Navegação – Mapa do site

InícioNúmeros85Organizações Internacionais na Er...Entre o património francês e o Pa...

Organizações Internacionais na Era da Descolonização

Entre o património francês e o Património Mundial da UNESCO: digressão pelo fim do império em Tipasa, Rabat e Grand-Bassam

Between French Heritage and UNESCO World Heritage: Touring the End of Empire in Tipasa, Rabat, and Grand-Bassam
Jessica Lynne Pearson
p. 19-41

Resumos

Este artigo estuda as dinâmicas decolonial e neocolonial que subjazem à designação de Património Mundial da UNESCO, explorando três locais anteriormente administrados por França: Tipasa (na Argélia, inscrita na lista da UNESCO em 1982); Rabat (Marrocos, 2012); e Grand-Bassam (Costa do Marfim, 2012). Sustenta-se que a UNESCO tem servido como plataforma para reescrever narrativas coloniais e também para branquear as histórias globais do imperialismo europeu. Enquanto a inclusão de Tipasa marcou uma rutura radical com o passado colonial, em Rabat e Grand-Bassam destacam-se as sinergias culturais franco-africanas. Esta tensão inerente entre as duas abordagens reflete uma ambivalência mais geral sobre o potencial transformador do turismo pós-colonial. Este artigo faz parte do dossier temático sobre Organizações Internacionais na Era da Descolonização, organizado por José Pedro Monteiro.

Topo da página

Texto integral

  • 1 Dirigente associativo francês com fortes ligações à Argélia (1904-1966).

1No verão de 1950, apenas quatro anos após a renomeação do Império Colonial Francês como União Francesa, Jean Scelles1 proferiu um discurso apaixonado na Assembleia da União Francesa em apoio a um programa de preservação das antigas ruínas de Tipasa, na então Argélia sob domínio colonial francês. No seu discurso, ele afirmou:

  • 2 Archives Nationales d’Outre-Mer, Aix-en-Provence (daqui em diante, ANOM), 81F 1699, Gouvernement (...)

Vale a pena meditar mais uma vez sobre estas ruínas e lembrar que, se estas cidades estão mortas, é porque não continham núcleo vivo. Foi porque o Império Romano foi construído apenas à força que as suas cidades se desmoronaram. E foi porque queríamos evitar este destino em cada uma das nossas cidades do Norte de África que decidimos construir esta União Francesa sobre algo que não fosse a força, sobre alguma noção mais elevada.2

2Situada ao longo da costa mediterrânica da Argélia, cerca de setenta quilómetros a sudoeste de Argel, Tipasa tinha sido um importante destino turístico desde os finais do século XIX. De acordo com um guia turístico de 1895, a pequena aldeia estava “lindamente situada em terreno ascendente perto do mar, com uma esplêndida extensão de praia arenosa...”. Adjacente à praia, o sítio arqueológico de Tipasa ostentava extensas ruínas em várias fases de decadência: a Basílica de Santa Salsa, um antigo porto, banhos públicos, ninfeu, teatro e anfiteatro, muralhas e a Basílica do Bispo Alexandre. O local incluía vestígios do passado cartaginês, mauritano, romano e bizantino de Tipasa, expressão do papel da cidade como melting pot de culturas antigas (Playfair 1895, 139). Para Scelles, com ligações ao catolicismo social e cofundador do Comité Cristão para a Compreensão França-Islão, estas ruínas serviam de lição, eram uma prova de uma entidade política que só conseguira unir os seus constituintes através da violência. Para outros oradores na assembleia, pelo contrário, Tipasa era um testemunho da longa história do pluralismo no Mediterrâneo, pluralismo esse que tinha sido eficazmente aproveitado e liderado por uma potência latina que reconhecera e celebrara o seu valor inerente.

  • 3 ANOM, Agence économique de la France d’outre-mer (daqui em diante, AGEFOM) 388, “Pendant l’escale (...)

3Estes debates sobre o valor da preservação do património no império, construídos com base em esforços anteriores para impulsionar o turismo colonial nos territórios controlados pelos franceses, fazem parte do projeto mais vasto de legitimação do domínio colonial republicano. A partir das décadas de 1920 e 1930, a administração colonial francesa tinha dedicado um vasto financiamento e trabalho burocrático ao incentivo de viagens de lazer nos territórios ultramarinos franceses.3 Esta aposta concertada no turismo colonial, promovida pelos franceses, argumenta a historiadora Ellen Furlough (2002, 443), tinha como objetivo dar uma “lição” de dever cívico, uma lição que significasse “validar e afirmar não só a idée colonial, mas também o projeto colonial do estado-nação imperial francês”.

  • 4 ANOM, AGEFOM 40, “Rapport sur le tourisme colonial au Comité national pour la protection de la na (...)

4À medida que os funcionários coloniais trabalhavam para atrair viajantes para África, tanto da França metropolitana como de outros países, surgiam preocupações quanto à necessidade de proteger tanto o património natural como histórico, que estes funcionários consideravam que poderiam servir não só como atrações turísticas, mas também como parte da “missão” que Furlough descreve.4 Tanto Patricia Lorcin (2002) como Sarah Griswold (2018) têm defendido que os sítios arqueológicos do império serviram como mais do que apenas relíquias do passado. Para muitos franceses, estes sítios testemunharam a legitimidade do império e, mais especificamente, a validade do domínio francês. As ruínas romanas, em particular, ligavam o domínio colonial francês moderno a um passado europeu no Norte de África. A mistura de culturas e civilizações — sob a égide de um novo protetor, árbitro e curador que também reclamava uma herança latina — era o que constituía a verdadeira atração turística em cidades antigas como Tipasa.

  • 5 A convenção, assinada em 1972, entrou em vigor em 1975. Para uma explicação da função da convençã (...)
  • 6 UNESCO, DG/76/27, discurso do Sr. Amadou-Mahtar M'Bow por ocasião da sua apresentação ao grau de (...)

5Na era pós-independência, sítios patrimoniais como Tipasa tornaram-se pontos de encontro em torno dos quais se forjaram novas identidades nacionais, viradas para o futuro, mas ancoradas numa história coletiva que transcende os legados mais imediatos do imperialismo europeu. Vários países africanos solicitaram à UNESCO assistência na preservação deste património (arqueológico ou não) e na promoção do turismo nestes locais.5 O programa do Património Mundial da UNESCO, criado em 1972, visa preservar tanto o “património cultural” como o “património natural” contra os efeitos do tempo e da mudança das condições económicas e sociais (UNESCO 1972). O programa foi criado sob a direção do senegalês Amadou-Mahtar M'Bow, que acreditava que a recuperação da cultura de uma nação era uma componente fundamental do processo de descolonização.6

6A abordagem “decolonial” à questão do património é um dos dois pontos centrais deste artigo. Usa-se, aqui, o termo “decolonial” para descrever uma abordagem ao turismo patrimonial que visava promover o projeto de libertação nacional e que permitia aos estados recém-soberanos projetarem a sua identidade particular – e decididamente não-europeia – na comunidade global mais ampla. No polo oposto do espectro, emergiu uma visão do património que celebrava as contribuições europeias nas antigas colónias. Como procuro demonstrar, ambas as abordagens encontraram o seu espaço no quadro do programa do Património Mundial da UNESCO. Este artigo investiga a dinâmica colonial, decolonial e neocolonial de três sítios em antigas colónias francesas que foram acrescentados à lista do Património Mundial da UNESCO no período pós-colonial: Tipasa, na Argélia (1982); Rabat, em Marrocos (2012); e Grand-Bassam, na Costa do Marfim (2012). Utilizando-os como lente, este artigo considera o papel da UNESCO no apoio às antigas colónias à medida que estas definiam as suas próprias abordagens à preservação do património e à promoção do turismo. Questiona-se como e até que ponto os sítios da UNESCO em Tipasa, Rabat e Grand-Bassam se baseiam diretamente nas estratégias coloniais francesas para preservar e “comercializar” estes locais junto dos viajantes; e, inversamente, de que forma a inscrição destes sítios na lista da UNESCO representa um desvio em relação ao compromisso colonial anterior com estes espaços, permitindo aos países recém-soberanos elaborarem narrativas decoloniais sobre o seu património nacional.

  • 7 Sobre Gorée, ver UNESCO (1985); sobre a indústria do turismo e a persistência de desigualdades (p (...)
  • 8 Laurence Caramel, “L’héritage africain boudé par l’Unesco”, Le Monde, 16 de junho de 2018.

7Ainda que apenas uma parte relativamente pequena da lista do Património Mundial da UNESCO se situe no continente africano, ela tem suscitado um grande interesse por parte dos turistas. Enquanto locais como a ilha de Gorée destacam os aspetos mais nocivos da presença europeia em África, outros, como Rabat e Grand-Bassam, tendem a memorializar a interpenetração das culturas africanas e europeias.7 Embora o apoio da UNESCO tenha contribuído para a preservação e promoção dos locais de património das ex-colónias, o programa do Património Mundial suscitou críticas de diversos quadrantes do mundo pós-colonial.8 Contanto M’Bow se revelasse otimista sobre o papel que a UNESCO poderia desempenhar na assistência às antigas colónias, muitos habitantes destas nações, que só alcançaram a independência na segunda metade do século XX, não deixaram de olhar para a custódia da UNESCO sobre espaços patrimoniais nacionais como uma forma de neocolonialismo. Para outros, ao invés, explorar as sinergias entre a Europa e África representava apenas uma via alternativa para a independência, sustentada numa reaproximação política e económica ao antigo colonizador.

  • 9 Para uma perspetiva mais otimista sobre o turismo pós-colonial, ver Singh (2001, 243-244). Para (...)

8Recorrendo a fontes arquivísticas recolhidas em França e na UNESCO, e levando em linha de conta as diferentes cronologias e contextos históricos dos estudos de caso tratados neste artigo, sustenta-se aqui que o vasto leque de atitudes relativamente ao papel da UNESCO na preservação e promoção do património natural e cultural de países que foram colonizados por impérios europeus reflete uma ambivalência mais ampla sobre a utilização do turismo enquanto meio para fomentar a boa vontade entre as populações que vivem na antiga metrópole e os cidadãos de países recém-independentes. Enquanto os defensores mais entusiastas do turismo na era pós-colonial depositavam grande fé no potencial da indústria para alterar as relações em todo o mundo, outros estavam muito mais conscientes dos perigos da transformação de sítios do património natural e cultural em espaços de lazer para turistas brancos da Europa, Estados Unidos, Canadá e África do Sul.9

9Coletivamente, Tipasa, Rabat e Grand-Bassam oferecem um ponto de observação único a partir do qual se pode explorar a relação dinâmica entre turismo, património e descolonização. Cada sítio representa, à sua maneira, um cruzamento ou uma confluência entre diferentes culturas, histórias e conceções de soberania. No entanto, estes sítios, inscritos em duas épocas bastante diferentes em relação ao processo de descolonização (e cujos próprios processos de descolonização se distinguiram entre si), adotaram abordagens muito diferentes sobre o seu antigo lugar dentro do império global de França. No caso de Tipasa, os funcionários argelinos procuraram ultrapassar o legado colonial de França. Os sítios da UNESCO em Rabat e Grand-Bassam, pelo contrário, constroem a memória do apartheid colonial através de uma narrativa que celebra tanto o lado autóctone como o lado colonial destas cidades, sublinhando as sinergias interculturais. Explorando estes caminhos divergentes para o envolvimento com o passado imperial, podemos começar a desvendar a complexa relação entre o turismo, o património e o processo ainda em curso de descolonização.

1. Tipasa: ruínas antigas entre império, união e independência

  • 10 Stéphane Gsell, por exemplo, escreveu a sua tese sobre Tipasa na École Française de Rome em 1895 (...)
  • 11 Deuxième Congrès International du Tourisme Africain, p. 115.
  • 12 Discussion d’une proposition tendant à inviter le Gouvernement à assurer la conservation des ruin (...)

10No início do século XX, Tipasa já era um tema de fascínio de longa data no seio dos imaginários imperial, arqueológico e turístico.10 Após a Segunda Guerra Mundial, este lugar assumiu um novo significado político que o colocou no centro do debate sobre o significado da União Francesa, criada em 1946, e suscitou um interesse renovado pelo seu valor como destino turístico. Em 1947, uma excursão a Tipasa, “a Cidade Latina”, foi o evento final para todos os participantes no Segundo Congresso Internacional de Turismo Africano, realizado em Argel de 20 a 23 de outubro.11 Em 1949 e 1950, o governo francês enviou uma equipa de quatro pessoas (Georges Le Brun Kéris, Jacques Roulleaux-Dugage, Ernest Cazelles e Maurice Montratelles) para visitarem as ruínas. Os membros do grupo relataram à Assembleia da União Francesa que “ficaram impressionados com o estado de abandono” do que alegavam ser um centro fundamental para o turismo argelino e referiram as “dificuldades de acesso que os turistas encontraram ao tentarem visitar ruínas que se encontravam em propriedade privada”. A fim de proteger as ruínas do “mau tempo e destruição por pessoas ignorantes”, aqueles representantes propuseram um plano que tanto incentivaria o turismo como conservaria as ruínas dentro do contexto da “beleza natural” do lugar.12

  • 13 Sobre a história da Guerra da Argélia e as tensões de longa data entre colonizadores franceses e (...)
  • 14 Para uma história alargada das origens do turismo de massas na Argélia, ver Zytnicki (2016). O fe (...)
  • 15 Programme of Circular Tours from Algiers Through the Whole of Algeria and Tunis. Disponível em: A (...)

11Dos vários locais históricos da Argélia, porque é que Tipasa gerou tanto interesse num momento de tensão política crescente entre os argelinos e os franceses?13 Seguramente, a atração económica da indústria do turismo desempenhou um papel importante para os defensores mais fervorosos da preservação do património do império, e tal não era nenhuma novidade.14 De facto, aquando do debate na Assembleia da União Francesa, em 1950, as ruínas romanas na aldeia berbere de Tipasa já cativavam turistas há mais de um século. Um dos primeiros guias de viagem para a Argélia a ser publicado após a conquista francesa em 1830 foi o Guide du Voyageur en Algérie (Quétin 1848), que apresenta uma breve descrição das ruínas. Em 1875, Charles Desprez publicou um guia muito mais extenso sobre o sítio, com cerca de 100 páginas, fornecendo ao viajante um “itinerário humorístico” de Argel a Tipasa (Desprez 1875). De acordo com Desprez, a viagem de seis horas de Argel a Tipasa, dividida entre carro e comboio, era “uma das mais fáceis e interessantes do Sahel”. O seu guia, vendido em Paris e Argel pelo custo de um franco, oferecia aos turistas conselhos sobre transportes, um vislumbre das “curiosidades da rota”, uma descrição das ruínas, bem como algumas informações básicas sobre a aldeia argelina contemporânea (Desprez 1875). Para além destes circuitos individuais, as visitas guiadas por Thomas Cook & Son, a mais importante empresa britânica de turismo no final do século XIX e início do século XX, também paravam em Tipasa.15

  • 16 Expressão de uso corrente, à época (mas que perdura), para designar os colonos europeus na Argéli (...)
  • 17 De Pouvreau-Baldy, “La Nymphée de Tipasa”, L’Afrique du Nord illustrée, 270, 3 de julho de 1926, (...)

12A preservação e a promoção das ruínas de Tipasa há muito que eram vistas como o núcleo do seu potencial enquanto destino turístico. Numa edição de 1926 da L'Afrique du Nord illustrée, M. de Pouvreau-Baldy pedia aos seus congéneres pied-noir16 que investissem no restauro do Ninfeu de Tipasa. O que era necessário, ponderava Pouvreau-Baldy? Apenas um pouco de “ouro”, uma vez que os materiais necessários para reconstruir o sítio já existiam nas proximidades: “A maioria dos materiais de construção antigos jazem ao lado [do Ninfeu] por cima do solo queimado; as colunas em falta repousam na colina dos templos perto do farol”. O resultado, argumentava ele: “Ao levantar, restaurar e reconstruir esta linda joia arquitetónica, algo muito bonito no ar voltará a assombrar os corações dos turistas”. Os viajantes ficariam cativados pela “imortal e calma beleza de Tipasa”.17

  • 18 Discussion d’une proposition tendant à inviter le Gouvernement à assurer la conservation des ruin (...)

13As vantagens monetárias de uma economia turística vibrante, centrada nas antigas ruínas de Tipasa, também não foram indiferentes para os representantes da União Francesa que se reuniram para discutir o destino do local em 1950. Le Brun Kéris, por exemplo, explicou aos seus colegas que o turismo era uma das indústrias de exportação mais importantes do território, a chave para alcançar um equilíbrio comercial favorável. A promoção ativa dos antigos locais históricos da Argélia era uma parte fundamental deste esforço. Na Argélia, explicava, “há uma riqueza que precisa de ser explorada e explorada ao máximo. A Argélia é muito mais rica do que a Itália em antiguidades romanas. Aí se podem encontrar dez Herculanos, dez Pompeias. Precisamos de tornar isto conhecido no estrangeiro”. Uma “intensa campanha de propaganda”, opinava, poderia ajudar a Argélia a alcançar uma economia mais equilibrada, atraindo turistas estrangeiros ricos para a colónia. Tipasa estava, assim, na base do potencial económico inexplorado da Argélia.18

  • 19 Sobre o Hôtel du Rivage de Trémaux, ver também Playfair (1895, 138). Para um extenso relato sobre (...)

14Talvez até mais crítico do que a importância económica de Tipasa como local turístico foi o seu simbolismo como uma encruzilhada do império — um cruzamento político, económico, social e cultural sobre o qual os franceses, ou assim eles o afirmavam, se mantiveram vigilantes contra a devastação do tempo (Lorcin 2002). A literatura turística de língua francesa e inglesa há muito que destacava o papel de França na descoberta das ruínas e na sua acessibilidade aos viajantes. Desprez (1875, 2) tinha afirmado no seu guia que, para os argelinos, Tipasa oferecia apenas uma “paisagem que não era pitoresca nem alegre: algumas casas pobres espalhadas por um solo árido, sem água, poucas árvores, tudo em ruínas...”. Numa passagem posterior, observava que “não era provável que, antes da nossa chegada, Tipasa tivesse outros exploradores para além dos bandos de saqueadores cabila que tinham menos curiosidade em encontrar inscrições e estátuas do que em encontrar ouro para os seus prazeres e chumbo para as suas espingardas” (Desprez 1875, 24). O Practical Guide to Algeria and Tunisia (Cook 1904, 127-130) focava-se, de forma semelhante, no papel dos arqueólogos e dos empresários franceses na revitalização do sítio. Eles foram os primeiros, argumentava o guia, a mostrar qualquer interesse real em Tipasa desde que este sítio tinha sido abandonado após a conquista árabe. O guia prestava homenagem, em particular, às escavações do arqueólogo francês Stéphane Gsell e à hospitalidade do falecido M. Trémaux, fundador do Hôtel du Rivage, cuja família continuou a acolher turistas na villa Trémaux.19

  • 20 Discussion d’une proposition tendant à inviter le Gouvernement à assurer la conservation des ruin (...)
  • 21 Ibid., p. 7.

15Depois de 1945, quando o domínio francês sobre a Argélia era mais contestado do que nunca, os esforços renovados para apoiar a preservação histórica de Tipasa deram às autoridades francesas a oportunidade de fazer uma reivindicação aparentemente apolítica de um espaço que representava, argumentavam, uma longa tradição latina da qual os franceses eram os herdeiros lógicos. Os debates que se desenrolaram na Assembleia da União Francesa de 1950 sobre o destino de Tipasa são ilustrativos deste ponto. Le Brun Kéris defendeu que as próprias ruínas eram por excelência a “expressão da União Francesa: monumentos romanos, memórias cristãs, terra do Islão”. Era, por isso, óbvia a ênfase que deveria ser dada à importância deste local em particular.20 Outros representantes subscreveram a ênfase de Le Brun Kéris em Tipasa como uma encruzilhada cultural e a necessidade de preservar o seu passado multifacetado. O jornalista e historiador Charles-André Julien recordou as ligações do sítio a múltiplas histórias: fenícia, grega, romana, muçulmana, francesa. “Todos estes passados juntos formam um só corpo”, explicou Julien, “e privar o país de qualquer um deles seria empobrecê-lo grandemente”.21

  • 22 Ibid., p. 14.

16De acordo com estas formulações, a história da Argélia pertencia simultaneamente a todos e a ninguém. Mais especificamente, porém, tal implicava que esta história não pertencia a uma nação argelina emergente à procura das suas origens num passado antigo. A herança “muçulmana” era apenas uma das muitas heranças — no plural — e vários oradores na assembleia esforçaram-se por salientar o modo como as ruínas romanas de Tipasa ligavam a Argélia a uma herança euro-cristã mais vasta no Mediterrâneo, e, por extensão, à França moderna. Jacques Roulleaux-Dugage afirmou, por exemplo, que em Tipasa “pode-se tocar com a ponta dos dedos a ligação invisível que une o pensamento francês a um pensamento latino tão rico”, ao que acrescentava: “Sente-se que através dos tempos, através do espaço, a união de raças animadas pelo mesmo ideal está inscrita na própria natureza das coisas”.22 Em última análise, estes discursos tiveram o impacto pretendido sobre os outros membros da assembleia, que votaram unanimemente para que se investisse na proteção e preservação das ruínas romanas de Tipasa.

  • 23 International Council on Monuments and Sites, Nomination (ICOMOS), World Heritage List, no. 193, (...)
  • 24 ICOMOS, Nomination: Tipasa.
  • 25 Gsell é mencionado brevemente no dossiê original de candidatura da Argélia como autor dos primeir (...)

17O destino de Tipasa como património controlado por França, no entanto, teria um futuro limitado, pois os argelinos alcançaram a sua independência pouco mais de uma década depois, em 1962. O fim do domínio francês não significou, contudo, o fim dos esforços para preservar Tipasa como património e, em dezembro de 1981, o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS, na sigla inglesa) apoiou a proposta do governo argelino de inscrever as ruínas na lista do Património Mundial da UNESCO.23 A mudança abrupta na narrativa que envolve as ruínas é impressionante. Qualquer marca que os colonos franceses tivessem deixado no local — sob a forma de escavações arqueológicas ou no desenvolvimento de alojamentos turísticos — foi facilmente apagada da descrição de Tipasa, que foi inscrita na lista da UNESCO em 1982. A ideia de império permaneceu central na descrição do local, mas os legados imperiais consagrados em Tipasa como Património Mundial eram os de uma época anterior. Segundo a recomendação do ICOMOS: “O sítio de Tipasa [...] reagrupa um dos mais extraordinários complexos arqueológicos do Magrebe, e talvez o mais significativo para o estudo dos contactos entre as civilizações autóctones e as várias vagas de colonização do século VI a.C. ao século VI d.C.”. O contacto imperial subsequente com o Império Otomano ou com os franceses está totalmente ausente da narrativa do local. A descrição de Tipasa disponibilizada pelo ICOMOS menciona as heranças púnica, romana, mauritana, cristã, bizantina e indígena que ali deixaram a sua marca, mas não faz menção a qualquer envolvimento com o local entre o século VI e 1968-1973, quando a construção de um “complexo turístico na proximidade imediata do local [...] trouxe uma nova vida às ruínas”.24 Gsell, Trémaux, Pouvreau-Baldy e os seus compatriotas tinham pura e simplesmente desaparecido.25 Em substituição, arqueólogos e empresários argelinos assumiram o seu lugar de direito, tanto no local como na narrativa em torno dos significados políticos, sociais e culturais mais vastos das ruínas de Tipasa.

18A omissão, na descrição da UNESCO, tanto do envolvimento da França em escavações anteriores como do papel que os empresários franceses tinham desempenhado na construção de infraestruturas turísticas no local estava longe de ser acidental. De facto, este silêncio baseia-se em esforços anteriores, da década de 1970, para reescrever a história de Tipasa como uma história africana multicultural, em vez de ser principalmente romana ou latina. Em 1978, Mounir Bouchenaki, que tinha substituído o arqueólogo francês Serge Lancel como diretor das escavações em Tipasa, publicou um livro intitulado Cités antiques d'Algérie. O livro abre com um prato de mosaico em Cherchell, seguido de uma fotografia panorâmica das ruínas em Tipasa, com vista para o Mediterrâneo. Na introdução, Bouchenaki propõe uma nova interpretação destas ruínas e artefactos, uma interpretação que dá a conhecer as contribuições africanas para o antigo mundo mediterrânico. E observa como os franceses utilizaram a herança romana de Tipasa como justificação para o domínio francês sobre a Argélia, citando uma frase do trabalho de J. Toutain: “Quanto mais familiarizados estivermos com as realizações dos romanos nas suas províncias africanas, melhor poderemos dirigir os nossos próprios esforços e mais rapidamente poderemos assegurar o seu sucesso” (Bouchenaki 1978, 9).

19Ao longo do livro, Bouchenaki exorta os estudiosos da antiga herança argelina a não privilegiarem a influência de Roma sobre a marca de Cartago. O seu texto dá ênfase à importância de emprestar um olhar mais amplo à história de Tipasa — destacando as suas origens fenícias e mauritanas — como forma de recuperar um passado comum que poderia inspirar uma nação argelina virada para o futuro. “A investigação arqueológica”, escreve Bouchenaki, “está apenas a começar”. Utilizando nova tecnologia, em especial fotografia aérea, os arqueólogos que trabalhavam na Argélia independente começaram a descobrir provas que ajudariam a dissipar a noção de que “o Magrebe foi criado por conquistadores romanos”. Em vez disso, os arqueólogos seriam capazes de mostrar que, “no final do século II d.C., os africanos governavam o mundo mediterrânico”. Os anteriores esforços de Bouchenaki para reformular a narrativa do Norte de África antigo lançaram importantes bases para a descrição que acabaria por ser submetida à UNESCO, que destacava as contribuições das civilizações africanas e não incluía qualquer rasto do legado colonial de França (Bouchenaki 1978, 10).

  • 26 Georges Fradier, “Wonders of the World”, The UNESCO Courier, agosto de 1980, p. 34.
  • 27 “The City of Quito, Ecuador”, The UNESCO Courier, agosto de 1980, p. 7.

20Embora completamente compreensível e pouco surpreendente, a decisão de expurgar o papel de França da descrição de Tipasa feita pela UNESCO é notável, especialmente tendo em conta a forma como outros sítios classificados como Património Mundial se envolveram explicitamente nas histórias recentes do império. A ilha de Gorée (Senegal), por exemplo, testemunha a “sinistra realidade” da expansão imperial, pois foi neste local que “milhões de escravos negros — homens, mulheres e crianças — foram confinados antes de serem transportados para as Antilhas”. Segundo um número especial do The UNESCO Courrier de 1980, “o governo senegalês deseja transformar este símbolo do sofrimento de um povo inteiro num lugar de diálogo, num santuário de reconciliação”.26 Outros locais do Património Mundial disponibilizam um envolvimento menos crítico com os vestígios dos impérios coloniais. Em Quito, no Equador, por exemplo, celebra-se o centro histórico da cidade construído pelos espanhóis nos séculos XVI e XVII, que deslocou os vestígios da antiga capital inca.27 Em cada uma destas formulações, o império é uma componente importante de um património humano partilhado, e muitos dos primeiros locais do Património Mundial ajudaram a situar permanentemente as ruínas e histórias coloniais dentro de um vernacular turístico mais amplo.

21Quando comparado com a forma como outros sítios do património se têm confrontado com histórias do imperialismo, o silêncio em torno do papel de França em Tipasa — e na colonização da Argélia em geral — é ensurdecedor. É uma rejeição categórica da narrativa francesa anterior que ligava a herança romana ao domínio colonial francês nos séculos XIX e XX. Este silêncio decolonial, agora permanentemente gravado na paisagem turística contemporânea através da inscrição de Tipasa na Lista do Património Mundial, deixa transparecer as esperanças que ao longo dos tempos foram sendo depositadas na UNESCO enquanto veículo de descolonização de narrativas culturais e políticas. No entanto, como todas as organizações internacionais, a UNESCO abordou as histórias do império e da colonização com uma marcada ambivalência.

2. Rabat e Grand-Bassam: reviver o património colonial na África independente

  • 28 UNESCO, “Rabat, Modern Capital and Historic City: A Shared Heritage”, https://whc.unesco.org/en/l (...)
  • 29 Royaume du Maroc, “Rabat. Capitale moderne et ville historique: un patrimoine en partage”, Propos (...)

22Voltamo-nos agora para dois locais mais recentemente inscritos, que adotaram uma abordagem radicalmente diferente para envolver os seus passados coloniais: Rabat e Grand-Bassam. Em 2012, exatamente 100 anos após a chegada do general francês Louis Hubert Gonzalve Lyautey a Rabat, a cidade foi inscrita na lista do Património Mundial da UNESCO como uma “capital moderna e cidade histórica”.28 O sítio da UNESCO, que abrange tanto a medina como a ville nouvelle (cidade nova), é uma celebração da história pré-colonial de Marrocos e dos legados do protetorado francês (1912-1956). O dossiê de candidatura da cidade sublinha as sinergias que existiam entre as visões locais de desenvolvimento urbano e a cidade “moderna” construída pelos franceses: “A criação pelas autoridades do Protetorado francês [...] de uma nova cidade que albergaria a capital do Marrocos moderno sinalizou o culminar de uma ambição há muito nutrida que nunca tinha sido plenamente realizada”. A nova cidade era, segundo a descrição, um “feliz compromisso entre o património marroquino e a arquitetura clássica europeia” e, em vez de serem impostas arbitrariamente pelo império, as novas estruturas fundiram-se confortavelmente com o ambiente existente.29 Revelando a história do apartheid colonial em Rabat, estes esforços para enfatizar a harmonia que poderia existir entre as visões europeia e magrebina do espaço urbano refletem claramente a visão de Lyautey para o planeamento urbano, a preservação do património e o turismo do século anterior. De facto, os estudiosos Claudio Minca e Lauren Wagner (2014) traçaram uma linha direta desde a sua conceção do duplo património (francês e marroquino) até à visão da capital de Marrocos que foi capturada na narrativa da cidade de 2012. Esta secção recorre ao seu trabalho prévio para capturar uma dinâmica neocolonial mais ampla visível em antigas colónias francesas.

23Se a história que Minca e Wagner nos contam é em vários sentidos especificamente marroquina, Rabat não foi a única antiga capital de uma colónia francesa a ser inscrita na lista da UNESCO nesse ano. Grand-Bassam — a primeira capital da Costa do Marfim controlada por França — foi também acrescentada à lista do Património Mundial da UNESCO em 2012. Localizada a mais de 5000 quilómetros de Rabat e governada sob um sistema totalmente diferente de administração colonial, Grand-Bassam — tal como foi concebida como património em 2012 — tem uma semelhança impressionante com a sua congénere marroquina (Pennell 2001; Bamba 2016). Embora o processo de candidatura original dedique algum espaço ao papel da cidade como testemunha tanto do domínio colonial como da luta pela independência, a candidatura é clara ao referir que, no século XXI, Grand-Bassam é um símbolo da harmonia franco-africana. O dossiê de candidatura, por exemplo, cita longamente o renomado escritor costa-marfinense Bernard B. Dadie. Num discurso proferido em 1981 na inauguração do Centro de Cultura Jean-Baptiste Mockey, Dadie fez esta descrição de Grand-Bassam:

[Como] primeira capital, durante o período colonial, Bassam testemunhou o difícil e doloroso confronto entre duas civilizações. Como local-chave na nossa luta pela independência, foi aqui que tantos dos nossos camaradas, durante a provação, recarregaram a sua fé e a sua força. Bassam, então, aceitou o desafio que a história nos tinha apresentado. Reconquistada a nossa soberania, o caminho estava livre para avançarmos para além deste choque anterior em direção ao diálogo. Por cada uma destas razões, Bassam já não invoca para mim o “símbolo” do que uma vez nos feriu, mas, sim, o de uma paz restaurada pelo encontro entre as culturas africana e europeia.

  • 30 “Ville historique de Grand-Bassam”, Proposition d’inscription de la ville historique de Grand-Bas (...)
  • 31 UNESCO, “Historic Town of Grand-Bassam”, https://whc.unesco.org/en/list/1322/, acedido a 21 de ju (...)

24Outro segmento do dossiê menciona o papel da cidade como sede dos tribunais da colónia — um “símbolo da opressão colonial” —, embora seja dedicado mais espaço ao desenvolvimento da colónia do que ao seu desaparecimento definitivo.30 Apesar de mais eufemística e menos celebrativa do que a descrição de Rabat, tanto a avaliação do ICOMOS como a descrição final pela UNESCO da antiga capital francesa da Costa do Marfim minimizam as realidades da segregação colonial, observando apenas que europeus e africanos viviam em bairros separados da cidade e que o local testemunhou “relações sociais complexas” entre os dois grupos. Enquanto cada um se refere de passagem ao movimento de independência da Costa do Marfim, a maioria destes textos concentram-se sobretudo nas contribuições francesas para o desenvolvimento urbano e económico, particularmente no contexto ecológico único de Grand-Bassam.31

25Em forte contraste com o apagamento do legado imperial de França em Tipasa, os sítios da UNESCO como Património Mundial em Rabat e Grand-Bassam reintroduziram ativamente um imaginário colonial francês nas paisagens turísticas marroquinas e costa-marfinenses, e fizeram-no de forma a minimizar os efeitos mais nefastos do domínio colonial. Ambos os locais reavivaram narrativas turísticas anteriores que celebravam a influência, a cultura e a arquitetura francesas em África, aproveitando os esforços nacionais no início do século XXI para reformular o passado colonial de uma forma mais positiva. Se o reavivar e abraçar de uma herança franco-africana não é apenas o legado da visão de Lyautey, como explicar a celebração dos vestígios do domínio francês em duas antigas capitais coloniais, mais de cinquenta anos após a descolonização?

  • 32 France-UNESCO Cooperation Agreement – Synthesis of the activities implemented between 1999 and 20 (...)
  • 33 UNESCO, “10 Years of the France-UNESCO Convention for Heritage: Putting French Expertise to Work (...)

26Embora estes locais de património pareçam construir-se sem problemas sobre as narrativas coloniais anteriores relativas a Rabat e a Grand-Bassam, respetivamente, o momento da sua inscrição na lista da UNESCO não é de modo algum uma coincidência e deve situar-se num contexto mais amplo das relações diplomáticas francesas. Cada um destes sítios foi inscrito num momento em que a Convenção França-UNESCO para o Património estava em pleno vigor há vários anos. Este acordo, assinado em 1997, foi “o primeiro acordo bilateral com a UNESCO sobre questões de património”.32 Uma brochura de 2009 que promove o acordo explica que a convenção é “um instrumento de cooperação através do qual a França coloca à disposição da UNESCO assistência financeira e técnica”. No entanto, como o panfleto explica, “a Convenção França-UNESCO não é um típico ‘fundo fiduciário’: a sua abordagem tanto é relacional e profissional como institucional e financeira”, esclarecendo de seguida: “É guiada por um desejo de ações comuns e de partilha de experiências entre países, sob a égide da UNESCO, e para isso mobiliza para estes projetos profissionais especialistas e gestores do património e do desenvolvimento urbano francês.33 A convenção (e o seu secretariado de acompanhamento) patrocinou um leque incrivelmente vasto de projetos, desde uma série de cimeiras “Africities”, centradas no património urbano em África, até um projeto que apoia o desenvolvimento da legislação de preservação do património na Índia.

27A utilização de uma organização internacional como plataforma para conduzir a diplomacia bilateral tem uma longa história em França. Em 1950, por exemplo, o governo francês fundou o Centro Internacional da Criança (Le Centre international de l'Enfance, ou CIE), uma organização de saúde centrada na criança e na família que visava alargar o trabalho da UNICEF para além da era imediata do pós-guerra (a UNICEF tinha definido no seu mandato, no início, ser apenas uma organização temporária). Como organização exclusivamente franco-internacional, o CIE obteve o seu financiamento tanto da UNICEF como do governo francês. Os programas de saúde que patrocinou eram abertos a comunidades e a profissionais médicos de todo o mundo, mas o seu envolvimento favoreceu fortemente os territórios controlados por França e, após a descolonização, as antigas colónias francesas. O modelo que o CIE oferecia tinha menos a ver com a disponibilização de fundos franceses para projetos de desenvolvimento no Sul Global e mais com a implantação firme de especialistas franceses em áreas que tinham estado previamente sob o controlo político francês de forma mais rígida (Pearson 2018, cap. 5).

  • 34 UNESCO, “10 Years of the France-UNESCO Convention for Heritage”.

28A Convenção França-UNESCO para o Património funcionava de forma semelhante, proporcionando uma plataforma a partir da qual se podiam ligar especialistas franceses (principalmente) às antigas colónias sem ter de se suportar o encargo financeiro isoladamente. Facilitou o trabalho de preservação numa série de países atualmente independentes que outrora constituíram o império global de França, incluindo Argélia, Benim, República Centro-Africana, Camboja, Camarões, Madagáscar, Mali, Níger, Senegal, Síria, Togo e Vietname. No contexto de Marrocos e da Costa do Marfim, o acordo permitiu aos especialistas e técnicos franceses assumirem postos-chave ligados à proteção, conservação e promoção do património colonial francês nesses países. Em Grand-Bassam, a assistência francesa traduziu-se mesmo na participação na compilação e apresentação do dossiê de candidatura à UNESCO.34 Estes esforços para fomentar laços pós-coloniais através da cooperação técnica encontram-se incrustados em décadas de história do conceito de “Franceafrique” – uma comunidade imaginada de França e (algumas) das suas antigas colónias africanas (Bamba 2016).

  • 35 Journal official de la République française, loi no. 2005-158 du 23 février portant reconnaissanc (...)
  • 36 Itay Lotem, “A Decade After the Riots, France has Rewritten Its Colonial History”, The Conversati (...)

29Para além deste importante contexto internacional diplomático, o renascimento das narrativas coloniais ligadas a sítios do património urbano como Rabat e Grand-Bassam está também diretamente relacionado com os esforços desenvolvidos em França para retratar a história colonial de uma forma mais positiva. Embora a literatura académica se tenha centrado nestas campanhas a nível nacional, a história do branqueamento da história colonial é, de facto, uma história global que se desenrolou em conjunto em França e no antigo império francês. Talvez o acontecimento mais notável desta dinâmica revisionista das histórias do império tenha ocorrido em 2005, quando o governo francês aprovou uma lei a exigir que o “papel positivo da presença francesa no estrangeiro” fosse ensinado nas escolas.35 Apesar de a lei ter sido revogada pelo presidente francês, Jacques Chirac, menos de um ano após ter sido aprovada — e vários anos antes de Rabat e Grand-Bassam acabarem por ser inscritas na lista da UNESCO —, o sentimento que a inspirou dificilmente desapareceu durante esses anos.36 Neste contexto histórico mais amplo, os sítios patrimoniais de Rabat e Grand-Bassam poderiam certamente ser lidos como uma internacionalização das mesmas forças em ação a nível nacional, em França.

30Como se materializou, então, essa visão positiva da herança colonial em Rabat e Grand-Bassam em 2012? E se alargarmos ao século XXI a ideia de Ellen Furlough (2002) do turismo colonial como uma lição cívica francesa, que registo cívico global é que os viajantes mobilizam quando visitam as ruínas do império nestes dois locais?

  • 37 Annuaire de l’automobile et du tourisme au Maroc (Casablanca: La société des grands régionaux du (...)
  • 38 Les guides bleus: Afrique de l’ouest (Paris: Hachette, 1958), p. 389.

31Tal como sugeriram Minca e Wagner (2014), as narrativas que surgem na documentação da UNESCO de 2012 parecem semelhantes às encontradas nos guias de viagem coloniais da primeira metade do século XX. De facto, a descrição feita pela UNESCO de Rabat, como um local de património comum, ecoa textos análogos disponibilizados nos guias de viagem coloniais franceses de um período anterior. Em 1937, por exemplo, o Annuaire de l'automobile et du tourisme au Maroc celebrava a coexistência pacífica das estruturas sociais coloniais e autóctones. De acordo com este guia: “À medida que a cidade europeia crescia, abriam-se novas artérias que eram apenas extensões das antigas rotas”. Estas estradas permitiam aos viajantes, no mesmo dia, visitar “grandes armazéns, bancos, posto central, novo tribunal... e estação de comboios”, seguindo-se um passeio ao longo das ruínas da Mesquita de Hassan e uma visita a um café “mouro”.37 Quando a documentação da UNESCO no século XXI expôs a harmonia inata que supostamente existe entre o património urbano europeu e autóctone de Rabat, foi possível recorrer a narrativas turísticas que remontam à era do protetorado. No caso da Costa do Marfim, o Guide bleu de 1958 da Hachette para a África Ocidental apresentava um breve vislumbre das possibilidades de viagens de lazer na antiga capital da colónia. O guia descrevia a posição única da cidade ao longo da costa e das margens da lagoa de Ouladine. “Escondida no meio de uma vegetação luxuriante”, Grand-Bassam apresentava ao viajante “os atributos especiais de uma velha cidade colonial com os seus baixos e longos postos de comércio [factoreries], os seus bairros autóctones, as suas ruas e os seus mercados coloridos”. Ali, o turista podia encontrar uma série de alojamentos, incluindo hotéis equipados com terraços à beira da praia e campos de bocha. No exterior da cidade havia a possibilidade de “passeios agradáveis e inúmeros divertimentos”.38

  • 39 Ver, por exemplo, Air Afrique e Arlette Eyraud (1976, 54-55).
  • 40 ICOMOS, Decision 33 COM 8B.11, Grand Bassam, 6-8.

32Embora os guias publicados após a descolonização realcem a história africana de Grand-Bassam face a uma descrição do domínio colonial francês como um episódio relativamente breve, as descrições do local fornecidas pelo ICOMOS e pela UNESCO minimizam o papel histórico da cidade como um próspero melting pot de culturas africanas.39 De facto, no primeiro dossiê de candidatura de Grand-Bassam apresentado em 2008 — preparado sob a orientação de especialistas franceses —, as secções autóctones da cidade foram inteiramente deixadas de fora. Ainda que o dossiê tenha sido devolvido para revisão (incluindo, o mais importante, a necessidade de incorporação da aldeia de N'Zima), o produto final privilegia indiscutivelmente os vestígios da cidade colonial em detrimento dos vestígios africanos. A recomendação do ICOMOS para 2011 apresenta um inventário extenso das estruturas coloniais de Grand-Bassam, desde as estradas e infraestruturas portuárias construídas pelos franceses até aos vestígios de hospitais, escolas e refeitórios militares. Por contraste, a recomendação dedica apenas três pequenos parágrafos à descrição da aldeia de N'Zima, com as suas “ruelas estreitas e sinuosas” e “habitações tradicionais” construídas a partir de madeira e de plantas. Enredada em eufemismos sobre “relações coloniais complexas” numa “cidade cosmopolita”, a recomendação apresenta uma cidade dividida entre europeus e africanos, separada e desigual, no fundo o que seria de esperar na história do império.40

33As ruínas, sabemo-lo, não podem contar as suas próprias histórias. Em vez disso, as comunidades mobilizam os vestígios físicos da história para contar histórias sobre os seus próprios passados, presentes e futuros. Uma história muito diferente poderia ser contada com os mesmos vestígios materiais do colonialismo francês em Rabat e Grand-Bassam, e que são comemorados pela UNESCO nestes locais do Património Mundial: uma história sobre violência colonial, racismo e segregação. No caso de Rabat, a socióloga americana Janet Abu-Lughod (1980) chamou-lhe “apartheid”. Enquanto os turistas têm a capacidade de sair do roteiro e de construir a sua própria narrativa de um determinado lugar, as brochuras, os guias e a sinalização que encontram moldam inevitavelmente a sua experiência, talvez até mais do que um manual lido numa sala de aula ou em casa. As narrativas disponibilizadas pela UNESCO sobre destinos turísticos importantes em todo o mundo — “o património comum da humanidade” — estão gravadas no imaginário global destes lugares, um imaginário que enforma a nossa compreensão da história do império de forma importante e consequente.

3. Conclusão

34Durante o debate da Assembleia da União Francesa de 1950 sobre a preservação das ruínas em Tipasa, Jacques Roulleaux-Dugage fez a seguinte declaração:

  • 41 Discussion d’une proposition tendant à inviter le Gouvernement à assurer la conservation des ruin (...)

Em Tipasa, de pé diante dos blocos maciços do antigo cais, pensa-se com gratidão: o génio romano passou por aqui. O meu mais querido desejo, e provavelmente também o dos meus colegas da missão, é que, nos séculos vindouros, o visitante que verá Point Noire ou Abidjan (seja o que for que venha a ser destas cidades ou talvez os seus vestígios, porque ninguém pode prever o futuro) possa dizer com gratidão, seja qual for a sua raça: o génio francês passou por aqui.41

35Em 2012, a visão de Roulleaux-Dugage para o futuro parecia ter-se materializado. Num ano, duas cidades em dois países diferentes, onde apenas décadas antes povos colonizados tinham lutado para se libertarem da ocupação francesa, foram inscritas numa lista internacional de sítios que encarnam “o património comum da Humanidade”. Em vez de mobilizar as ruínas do império (ou, no caso de Rabat, os vestígios bastante intactos) para ensinar aos turistas uma lição sobre os horrores do domínio colonial, estes sítios celebram as sinergias entre as culturas, paisagens e arquitetura africanas e francesas, e minimizam ou obliteram as histórias de violência, discriminação e expropriação tão profundamente aí enraizadas.

36Uma leitura generosa destes desenvolvimentos poderia fazer eco do otimismo expresso pelo Dr. Karan Singh, antigo ministro indiano do Turismo e da Aviação Civil, na viragem do século XXI. Singh é um entusiástico defensor do papel que o turismo pós-colonial pode desempenhar no estabelecimento de novas relações entre antigos colonizadores e pessoas que vivem em antigas colónias, entre o Norte Global e o Sul Global. As viagens de lazer, escreve Singh (2001, 235, 245), podem fomentar “uma atmosfera de paz e compreensão”, quebrando os “preconceitos, barreiras, suspeitas que existem entre nações”. Uma leitura mais crítica — e, diria eu, mais rigorosa — de 2012 situaria estes desenvolvimentos num momento histórico em que um movimento para escrever uma história revisionista do império em França estava a obter ganhos importantes, tanto na Assembleia Nacional como na esfera pública. Os sítios do Património Mundial da UNESCO nas antigas colónias francesas não são, claramente, imunes às forças apologistas em ação na antiga metrópole.

  • 42 Laurence Caramel, “L’héritage africain boudé par l’Unesco”, Le Monde, 16 de junho de 2018.

37Nos últimos anos, vários críticos têm chamado a atenção para as origens coloniais da UNESCO, que frequentemente esteve sob fogo por desenhar um programa de preservação do património que, ab initio, excluiu as conceções africanas de cultura, narrativa e história. Em 2018, Laurence Caramel publicou um texto no jornal Le Monde onde explica que “o continente africano foi deixado à margem de uma narrativa na qual apenas são admitidos aqueles que possuem bens de excecional interesse para o património comum da humanidade, de acordo com os critérios definidos pela UNESCO”. De facto, em 2018, menos de 10% dos sítios do Património Mundial estavam localizados no continente africano. Caramel cita Vusumuzi Mkhize, diretor do Fundo para o Património Mundial Africano, que observou que, quando esses critérios foram estabelecidos, “poucos africanos estavam presentes”; além disso, grande parte do património material que poderia ter feito parte da lista da UNESCO na segunda metade do século XX foi destruído pelos colonizadores europeus na primeira.42 Esta destruição — juntamente com os vazios que produziu — reforçou o que Achille Mbembe (2001, 1) descreveu como um “discurso do nosso tempo” em que “África nunca é vista como possuindo coisas e qualidades que façam adequadamente parte da natureza humana”.

  • 43 Ver, por exemplo, a discussão de Lotem (2021, cap. 9) sobre as campanhas “Rhodes Must Fall” na Áf (...)
  • 44 Sobre a interconexão dos sistemas financeiros e monetários africanos com a antiga metrópole, ver (...)

38Tal como as comunidades de todo o mundo começaram a desmantelar estátuas de colonizadores e escravizadores, também deveriam considerar os outros vestígios físicos que foram deixados por milénios de construção de impérios, e o racismo e a violência que tantas vezes os acompanharam.43 O Património Mundial, da maneira como foi concebido pela UNESCO, oferece a possibilidade de um envolvimento mais crítico com o passado (Gorée) ou de uma reescrita da narrativa colonial (Tipasa). Estes caminhos, no entanto, nem sempre são seguidos. Tal como o seu império ultramarino deixou uma marca indelével na França metropolitana, a antiga metrópole pareceu, por vezes, exercer uma atração magnética sobre a antiga colónia — desde a ligação das moedas e dos sistemas financeiros até ao enraizamento da língua francesa e das estruturas educativas.44 As narrativas que rodeiam os vestígios físicos do império foram igualmente atraídas para essa órbita. Neste artigo procurámos demonstrar que estes processos seguiram lógicas diferentes em antigos espaços coloniais. Em parte, as diferenças resultaram dos diferentes momentos de patrimonialização na UNESCO. Da mesma forma, sabemos que os países onde se situam estes locais tiveram uma história e têm um presente distinto no que diz respeito à relação com a antiga potência colonizadora. Alguns desses aspetos merecem futuras investigações mas que não se compadecem com os limites de um artigo desta natureza. O objetivo central deste texto foi sublinhar as diferentes possibilidades que uma organização internacional como a UNESCO oferece a este respeito.

  • 45 “Trois questions à Serge Lancel”, Le Monde, 17 de fevereiro de 2004.
  • 46 François de Labarre, “Comment restituer le patrimoine africain?”, Paris Match, 8 de janeiro de 20 (...)

39Ainda hoje, podemos ouvir ecos de histórias coloniais na forma como arqueólogos e curadores franceses falam sobre os seus homólogos africanos. Em 2004, o arqueólogo francês Serge Lancel foi entrevistado por Christiane Galus para o Le Monde. Na entrevista, Lancel explicou que tinha supervisionado as escavações arqueológicas em Tipasa até ser substituído em 1970 por Bouchenaki. Lancel lamentou que as escavações tenham sido poucas e distantes nos quarenta anos que se seguiram, facto que atribuiu à “sonolência da arqueologia argelina”. “Não é a prioridade do país”, afirmou com naturalidade.45 Catorze anos depois, no meio de um prolongado debate em França sobre a restituição de artefactos africanos, Stéphane Martin, presidente do Museu do Quai Branly em Paris, ponderou sobre o destino do património cultural roubado de África. Martin explicou numa entrevista ao Paris Match que, embora não se opusesse, per se, à devolução da arte e dos artefactos africanos, duvidava sinceramente que os curadores e museus africanos tivessem os recursos, as infraestruturas ou a vontade de os preservar e exibir adequadamente.46

40Se conseguimos traçar uma linha direta entre Lyautey e o ano de 2012, como Minca e Wagner (2014) nos sugeriram, podemos certamente traçar outra entre Desprez e Lancel e Martin. Tal como o guia de Desprez de 1875 elogiou o know-how francês e a ação arqueológica em Tipasa, assim também muitos dos seus sucessores do século XXI assumiram uma posição semelhante sobre quem são as pessoas mais adequadas para preservar e fazer a curadoria do património comum da humanidade e para narrar essa história aos turistas de todo o mundo. Esta história lembra-nos que a descolonização é um processo contestado, inserido em narrativas históricas que são desdenhadas, abandonadas, apenas para depois serem ressuscitadas, novamente imaginadas e recicladas num momento posterior. Enquanto grande parte deste salvamento ocorre a nível local ou nacional, as organizações internacionais também desempenham papéis-chave como fóruns de debate e como plataformas para “agentes de memória”, para pedir emprestado um termo a Lotem (2021, 19). Se o turismo é, na sua essência, uma forma de educação cívica, então organizações como a UNESCO têm um papel importante a desempenhar na formação desse currículo em locais-chave em todo o mundo, muitos dos quais estão ligados ao passado imperial da humanidade.

Topo da página

Bibliografia

Abu-Lughod, Janet (1980). Rabat: Urban Apartheid in Morocco. Princeton, NJ: Princeton University Press.

Air Afrique; Eyraud, Arlette (1976). Guides touristiques de l’Afrique: Côte d’Ivoire, Haute-Volta, Bénin, Togo. Paris: Hatier.

Aldrich, Robert (2005). Vestiges of the Colonial Empire in France: Monuments, Museums and Colonial Memories. New York: Palgrave.

Aupert, Pierre (1974). La nymphée de Tipasa et les nymphées et septizonia nord-africains. Rome: École Française de Rome.

Bamba, Abou B. (2016). African Miracle, African Mirage: Transnational Politics and the Paradox of Modernization in Ivory Coast. Athens: Ohio University Press.

Baradez, Jean (1961). “Quatorze années de recherches archaeologiques à Tipasa (1948-1961)”. Revue africaine, 105, pp. 215-250.

Baranowski, Shelley; Endy, Cristopher; Hazbun, Waleed; Hom, Stephanie Malia; Pirie, Gordon; Simmons, Trevor; Zuelow, Eric (2015). “Tourism and Empire”. Journal of Tourism History, 1-2, pp. 100-130.

Bouchenaki, Mounir (1978). Les cités antiques d’Algérie. Algiers: Ministère de l’Information et de la Culture.

Boutillier, Jean-Louis; Copans, Jean; Fiéloux, Michèle; Lallemand, Suzanne; Orimières, Jean-Louis (1978). Le tourisme en Afrique de l’Ouest: panacée ou nouvelle traite? Paris: Maspero.

Byrne, Jeffrey James (2016). Mecca of Revolution: Algeria, Decolonization and the Third World Order. Oxford: Oxford University Press.

Carrigan, Anthony (2011). Postcolonial Tourism: Literature, Culture and Environment. New York: Routledge.

Cook, Thomas (1904). Practical Guide to Algiers, Algeria and Tunisia. London: Thomas Cook & Son.

Desprez, Charles (1875). Tipasa. Itinéraire humoristique avec une carte. Algiers: A. Jourdan.

Furlough, Ellen (2002). “Une leçon des choses: Tourism, Empire, and the Nation in Interwar France”. French Historical Studies, 25 (3), pp. 441-473.

Griswold, Sarah (2018). In Search of Civilization: Archaeology and the French Mandate for Syria and Lebanon, 1887-1947. New York: New York University (PhD Dissertation).

Hall, Michael C.; Tucker, Hazel (eds) (2004). Tourism and Postcolonialism: Contested Discourses, Identities and Representations. New York: Routledge.

Kincaid, Jamaica (1988). A Small Place. New York: Farrar Straus Giroux.

Lorcin, Patrica M. E. (2002). “Rome and France in Africa: Recovering Colonial Algeria’s Latin Past”. French Historical Studies, 25 (2), pp. 295-329.

Lotem, Itay (2021). The Memory of Colonialism in Britain and France. Cham: Palgrave Macmillan.

Mbembe, Achille (2001). On the Postcolony. Berkeley: University of California Press.

Meskell, Lynn (2018). A Future in Ruins: UNESCO, World Heritage, and the Dream of Peace. New York: Oxford University Press.

Minca, Claudio; Wagner, Lauren (2014). “Rabat Retrospective: Colonial Heritage in a Moroccan Urban Laboratory”. Urban Studies, 51 (14), pp. 3011-3025.

Pearson, Jessica Lynne (2018). The Colonial Politics of Global Health: France and the United Nations in Postwar Africa. Cambridge, MA: Harvard University Press.

Pennell, C.R. (2001). Morocco Since 1830: A History. New York: New York University Press,

Playfair, R. Lambert (1895). Murray’s Hand-Book for Algeria and Tunis. London: John Murray.

Quétin, E. (1848). Guide du voyageur en Algérie, itinéraire du savant, de l’artiste, de l’homme du monde et du colon. Paris: L. Maison.

Sembène, Ousmane (dir) (1968, 2021) Mandabi. New York: Criterion Collection.

Shepard, Todd (2006). The Invention of Decolonization: The Algerian War and the Remaking of France. Ithaca: Cornell University Press.

Singh, Karan (2001). As I see it… The Karan Singh Reader. New Delhi: Full Circle.

UNESCO (1972). Convention Concerning the Protection of the World Cultural and Natural Heritage, adopted by the General Conference at its seventeenth session, Paris 16 November 1972. Disponível em https://whc.unesco.org/archive/convention-en.pdf.

UNESCO (1985). Gorée: Island of Memories. Paris: UNESCO.

Viguier, Frédéric (2020). “A French Educational Meritocracy in Independent Morocco?”. French Politics, Culture, and Society, 38 (2), pp. 148-173.

Zytnicki, Colette (2016). L’Algérie, terre de tourisme: histoire d'un loisir colonial. Paris: Vendémiaire.

Topo da página

Notas

1 Dirigente associativo francês com fortes ligações à Argélia (1904-1966).

2 Archives Nationales d’Outre-Mer, Aix-en-Provence (daqui em diante, ANOM), 81F 1699, Gouvernement Général de l’Algérie, Direction de l’Intérieur et des Beaux-Arts, Assemblée de l’Union Française, “Discussion d’une proposition tendant à inviter le Gouvernement à assurer la conservation des ruines de Tipasa”, Jean Scelles (7 de junho de 1950), Journal Officiel des Vendredi 2 et Mercredi 7 Juin 1950, 22.

3 ANOM, Agence économique de la France d’outre-mer (daqui em diante, AGEFOM) 388, “Pendant l’escale du ‘Maréchal Lyautey’ à Casablanca, M. Delmas, Président du S.I.T.A.O.F. est reçu par le Syndicat d’Initiative et prononce une allocution en faveur du tourisme en A.O.F.”, A.O.F. Magazine (agosto de 1938); e ANOM, AGEFOM 388, GlobeTrotter: Bureau de Voyages et de Tourisme, “Projet pour l’organisation et le développement du tourisme en A.O.F.” (1938).

4 ANOM, AGEFOM 40, “Rapport sur le tourisme colonial au Comité national pour la protection de la nature dans les territoires de la France d’Outre-Mer”, (s.d).

5 A convenção, assinada em 1972, entrou em vigor em 1975. Para uma explicação da função da convenção, assim como dos processos de candidatura e inscrição, ver “An Idea in Action: The World Heritage Convention and How it Works”, The UNESCO Courier (agosto de 1988), p. 34. Sobre a história mais vasta do Património Mundial da UNESCO, ver Meskell (2018).

6 UNESCO, DG/76/27, discurso do Sr. Amadou-Mahtar M'Bow por ocasião da sua apresentação ao grau de Doutor em Literatura honoris causa da Universidade de Nairobi, Nairobi (29 de outubro de 1976).

7 Sobre Gorée, ver UNESCO (1985); sobre a indústria do turismo e a persistência de desigualdades (pós-)coloniais, veja-se Boutillier et al. (1978), Carrigan (2011), Hall e Tucker (2004).

8 Laurence Caramel, “L’héritage africain boudé par l’Unesco”, Le Monde, 16 de junho de 2018.

9 Para uma perspetiva mais otimista sobre o turismo pós-colonial, ver Singh (2001, 243-244). Para uma perspetiva mais crítica, ver Kincaid (1988).

10 Stéphane Gsell, por exemplo, escreveu a sua tese sobre Tipasa na École Française de Rome em 1895 e mais tarde publicou um atlas arqueológico da Argélia.

11 Deuxième Congrès International du Tourisme Africain, p. 115.

12 Discussion d’une proposition tendant à inviter le Gouvernement à assurer la conservation des ruines de Tipasa, 1950, p. 1.

13 Sobre a história da Guerra da Argélia e as tensões de longa data entre colonizadores franceses e residentes locais, ver, por exemplo, Byrne (2016) e Shepard (2006).

14 Para uma história alargada das origens do turismo de massas na Argélia, ver Zytnicki (2016). O fenómeno do turismo colonial não se esgotava, claro, no império francês – veja-se Baranowski et al. (2015).

15 Programme of Circular Tours from Algiers Through the Whole of Algeria and Tunis. Disponível em: Adam Matthew, Marlborough, Leisure, Travel & Mass Culture: The History of Tourism, https://0-www-masstourism-amdigital-co-uk.catalogue.libraries.london.ac.uk/Documents/Details/TCA_B_Bx1888_Pr103-90, acedido a 5 de julho de 2021.

16 Expressão de uso corrente, à época (mas que perdura), para designar os colonos europeus na Argélia.

17 De Pouvreau-Baldy, “La Nymphée de Tipasa”, L’Afrique du Nord illustrée, 270, 3 de julho de 1926, p. 8. Para uma análise mais geral do Ninfeu de Tipasa, ver Aupert (1974).

18 Discussion d’une proposition tendant à inviter le Gouvernement à assurer la conservation des ruines de Tipasa, 1950, p. 4.

19 Sobre o Hôtel du Rivage de Trémaux, ver também Playfair (1895, 138). Para um extenso relato sobre as atividades arqueológicas francesas em Tipasa após a Segunda Guerra Mundial (incluindo durante a Guerra da Independência argelina), ver Baradez (1961).

20 Discussion d’une proposition tendant à inviter le Gouvernement à assurer la conservation des ruines de Tipasa, 1950, p. 4.

21 Ibid., p. 7.

22 Ibid., p. 14.

23 International Council on Monuments and Sites, Nomination (ICOMOS), World Heritage List, no. 193, Nomination: Tipasa, Location: Wilaya of Blida, Daire of Hadjout, Tipasa commune, State party: Algeria, Data: 30 de dezembro de 1981.

24 ICOMOS, Nomination: Tipasa.

25 Gsell é mencionado brevemente no dossiê original de candidatura da Argélia como autor dos primeiros artigos publicados sobre escavações arqueológicas em Tipasa. Ver UNESCO Archives (Paris), file: Algeria, Tipasa (1982).

26 Georges Fradier, “Wonders of the World”, The UNESCO Courier, agosto de 1980, p. 34.

27 “The City of Quito, Ecuador”, The UNESCO Courier, agosto de 1980, p. 7.

28 UNESCO, “Rabat, Modern Capital and Historic City: A Shared Heritage”, https://whc.unesco.org/en/list/1401/, acedido a 22 de julho de 2021.

29 Royaume du Maroc, “Rabat. Capitale moderne et ville historique: un patrimoine en partage”, Proposition d’inscription sur la Liste du patrimoine mondial soumise par le Royaume du Maroc (janeiro de 2011).

30 “Ville historique de Grand-Bassam”, Proposition d’inscription de la ville historique de Grand-Bassam sur la Liste du patrimoine mondial, République de Côte d’Ivoire, janeiro de 2012, 36.

31 UNESCO, “Historic Town of Grand-Bassam”, https://whc.unesco.org/en/list/1322/, acedido a 21 de julho de 2021; e “Ville historique de Grand-Bassam”.

32 France-UNESCO Cooperation Agreement – Synthesis of the activities implemented between 1999 and 2015, p. 11.

33 UNESCO, “10 Years of the France-UNESCO Convention for Heritage: Putting French Expertise to Work for the World’s Heritage” (2009), p. 9.

34 UNESCO, “10 Years of the France-UNESCO Convention for Heritage”.

35 Journal official de la République française, loi no. 2005-158 du 23 février portant reconnaissance de la Nation et contribution nationale en faveur des Français rapatriés, article 4 (24 de fevereiro de 2005), https://www.legifrance.gouv.fr/jorf/id/JORFTEXT000000444898, acedido a 20 de julho de 2021.

36 Itay Lotem, “A Decade After the Riots, France has Rewritten Its Colonial History”, The Conversation, 25 de janeiro de 2016, https://theconversation.com/amp/a-decade-after-the-riots-france-has-rewritten-its-colonial-history-50499, acedido a 20 de julho de 2021.

37 Annuaire de l’automobile et du tourisme au Maroc (Casablanca: La société des grands régionaux du Maroc, 1937), pp. 452-453.

38 Les guides bleus: Afrique de l’ouest (Paris: Hachette, 1958), p. 389.

39 Ver, por exemplo, Air Afrique e Arlette Eyraud (1976, 54-55).

40 ICOMOS, Decision 33 COM 8B.11, Grand Bassam, 6-8.

41 Discussion d’une proposition tendant à inviter le Gouvernement à assurer la conservation des ruines de Tipasa, 1950, 14.

42 Laurence Caramel, “L’héritage africain boudé par l’Unesco”, Le Monde, 16 de junho de 2018.

43 Ver, por exemplo, a discussão de Lotem (2021, cap. 9) sobre as campanhas “Rhodes Must Fall” na África do Sul e na Grã-Bretanha.

44 Sobre a interconexão dos sistemas financeiros e monetários africanos com a antiga metrópole, ver o famoso livro de Ousmane Sembène (2021). Sobre os laços pós-coloniais entre o sistema educativo francês e as instituições educativas das antigas colónias, ver, por exemplo, Viguier (2020). Sobre as formas através das quais o império marcou a paisagem da França metropolitana, veja-se Aldrich (2005).

45 “Trois questions à Serge Lancel”, Le Monde, 17 de fevereiro de 2004.

46 François de Labarre, “Comment restituer le patrimoine africain?”, Paris Match, 8 de janeiro de 2018, https://www.parismatch.com/Culture/Art/Comment-restituer-le-patrimoine-africain-1432793, acedido a 21 de julho de 2020.

Topo da página

Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Jessica Lynne Pearson, «Entre o património francês e o Património Mundial da UNESCO: digressão pelo fim do império em Tipasa, Rabat e Grand-Bassam»Ler História, 85 | 2024, 19-41.

Referência eletrónica

Jessica Lynne Pearson, «Entre o património francês e o Património Mundial da UNESCO: digressão pelo fim do império em Tipasa, Rabat e Grand-Bassam»Ler História [Online], 85 | 2024, posto online no dia 27 novembro 2024, consultado no dia 16 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/13772; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/12uuo

Topo da página

Direitos de autor

CC-BY-NC-4.0

Apenas o texto pode ser utilizado sob licença CC BY-NC 4.0. Outros elementos (ilustrações, anexos importados) são "Todos os direitos reservados", à exceção de indicação em contrário.

Topo da página
Pesquisar OpenEdition Search

Você sera redirecionado para OpenEdition Search