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1Autodeterminação, direitos humanos e anticolonialismo reverberam nas crises globais actuais. Até que ponto estes legados da descolonização moldaram os sistemas políticos, sociais, culturais e económicos do “Sul Global”? Qual o papel das organizações internacionais na globalização da segunda metade do século XX? Apesar do fim dos impérios coloniais europeus, a verdade é que os desafios da soberania e da cooperação global são ainda questões prementes. Contudo, as organizações internacionais – governamentais e não-governamentais – têm sido fundamentais na afirmação destes princípios, ajudando na configuração do mundo pós-colonial e na luta pela soberania e pela justiça nas dinâmicas internacionais.

2O número que agora se publica tem um enfoque dominante sobre dois processos históricos aparentemente divergentes, mas que se cruzaram e conviveram por algumas décadas após a Segunda Guerra Mundial – a descolonização e o colonialismo tardio. O primeiro desses processos é aqui explorado no dossier temático organizado por José Pedro Monteiro, sob o título “Organizações internacionais na era da descolonização”. Os seus quatro artigos permitem observar, sob múltiplos prismas e em geografias variadas, a relação entre as organizações internacionais e os processos de descolonização. Jessica Lynne Pearson discute o papel da UNESCO na classificação patrimonial de espaços arqueológicos do antigo império francês. Nicole C. Bourbonnais analisa o trabalho desenvolvido por três mulheres de uma organização privada norte-americana, o Fundo Pathfinder, na promoção de métodos de controlo da natalidade no então chamado “Terceiro-Mundo”. Ana Guardião estuda a acção do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados no Congo-Léopoldville. Finalmente, Miguel Bandeira Jerónimo e José Pedro Monteiro mostram como Portugal, apesar de resistir à descolonização, ensaiou uma reforma das políticas coloniais condicionada pela sua participação em instâncias internacionais, nomeadamente a ONU. No seu conjunto, os artigos sublinham a pertinência e a urgência de discutir a ruptura que normalmente se associa aos processos de descolonização e a natureza expansiva das organizações internacionais no mundo pós-colonial. A discussão destes temas revela-se ainda mais oportuna quando consideramos os problemas contemporâneos que estas organizações enfrentam. Por isso, a compreensão histórica da acção e das interacções entre estas entidades não deixa de suscitar novas reflexões sobre os desafios actuais impostos ao mundo contemporâneo, abrindo assim a novas áreas de pesquisa.

3A este dossier temático organizado juntámos, numa pequena secção, intitulada “Colonialismo tardio”, dois outros artigos que complementam e robustecem a discussão em torno de temas próximos. Joana Brites discute a relação entre colonialismo, modernismo e burocracia no contexto das obras públicas nas antigas colónias portuguesas em África, oferecendo uma perspectiva crítica sobre os esforços de modernização no quadro colonial. Por sua vez, o texto de Gautier Garnier, sobre o Arquivo Histórico Ultramarino, explora as práticas arquivísticas e a preservação da memória colonial no Portugal do Estado Novo. Tal como os artigos do dossier temático, estes textos enfatizam a diversidade de elementos e de políticas que contribuíram para a construção das identidades coloniais e pós-coloniais.

4Este número evidencia-se ainda por reavivar o “Espelho de Clio”, secção dedicada a temas de natureza historiográfica. Ricardo Ledesma Alonso identifica alguns elementos discursivos da obra do historiador António Sérgio, argumentando que se inserem no programa ético e estético renovador do modernismo português da época. Nos artigos restantes, Marina Simões Galvanese analisa os debates parlamentares sobre os passaportes durante a monarquia constitucional, destacando as dimensões jurídicas e sociais da mobilidade e da cidadania; Joana Dias Pereira explora as representações e orientações do movimento sindical relativamente ao trabalho e ao activismo das mulheres em Portugal entre 1850 e 1926; e, por último, Maria Cristina Moreira, José Manuel Lopes Cordeiro e Jorge Cerdeira, adoptando uma perspectiva económica sobre as relações internacionais, examinam as estratégias da indústria conserveira portuguesa da sardinha no mercado norte-americano no período entre guerras.

5A tudo isto acresce um amplo conjunto de recensões onde a qualificação dos autores convidados a escrevê-las emparelha com a relevância e diversidade dos títulos recenseados. Sublinhe-se ainda que, no ano que agora encerra, conseguimos já igualar o número de recensões e o de artigos. Dá-se, assim, concretização ao objectivo editorial, recentemente definido pelo Conselho de Redacção, de reforçar o peso da secção de recensões em cada número, pelo papel que desempenham na divulgação informada das novidades e debates historiográficos. A este respeito, aliás, vale destacar que a presente secção inclui mesmo um pequeno debate sobre a figura e a obra do naturalista alemão Alexander von Humboldt, um dos mais importantes cientistas da primeira metade do século XIX, a propósito de um livro recentemente publicado sobre o assunto. Para terminar, uma breve nota para assinalar a recente entrada de três novos membros para a Redacção – Fábio Faria, Giulia Daniele e Rômulo Ehalt. É um passo mais no caminho, que vem sendo trilhado nos últimos anos, de renovação, rejuvenescimento e diversificação institucional do corpo editorial da Ler História.

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Lisbeth Rodrigues, «Editorial»Ler História, 85 | 2024, 5-6.

Referência eletrónica

Lisbeth Rodrigues, «Editorial»Ler História [Online], 85 | 2024, posto online no dia 27 novembro 2024, consultado no dia 12 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/13756; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/12uum

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Autor

Lisbeth Rodrigues

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Apenas o texto pode ser utilizado sob licença CC BY-NC 4.0. Outros elementos (ilustrações, anexos importados) são "Todos os direitos reservados", à exceção de indicação em contrário.

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