Pensar e mandar fazer ciência. A criação da Junta de Educação Nacional e a política de organização científica do Estado Novo
Resumos
Acompanhando o progressivo reconhecimento e valorização da ciência no início do século XX, nasceu a ideia de se criar um organismo autónomo, vocacionado para promover e organizar o fomento científico em Portugal. A Junta de Educação Nacional, constituída em 1929, foi a primeira instituição que teve por vocação promover e apoiar o desenvolvimento e a organização da ciência em Portugal. Este artigo traça a génese da JEN, numa leitura sobre os princípios e pressupostos que estiveram na sua origem, acompanhando e interpretando a sua atividade no contexto da relação entre a ciência e o Estado Novo.
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1Estuda-se neste artigo a história da Junta de Educação Nacional, destacando algumas das marcas genéticas que condicionaram a sua constituição e o seu percurso histórico. A análise é feita tendo em consideração o debate, de grande significado contemporâneo, acerca da inter-relação entre capacidade científica e tecnológica (na ótica das competências acumuladas e potenciadoras e da apetência para a inovação), desenvolvimento económico, social e cultural e a forma que deve revestir a organização e a política para a ciência.
2No contexto internacional, recorde-se que a par do crescimento exponencial das economias ocidentais (assente na crescente industrialização registada ao longo do século XIX e, em particular, na transição para o século XX), onde a ciência e a técnica eram já aliados inegáveis do desenvolvimento económico, o impulso decorrente do internacionalismo científico do período entre as duas guerras mundiais acabaria por deixar a descoberto exigências mais prementes no quadro da organização e planificação da ciência. Exigências estas não só de natureza económica mas também já claramente implicadas com o poder político, onde a emergência dos nacionalismos viria confirmar, por outra via, a importância de poder fazer ciência…
3Este progressivo reconhecimento e valorização da ciência refletia, portanto, o ambiente socioeconómico, político e cultural do novo século, num processo de tomada de consciência das funções sociais da ciência e das suas dimensões irreversivelmente políticas, económicas e culturais.
4A Junta de Educação Nacional (JEN), constituída em 1929, surge precisamente como a primeira instituição que teve por vocação promover e apoiar o desenvolvimento científico e a organização da ciência em Portugal, assumindo com clareza o propósito de ‘pensar/planear e mandar fazer ciência’. Boa parte dos princípios e pressupostos inscritos na sua criação decorriam de um conjunto de ideias essenciais que remontam, pelo menos na sua formulação mais explícita, ao início do século XX, quer em matéria de discurso promovido por uma corrente de pensamento centrada na natureza e objetivos do desenvolvimento quer quanto à estruturação da metodologia e da estratégia a percorrer.
5Considerando esforços pontuais e dispersos, foi efetivamente na primeira metade do século XX português que emergiram algumas reflexões essenciais, acompanhando aliás a tendência internacional, nomeadamente quanto ao papel do Estado e das Universidades, à natureza das funções dos professores do ensino superior e da atividade dos investigadores e mesmo quanto à indispensabilidade de organizar de forma racional o que hoje designamos como sistema científico nacional.
6De resto, o tempo era também de reflexão e crítica sobre a natureza, adequação e funções do ensino superior. Com a implantação da República, entre outros aspetos, introduziu-se um novo paradigma universitário, a partir da criação em 1911 das universidades de Lisboa e do Porto, inscrevendo o princípio da investigação científica no quadro da formação académica.
- 1 António Sérgio, «Da necessidade de criar focos independentes para reforma da cultura por meio do re (...)
7Além disso, a dinâmica vivida no quadro internacional potenciava a observação atenta e crítica do que estava a acontecer noutros países. Procurava-se uma inspiração que viria a ser fundamental para a consolidação da ideia de indispensabilidade de criar um organismo autónomo e especificamente vocacionado para a missão de promover e organizar o fomento científico em Portugal. Entre todos, os modelos belga e, sobretudo, o espanhol foram os preferidos, mais estudados e os que inspiraram diretamente o caso português. Mas a estratégia era, quanto a isso, absolutamente clara, tal como, entre outros, a explicitou António Sérgio em «Da necessidade de criar focos independentes para reforma da cultura por meio do recurso ao estrangeiro»1, pugnando por que se ultrapassasse a barreira do isolamento e da distância em relação à boa cultura e exemplos europeus sem todavia incorrer no erro de imitar ou importar de forma acrítica. Foi com esse espírito que se apreciou o caráter inovador e exemplar da «Junta para Ampliación de Estudios y Investigaciones scientificas» (Madrid), criada em 1907, dedicada não só a enviar bolseiros para o estrangeiro mas também a criar-lhes condições de trabalho no seu regresso, nomeadamente através da instituição de centros de estudo e de investigação que Augusto Celestino da Costa visitou em 1917.
8É pois tendo presente este quadro de afirmação de um pensamento estruturado em matéria de promoção, planeamento e organização da ciência, enquadrado pelas diferentes perceções/debates que foram sendo promovidos no contexto da I República e depois do Estado Novo, que deve ser compreendido o processo de institucionalização da Junta.
9A Junta de Educação Nacional foi criada durante o governo da Ditadura Militar chefiado pelo general José Vicente de Freitas. Era ministro da Instrução Pública Gustavo Cordeiro Ramos que, anos mais tarde, se referiria às razões da criação dessa instituição nestes termos:
«A criação daquele organismo obedeceu a um duplo objetivo: se por um lado procurávamos quebrar o isolamento que nos últimos séculos nos afastara do convívio íntimo e permanente com os mais autorizados centros de cultura no estrangeiro, condição imprescindível do levantamento do nível mental da Nação, aproveitando o que lá de fora nos poderia interessar, sobretudo nos métodos de investigação e nas esferas da atividade científica, em que o nosso atraso técnico se mostrasse mais acentuado (…); por outro iam-se proporcionar meios de trabalho aos estudiosos e facilitar-lhe o aperfeiçoamento, a expansão e propaganda séria do seu labor, não só internamente, mas extramuros pátrios, como pioneiros e promotores da cultura universal.
- 2 Gustavo Cordeiro Ramos, Objetivos da Criação da Junta de Educação Nacional, Instituto para a Alta C (...)
Afinal, em tempos de preocupações sérias de ordem política e financeira, nos tempos saudosos de puro idealismo, em período de implacável austeridade económica em todos os serviços, doloroso é certo, mas rico de beleza moral, marcava uma orientação …»2.
10Tal como ficou disposto no decreto da sua criação (n.º 16 381, de 16 de janeiro de 1929), a Junta surgia como um organismo permanente e autónomo, integrado no Ministério da Instrução Pública. Como missões, eram-lhe cometidas, entre outras: «fundar, melhorar ou subsidiar instituições destinadas a trabalhos de investigação e propaganda científica; organizar e fiscalizar um serviço de bolsas de estudo; promover o intercâmbio cultural, a expansão da cultura portuguesa…».
11Os propósitos enunciados surpreendem pela atualidade, entre as intenções que continuam a inspirar muitas agendas nacionais em matéria de política para a ciência; facto que deve contribuir para a reflexão sobre as políticas, apoio e enquadramento em matéria de organização e desenvolvimento da ciência ao longo da primeira metade do século XX português.
12Na realidade, a matriz fundadora, em matéria de pensamento, proposta de promoção e de organização da ciência, inscrita no caderno de encargos da JEN, decorreu das reflexões e da ação de um pequeno conjunto de cientistas que as foram formulando, apresentando e propondo ao longo da I República e que foram finalmente implementadas sob a Ditadura Militar e o Estado Novo – dando espaço e recursos a um projeto de dimensão cultural e científica que, entre resultados modestos (se meramente avaliados quantitativamente em termos de bolsas e financiamentos), acabaria por assumir uma dinâmica em que o próprio Estado Novo se viu comprometido.
República e debate: organismos em projeto
13Antes da criação da JEN, tentando acompanhar o que ia ocorrendo noutros países e obedecendo ao espírito da reforma universitária de 1911, a I República assistiu, ou foi animando, diversos projetos, propostas, debates e ensaiou mesmo a constituição de organismos dedicados à promoção e organização da ciência e da cultura, protagonizados por cientistas, engenheiros, pedagogos e, em alguns casos, iniciativas de políticos, para quem a condição fundamental do progresso económico e social do País residia no seu desenvolvimento cultural e científico.
- 3 Luís Robertes Simões Raposo (1898-1934). Formado em Medicina em 1923 pela Faculdade de Medicina de (...)
14Muitos destes projetos ficaram pelo caminho; no entanto, ficou um importante acervo do ponto de vista do pensamento e da cultura que antecipava nitidamente realizações posteriores. Sublinhe-se aliás, entre as experiências anteriores à criação da JEN, e embora pouco ou nada se saiba sobre a sua existência, a intervenção de Simões Raposo numa conferência proferida em 1921, onde terá defendido «um projeto de criação duma residência de estudantes, ligada a uma Junta autónoma e inspirada nos mesmos princípios da de Madrid» e da qual terá resultado, por iniciativa puramente particular, a criação de uma Junta de Educação que «pretendia fazer uma obra renovadora no ensino e na organização do trabalho científico»3.
- 4 João José da Conceição Camoesas (1887-1951). Formado em Medicina, exerceu como médico-escolar adjun (...)
- 5 Publicada em Diário do Governo, 2.ª Série, n.º 151, 2 de julho de 1923.
- 6 António Sérgio de Sousa (1883-1969) – ministro da Instrução Pública do governo de Álvaro de Castro, (...)
15Foi essencialmente no quadro das transformações decorrentes do primeiro conflito mundial, que emergiram estes novos projetos, destacando-se a «proposta de Lei para a Reorganização da Educação Nacional» de João Camoesas4 em 1923 (apoiada, entre outros, por Jaime Cortesão e António Sérgio)5, e que refletia já mais claramente a vontade de criação de organismos de apoio às investigações científicas – neste caso projetando a criação de uma «Junta Nacional de Fomento das Atividades Sociais e Investigações Científicas». Era já evidente a recorrência destas propostas: depois da tentativa falhada de Camoesas, cujo projeto ficou suspenso em resultado da queda do governo, foi a vez de António Sérgio6, ministro da Instrução Pública que, em dezembro de 1923, obteve a promulgação de um decreto prevendo a criação da referida «Junta de Orientação dos Estudos» e confirmando já o quadro de indispensabilidade de «criar um organismo técnico permanente que oriente e coordene não só todos os esforços de atualização do ensino português como todos os trabalhos de investigação científica», na linha do que Sérgio vinha, aliás, defendendo publicamente desde 1919.
16Na génese da Junta de Educação Nacional, e compondo a sua história, estiveram portanto inúmeros debates, projetos e iniciativas anteriores, promovidos desde o período final da Monarquia mas também, e sobretudo, ao longo da I República. Todos eles procuraram refletir as crescentes exigências da ciência, da investigação, do desenvolvimento tecnológico e, enfim, da consolidação e projeção da cultura portuguesa no quadro internacional.
- 7 Decreto n.º 16 381, Ministério da Instrução Pública, Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 13, 16 de ja (...)
17O diploma de 16 de janeiro de 19297, de criação da JEN, foi, por isso, tanto ponto de partida para o lançamento de base institucional de um conjunto de medidas de apoio à investigação científica, especialização académica, aperfeiçoamento artístico e expansão da língua e da cultura portuguesas no Mundo, como foi, também, um ponto de chegada para os que, entre intelectuais, políticos, pedagogos, investigadores, cientistas e artistas, vinham propondo a criação de um organismo do género, capaz de dar resposta eficaz às crescentes necessidades do desenvolvimento científico e cultural do País. Ou seja, a ideia de criação de um organismo semelhante ao que veio a ser a Junta de Educação Nacional, em funções e em complexidade, não era de facto nova.
- 8 Augusto Pires Celestino da Costa (1884-1956). Formado em Medicina pela Escola Médica de Lisboa em 1 (...)
- 9 Augusto Celestino da Costa, Junta de Educação Nacional, 1934, p. 3
- 10 Gustavo Cordeiro Ramos, Objetivos da criação da Junta de Educação Nacional …, pp. 7-31.
18Como viria a referir mais tarde o médico Augusto Pires Celestino da Costa8, numa conferência realizada em abril de 1934: «não é de hoje nem de ontem a ideia de enviar estudantes (para) fora do país a prosseguir seus estudos nas nações onde as ciências florescem».9 Mais tarde, em 1951, Cordeiro Ramos, referir-se-ia à JEN como «uma velha pretensão do nosso escol intelectual»10
- 11 Para Bernardino Machado, a propósito da figura de marquês de Pombal, e em discurso comemorativo de (...)
19De facto, a criação da JEN tinha na sua esteira um importante património intelectual com lugar de destaque na história da cultura científica em Portugal, nomeadamente pela dimensão de organização da ciência e do papel pedagógico que lhe seria atribuído; na linha, aliás, do ideário da Geração de 70. É de relembrar, a propósito, Bernardino Machado, figura de proa dessa geração e de clara projeção política, para quem «saber era poder», poder para o progresso das condições político-económicas de uma Nação, tanto mais que disso dependia a soberania nacional:11
- 12 Idem, p. 11 e 13.
«Para manter os laços nacionais, a tradição não basta; as gentes que não sabem que fazer pelos progressos da humanidade, tornam-se passivas das nações dignas deste nome, e tanto se aviltam e desfalecem, que tudo nelas vem a destecer-se, até a religião dos seus maiores; A nacionalidade é uma floração que tem as suas raízes no pensamento.»12
20Observaria ainda, na oração inaugural do ano letivo 1904-1905:
- 13 Bernardino Machado, A Universidade e a Nação: oração inaugural do ano letivo de 1904-1905, 1904, p. (...)
«Ser instruído é ser livre. Uma nação sem originalidade, que nada cria, inventa e descobre, e apenas vive de empréstimos materiais ou espirituais, se, pelo prestígio do nome herdado, ainda conserva a sua autonomia, não está longe de perdê-la. (...) A instrução não representa um meio novo de aristocratização. A verdade é acessível a todos.»13
- 14 Luís Robertes Simões Raposo, «Reflexões sobre a Universidade de Évora», Seara Nova, n.º 142, 20 de (...)
21É neste sentido, simultaneamente estratégico em termos de economia política, por um lado, e, por outro lado, em termos das aspirações pedagógico-propedêuticas que apontavam para a renovação/regeneração das mentalidades num sentido mais transversal da sociedade portuguesa, que deve ser compreendida a herança genética da JEN, em cuja linhagem se identifica a Junta de Orientação dos Estudos. Refira-se que em 1923 Sérgio tinha como chefe de gabinete Simões Raposo, devendo destacar-se a importância da sua contribuição na definição da matriz e na estruturação do percurso em que se inscreveu a criação da JEN, da qual, aliás, foi secretário-geral entre 1929 e 1934. Simões Raposo considerava prioritário criar condições para que a organização dos institutos científicos obedecesse a (...) um critério mais esclarecido do que aquele que orienta a grande maioria dos dirigentes políticos, em Portugal14. Compreendem-se assim as suas palavras críticas relativamente às opções do poder público já sob a Ditadura Militar:
«Enquanto se mantiver o equívoco de que a alta cultura intelectual de um país e a economia nacional não tem entre si qualquer laço de interdependência, há de existir, sempre, uma multidão que considere mais urgente, num país deficitário e desorganizado, tratar das finanças avariadas do que preparar o futuro pela criação de uma elite, que abandone a rotina e se integre no movimento mental contemporâneo. Essa multidão gritará que é um luxo indesculpável gastar alguns milhares de contos, anualmente, com a ciência pura, que, aparentemente, não pode contribuir para melhorar o câmbio da libra e baratear o preço da vida. Em obediência a essa multidão, as exíguas dotações de todos os serviços hão de ser sempre regateadas e diminuídas e a penúria material, vizinha da miséria da quase totalidade das instituições científicas e a ausência, sequer, de local para instalar muitas outras, que não existem, será tomada como um sinal de boa administração.»
- 15 Idem, p. 416 e 417.
Simões Raposo defendia, assim, a «(...) mudança da atitude mental do público e dos governantes perante as Universidades e a alta cultura.»15
- 16 Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 68, 24 de março de 1911. Ver também Rómulo de Carvalho, História (...)
22Ainda no que se refere aos antecedentes que dariam forma a uma estratégia de apoio (promoção) à investigação científica, deve recuar-se ao Decreto de 22 de março de 1911 que, ao criar as Universidades de Lisboa e do Porto, assinalou o princípio de implantação do paradigma, originariamente alemão, da universidade moderna.16
- 17 Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 93, 22 de abril de 1911.
- 18 Vide ainda João Caraça, «Ciência e investigação em Portugal no século XX», in Panorama da cultura p (...)
23Com efeito, o diploma que, posteriormente, a 19 de abril de 1911, estabeleceu as bases da constituição universitária, definia logo no 1.º art.º como finalidade da Universidade «fazer progredir a Ciência pelo trabalho dos seus mestres, e iniciar um escol de estudantes nos métodos de descoberta e invenção científica»17; vinculava-se assim, aos respectivos estatutos, o princípio da investigação científica.18
- 19 Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal…, p. 688.
24Além da criação de universidades, o referido decreto de 22 de março previu ainda a criação de um fundo de bolsas de estudo liceais, universitárias e de aperfeiçoamento no estrangeiro.19 Pelo mesmo documento foi prevista a constituição de um fundo universitário de bolsas ou pensões de estudo «destinada a subsidiar os estudantes pobres e de mérito», durante a frequência nos estudos secundários e superiores. Organização científica, cultura e desenvolvimento económico surgiam dessa forma intimamente relacionados:
- 20 Diário do Governo, n.º 68, de 24 de março de 1911.
«Atendendo, com efeito, a que, para a transformação e desenvolvimento da cultura nacional, no sentido moderno, e para a organização científica da vida económica do País, não basta importar como, até aqui, na sua expressão livresca e em fórmulas já feitas, os resultados obtidos nas nações mais adiantadas e progressivas, mas se faz mester que a juventude portuguesa assimile, diretamente e in loco, os métodos de ensino, de criação e de aplicação das ciências, para os implantar entre nós e criar centros autónomos de cultura nacional;»20
25Compreendiam-se então três categorias de bolsas: bolsas liceais, bolsas universitárias e bolsas de aperfeiçoamento no estrangeiro, a conceder anualmente e por concurso, tendo por base o mérito do candidato e os recursos e encargos da família. Cada Universidade seria dotada de um fundo de bolsas ou pensões de estudo. A administração deste fundo universitário de bolsas de estudo competiria «a uma Junta, eleita pelo Senado Universitário entre os seus membros, presidida pelo Reitor, e composta, em partes iguais, de professores da Universidade e individualidades eminentes nas ciências, nas artes, na agricultura, no comércio e na indústria da região». A esta «Junta Administrativa das Bolsas de Estudo», eleita por três anos, competia:
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Fixar o número de Bolsas de cada categoria: liceais, universitárias e de aperfeiçoamento no estrangeiro;
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Distribuir as Bolsas universitárias e de aperfeiçoamento no estrangeiro, pelas Faculdades e Escolas da Universidade;
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- 21 Idem.
Anunciar os respetivos concursos em edital afixado na Universidade e publicado no Diário do Governo.21
- 22 Portarias de 30 de setembro e 7 de outubro, Diário do Governo, n.º 239, de 13 de outubro de 1911.
- 23 Portaria de 6 de dezembro, Diário do Governo, n.º 286, de 8 de dezembro de 1911.
26A República pretendia implementar um sistema organizado de concessão bolsas de estudo. Permaneceria, porém, o desequilíbrio entre uma política sistemática e o subsídio pontual. Certo é que alguns investigadores mais reconhecidos foram beneficiando dos apoios concedidos através dos fundos universitários ou simplesmente da dispensa de serviço. Logo em outubro de 1911, o médico Celestino da Costa foi «encarregado de ir ao estrangeiro, em comissão gratuita de serviço público, estudar os progressos da histologia». Na mesma altura, o cirurgião do banco do Hospital de S. José, Alberto Mac-Bride Fernandes, foi encarregado de partir em missão de estudo ao estrangeiro, também ele em comissão gratuita, «estudar Pediatria, sem qualquer remuneração especial.»22 Em dezembro do mesmo ano, o Ministério do Interior mandou aprovar «o programa e instruções referentes ao concurso para escolha de um pensionista do Estado que vá ao estrangeiro aperfeiçoar-se na especialidade da arquitetura.»23
- 24 Portaria de 11 de dezembro, Diário do Governo, n.º 291, de 14 de dezembro de 1911.
- 25 Daqui resultou a criação de um serviço clínico e de uma consulta especial, instalada no Hospital Es (...)
27Mas entre os apoios pontualmente concedidos, quer a missões de estudo no estrangeiro como a investigações no País, alguns anunciavam medidas de maior extensão. Refira-se a nomeação, em dezembro de 1911, da comissão constituída por quatro médicos – Francisco Gentil, Emílio Raposo de Magalhães, Maximiliano Cordes Cabedo e Alberto Gomes – «para estudarem o problema do cancro, sob o ponto de vista clínico».24 Com efeito, desde o princípio do século XX que se vinham desenvolvendo esforços em Portugal no sentido de acompanhar o movimento internacional de combate ao cancro. Depois dos trabalhos desenvolvidos por João Azevedo Neves, que permitiram iniciar um serviço especial de estudo neste domínio junto do Hospital de S. José, seguir-se-iam Francisco Gentil e João Emílio Raposo de Magalhães, cuja missão de estudo no estrangeiro veio alargar o conhecimento sobre os progressos mais recentes no diagnóstico e tratamento de doenças cancerígenas.25
- 26 Augusto Celestino da Costa, A Junta de Educação Nacional, 1934, p. 5.
28Em matéria de missões de estudo, todavia, os casos referidos não parecem ter traduzido toda a realidade, nem satisfeito todas as necessidades. Por isso se compreende que, em 1919, surgisse uma nova proposta, por iniciativa do ministro Joaquim de Oliveira, para a instituição de um sistema de bolsas de estudos (com a criação de 80 bolsas anuais), mas que acabaria por ficar também ela em suspenso.26
- 27 Diário do Governo, n.º 120, 31 de maio de 1907.
29Em boa verdade, antes da implantação da República tinha já sido ensaiada a implementação de um programa de concessão de bolsas no estrangeiro, em maio de 1907, sob governo de João Franco e sendo então diretor-geral do Ensino Superior Agostinho de Campos27. O diploma pretendia assegurar a concessão de bolsas para o ensino profissional, técnico, secundário e primário, embora não contemplando o ensino superior.
- 28 Idem.
- 29 Idem.
30O Decreto de 29 de maio de 1907 destinava uma «verba de 100 000$00 réis anuais para pensões a alunos e professores portugueses no estrangeiro».28 Estas bolsas contemplavam alunos diplomados pelos liceus, escolas industriais e agrícolas, pelo Instituto de Agronomia e Institutos Industriais e Comerciais, bem como alunos de cursos de preparação para os magistérios primário e secundário. Os alunos com o curso complementar liceal de ciências, que tivessem o objetivo de prosseguir estudos em universidades ou institutos técnicos superiores, poderiam candidatar-se também a estes subsídios mas apenas nos casos em que pertencessem a cursos de ciências físico-naturais, puras ou aplicadas. De facto, a concessão destas pensões destinava-se a áreas específicas, como eram os casos dos estudos industriais ou os estudos agrícolas, trabalhos manuais educativos, de ciências físico-química, história natural e desenho ou ainda o estudo dos melhores métodos de ensino. Por outro lado, estes subsídios estariam destinados aos alunos «distintos e pobres» e em particular a «filhos de agricultores, de operários ou mestres de oficinas, e de oficiais do exército e da armada ou funcionários públicos civis».29 A iniciativa, cujos resultados logo ficaram comprometidos, por ter sido sumariamente anulada no ano seguinte, deixou rasto.
- 30 Decreto de 30 de junho, Diário do Governo, n.º 152, de 3 de julho de 1911.
- 31 Decretos de 4 de janeiro, Diário do Governo, n.º 3, de 5 de janeiro de 1911.
31Temos portanto, por um lado, que alguns subsídios concedidos durante a I República vieram herdar, de certo modo, os planos da iniciativa decretada por João Franco. Por exemplo, em 1911, por Decreto de 30 de junho, o Estado autorizou o subsídio «a um estudante português que pretende seguir o curso de engenheiro eletricista em Berlim, Augusto Pereira da Silva Lopo, cuja especialidade era contemplada na (…) classe 4.ª das pensões, instituída pelo decreto de 29 de maio de 1907»30; noutros casos, foram mesmo restituídas algumas pensões inicialmente concedidas à luz do diploma de 1907 e que tinham sido retiradas no ano seguinte. Foi o que ocorreu com o estudante de eletrotecnia Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos, a quem foi restabelecida a pensão anterior, e de António Santos Pinto Teixeira, que pretendia frequentar o curso de Medicina e a quem foi atribuído subsídio «tendo em conta os poucos meios de que dispõe e os assinalados serviços prestados à implantação da República.»31 Por outro, em termos de conceção, o diploma que previra a concessão de bolsas em março de 1911 foi, efetivamente, um pouco mais longe, desde logo em matéria tanto de concepção como de abrangência, ao englobar não só o ensino liceal e técnico mas também o superior.
32Em todos os programas propostos para a concessão sistemática de bolsas estava presente um carácter propedêutico de «regeneração da nação portuguesa», na linha do pensamento educativo do último terço do século XIX, e transversal a todo o espetro político – o que verdadeiramente se pretendia, com um programa desta natureza, era propiciar uma reforma da cultura e das mentalidades.
- 32 Jaime Celestino da Costa, A Geração Médica de 1911. Origem, Realização e Destino, Lisboa, Faculdade (...)
- 33 Marck Anahori Athias (1875-1946). Formado em Medicina, em 1905, pela Escola Médica de Lisboa, optou (...)
33Ainda no contexto da I República e da génese das propostas que viriam dar lugar à criação da JEN, merece observação mais atenta a ação renovadora da chamada «geração médica de 1911».32 Era uma geração de médicos investigadores que defendia uma prática clínica com base científica, isto é, uma prática apoiada no laboratório, atribuindo à ciência um lugar fundamental na vida das escolas superiores. Homens como Ricardo Jorge, Câmara Pestana, Miguel Bombarda e Marck Athias33, não esquecendo Celestino da Costa, Luís Robertes Simões Raposo, entre outros, que defendiam o cultivo de ciência original pelos docentes.
34Tratava-se de um pequeno mas ativo e influente grupo de médicos da Escola Médica de Lisboa. Entre eles, podem identificar-se dois núcleos importantes, que se distinguiam pela prática de uma investigação sistemática e pela preocupação em criar discípulos e continuadores. Por um lado, o núcleo da bacteriologia, reunido em torno de Câmara Pestana; por outro, o núcleo da histologia e da fisiologia, dirigido por Marck Athias. Este grupo de histologia assumiu um papel fulcral para a história da JEN e, depois, do Instituto para a Alta Cultura (que lhe sucedeu), nomeadamente através da ação de Simões Raposo e de Celestino da Costa. O núcleo de Marck Athias constituiu uma importante escola a que ficaram associados nomes como Joaquim Fontes, Ferreira de Mira e Henrique Parreira.
- 34 José Luís Doria, «O XV Congresso Internacional de Medicina e o Centenário do Edifício da Escola Méd (...)
35Testemunhando, por outra via, a dinâmica da classe médica no
seio da comunidade científica nacional do início do século XX português no campo da promoção e organização da formação e da investigação, refira-se a realização em Lisboa do XV Congresso Internacional de Medicina, em abril 1906, que teve como coordenador Miguel Bombarda e a que acabou por ficar ligada a história da construção do novo edifício da Escola Cirúrgica de Lisboa. Entre tudo, o Congresso deixou recomendações no âmbito das políticas sanitárias e da constituição de centros de investigação.34
- 35 Diário do Governo, n.º 45, 24 de fevereiro de 1911.
- 36 Idem.
36Não é assim de estranhar que os estudos médicos tivessem merecido a atenção do diploma reformador (da lavra do ministro do Interior, António José de Almeida, também ele médico e bastante crítico da «escola tradicional coimbrã»), na preparação do primeiro dos decretos de 1911 relativo ao ensino superior35, no qual, de resto, ficou inscrito o essencial do que vinha sendo defendido. Antes de mais, a educação ficava colocada no centro da resolução dos problemas nacionais, conferindo-se inclusive um carácter fulcral ao ensino superior. Como sublinhava o diploma de fevereiro de 1911, no contexto de «todo o problemismo [sic] de uma nacionalidade em reabilitação, o ensino é, de certo, a questão primacial, ponto de base e partida para os demais serviços.»36
- 37 Lido por toda uma geração, é em Santiago Ramón y Cajal, primeiro presidente da JAE, que originalmen (...)
37Para Celestino da Costa, por exemplo, a reforma da educação deveria começar pelo ensino superior, uma vez que era a esse nível que se formavam os dirigentes e os técnicos necessários à sociedade civil e, particularmente importante, os professores necessários aos outros graus do ensino. O ensino superior devia, desde logo, consciencializar essa missão de garantir a eficaz reprodução de docentes a formarem-se na prática da pesquisa científica.37
38Segundo Celestino da Costa:
- 38 Augusto Celestino da Costa, A universidade portuguesa e o problema da sua reforma, Conferências fei (...)
«A Nação deve compreender a importância primacial que esse ensino pode ter no seu desenvolvimento. Sem ensino superior será impossível formar os mestres do ensino liceal, sem ensino superior não terá bases sólidas o ensino técnico. O problema do ensino superior deve ser uma questão nacional visto que interessa à solução da maior parte dos problemas nacionais.»38
39Foi, de facto, o contexto revolucionário do 5 de outubro de 1910 que veio afirmar claramente este entendimento alargado respeitante à «remodelação no ensino superior». Tal como ficou em letra de lei:
- 39 Diário do Governo, n.º 45, 24 de fevereiro de 1911.
«A Revolução Portuguesa de 5 de outubro tem o dever de reformar os diversos ramos de ensino para chamar a Nação ao exercício da Democracia, pela difusão da cultura primária; para educar pessoal dirigente, pela remodelação do ensino superior; e ainda para satisfazer de uma forma cabal as necessidades sociais futuras e de ocasião, pelo aperfeiçoamento das escolas que preparam para o exercício dos serviços públicos e profissões liberais.»39
40Entendia-se que um dos principais problemas que afetava o ensino superior residia na forma como se cumpria sem fazer apelo à prática científica:
- 40 Idem.
«a verdade é que tem sido impossível pôr de parte o velho vício da teorização exagerada e descuramento da prática profissional. A razão de tais defeitos é por demais esclarecida. Nem vale a pena insistir. Prende à conhecida pobreza dos laboratórios e deficiências de toda a ordem. Ora, foi na ideia de transformar em geral o ensino e muito especialmente no que intente com o serviço laboratorial e clínico que intentamos a presente reforma balizada pelo critério da especialização e pratica escolar. De facto, por ensino prático não se entende restritamente a demonstração na aula por meio de experiências, gráficos ou diagramas da matéria versada (...). Trata-se de facultar ao aluno os meios próprios de investigação, de o adestrar no seu manejo, de o familiarizar com o seu emprego até que se habilite a servir-se de todos os meios alcançáveis na descoberta da verdade.»40
41Era esta a intenção da reforma do ensino médico de 1911, que ficou a constituir o denominador comum de toda a legislação do ensino superior promulgada nos meses seguintes.
- 41 Idem.
42Haveria que, entretanto, encontrar forma de fazer face à questão do recrutamento de professores, nomeadamente por se questionar o princípio exclusivo dos concursos, vistos como «atos de ostentação, lógicos com o sistema mnemónico e livresco adotado» mas impróprios para decidirem absolutamente sobre o valor dos candidatos, sobretudo quando se pretendia identificar aqueles que se enquadrassem no perfil do investigador. Na realidade estava em causa a organização essencial das Faculdades, que deviam estruturar-se no sentido de obter a melhor habilitação profissional e a maior produção no que respeite a atividade científica.41
43Foi, por fim, pelo decreto de 19 de abril de 1911 que se definiram os três objetivos fundamentais das Universidades:
« a) Fazer progredir a ciência, pelo trabalho dos seus mestres, e iniciar um escol de estudantes – nos métodos de descoberta e invenção científica;
b) Ministrar o ensino geral das ciências e das suas aplicações, dando a preparação indispensável às carreiras que exigem uma habilitação científica e técnica;
- 42 Diário do Governo, n.º 93, 22 de abril de 1911.
c) Promover o estudo metódico dos problemas nacionais e difundir a alta cultura na massa da Nação pelos métodos de extensão universitária.»42
44Por sua vez, o ensino técnico e profissional também conheceu uma profunda transformação. Os ensinos agrícola, industrial e comercial foram objeto de reformas e de novas medidas legislativas. Entre tudo, deve, porém, salientar-se a criação do Instituto Superior Técnico (IST).
- 43 Alfredo Bensaúde, autor das Notas Histórico-Pedagógicas sobre o Instituto Superior Técnico, de 1922 (...)
- 44 Sérgio Grácio, «Ensino Técnico e Indústria. Uma perspetiva de sociologia histórica» in O sistema de (...)
45O ensino superior de engenharia conheceu, efetivamente, um forte impulso sob a I República, em particular pela criação do IST a 23 de maio de 1911, por Manuel de Brito Camacho, então à frente do recém-criado Ministério do Fomento, em associação com Alfredo Bensaúde, que assumiria a respetiva direção.43 Tratou-se, sem dúvida, no quadro nacional, de um projeto inovador, quer pela forte componente de articulação entre o ensino e a atividade económica, como, numa vertente pedagógica, pela introdução de alterações curriculares importantes, nomeadamente os dois anos preparatórios nas ciências fundamentais seguidos por outros em que se lecionavam as mais modernas especialidades de engenharia – mecânica, eletrotécnica, química, civil e minas. Acima de tudo, estava-se perante uma reforma que traduzia uma ótica de formação científica integral.44 O IST configurava-se assim como instituição do ensino superior orientada para o desenvolvimento prático da investigação e para a colaboração com o setor industrial, na linha do pensamento de Bensaúde, fortemente influenciado pelo modelo alemão de organização do ensino técnico-profissional superior.
O impacto da Grande Guerra
- 45 Augusto Celestino da Costa, A universidade portuguesa e o problema da sua reforma, Conferências fei (...)
46Como se referiu, e tanto quanto se conhece, as primeiras ideias sobre a necessidade de criação de um organismo de apoio à investigação científica propriamente dito terão sido ventiladas no rescaldo da Grande Guerra, desde logo por Augusto Celestino da Costa, num conjunto de conferências que realizou em 19 e 22 de abril de 1918 na Sociedade de Geografia de Lisboa, a convite da Federação Académica de Lisboa. Aí, Celestino da Costa defenderia a constituição, em Portugal, de um organismo semelhante à espanhola Junta para Ampliación de Estudios y Investigaciones Cientificas, vocacionada para o apoio à investigação científica, criada em 1907, e relataria ainda a visita realizada a Madrid, em março do ano anterior, precisamente para estudar as instituições científicas da capital espanhola.45
47Numa dessas conferências, defendeu a necessidade de reativar um programa de bolsas que considerava, na verdade, via essencial para quebrar o isolamento cultural e científico do País. Acrescentava então:
- 46 Idem, p. 60 e sgs.
«O verdadeiro processo de preparar os futuros professores de ensino superior nos países em que as escolas científicas são escassas e o ambiente falta é, como já o entenderam os nossos antepassados e aconselhava lucidamente o nosso grande Ribeiro Sanches, a exportação de mestres e estudantes para o estrangeiro a aprender a ciência nos sítios onde ela floresce.»46
48Insistia, portanto, na necessidade de concretização desse projeto, o que só poderia acontecer se fosse criado um organismo autónomo da Universidade e convenientemente dotado para gerir um programa de bolsas com critérios definidos. Só assim seria possível a reforma simultânea do ensino e da ciência em Portugal.
- 47 Idem, p. 68.
- 48 Idem, p. 69.
49A par desse programa de bolsas no estrangeiro, Celestino da Costa, em 1918, focaria mais uma vez a questão da «organização das Universidades», ao referir-se à urgência de se criar uma «verdadeira Faculdade de Ciências» com os respetivos institutos especializados47, que teriam «ao princípio a missão exclusiva de fazer discípulos e de criar ciência».48 Constatando-se daqui uma assinalável amplitude de tarefas de organização do ensino, da ciência e da cultura, essa organização exigia a criação de um organismo independente da Universidade, da burocracia e da política.
- 49 Diário do Governo, 2.ª Série, n.º 93, 20 de fevereiro de 1918.
50No seguimento da visita a Madrid, o histologista Celestino da Costa foi então nomeado, juntamente com o crítico literário Fidelino de Figueiredo e Abel Maria Dias da Silva (era então ministro de Instrução Pública, José Alfredo Mendes de Magalhães) – por portaria de 20 de fevereiro de 1918 – para participar nos trabalhos de uma comissão encarregue de «apresentar as bases para a criação de um organismo semelhante ao National Research Council, dos Estados Unidos da América do Norte, e à Junta para Ampliación de Estudios e Investigaciones Científicas, de Espanha». E isto porque, segundo a mesma portaria, se havia «reconhecido a urgente oportunidade de remodelar completamente o serviço de pensões para estudo no estrangeiro, de modo a assegurar ao Estado meios de fiscalização científica e administrativa e tornar essas pensões mais profícuas», bem como se mostrava «indispensável fomentar o gosto das investigações científicas originais, em termos que facultem novo sistema de recrutamento dos professores de ensino superior, que devem ser quanto possível selecionados de entre especialistas das ciências a professar.»49
- 50 Augusto Celestino da Costa, A Junta de Educação Nacional, 1934, p. 6.
51Contudo, segundo o próprio Celestino da Costa, a comissão não terá chegado a reunir-se.50 Por isso, em conferências realizadas em abril de 1918, Celestino da Costa pugnaria ainda pela recuperação das iniciativas anteriores, mas sobretudo apelando, ao governo de Sidónio Pais, que se criasse esse organismo.
- 51 Augusto Celestino da Costa, A universidade portuguesa e o problema da sua reforma, Conferências fei (...)
«É absolutamente necessário reatar esta iniciativa. Assim o compreendeu o Sr. Ministro da Instrução Pública nomeando uma Comissão, de que tenho a honra de fazer parte, com o fim de propor a criação de uma Junta de pensões e de promoção da investigação científica. Por minha parte farei todos os esforços para que essa obra se realize. Trata-se de uma obra verdadeiramente crucial, fundamental, porque deve servir para preparar o pessoal que deve fazer a verdadeira reforma universitária. Crie-se, portanto, imediatamente, uma Junta em condições de absoluta independência da política, dispondo de uma verba importante para pensões que pouco a pouco irá aumentando.»51
52A Comissão não terá, de facto, chegado a reunir e, em dezembro de 1918, o governo de Sidónio chegava ao fim, deixando para o período do pós-guerra o lançamento de novos projetos, porventura mais concretos, no sentido de organizar e apoiar a expansão cultural e a investigação científica nacional.
- 52 Diário do Governo, 2.ª Série, n.º 151, 2 de julho de 1923.
53Retome-se, entre estes projetos, a proposta de Lei para a Reorganização da Educação Nacional, apresentada à Câmara dos Deputados em 22 de junho de 1923 pelo Ministro da Instrução Pública, João Camoesas, e publicada em 2 de julho do mesmo ano52. Esta proposta viria revelar, mais uma vez, ao nível das esferas dirigentes, a vontade de criação de organismos de apoio às investigações científicas, neste caso tomando a designação de Junta Nacional de Fomento das Atividades Sociais e Investigações Científicas. O projeto configurava-se como um autêntico Estatuto da Educação Pública, contando com o apoio de intelectuais como Jaime Cortesão e António Sérgio.
54Ao lançar a proposta, João Camoesas aludiria antes de mais às transformações operadas pela experiência da I Guerra Mundial:
«A guerra determinou em toda a parte a imperiosa necessidade de uma nova definição das exigências da vida, de um novo ajustamento dos organismos sociais. Daí resultou que a grande maioria das nações se viu obrigada a transformar o seu sistema de instrução pública.
- 53 Idem.
Portugal não pode, não deve querer fugir às exigências da situação. A grande prova também lhe trabalhou o arcaboiço. Os seus órgãos de adestramento e de cultura mostram por isso uma constituição e um funcionamento condenados pelo espírito científico, desconceituados pela experiência.»53
55Já em relação às Universidades e Escolas Superiores, lamentava-se mesmo como «a maioria das escolas superiores não possuem institutos anexos de investigação para criar ciência, de modo que apenas realizam uma das suas missões – a de transmitir conhecimentos.» Propunha-se então um elenco de reformas a colocar em prática imediata, entre as quais se indicava a criação, pelo governo, de «uma Junta Nacional de Fomento das Atividades Sociais e das Investigações Científicas, constituída principalmente pela representação das diferentes categorias profissionais e das associações científicas.»
56Pela Base 18.ª da proposta, definia-se então:
- 54 Idem.
«O objeto essencial desta Junta é criar organismos e meios de investigação, orientação e aperfeiçoamento das atividades científicas, estimular e favorecer todas as iniciativas dos progressos científico e social. A Junta, além do produto de cotização, voluntária das entidades e pessoas que para ela quiserem contribuir receberá do Governo uma dotação anual de 200 000$, com a obrigação de conceder subsídios a investigadores e a institutos científicos, e de encorajar o estudo e a solução de problemas que interessem ao desenvolvimento do país, quer abrindo concursos especiais, quer premiando trabalhos aparecidos.»54
- 55 Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal…, p. 703.
- 56 Idem, p. 700.
57O quadro de instabilidade governativa não favoreceu o futuro desta proposta. A queda do executivo a que João Camoesas pertencia, em novembro de 1923, voltou a ditar o adiamento do projeto e remeteu o Estatuto da Educação Nacional para futuro incerto.55 Não obstante, e como viria a referir Rómulo de Carvalho, este Estatuto assumiu algum interesse, ao tratar-se do «primeiro plano geral de ensino metodicamente organizado entre nós nos tempos modernos»56. Para a história ficaria apenas, e mais uma vez, a ideia, nomeadamente a ideia de criação de uma Junta para o fomento da cultura e da ciência.
58Entretanto, como se referiu, a premência destas propostas era cada vez mais evidente, proporcionando a emergência de um novo projeto que acabaria por surgir poucos meses mais tarde, no quadro da ação ministerial de António Sérgio, através do decreto n.º 9 332, de 29 de dezembro de 1923, que previa a criação de uma Junta de Orientação dos Estudos (JOE).
59O diploma confirmava a indispensabilidade de se «criar um organismo técnico permanente que oriente e coordene não só todos os esforços de atualização do ensino português como todos os trabalhos de investigação científica.» E, nesse sentido, a Junta de Orientação dos Estudos tinha como objetivos essenciais:
«1.º Organizar e fiscalizar um serviço de Bolsas de Estudo;
2.º Promover a colocação dos antigos bolseiros segundo as suas habilitações;
3.º Subsidiar investigações científicas, bem como a publicação dos seus resultados;
4.º Fundar, manter ou auxiliar centros de estudo;
5.º Fundar e dirigir escolas experimentais de todos os graus de ensino, excepto o superior;
6.º Fundar e dirigir museus pedagógicos;
- 57 Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 278, de 29 de dezembro de 1923.
7.º Representar ao Governo, de sua própria iniciativa, sobre assuntos de instrução».57
60Na verdade, há já muito tempo que António Sérgio vinha defendendo a criação de um organismo desta natureza. Num artigo publicado na revista A Águia, em 1919, Sérgio debruçara-se sobre o tema, referindo-se às bases que deviam constituir uma futura Junta cujo fim último seria o de «criar focos para a reforma da cultura em Portugal». A proposta de Sérgio distinguira desde logo, na Base 3.ª:
- 58 António Sérgio, «Da necessidade de criar focos independentes para a reforma da cultura por meio do (...)
«O fim da Junta é promover o progresso da cultura científica, literária e artística, tendo em vista a máxima vantagem nacional, principalmente pelos seguintes meios: a) Conceder pensões para estudos (fiscalizados) no estrangeiro, aos indivíduos que ela entender que o merecem, tendo sempre em consideração a maior vantagem nacional; b) Promover a colocação no país dos antigos pensionatos no estrangeiro que ela julgar que aproveitaram suficientemente dos seus estudos, e subsidiá-los quando for necessário para o progresso da cultura nacional; c) Manter centros de estudos, aproveitando instituições já existentes que se filiem na Junta, ou criando centros novos; d) Subsidiar investigações científicas no país ou no estrangeiro, preferentemente as de vantagem nacional imediata; e) Auxiliar a publicação de trabalhos científicos quando o considerar conveniente; f) Representar ao governo, por sua livre iniciativa, sobre questões de instrução pública.»58
61Mais uma vez a instabilidade governativa fez adiar a constituição efetiva deste organismo. Como memória da Junta ficou, porém, uma pequena brochura, publicada pelos Amigos da Junta, justificando a sua função em diversos setores de atividade económica. Pequeno texto, sobretudo dirigido aos lavradores, comerciantes e industriais:
- 59 Porque é que a Junta de Orientação dos Estudos interessa aos lavradores, comerciantes e industriais (...)
«Uma das razões pelas quais certos ramos da lavoura e da indústria se não desenvolvem em Portugal quanto o permitiriam as condições do país – é a falta de técnicos especializados que saibam resolver problemas práticos da nossa lavoura e das nossas indústrias: quer os problemas de instalação de indústrias novas para que temos facilidade de recursos naturais, quer os problemas de aperfeiçoamento técnico das que já se encontram instaladas.»59
62Assim sendo, um dos principais objetivos da JOE consistia na promoção da «educação, teórica e prática, de técnicos especializados», através da concessão de pensões de estudo a «jovens portugueses» para que pudessem completar a sua formação científica fora do país nas «melhores escolas» da especialidade.
63Embora a Junta criada se assemelhasse em muito à proposta de João Camoesas no seu projeto de Estatuto da Educação Pública, a primeira surgia mais marcada por uma componente de fomento, isto é, mais diretamente ligada ao desenvolvimento económico, enquanto a proposta de Camoesas traduzia essencialmente uma preocupação pedagógica, propedêutica, com alunos e professores e, por aí, com a sociedade em geral, assumindo mesmo um forte sentido social.
- 60 Segundo o Art. 2.º: «A Junta organiza-se associativamente, é pessoal moral, goza de individualidade (...)
64Entretanto, ainda, confirmando esta premente vontade de um conjunto de individualidades, surgira um outro organismo – possivelmente aquele promovido por Simões Raposo em 1921 – uma Junta de Educação (Instituto Promotor do Melhoramento da Cultura Nacional e da Investigação Científica), desta feita a partir da iniciativa particular, a que um novo decreto de setembro de 1924 veio reconhecer a utilidade pública. Este organismo assumia um cariz particular e associativo60, traduzindo a aspiração de alguns cientistas, políticos e intelectuais da época no sentido de estimular e fomentar a cultura pedagógica e científica nacional.
- 61 Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 202, de 6 de setembro de 1924.
65Os estatutos da Junta, publicados na mesma altura, confirmavam essas intenções. Era constituído «um instituto de utilidade pública, sem carácter comercial ou industrial, com o objeto de fundar, melhorar ou sustentar instituições destinadas a trabalhos de investigação e propaganda científica, por intermédio das quais especialmente se amplie o quadro dos estudos, se facilite a adaptação destes às necessidades do país, se auxilie o desenvolvimento da cultura nacional, e se aperfeiçoem os métodos de educação, bem como as condições espirituais e materiais dos estudantes, dos professores e dos investigadores portugueses.»61 Apesar do reconhecimento público, também esta Junta se confrontou com a ausência de recursos financeiros, comprometendo, logo à partida, a sua atividade.
66Acima de tudo, e independentemente das ligeiras diferenças entre os diversos organismos de apoio à investigação científica projetados durante o período republicano, o que importa perceber é que significaram, todos eles, importantes antecedentes da realização de 1929. Em todos estes antecedentes, uma tónica constante é a presença de duas dimensões a destacar em termos de finalidade política associada às intenções de organização da ciência e da investigação: a pedagógico-propedêutica, por um lado, e, por outro, a da investigação científica para o desenvolvimento económico por via de uma preocupação em relação à soberania nacional, e inclusive tendo em mente o desenvolvimento das colónias. Nesta medida, como noutras, o historiador deve, pois, ter em consideração o legado republicano, que estará presente no diploma fundador da JEN.
Republicanismo e Ciência
- 62 Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal. Desde a fundação da nacionalidade até ao fim do (...)
- 63 Maria Cândida Proença, «A República e a democratização do ensino», in O sistema de Ensino em Portug (...)
67Desde cedo o republicanismo assumiu-se como um projeto de reforma da mentalidade portuguesa, particularmente, por «via da instrução e da educação».62 Desde os primórdios doutrinais, o pensamento republicano, enquanto síntese das esperanças progressistas da sociedade portuguesa, colocou a questão da educação «como factor de emancipação do povo». Daí a centralidade da questão da educação na cultura política republicana, constante indelével no pensamento e nos propósitos dos grandes ideólogos republicanos.63
68Assim, no âmbito da dinâmica educativa da I República importa destacar a novidade que se refere ao ensino superior, isto é, a introdução do paradigma da universidade moderna, em particular no domínio da investigação, insinuando-se por aí uma dinâmica de organização da ciência. É também interessante, neste período, a noção da indispensabilidade em articular globalmente o sistema de ensino nacional, dos ciclos iniciais ao superior, tendo mesmo já em perspetiva a sua relação com o desenvolvimento económico. Por outro, a par da reafirmação das propostas de criação de um sistema de subsídios, também ficou como legado fundamental a ideia da criação de um organismo orientador do panorama integral do ensino, constituindo-se mesmo como elemento unificador.
- 64 Fernando de Almeida Catroga, «Cientismo, Política e Anticlericalismo» in História de Portugal, dir. (...)
- 65 Idem.
- 66 Stevan Dedijer, «Research and the Developing Countries – Problems and Possibilities» in Science and (...)
69Por aqui importa ainda sublinhar que o republicanismo, enquanto projeto de modernidade da sociedade, do progresso e da política, da própria civilização, assentava o seu discurso e a sua prática nos preceitos e realizações da ciência, colocada como instrumento de transformação da sociedade no seu todo. Ou, na síntese de Fernando Catroga: «A crença em que a verdadeira e definitiva transformação e reorganização da sociedade teria de se inspirar nos ditames da ciência foi, logicamente, compartilhada por boa parte dos intelectuais da nova geração»64. Portanto, tinham em comum os republicanos «a convicção de que só o conhecimento científico poderia elevar o homem» e pretendia, igualmente, a geração republicana «conferir uma dimensão científica» a todas as questões de premente resolução política.65 É nesta medida que podemos equacionar a hipótese de que, a partir deste reconhecimento da ciência enquanto instrumento político, o republicanismo contribuiu, de certa forma, para desencadear a «fase política da revolução científica»66.
70Entre a instabilidade política, as instantes dificuldades financeiras e as profundas fragilidades económicas, a par de um evidente desacerto entre a exequibilidade dos projetos reformistas e a inexorabilidade da escassez de meios e circunstâncias reais, a I República introduziu mudanças duradouras e deixou importantes legados, entre os quais o pensamento, a visão estruturada e uma vivência inovadora em matéria educativa.
71Herança que a constituição da Junta de Educação Nacional, em 1929, ratifica e evoca, sobrevivente entre propósitos e projetos frustrados:
- 67 Junta de Educação Nacional. Relatório dos trabalhos efetuados em 1928-1929, Lisboa, Seara Nova, 193 (...)
«A Junta de Educação Nacional, cuja necessidade vinha sendo reconhecida desde há largos anos, por um grupo crescente de mestres e pedagogos, veio na hora própria. Nenhuma obra de reforma social pode resultar e perdurar contra um ambiente impreparado e hostil. O trabalho persistente dos propagandistas e até o malogro das tentativas de organização de instituições particulares ou oficiais análogas a esta chamaram a atenção do público para o problema e revigoraram os esforços daqueles que, aqui e ali, dentro das escolas, cuja transformação a Junta deve auxiliar e promover, foram surgindo como pioneiros da reforma proposta e representantes de novas tendências.»67
72Não se poderia negar, no entanto, que os esforços desenvolvidos durante a I República no sentido de criar organismos particulares capazes de enquadrar e apoiar o ensino, a investigação científica e a cultura nacional, se situavam afinal na própria linha genética da JEN. A comprová-lo estariam os primeiros dirigentes, muitos deles anteriormente envolvidos naqueles planos frustrados.
A criação da Junta de Educação Nacional
73Na segunda metade dos anos 20, face à crescente instabilidade governativa e à acumulação de diversas fragilidades de natureza política e económica (protagonizadas sobretudo pelos governos chefiados por António Maria da Silva), foram engrossando as fileiras de oposição aos sucessivos executivos republicanos, sobretudo entre as direitas conservadoras.
74O golpe militar de 28 de maio de 1926, que derrubou a República e entregou o poder a um grupo de militares da ala conservadora, inaugurou um ciclo de progressiva consolidação das direitas em torno do ideal anti-democrático e anti-liberal que, a curto prazo, daria lugar à ascensão do Estado Novo. Para trás ficaram dezasseis anos de experiência republicana, entre ideais e concretizações, algumas das quais ainda com espaço de sobrevivência, embora todas elas revistas e ajustadas à realidade da Ditadura Militar.
- 68 Decreto n.º 11 891, Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 163, de 28 de julho de 1926.
75Logo em julho de 1926, sob ministério de Artur Ricardo Jorge, o Conselho Superior de Instrução Pública foi reorganizado.68 Em outubro seria a vez do novo estatuto de instrução universitária e da reorganização dos serviços administrativos das Universidades, seguindo-se a reorganização das várias Faculdades.
76Entre 1926 e 1930, o plano governativo ainda estaria relativamente marcado pela presença de uma ala republicana conservadora que acreditava no eventual regresso ao regime liberal. Mas foi sobretudo a partir de 1930, e sob governo do general Domingos de Oliveira, que o período de indefinições no seio da Ditadura deu lugar à consolidação dos apoios conservadores em torno de Oliveira Salazar e da recém-criada União Nacional, pondo fim a algumas hesitações quanto à verdadeira natureza do regime.
- 69 Duarte Pacheco (1899-1943). Formado em engenharia eletrotécnica pelo IST, onde foi professor e dire (...)
77Foi neste contexto de transição que surgiu a Junta de Educação Nacional. Embora se tratasse de um projeto de longa data e debatido ao longo da I República, a JEN foi criada como resultado direto de um projeto elaborado em 1928 por uma comissão nomeada por Duarte Pacheco69 – na altura ministro da Instrução Pública – e formada por José Maria Queirós Veloso, José Maria Rodrigues, Agostinho de Campos, Raul de Mendonça e Luís Simões Raposo – todos eles com um percurso anterior no campo da Instrução Pública e da organização do ensino e investigação científica.
- 70 Cf. Luís Farinha, O Reviralho. Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo. 1926-1940, (...)
78Recorde-se o percurso em que a Ditadura se foi afirmando, e a presença dos movimentos de oposição, marcados por sucessivas tentativas de revolta, particularmente ativas entre 1927 e 1931, associando militares republicanos e civis num esforço comum pela reforma da República. Como é sabido, destes movimentos, que contaram com a forte participação de estudantes universitários, resultaria não só o reforço da repressão por parte da Ditadura mas também, e por outro lado, a própria radicalização política de alguns sectores que a apoiavam.70
- 71 Cf. Augusto J.S. Fitas e António Videira, Cartas entre Guido Beck e cientistas portugueses, Lisboa, (...)
79Com efeito, o descontentamento estudantil estender-se-ia a várias medidas de contenção de despesas no sector do ensino, lançadas em 1928, nomeadamente face à extinção da Faculdade de Letras do Porto, da Escola Normal Superior de Coimbra e das Faculdades de Farmácia e de Direito de Lisboa; a vaga de protestos levaria à reabertura desta última ainda nesse ano. Daqui poderia compreender-se, como aliás sugerem Augusto Fitas e António Videira71, que embora não fosse ainda possível identificar uma estratégia concertada da Ditadura face ao ensino e este período se pautasse pela política de contenção financeira (em particular com a entrega da pasta das Finanças a Salazar), a criação da JEN surgisse, em certa medida, como tentativa de apaziguamento da contestação no meio universitário.
80Quer se considere ou não esta hipótese, deve recordar-se também aqui uma certa lógica de continuidade no plano dos objetivos que vinham sendo apontados por docentes e investigadores, na sua maioria já com um papel interventivo durante a I República.
- 72 Gustavo Cordeiro Ramos (1888-1974). Frequentou o curso superior Letras, em Lisboa, completando a su (...)
- 73 Direção-Geral de Arquivos/Torre do Tombo, AOS/CO/ED-1B. Projecto de lei de reorganização do Ministé (...)
81Facto é que a JEN foi constituída já sob ministério de Gustavo Cordeiro Ramos72, claro apoiante de Salazar e adepto do projecto de renovação mental, que daria início a um autêntico processo de desmantelamento e depuração da escola republicana. A comprová-lo estaria um projeto de reforma do Ministério da Instrução Pública, que se pretendia transformar num «organismo vivo, insuflador de energias, promotor e orientador de toda a educação nacional.»73
- 74 Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 13, de 16 de janeiro de 1929.
- 75 Idem.
82O Decreto n.º 16 381, publicado em 16 de janeiro de 192974, criou formalmente a Junta de Educação Nacional como organismo permanente no Ministério da Instrução Pública e dotado de autonomia administrativa. No preâmbulo do diploma, a criação da JEN justificava-se desde logo pela necessidade de «orientar e auxiliar os esforços e as necessidades das instituições culturais, considerando ainda que (…) para favorecer a cultura científica, factor proeminente da riqueza e da força de um país, pela sua importância na formação da mentalidade social e pela sua influência na preparação profissional e na valorização do património comum, é de flagrante vantagem a criação de um organismo que metodicamente proteja, alargue e coordene a nossa atividade intelectual.» Por outro, ressalvava-se a necessária independência deste organismo, cuja obra «lenta e demorada, só poderia ser executada (…) com sequência e firmeza se lhe for garantida a autonomia»75.
83Em primeiro lugar, estaria presente uma acentuada matriz republicana, que reemergia nessa intenção pedagógica e propedêutica, a alcançar através do fomento da cultura científica; em segundo lugar, é também de realçar a abrangência que em termos práticos o intuito pedagógico implicava, da mera reforma da mentalidade à formação técnico-profissional; em terceiro lugar, destaque-se a modernidade das modalidades de ação para a realização dos objetivos ali propostos, que não se limitavam a apoiar, mas também se propunham «orientar» e mesmo «coordenar»; por fim, estaria também patente a consciência da necessidade de uma liberdade de ação (compreendendo-se esta liberdade por autonomia de decisão e, evidentemente, financeira).
- 76 Idem.
84Definiam-se, também, os caminhos para a prossecução do objetivo pedagógico-propedêutico da JEN: o aperfeiçoamento dos quadros docentes das escolas de ensino superior, a concessão de meios para que estes se aperfeiçoem e ampliem, em Portugal e no estrangeiro, nos seus conhecimentos e nas suas competências técnicas. Esta preparação do professorado superior deveria passar, então, pelo envio dos estudiosos aos centros estrangeiros de mais alta cultura; fala-se mesmo em «manter uma intensa e eficaz ligação dos investigadores nacionais com os dos outros países»76.
85Acrescente-se ainda que, a par da noção de uma urgência em aperfeiçoar os quadros docentes das escolas de ensino superior, tendo em vista a também urgente necessidade de melhorar a investigação científica em Portugal, havia ainda a noção de que, para que esse desenvolvimento intelectual e científico fosse eficiente, era ainda fundamental promover o intercâmbio de investigadores portugueses no espaço internacional.
86Temos pois que, apesar da passagem dos tempos, os fundamentos da filosofia que há anos vinha inspirando os seus promotores mantinha-se subjacente no novo organismo, que assumia agora, em letra de lei, uma forma organizacional mais sofisticada, alargando as ambições e o campo da sua intervenção.
87Registam-se apenas as marcas mais essenciais dos seus considerandos introdutórios:
-
a cultura científica, como factor de riqueza;
-
a necessidade da existência de um organismo dedicado a alargar e coordenar a atividade científica;
-
a natureza independente do organismo a criar;
-
o empenho em proporcionar uma boa organização técnica e social e, a partir daí, alcançar uma maior produtividade;
-
a aprendizagem e o aperfeiçoamento nos centros estrangeiros de mais alta cultura, participando no movimento mundial de cooperação intelectual;
-
a indispensabilidade de garantir a regularidade do seu funcio-
namento. -
Tudo isso, entenda-se, assumido como missão e responsabilidade do Estado; a quem passa a cumprir, entre outras coisas:
-
fundar, melhorar ou subsidiar instituições destinadas a trabalhos de investigação e propaganda científica;
-
subsidiar investigações de carácter científico – em Portugal, nas colónias ou no estrangeiro;
-
organizar e financiar missões de estudo;
-
organizar e fiscalizar um serviço de bolsas em Portugal e no estrangeiro;
-
promover a colocação de antigos bolseiros;
-
organizar um serviço de informações sobre instituições e condições no estrangeiro;
-
promover o intercâmbio cultural e a expansão da cultura portu-
guesa; -
criar outras instituições;
-
promover ou subsidiar publicações.
88A Junta seria então constituída, e já de acordo com o regulamento publicado em setembro de 1931, por 21 vogais efetivos, eleváveis a 25 quando necessário, a que se somava um «número indeterminado de vogais honorários»; para além da sede em Lisboa, onde seriam escolhidos o presidente e dois vice-presidentes, respetivamente para os ramos de letras e ciências, foram estabelecidas delegações nas cidades de Coimbra e Porto. Note-se que entre os vogais efetivos, pelo menos 15 deveriam ser professores ou assistentes das Universidades, dos quais 5 do Porto e 5 de Coimbra, dando lugar à representação equitativa pelas «três Universidades da República». Os restantes vogais seriam selecionados entre «professores extra-universitários, membros de corporações científicas, ou publicistas», para além de um representante da Escola Superior Colonial. Muitos destes vogais integravam também o Conselho Superior de Instrução Pública.
89Nesta orgânica, era ainda fundamental a presença do primeiro secretário (depois secretário-geral) que foi sempre cumprindo um papel especial no percurso histórico da JEN ao Instituto de Alta Cultura. Ao longo do tempo o cargo de secretário foi sendo ocupado por figuras como Simões Raposo, Leite Pinto ou Medeiros Gouveia, que em certa medida moldaram o quotidiano da JEN e do IAC.
Da Junta de Educação Nacional ao Instituto para a Alta Cultura
90Nos primeiros anos de vida, a atividade da JEN foi animada pelos membros que compunham a sua comissão executiva, com ação relevante no quadro da promoção pedagógica e do desenvolvimento da investigação científica.
91Inicialmente, couberam ao oficial de Marinha Carlos Viegas Gago Coutinho as honras de primeiro presidente da JEN, marcando a instituição sobretudo (e talvez apenas) pelo prestígio científico que granjeara junto da comunidade científica nacional e internacional. Mas o arranque efetivo de atividade ter-se-á devido mais ao médico Mark Anahory Athias, segundo presidente, ao primeiro secretário (depois secretário-geral), Luís Robertes Simões Raposo e a Augusto Pires Celestino da Costa, vice-presidente do ramo de ciências, ambos médicos e investigadores.
- 77 Francisco de Paula Leite Pinto (1902-2000). Formado em diversas áreas científicas, licenciou-se ini (...)
92Em 1934 Mark Athias foi substituído por Celestino da Costa, cuja vida seria sempre dedicada ao ensino, à investigação e à promoção da pedagogia e da ciência. Da mesma forma, Francisco de Paula Leite Pinto77, engenheiro e geógrafo, acompanhou desde a primeira fase a história da Junta.
93Com efeito, foram figuras como Celestino da Costa e Simões Raposo, ou Leite Pinto, que se empenharam na concretização das competências da Junta e na intensificação do apoio a bolseiros investigadores, nomeadamente através da sua integração em centros de investigação, quando concluídos os estágios fora do País, sendo de realçar o seu combate pelo apetrechamento material e em recursos humanos desses mesmos centros.
94Permaneceram na Comissão Executiva os mais destacados promotores da sua criação, e alguns dos mais notáveis académicos e homens de ciência da época: Marck Athias, Celestino da Costa, José Maria Rodrigues, Joaquim Pires de Lima, João Serras e Silva, Ruy Ferro Mayer, Herculano de Carvalho, Simões Raposo.
- 78 Cf. A. Celestino da Costa, A Junta de Educação Nacional, Lisboa, 1934, nomeadamente p. 26 e seg. e, (...)
95Refira-se a sua atividade, a forma atenta como procuraram garantir a atualidade científica e organizativa da JEN, avaliando-a e refletindo sobre a sua natureza tendo por referência os padrões internacionais e o conhecimento minucioso dos principais organismos congéneres existentes ou criados entretanto noutros países – como atestam aliás os relatórios e trabalhos produzidos, nomeadamente por Celestino da Costa78.
- 79 Junta de Educação Nacional. Relatório dos trabalhos efetuados em 1928-1929, Lisboa, Seara Nova, 193 (...)
96A atividade da Junta de Educação Nacional, no processo de organização dos serviços e preparação para o primeiro ano de atividades, arrancou ainda em 1928-1929, dando assim início à sua «ação pedagógica e social».79 Este primeiro ano foi sobretudo marcado pelo planeamento de atividades, a abertura dos primeiros concursos de bolsas e a definição de estratégias de atuação futuras, ainda que, a diversos níveis, essas estratégias permanecessem vagas.
97No plano de conteúdos e objetivos, traçava-se doutrina e identificavam-se funções:
- 80 Idem, pp. 9-10.
«Para analisar a obra da Junta é indispensável ter bem presente que o objeto final da sua ação é a modernização da cultura nacional e a renovação pedagógica, científica e económica. A concessão de bolsas de estudo fora do país ou no seu território e de subsídios a centros de estudo, a criação de instituições científicas e educativas, etc., tudo são, apenas, meios, mais ou menos eficazes, de promover aquela reforma.»80
98Num plano geral de competências, a Junta assumiria, logo à partida, um conjunto de quatro objetivos fundamentais, que ao longo do tempo se foram tornando cada vez mais complexos, procurando atender às necessidades da investigação científica e responder aos problemas que sobre ela se colocavam, contornando com maior ou menor eficácia alguns dos principais atavismos políticos de que iria ser alvo. Neste conjunto sublinhava-se então como atributos fundamentais:
«– Organização do trabalho científico no País;
– Aperfeiçoamento dos métodos pedagógicos de todos os graus e categorias de ensino;
– Preparação de técnicos destinados a promover o melhor aproveitamento económico do País;
- 81 Junta de Educação Nacional, Relatório dos trabalhos efetuados em 1929-1930, Lisboa, Seara Nova, 193 (...)
– A expansão cultural e o intercâmbio intelectual».81
- 82 Arquivo do Instituto Camões. Centro de Estudos Filológicos. 0393/4. Carta sem data (1931?), do secr (...)
- 83 Junta de Educação Nacional, Relatório dos trabalhos efetuados em 1928-1929…, p. 11.
99Mais concretamente, a Junta propunha-se desenvolver ou criar centros de estudo, apetrechá-los e viabilizar a sua adaptação a novas áreas de investigação, assumindo para si a exclusividade do «alargamento da vida intelectual».82 Por outro lado, reconhecia-se ainda a «precedência dada, na ação da Junta, ao ensino superior (…) que se justificava (…) pela convicção de que a reforma da mentalidade portuguesa deve ter o seu fulcro na transformação e na expansão universitária.»83
- 84 Idem, pp. 10-11.
100No desenho de apoios, a opção passava pelo desenvolvimento de centros que demonstrassem já «produtividade suficiente», em vez de se criarem «de novo, instituições análogas, dependentes da Junta». Opção esta que parecia mais justa e económica mas «também mais útil, porque se aproveitam organizações de comprovada eficácia e se estimulam e premeiam esforços.»84 O regresso dos primeiros bolseiros da Junta ao País seria crucial a esta política de apoios, ao tornar fundamental a sua integração em instituições produtivas e assegurar que o seu «esforço» se não perdesse. Mais se previa:
- 85 Idem.
«À medida que o serviço de bolsas de estudo fora do país se for desenvolvendo e se radicar a confiança na sua permanência e continuidade, convirá anteceder a concessão das bolsas de uma iniciação prévia, nos centros da atividade científica nacionais.»85
101O primeiro edital de abertura dos concursos para a concessão de bolsas de estudo fora do País, aberto pelo prazo de trinta dias, estabeleceu o regime de seleção nos seguintes termos:
«Na organização, distribuição e concessão das suas bolsas de estudo fora do país terá a Junta sempre em vista as faltas ou embaraços que mais se façam sentir no estado atual do ensino público, atendendo principalmente:
1.º – Ao aperfeiçoamento dos métodos pedagógicos do ensino infantil, primário, secundário e profissional;
2.º – À preparação para o professorado superior científico ou literário;
3.º – À aquisição das técnicas mais urgentes para o aproveitamento económico do País e suas Colónias.»
- 86 Idem, p. 122.
102A Junta também se comprometia a «promover o melhor aproveitamento nacional dos seus antigos bolseiros, quer colocando-os em quaisquer institutos que por ela própria venham a ser fundados e mantidos; quer encaminhando-os para outros centros de ensino ou de estudo existentes no País; quer indicando-os ao Governo para os cargos ou serviços onde melhor possa exercer-se a competência por eles adquirida.»86
103Em 1929-30 deu-se início ao plano traçado no ano anterior, reunindo já condições regulamentares para o lançamento dos concursos de concessão de bolsas e subsídios. Mas a limitação de recursos, que de resto se tornaria crónica ao longo da sua história, interferiu desde logo com estes primeiros passos da JEN, cujos dirigentes lamentavam não reunir ainda os meios necessários à execução dos objetivos propostos.
- 87 Idem, p. 10.
104De facto, reconhecia-se à partida que a Junta não iria dispor das dotações necessárias ao subsídio de estágios fora do País «senão de poucas dezenas de indivíduos, em cada ano, de modo que da ação pessoal dos seus antigos bolseiros não poderá, pelo reduzido número destes, resultar acentuada renovação social, a não ser que à sua atividade sejam fornecidos meios de se difundir e de influenciar o desenvolvimento da nação.»87
105E, em certa medida, esta limitação de recursos iria também ditar a diferença de opções da JEN em comparação com as suas congéneres estrangeiras, obrigando a uma maior seleção dos candidatos em função do número de bolsas a conceder, já em si reduzido, o que não deixaria de constituir uma preocupação:
- 88 Idem, pp. 10-11.
«A escassez dos recursos da Junta determina, portanto, que a sua obra seja mais cuidadosa e melhor preparada do que a das instituições congéneres dos países que podem empreender uma ação em tão larga escala que os resultados não sejam gravemente minguados pela ausência de seleção rigorosa dos candidatos a bolseiros ou pela esterilização dos esforços de alguns por falta de auxílio, de orientação ou de coordenação depois do regresso.»88
106Por outro lado, acreditava-se que seria precisamente por «esta relação entre o subsídio de estágios fora do País, o aproveitamento dos bolseiros regressados, segundo as suas aptidões e o auxílio a centros de estudo ou a sua criação, que tornaria a atividade da Junta (…) talvez mais perfeita do que a da maioria das instituições congéneres estrangeiras».
- 89 Idem, p.11.
107Esta preocupação mereceu, aliás, um trabalho mais aprofundado, por exemplo no que se referia ao apoio ao desenvolvimento dos estudos agronómicos, dos quais a Junta pretendia ocupar-se com maior prioridade. Este estudo, levado a cabo em 1929-30 por Ruy Ferro Mayer, vogal da JEN e professor do Instituto Superior de Agronomia, resultou no levantamento de três questões fundamentais: 1) identificação das necessidades dos serviços escolares e extraescolares agronómicos em matéria de pessoal técnico;
2) reconhecimento das instituições científicas estrangeiras com maiores qualidades na preparação desse pessoal; e 3) identificação dos centros de estudo e investigação nacionais que deveriam acolher os bolseiros depois do seu regresso de forma a tornar o seu trabalho mais produtivo para o «progresso do ensino e o fomento agrícolas».89
108De todas as formas, foi assim que, desde 1929, a Junta deu início ao processo de concessão de bolsas de estudo para trabalho de investigação no País que seriam distribuídas entre professores do ensino superior, liceal e primário, funcionários de laboratórios, hospitais e bibliotecas, entre outros, e contemplando um leque interessante de áreas científicas, embora sem obedecer necessariamente a um plano prévio no sentido de orientar estas concessões. Nesta primeira fase, a atribuição de bolsas para a realização de estágios fora do País constituía o prolongamento natural da formação do investigador – quando já subsidiado no País – de modo a completar a sua preparação; em breve o movimento seria em sentido contrário, tomando como ponto de partida os bolseiros que viessem depois a integrar os centros de investigação nacionais.
- 90 Herculano Amorim Ferreira (1895-1974). Foi responsável pela elaboração de vários manuais de Física, (...)
- 91 Arquivo do Instituto Camões, pasta Centro de Estudos de Meteorologia e Geofísica. Observatório Cent (...)
- 92 Arquivo do Instituto Camões, pasta 2.º Centro de Estudos de Física (Instituto Superior Técnico) (In (...)
109Entre estes bolseiros esteve, desde logo, Herculano Amorim Ferreira90, doutorado em Física em 1930 e bolseiro no País para estudos nesta área até 1932, que depois partiu para Londres, mantendo o subsídio da JEN até 1935. Em 1940, e por sua iniciativa, seria constituído o Centro de Estudos de Meteorologia e Geofísica, instalado no Observatório Central Meteorológico Infante D. Luís, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, cuja direção assumiu.91 O Instituto aprovou a iniciativa, apresentada ao ministro da Educação Nacional em setembro do mesmo ano e posteriormente aprovada.92 Para além de Amorim Ferreira, também iriam colaborar com este centro Francisco J. Mendes, M. Teles Antunes e Jaime Xavier de Brito.
- 93 António da Silveira (1904-1985) – Formado em Engenharia Química pelo IST, em 1929, foi aí professor (...)
110Na sua maioria, estes bolseiros viriam a representar uma fatia importante da elite intelectual e científica do nosso País, alguns dos quais fariam percurso quer junto dos centros de estudo criados quer no seio da própria direção da JEN e depois do Instituto de Alta Cultura. Seria o caso de António da Silveira93, que entre 1964 e 1967 assumiu a presidência do Instituto de Alta Cultura. Também formado em Física e Professor do IST, Silveira foi bolseiro da Junta a partir de 1932, estagiando no Laboratório de Física do Collège de France.
- 94 Manuel José Valadares (1904-1982). Formado em Física pela Faculdade de Ciências da Universidade de (...)
111Mas entre os subsidiados iam-se formando, para além das competências, as consciências, de que muitas vezes resultava o seu afastamento das estruturas de apoio do Estado: alguns deles chegariam mesmo, anos mais tarde, a integrar os círculos de oposição ao Estado Novo. Um dos casos mais emblemáticos seria o de Manuel Valadares94, que esteve associado ao Centro de Estudos Matemáticos (criado em 1942) e foi bolseiro da Junta pela área de Física, sendo um dos pioneiros da Física Atómica em Portugal. Valadares foi o primeiro a receber um subsídio fora do País, estagiando no Instituto do Rádio de Paris entre 1929 e 1932. Em 1933 completou o doutoramento, sob supervisão de Marie Curie, regressando depois a Portugal. Realizaria ainda vários estágios em Paris, Pavia, Milão e Roma passando depois ao estatuto de bolseiro no País. Em 1947, seria um dos visados na série de purgas operadas pelo Estado Novo no ensino superior, partindo então para França.
- 95 Junta de Educação Nacional, Relatório dos trabalhos efetuados em 1933-1934, Coimbra, Coimbra Ed., 1 (...)
112Seria também o exemplo de Manuel Rodrigues Lapa, professor auxiliar da Faculdade de Letras de Lisboa, filólogo e escritor, que até 1935 integrou o grupo de bolseiros apoiados pela Junta para estudos de Filologia, pertencendo à direção do Centro de Estudos Filológicos.95 Nesse ano seria afastado da docência, vítima da primeira vaga de depurações levadas a cabo pelo regime junto das Universidades. De facto, Rodrigues Lapa aderiu à oposição e apoiou a candidatura de Norton de Matos à presidência da República, em fevereiro de 1949, exilando-se mais tarde no Brasil, onde permaneceu até 25 de abril de 1974.
- 96 Decreto n.º 20 352, Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 223, de 26 de setembro de 1931.
113A par dos subsídios individuais, a Junta considerou desde a origem a necessidade de acompanhar o desenvolvimento dos centros de estudos do País, que deveriam integrar os bolseiros no seu regresso. O regulamento de setembro de 1931 veio determinar que os subsídios da Junta podiam contemplar «quaisquer centros de estudo», oficiais ou particulares, «incorporados ou não nas Universidades ou escolas superiores», nos casos em que se consagrassem, de forma desinteressada, à investigação científica e demonstrassem produtividade suficiente no trabalho realizado. Para além disso, podiam ser ainda subsidiados os centros mais recentes, neste caso comprovando a sua capacidade científica através do pessoal aí reunido. Mas ficava ainda previsto que a Junta pudesse criar os seus próprios centros de estudo, assumindo nesse caso a responsabilidade pelo pessoal nomeado «bem como a orientação e fiscalização deste e dos respetivos trabalhos.»96
114No entanto, e mesmo antes da criação de centros próprios, o financiamento de instituições de investigação científica mereceu desde logo atenção no sentido de beneficiar precisamente aquelas que já tinham «provas dadas» na investigação científica nacional, muitas das quais acolheriam os bolseiros da Junta; algumas foram, mais tarde, colocadas na sua dependência.
- 97 Aureliano Mira Fernandes (1884-1958). Formado em Matemática pela Universidade de Coimbra, cujo curs (...)
- 98 AIC, Centros do IAC, cota 2902/2, Despacho do Instituto de Alta Cultura de 31 de maio de 1961.
- 99 AIC, 2.º Centro de Estudos de Física (Instituto Superior Técnico) (Instituto Português de Oncologia (...)
- 100 AIC. Livro de atas da Comissão Executiva da Junta de Educação Nacional de 1935 a 1936 e da Direção (...)
115Mas mesmo nos primeiros anos 30, embora fosse lento o processo de criação sistemática de centros de estudos (exceção feita para o Centro de Estudos Filológicos), surgiram alguns projetos nesse sentido. Foi o caso do Centro de Estudos Matemáticos, cujos planos de criação remontam a este período. Logo em novembro de 1933 a Comissão Executiva da Junta encarregou Aureliano de Mira Fernandes97 de estudar as bases de um centro do género98, embora o Centro só fosse efetivamente criado pelo IAC em 194099 e então colocado na dependência da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, sob a direção superior de Pedro José da Cunha100. O centro contaria ainda com a colaboração de Pedro Braumann, Jaime da Cruz Campos Ferreira, Fernando Antunes da Costa Nicolau e Manuel Marques Frias de Almeida e Sá.
- 101 Idem, p. 27.
116Porém, a atividade da instituição portuguesa distinguia-se cada vez mais pela limitação dos recursos com que podia contar, defrontando-se frequentemente com as mesmas limitações, tornando as queixas recorrentes e redundantes… Quanto ao serviço de bolsas «os nossos recursos são diminutos e em vez de aumentarem têm diminuído…», lamentava Celestino da Costa em 1934 – na verdade, depois dos anos em que os recursos aumentaram consideravelmente de 109 contos em 1929-1930 para 239 em 1931-32, os montantes começaram a emagrecer até aos 186 contos disponíveis para 1933-34101. De certa forma, o número de bolseiros refletia a escassez dos recursos; porém, apesar da modéstia foram essas as verbas que permitiram que alguns «homens de ciência tenham podido continuar a trabalhar…». A situação financeira não era muito mais animadora em matéria de subsídios a centros de estudo e a publicações; no entanto, a Junta criou «centros de estudo que preenchiam lacunas sensíveis», entre os quais o Centro de Estudos Filológicos (José Maria Rodrigues), e a organização do Centro de Estudos Históricos (David Lopes) e do Centro de Estudos Matemáticos (Mira Fernandes) associando bolseiros da Junta. «Os tempos são duros», dizia Celestino da Costa. Um pouco por todas as atividades a escassez de recursos se fez sentir, mas alcançaram-se realizações várias, nomeadamente desenvolvendo e consolidando o serviço de expansão da língua portuguesa, reforçando o número de leitores e criando novos espaços de estudos portugueses – um pouco por toda a Europa.
Pensar e mandar fazer Ciência no quadro da «Educação Nacional»
- 102 Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 116, 19 de maio de 1936.
117Não se pretendendo desenvolver neste contexto o que foi a atividade da JEN, para além da identificação sumária das suas principais iniciativas, e do instante constrangimento financeiro dedicado à ciência, interessa, porém, para terminar, referir a importante alteração orgânica que o Estado Novo introduziu em 1936, quando os serviços do Ministério da Instrução Pública foram profundamente reorganizados, dando lugar ao Ministério da Educação Nacional (MEN), cuja pasta foi assumida por António Carneiro Pacheco. No quadro desta reorganização, a JEN passou a designar-se Instituto para a Alta Cultura (IAC), ficando sob tutela da Junta Nacional de Educação (JNE), constituída sob alçada do novo Ministério. Em conformidade com o regimento publicado em 19 de maio de 1936 pelo decreto-lei nº 26 611102, a JNE era composta por 7 secções, sendo a 7.ª a dedicada à investigação científica e às relações culturais, formando o referido IAC que manteve as funções antigas designadamente em matéria de coordenação dos trabalhos de investigação científica, envolvendo a definição, classificação e criação de centros, os programas de bolsas e missões de estudos e em termos de promoção e divulgação da cultura e da língua portuguesa.
118Entre 1929 e 1952 a JEN/IAC mudou a sua feição formal refletindo uma progressiva perda de autonomia decorrente da política centralizadora do EN com implicações evidentes; manteve os mesmos campos e objetivos em matéria de atividade, sofreu dos mesmos constrangimentos em termos de recursos financeiros e refletiu as mudanças que entretanto se operaram no País e no Mundo.
119Que balanço até então? Sem dúvida percebe-se que nesta matéria o trabalho desenvolvido, as mutações operadas, os investimentos feitos em termos de formação e investigação não têm retornos imediatos e nem sempre visíveis. Neste caso, não há consenso absoluto sobre a avaliação do impacto dos resultados da ação da JEN/IAC até 1952. É certo, e, de certa forma, consensual, a ideia essencial do deficit generalizado em cultura científica e da falta de investimento do Estado no plano científico e tecnológico, que, de resto, perdurou até ao 25 de abril (e mesmo para além) não obstante algumas alterações positivas.
120Se a escassez dos recursos financeiros é óbvia e se for assumida como critério, e se se reduzir a apreciação da JEN/IAC à modéstia do número de bolseiros, enquadrando a sua ação sob os limites reais e culturais da «política do espírito», se calhar essa apreciação poderá ter algum cabimento.
121Mas, entender e avaliar o papel da JEN, num primeiro momento até 1936 e depois até 1952, considerando o pensamento e o empenho dos cientistas que a criaram, a filosofia que esteve subjacente à sua criação e ação e avaliando o papel que a formação de cientistas e de espaços de ciência que viabilizou, no âmbito do projeto político, ideológico e cultural que entendemos sob a designação de política do espírito parece redutor. A verdade é que a JEN não foi nem na sua essência nem na sua fundação resultado da política do espírito. A ironia, porém, é que embora traçada na sua missão e no seu rumo, entre escassez de meios e recursos financeiros, o que não se conseguiu durante a I República acabou por ser viabilizado pelo Estado Novo, a partir de 32/33, quando na prática Salazar permitiu dotar a JEN dos recursos financeiros que lhe eram indispensáveis.
122Entre 1931 e 1950 a JEN/IAC criou 29 centros de investigação em Portugal, nalguns dos quais, mais ou menos duradouros – dentro e fora do espaço universitário –, se atingiram patamares de excelência em matéria de investigação científica e desenvolvimento tecnológico. Centros aos quais estiveram ligados alguns dos mais prestigiados cientistas e, o mais das vezes, professores universitários portugueses.
- 103 Caraça, João, «Ciência e investigação em Portugal no século XX» in Panorama da Cultura Portuguesa n (...)
123De 1928-1929 a 1950 o número de bolseiros ascendeu a 434 no estrangeiro e concederam-se 322 bolsas a investigadores no País, representando encargos superiores a 15 mil e 7 mil contos, respectivamente. É necessário olhar para as longas listagens de milhares de bolseiros, leitores, professores, conferencista e outros que passaram pela JEN/IAC, onde se reconhecem tantos de nomeada nas mais diversas áreas científicas, e medir a sua importância relativa no conjunto total dos que entre a elite intelectual (e é sempre dessa que estamos a falar) participaram em espaços de formação mais avançada em Portugal ou no estrangeiro. Para além de tudo o mais, é difícil quantificar a dinâmica induzida que, tendo o seu tempo específico de maturação, como é próprio em atividade de formação e investigação, se foi repercutindo de forma arrastada no tempo. Dinâmica sentida, expressa, como caracterizou João Caraça, a partir do «envio de bolseiros para o estrangeiro, a fim de estagiarem nos grandes laboratórios de investigação europeus, e o clima de internacional que dali derivou, aliado ao ambiente de internacionalização que se vivia entre as duas guerras, foi responsável por uma certa efervescência científica nos domínios da matemática, da física e da química no final da década de 1930. O Instituto, em 1952 tornado Instituto de Alta Cultura, serviu para instalar nas universidades, em centros que escapavam à hierarquia dos poderes universitários, a prática da investigação científica.»103
124A JEN cresceu, sendo progressiva e paulatinamente transformada para além da cosmética da nomenclatura, adulterando-se, a prazo, boa parte da inspiração que fora a sua razão de ser. Afinal, provando uma contradição genética, a trajetória de inevitável confronto entre a JEN e o Estado Novo, adiada, em certa medida, contornada de certa forma, acabou por vir ao de cima – manifestando-se em vários palcos – naqueles em que afinal viviam ainda os propósitos que tinham inspirado a Junta.
125Entre tudo, o mais simbólico, pelo dramatismo e pelo impacto, aconteceu com estrépito em 1946/1947. Entre os expulsos de 47, nessa campanha de autêntica depuração universitária, conta-se Celestino da Costa; um, entre outros vultos ímpares na Ciência e na Universidade portuguesas da época como Bento de Jesus Caraça (ISCEF), Mário de Azevedo Gomes (ISA), ambos em 1946 devido à sua intervenção no quadro do MUD, ou Manuel Valadares, Francisco Pulido Valente, Fernando da Fonseca, Cascão Ansiães, Zaluar Nunes, Remy Freire, Andrée Cabrée Rocha, Luís Dias Amado, Marques da Silva, entre os 21 professores que são demitidos em junho de 1947 no rescaldo do 10 de abril. Em vez deles, ficou o vazio e a ausência – a perda do seu saber e experiência, a capacidade de fazer saber e a condição indispensável de ser livre para fazer ciência. Não há que matizar: as Universidades eram os espaços da ciência por excelência, combinando e sintetizando o que de melhor havia em matéria de formação e conhecimento com o universo redutor e quase inviolável de reprodução de elites do poder e do conhecimento a que apenas muito poucos tinham acesso – por limitações de toda a natureza, social, cultural, geográfica, financeira… E, portanto, retirando às universidades alguns dos seus principais agentes de conhecimento e de investigação e esvaziando a universidade de uma das suas categorias principais, na recusa da liberdade de pensamento e expressão, atingiu-se o fulcro essencial da reprodução da cultura académica e científica.
- 104 Diário das Sessões da Assembleia Nacional, n.º 30, 15 de março de 1950.
126Por tudo isto, não são de estranhar as apreciações críticas que Sousa da Câmara apresentou no debate sobre investigação científica que ocupou a ordem dos dias 14 e 15 de março de 1950 da Assembleia Nacional104; termos duros de quem denuncia com firmeza uma realidade com a qual não se conforma, suscitando um dos mais interessantes, poucos, debates sobre política cientifica que aconteceram no Parlamento do Estado Novo (cujo trabalho de identificação e análise estamos a desenvolver) e que tem sido evocado vezes sem conta na explicação do deficit científico e da mudança tentada na viragem dos anos 50.
Conclusão
- 105 Projeto inscrito no Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (...)
127É, portanto, a partir de velhas e novas fontes e informações cotejadas105, nomeadamente no que respeita ao processo de criação da Junta e conhecimento do pensamento e ação dos protagonistas envolvidos, situados no seu espaço e tempo histórico, que este estudo se estruturou. Percebendo a especificidade da JEN, à margem das leituras que têm sido propostas em matéria de política científica do Estado Novo e, sobretudo, da esfera da denominada «política do espírito» que tem enquadrado e, nesse sentido, condicionado e limitado, o estudo e a avaliação da história deste organismo desde os seus primeiros anos de atividade – refiram-se quer os estudos sobre a natureza e a história da política cultural do Estado Novo, quer os que se têm debruçado sobre as questões da ciência e da política para a ciência do mesmo período. Infelizmente são poucos, e quase todos incontornáveis, devendo destacar-se quanto aos primeiros, os de Jorge Ramos do Ó, quanto aos segundos, os trabalhos, entre outros, de João Caraça, Beatriz Ruivo, Mariano Gago e, mais recentemente, Pedro Conceição e Manuel Heitor.
128Em suma, quer pelo que respeita à sua filosofia fundadora, considerando a forma como foi pensada e estruturada, quer considerando a ação e os propósitos que a orientavam e, claro, pelos antecedentes e promotores que a lançaram e desenvolveram, a Junta distancia-se bastante da ideia da ausência de uma «política para a ciência» mais conforme à visão tradicional, que é válida, da política cultural que o Estado Novo implementou mas que não é francamente visível em toda a história da JEN/IAC mesmo se observada apenas até 1952.
- 106 O Decreto-lei n.º 47 791, de 11 de julho de 1967, cria na Presidência do Conselho, e na dependência (...)
129A partir desta data a maioria dos autores assinala uma mudança e algumas transformações positivas que se confirmam mais tarde, sobretudo a partir da criação da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT) em 11 de julho de 1967, à qual são cometidas as «funções de planear, coordenar e fomentar a investigação científica e tecnológica no território nacional»106. Reconhecia-se enfim a indispensabilidade de implementar uma política científica, para preparação da qual já se havia constituído uma comissão interministerial em 1965 e procurado o apoio internacional, tanto no quadro da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico como já também junto da própria Organização do Tratado do Atlântico Norte, confirmando-se então como aquele papel que, pelo menos implicitamente, pertencera ao IAC, no quadro da política científica portuguesa, acabara, portanto, por se transferir para a referida JNICT (antecessora direta da atual Fundação para a Ciência e a Tecnologia), que viria assim a assumir funções de coordenação científica e de representação em organismos internacionais.
130A contribuição da documentação disponível, abarcando e refletindo a dimensão internacional em que a Junta foi perspetivada, criada e procurou operar, revela uma atividade mais dinâmica do que algumas interpretações têm sugerido. Refiram-se, nesse domínio, as relações e participações em organismos exteriores e estrangeiros, a constituição dos leitorados, a atividade e enquadramento dos bolseiros, refletindo a preocupação e a compreensão da importância e do interesse da internacionalização e mesmo modernização no quadro do pensamento e da ação cultural e científica. Esse dinamismo e envolvimento internacional ocorre também noutras instâncias, acompanhando o que se sabe a partir do estudo de outras realidades, nomeadamente, o que teve a ver com a participação de Portugal no plano Marshall (1947-1953), na Organização Europeia de Cooperação Económica/Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (a partir de 1948), e sobretudo no programa de Assistência Técnica e Produtividade (1948-1958) e na Agência Europeia de Produtividade – AEP (1952) no quadro da qual Portugal participou em mais de 100 projetos.
131Na realidade, o envolvimento e a participação nessas diversas instâncias evocam uma realidade anterior à II Guerra Mundial, que se prolonga para além dela, observando-se um grau de internacionalização e de conhecimento do desenvolvimento científico e tecnológico no palco internacional (bem visível quando se estuda o currículo e a formação profissional dos participantes nesses encontros e nessas missões), e se apreende o reconhecimento da qualidade da formação e da investigação em vários planos e disciplinas no âmbito internacional; além disso, a confirmação da falta de recursos financeiros e da incapacidade de operar uma transferência eficaz do conhecimento das elites científicas – que operam sobretudo até ao final da Guerra no quadro universitário – para a população em geral, em si mesma incapaz de a absorver, a que não é estranho o quadro tradicionalmente deficitário em matéria de ensino e cultura científica e tecnológica.
132Nalguns casos, reconhece-se a existência de uma espécie de reduto/nicho em que a ciência e a investigação operaram, ou se refugiaram – distanciando-se da realidade política, em diversas plataformas mais ou menos voluntárias, mais ou menos informais. Há que não esquecer, como tem sido preocupação de diversos autores, a intervenção política de vários cientistas no plano universitário e fora dele; mas também a forma como tantos profissionais (muitos engenheiros, técnicos de diversas especialidades, intelectuais…) procuraram associar ou dissociar a sua atividade como profissionais, agentes portadores de modernização e empreendedores impermeáveis às tendências exteriores ao saber e à competência técnica, distanciando-se e demarcando-se assim da realidade política. Entre tantos, mais ou menos envolvidos e empenhados, encontramos outros que na defesa de propostas modernizantes se distinguem e desalinham de algumas feições e intenções mais conservadoras do Regime sem que todavia o comprometam.
Notas
1 António Sérgio, «Da necessidade de criar focos independentes para reforma da cultura por meio do recurso ao estrangeiro», A Águia, 2.ª série, n.º 88, 89, 90, abril a junho de 1919, pp. 140-147.
2 Gustavo Cordeiro Ramos, Objetivos da Criação da Junta de Educação Nacional, Instituto para a Alta Cultura, Lisboa, 1951, pp. 7-8.
3 Luís Robertes Simões Raposo (1898-1934). Formado em Medicina em 1923 pela Faculdade de Medicina de Lisboa, especializou-se em Patologia Geral. Ainda enquanto aluno universitário, trabalhou no Laboratório de Histologia da Faculdade de Medicina de Lisboa, dirigido por Celestino da Costa. Dedicou-se desde logo ao ensino e à investigação científica. Foi ainda investigador do Instituto Rocha Cabral e do Instituto Português para o Estudo do Cancro. Assumiu funções como primeiro secretário da Junta de Educação Nacional em 1929 mas a sua morte prematura, em 1934, colocou fim ao papel ativo que então desempenhava na direção da JEN.
Dessa Junta terão feito parte José de Magalhães, Alfredo Bensaúde, Agostinho de Campos, Aníbal Bettencourt, António Sérgio, Faria de Vasconcelos, Francisco Gentil, Jaime Cortesão, Marck Athias, Marques Leitão e Sá Oliveira. Cf. Augusto Celestino da Costa, A Junta de Educação Nacional, Sociedade de Estudos Pedagógicos, Imp. Tip. Seara Nova, Lisboa, 1934, p. 6.
4 João José da Conceição Camoesas (1887-1951). Formado em Medicina, exerceu como médico-escolar adjunto em 1919 e integrou uma comissão de serviço aos EUA sobre o modo de funcionamento destes serviços. Colaborou na Universidade Popular Portuguesa em 1921 e em 1925 assumiu a seção de Fisiologia do Instituto de Orientação Profissional (criado no mesmo ano). Pertenceu à Maçonaria e ao Partido Democrático, exercendo funções como deputado entre 1915 e 1926. Ocupou ainda a pasta da Instrução Pública em 1923 e em 1925. Deportado para Angola em 1932, acabou por se exilar nos EUA, onde prosseguiu carreira como médico. Entre os trabalhos que deixou, destaca-se o livro O Trabalho Humano, primeira obra portuguesa de caráter científico dedicada ao taylorismo, baseada na fisiologia do esforço.
5 Publicada em Diário do Governo, 2.ª Série, n.º 151, 2 de julho de 1923.
6 António Sérgio de Sousa (1883-1969) – ministro da Instrução Pública do governo de Álvaro de Castro, em 1923, defendeu a ideia de criação de uma Junta Propulsora dos Estudos. Através desta Junta, pretendia criar um fundo de bolsas de estudo no estrangeiro tendo em vista a preparação da elite científica e pedagógica portuguesa, ideia aliás que vinha promovendo desde 1911. Esteve entre os fundadores da «Renascença Portuguesa» em 1910. Em 1918 fundou e dirigiu a revista Pela Grei, precursora da Seara Nova. Fez parte dos movimentos de oposição política ao Estado Novo.
7 Decreto n.º 16 381, Ministério da Instrução Pública, Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 13, 16 de janeiro de 1929.
8 Augusto Pires Celestino da Costa (1884-1956). Formado em Medicina pela Escola Médica de Lisboa em 1905, dedicou-se à investigação científica, sendo acompanhado e orientado por Marck Athias. Completou a formação em Berlim, entre 1906 e 1908, assumindo depois a cadeira de Histologia e Embriologia, por altura da criação da Faculdade de Medicina de Lisboa. Desde cedo se envolveu numa autêntica cruzada pela organização da ciência em Portugal, nomeadamente defendendo a criação de uma entidade que promovesse e apoiasse a investigação científica em Portugal. Em 1929, assumiu a vice-presidência da seção de Ciências da JEN e em 1934 foi nomeado presidente da Comissão Executiva da JEN, tendo sido ainda o primeiro presidente do Instituto para a Alta Cultura em 1936. Em 1947 foi temporariamente afastado do ensino, em sequência da vaga de depurações académicas levadas a cabo pelo Estado Novo. A partir dessa altura dedicou quase toda a sua atenção à atividade científica, mantendo-se afastado de funções públicas de maior relevo. No início da década de 50 dirigiu ainda o Instituto de Investigações Endocrinológicas do IAC.
9 Augusto Celestino da Costa, Junta de Educação Nacional, 1934, p. 3
10 Gustavo Cordeiro Ramos, Objetivos da criação da Junta de Educação Nacional …, pp. 7-31.
11 Para Bernardino Machado, a propósito da figura de marquês de Pombal, e em discurso comemorativo de 1882, a «soberania da razão» era esteio da «soberania nacional». Bernardino Machado, «O marquês de Pombal» in Conferências politicas, 1904, p. 32.
12 Idem, p. 11 e 13.
13 Bernardino Machado, A Universidade e a Nação: oração inaugural do ano letivo de 1904-1905, 1904, p. 6.
14 Luís Robertes Simões Raposo, «Reflexões sobre a Universidade de Évora», Seara Nova, n.º 142, 20 de dezembro, 1928, p. 416.
15 Idem, p. 416 e 417.
16 Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 68, 24 de março de 1911. Ver também Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal. Desde a fundação da nacionalidade até ao fim do regime Salazar-Caetano, Lisboa, Fundação C. Gulbenkian, 1986, p. 688.
17 Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 93, 22 de abril de 1911.
18 Vide ainda João Caraça, «Ciência e investigação em Portugal no século XX», in Panorama da cultura portuguesa no século XX, coord. por Fernando Pernes, Porto, Afrontamento, 2002, 1.º vol., p. 218.
19 Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal…, p. 688.
20 Diário do Governo, n.º 68, de 24 de março de 1911.
21 Idem.
22 Portarias de 30 de setembro e 7 de outubro, Diário do Governo, n.º 239, de 13 de outubro de 1911.
23 Portaria de 6 de dezembro, Diário do Governo, n.º 286, de 8 de dezembro de 1911.
24 Portaria de 11 de dezembro, Diário do Governo, n.º 291, de 14 de dezembro de 1911.
25 Daqui resultou a criação de um serviço clínico e de uma consulta especial, instalada no Hospital Escolar de Santa Marta. A partir de 1915, passaria a funcionar a seção de serviço do cancro na primeira Clínica Cirúrgica da Faculdade de Medicina de Lisboa, a par do Museu de Anatomia Patológica, com especialidade em neoplasias. Note-se que estes serviços mantinham atividade sem encargo para o Estado, sendo essencialmente apoiados por instituições particulares, como no caso do Instituto Português do Rádio. Foi também sem auxílio direto do Estado que foi criado em dezembro de 1923 (Decreto n.º 9 333, Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 278, de 29 de dezembro de 1923) o Instituto Português para o Estudo do Cancro cuja direção foi entregue a Francisco Gentil, que assumiu a presidência, Marck Athias, João Emílio Raposo de Magalhães, Henrique Fragoso Domingues Parreira, professores da Faculdade de Medicina de Lisboa, e pelo diretor do serviço de radiologia do Hospital Escolar, Francisco Bénard Guedes.
26 Augusto Celestino da Costa, A Junta de Educação Nacional, 1934, p. 5.
27 Diário do Governo, n.º 120, 31 de maio de 1907.
28 Idem.
29 Idem.
30 Decreto de 30 de junho, Diário do Governo, n.º 152, de 3 de julho de 1911.
31 Decretos de 4 de janeiro, Diário do Governo, n.º 3, de 5 de janeiro de 1911.
32 Jaime Celestino da Costa, A Geração Médica de 1911. Origem, Realização e Destino, Lisboa, Faculdade de Medicina de Lisboa 2000.
33 Marck Anahori Athias (1875-1946). Formado em Medicina, em 1905, pela Escola Médica de Lisboa, optou pela carreira de investigação científica. Especializou-se em Fisiologia e Oncologia, deixando uma obra científica importante nestes domínios. Em 1910 assumiu funções como Professor catedrático de Fisiologia, tendo sido também diretor do Instituto de Fisiologia e membro da comissão diretora do Instituto Português para o Estudo do Cancro, logo com a sua criação, em 1923. Foi presidente da Junta de Educação Nacional entre 1931 e 1934.
34 José Luís Doria, «O XV Congresso Internacional de Medicina e o Centenário do Edifício da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa (Figuras e Factos)», Revista da Ordem dos Médicos, 2006, p. 10.
35 Diário do Governo, n.º 45, 24 de fevereiro de 1911.
36 Idem.
37 Lido por toda uma geração, é em Santiago Ramón y Cajal, primeiro presidente da JAE, que originalmente encontramos esta leitura de Augusto Celestino da Costa. Ramón y Cajal, Santiago, Reglas y Consejos sobre Investigación Científica (Los tonicos de la voluntad). Libro consagrado a la Juventud Española, Discurso leido con ocasión de la recepción del autor en la Real Academia de Ciencias Exactas, Fisicas y Naturales, Libreria Beltran, Madrid, 1940 (8.ª edição: 1.ª ed. c. 1897).
38 Augusto Celestino da Costa, A universidade portuguesa e o problema da sua reforma, Conferências feitas em 19 e 22 de abril de 1918 a convite da «Federação Académica de Lisboa», [s. d.], p. 9.
39 Diário do Governo, n.º 45, 24 de fevereiro de 1911.
40 Idem.
41 Idem.
42 Diário do Governo, n.º 93, 22 de abril de 1911.
43 Alfredo Bensaúde, autor das Notas Histórico-Pedagógicas sobre o Instituto Superior Técnico, de 1922, tinha já apresentado um Projeto de Reforma do Ensino Tecnológico para o Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, em 1892.
44 Sérgio Grácio, «Ensino Técnico e Indústria. Uma perspetiva de sociologia histórica» in O sistema de Ensino em Portugal (Séculos XIX e XX), coord. por Maria Cândida Proença, Cursos de Verão, Instituto de História Contemporânea, 1998, p. 76.
45 Augusto Celestino da Costa, A universidade portuguesa e o problema da sua reforma, Conferências feitas em 19 e 22 de abril de 1918 a convite da «Federação Académica de Lisboa», [s. d.], p. 38.
46 Idem, p. 60 e sgs.
47 Idem, p. 68.
48 Idem, p. 69.
49 Diário do Governo, 2.ª Série, n.º 93, 20 de fevereiro de 1918.
50 Augusto Celestino da Costa, A Junta de Educação Nacional, 1934, p. 6.
51 Augusto Celestino da Costa, A universidade portuguesa e o problema da sua reforma, Conferências feitas em 19 e 22 de abril de 1918 a convite da «Federação Académica de Lisboa», [s. d.], p. 68.
52 Diário do Governo, 2.ª Série, n.º 151, 2 de julho de 1923.
53 Idem.
54 Idem.
55 Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal…, p. 703.
56 Idem, p. 700.
57 Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 278, de 29 de dezembro de 1923.
58 António Sérgio, «Da necessidade de criar focos independentes para a reforma da cultura por meio do recurso ao estrangeiro», A Águia, 2.ª Série, n.º 88, 89, 90, abril a junho de 1919, p. 145.
59 Porque é que a Junta de Orientação dos Estudos interessa aos lavradores, comerciantes e industriais? Porque lhes facultará técnicos que desenvolvam os seus negócios, Edição dos Amigos da Junta de Orientação, [s. l.], 1924, p. 3.
60 Segundo o Art. 2.º: «A Junta organiza-se associativamente, é pessoal moral, goza de individualidade jurídica e pode exercer todos os direitos civis relativos aos interesses legítimos de fundação de utilidade pública que constitui». Decreto n.º 10 074, Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 202, de 6 de setembro de 1924.
A pasta da Instrução Pública estava então a cargo de António de Abranches Ferrão.
61 Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 202, de 6 de setembro de 1924.
62 Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal. Desde a fundação da nacionalidade até ao fim do regime Salazar-Caetano, Lisboa, Fundação C. Gulbenkian, 1986, p. 651.
63 Maria Cândida Proença, «A República e a democratização do ensino», in O sistema de Ensino em Portugal (Séculos XIX e XX), coord. por Maria Cândida Proença, Cursos de Verão – Instituto de História Contemporânea, 1998, p. 69.
64 Fernando de Almeida Catroga, «Cientismo, Política e Anticlericalismo» in História de Portugal, dir. por José Mattoso, vol. 5 – O Liberalismo, Lisboa, Estampa, 1995, p. 584.
65 Idem.
66 Stevan Dedijer, «Research and the Developing Countries – Problems and Possibilities» in Science and Society, edited by Norman Kaplan, New York, Arno Press, 1975, p. 490. Texto datado de 1962.
67 Junta de Educação Nacional. Relatório dos trabalhos efetuados em 1928-1929, Lisboa, Seara Nova, 1931, p. 10.
68 Decreto n.º 11 891, Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 163, de 28 de julho de 1926.
69 Duarte Pacheco (1899-1943). Formado em engenharia eletrotécnica pelo IST, onde foi professor e diretor interino. Assumiu a pasta da Instrução Pública entre 18 de abril de 1928 e 10 de novembro de 1928. Em julho de 1932, com a formação do primeiro governo de Salazar, foi convidado a chefiar o recém-criado Ministério das Obras Públicas e Comunicações. Seria afastado desta pasta em 1936, regressando apenas em 1938, data em que ocupou também a presidência da Câmara de Lisboa. Destacou-se como principal impulsionador da política de Obras Públicas do Estado Novo.
70 Cf. Luís Farinha, O Reviralho. Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo. 1926-1940, Lisboa, Estampa, 1998, p. 63.
71 Cf. Augusto J.S. Fitas e António Videira, Cartas entre Guido Beck e cientistas portugueses, Lisboa, Instituto Piaget, 2004, pp. 34-35.
72 Gustavo Cordeiro Ramos (1888-1974). Frequentou o curso superior Letras, em Lisboa, completando a sua formação em Leipzig, na Alemanha. Regressou a Évora, cidade natal, onde lecionou como professor efetivo do Liceu. Fixou-se depois em Lisboa, assumindo funções como professor catedrático de Filologia Germânica na Faculdade de Letras. Foi ministro da Instrução Pública dos governos de Vicente de Freitas de 10 de novembro de 1928 a 8 de julho de 1929, do general Domingos de Oliveira, de 21 de janeiro de 1930 a 5 de julho de 1932 e, já com Oliveira Salazar, de 5 de julho de 1932 a 24 de julho de 1933. Figura incontornável do Estado Novo, destacou-se pela representação do regime na área da educação, com marcada tendência germanófila. Deputado, a partir de 10 de janeiro de 1935, seria nomeado para o Conselho Corporativo, como Procurador à Câmara Corporativa, cargo que exerceu até 1945. Foi o ministro responsável pela criação efetiva da Junta de Educação Nacional, em janeiro de 1929. Quando, em 1936, foi constituída a Junta Nacional de Educação (órgão que passou a tutelar o Instituto para a Alta Cultura), Cordeiro Ramos assumiu a respetiva direção. Entre 1942 e 1964 assumiria então a presidência do IAC.
73 Direção-Geral de Arquivos/Torre do Tombo, AOS/CO/ED-1B. Projecto de lei de reorganização do Ministério da Instrução Pública – 1929.
74 Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 13, de 16 de janeiro de 1929.
75 Idem.
76 Idem.
77 Francisco de Paula Leite Pinto (1902-2000). Formado em diversas áreas científicas, licenciou-se inicialmente em Matemática, seguindo depois o curso de engenheiro-geógrafo (Faculdade de Ciências de Lisboa) e o curso da Escola Normal Superior de Lisboa. Foi bolseiro da Junta de Educação Nacional em Paris, entre 1929 e 1934, onde se especializou em Astronomia e se formou como Ingénieur des Ponts e Chaussées na célebre Escola de Paris. Foi o primeiro leitor de português da Sorbonne pela Junta, entre 1931 e 1933. Em 1934 seria convidado para secretário-geral da JEN, substituindo Simões Raposo, funções que manteve com a transição para o IAC. Foi ainda vogal da Junta das Missões Geográficas e das Investigações Coloniais, diretor dos Serviços de Propaganda e dos Serviços de Intercâmbio e Propaganda da Mocidade Portuguesa e deputado à Assembleia Nacional na II Legislatura do Estado Novo (1938-1942). Em 1954 foi nomeado presidente da Comissão de Estudos de Energia Nuclear do IAC, aliás por ele impulsionada ainda antes da sua constituição efetiva. Em 1962 ocupou o cargo de presidente da Junta de Energia Nuclear, organismo de que fora impulsionador e vice-presidente. Entre 1955 e 1961 ocupou a pasta da Educação Nacional onde promoveu a renovação do sistema educativo. Foi ainda procurador à Câmara Corporativa (VI, VIII, IX e X Legislaturas), reitor da Universidade Técnica (1963-1966), administrador da Fundação Calouste Gulbenkian e presidente da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT), organismo criado junto da Presidência do Conselho, em julho de 1967, e de que foi principal promotor, pelo qual se propunha coordenar a investigação científica nacional. Depois de 25 de abril de 1974, retirou-se para França e para o Brasil, onde se dedicou à docência.
78 Cf. A. Celestino da Costa, A Junta de Educação Nacional, Lisboa, 1934, nomeadamente p. 26 e seg. e, em particular, As principais instituições culturais espanholas e belgas congéneres da JEN, Coimbra, 1935.
79 Junta de Educação Nacional. Relatório dos trabalhos efetuados em 1928-1929, Lisboa, Seara Nova, 1931, p. 9.
80 Idem, pp. 9-10.
81 Junta de Educação Nacional, Relatório dos trabalhos efetuados em 1929-1930, Lisboa, Seara Nova, 1930, p. 14.
82 Arquivo do Instituto Camões. Centro de Estudos Filológicos. 0393/4. Carta sem data (1931?), do secretário da Junta de Educação Nacional, Simões Raposo, enviada a David Lopes, sobre a constituição do Centro de Estudos Filológicos e linhas de orientação da política científica da Junta de Educação Nacional.
83 Junta de Educação Nacional, Relatório dos trabalhos efetuados em 1928-1929…, p. 11.
84 Idem, pp. 10-11.
85 Idem.
86 Idem, p. 122.
87 Idem, p. 10.
88 Idem, pp. 10-11.
89 Idem, p.11.
90 Herculano Amorim Ferreira (1895-1974). Foi responsável pela elaboração de vários manuais de Física, além de produzir diversos trabalhos científicos na área da Geofísica. Esteve ligado ao laboratório de Física do Rádio, ao Instituto Português e de Oncologia e ao Serviço Meteorológico Nacional, que dirigiu. Defensor de uma «política social de ciência», advogando aliás uma aliança entre universidade e igreja, moral e ciência, chegou a ocupar a Sub-secretaria de Estado da Educação, em 1945. Porém, já nos anos 60, iria incompatibilizar-se progressivamente com o regime, questionando-o mesmo. Abandonou funções como professor e director do SMN em 1965.
91 Arquivo do Instituto Camões, pasta Centro de Estudos de Meteorologia e Geofísica. Observatório Central Meteorológico, cota 1000/14, Ofício de 7 de fevereiro de 1940 enviado por Amorim Ferreira ao Presidente do I.A.C..
92 Arquivo do Instituto Camões, pasta 2.º Centro de Estudos de Física (Instituto Superior Técnico) (Instituto Português de Oncologia), cota 1000/16, Ofício de 19 de setembro de 1940 do Secretário do Instituto para a Alta Cultura para o Ministro da Educação Nacional, Carneiro Pacheco.
93 António da Silveira (1904-1985) – Formado em Engenharia Química pelo IST, em 1929, foi aí professor. Entre 1949 e 1956 permaneceu na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, continuando a dedicar-se à investigação científica, tendo dirigido também o Seminário de Teorias Física e Física Nuclear. Foi presidente do Conselho Superior do Instituto de Alta Cultura entre 1964 e 1967, altura em que passou a ocupar a presidência do Instituto de Física e Matemática.
94 Manuel José Valadares (1904-1982). Formado em Física pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde foi professor, também exerceu a docência no Instituto Português de Oncologia. Em Portugal, orientou a investigação sobretudo nos domínios da Física Nuclear e da Espectrometria dos Raios X.
95 Junta de Educação Nacional, Relatório dos trabalhos efetuados em 1933-1934, Coimbra, Coimbra Ed., 1935, p. 25.
96 Decreto n.º 20 352, Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 223, de 26 de setembro de 1931.
97 Aureliano Mira Fernandes (1884-1958). Formado em Matemática pela Universidade de Coimbra, cujo curso concluiu em 1910, foi convidado a reger a cadeira de Geometria descritiva no ano seguinte. Em 1911, já doutorado, foi nomeado Professor Catedrático do IST, onde permaneceu até 1954. Entre outras cadeiras, lecionou Matemáticas Gerais e Mecânica Racional, deixando também vários trabalhos de investigação.
98 AIC, Centros do IAC, cota 2902/2, Despacho do Instituto de Alta Cultura de 31 de maio de 1961.
99 AIC, 2.º Centro de Estudos de Física (Instituto Superior Técnico) (Instituto Português de Oncologia), cota 1000/16, Ofício do secretário do Instituto para a Alta Cultura para o Ministro da Educação Nacional, Carneiro Pacheco, de 19 de setembro de 1940.
100 AIC. Livro de atas da Comissão Executiva da Junta de Educação Nacional de 1935 a 1936 e da Direção do Instituto para a Alta Cultura de 1936 a 1942, Ata da 76.ª Sessão da Direção do IAC., de 28 de fevereiro de 1940.
101 Idem, p. 27.
102 Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 116, 19 de maio de 1936.
103 Caraça, João, «Ciência e investigação em Portugal no século XX» in Panorama da Cultura Portuguesa no Século XX, Vol. 1 – As Ciências e as Problemáticas Sociais, coord. Fernando Peres, Porto, Edições Afrontamento & Fundação Serralves, 2002, p. 218.
104 Diário das Sessões da Assembleia Nacional, n.º 30, 15 de março de 1950.
105 Projeto inscrito no Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e enquadrado por um Protocolo celebrado em março de 2007 entre a FCSH e o Instituto Camões; desenvolvido por uma equipa de investidores do IHC: Maria Fernanda Rollo (coord.), Inês Queiroz, Tiago Brandão, Paula Meireles, Ângela Salgueiro e José Pereira.
106 O Decreto-lei n.º 47 791, de 11 de julho de 1967, cria na Presidência do Conselho, e na dependência direta do Presidente do Conselho, a Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica e define o seu funcionamento e atribuições.
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Referência do documento impresso
Maria Fernanda Rollo, Maria Inês Queiroz e Tiago Brandão, «Pensar e mandar fazer ciência. A criação da Junta de Educação Nacional e a política de organização científica do Estado Novo», Ler História, 61 | 2011, 105-145.
Referência eletrónica
Maria Fernanda Rollo, Maria Inês Queiroz e Tiago Brandão, «Pensar e mandar fazer ciência. A criação da Junta de Educação Nacional e a política de organização científica do Estado Novo», Ler História [Online], 61 | 2011, posto online no dia 24 fevereiro 2016, consultado no dia 20 março 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/1645; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.1645
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