28/10/1967, p. 7.

13 Presidentes da FEN são Nuno Lousada (1962/63), Jorge Moreira (1963/64), Norman Mascarenhas (1964/65) e José Vasco Meireles (1965/66). Dirigente destacado é também José Luís Pechirra. Órgão oficial do movimento é o boletim FEN.

14 Manuel Castelo Branco, Princípios do Centro dos Estudantes Nacionalistas, Lisboa, ed. CEN, 1966.

15 Fundada por Joaquim Caimoto Duarte, Jovem Europa terá o seu mais importante dirigente em José Manuel Santos Costa.

16 Agóra 9/03/1963 p. 5; 23/03/1963 p. 6; 3/04/1963 p. 8; 20/04/1963 p. 3.

17 Pinto, Jaime Nogueira, Portugal os anos do fim…, 1999, p. 374.

18 Marchi, Riccardo, «Movimento Vanguardista», História, n.º 65, Abril 2004, pp. 40-45.

19 Sete meses antes da publicação do Decreto-Lei, os graduados da MP publicam, no semanário Agóra de 9/04/1966, o polémico «Manifesto dos Graduados da Mocidade Portuguesa». No início de 1967, voltam à carga, contestando a política do Governo para com a MP através do documento «Tomada de posição dos Graduados», cuja publicação na imprensa é proibida pela censura.

20 Júdice, José Miguel, «Oposição de direita a Marcelo Caetano», in Barreto, A. e Mónica, M. F. (orgs.), Dicionário de História de Portugal, Lisboa, Figueirinhas, 1999, vol. 8, pp. 643-644.

21 Santos, Luís Aguiar, «Um teste aos conceitos de nomocracia e teleocracia: o jornal Política perante a “Primavera Marcelista” (1969-1970)», Análise Social, n.º 149, 1998, pp. 1093-1115.

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Riccardo Marchi, «As Direitas Radicais no Estado Novo (1945-1974)»Ler História, 57 | 2009, 95-110.

Referência eletrónica

Riccardo Marchi, «As Direitas Radicais no Estado Novo (1945-1974)»Ler História [Online], 57 | 2009, posto online no dia 01 junho 2016, consultado no dia 17 março 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/1859; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.1859

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Riccardo Marchi

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