Navegação – Mapa do site

InícioNúmeros85Organizações Internacionais na Er...Auto-determinação, cidadania e or...

Organizações Internacionais na Era da Descolonização

Auto-determinação, cidadania e organizações internacionais: reinventando as políticas do império português, 1955-1962

Self-Determination, Citizenship and International Organizations: Reinventing the Portuguese Empire, 1955-1962
Miguel Bandeira Jerónimo e José Pedro Monteiro
p. 89-115

Resumos

Em 1961 e 1962, a administração imperial portuguesa encetou uma série de reformas políticas, administrativas e sociais, pondo fim ao regime de indigenato. Este artigo demonstra que, tanto no tempo como no conteúdo, essas dinâmicas de mudança política e legal se relacionaram estreitamente com actores, acontecimentos e processos situados além das fronteiras do império, em articulação com lógicas locais, nos planos nacional e colonial. Só a partir de uma análise integrada destas relações podem tais reformas ser rigorosamente compreendidas. Com uma história longa, que não se esgota nesse biénio, tais dinâmicas de mudança foram significativamente marcadas pela participação das autoridades portuguesas numa disputada conversação – de origem, alcance e impacto global, envolvendo diferentes instituições e geografias – sobre as múltiplas configurações da diferença étnico-racial e sociocultural e os contestados postulados da soberania e da autodeterminação políticas. Este artigo faz parte do dossier temático sobre Organizações Internacionais na Era da Descolonização, organizado por José Pedro Monteiro.

Topo da página

Notas do autor

Este estudo faz parte do projecto “Humanity Internationalized: Cases, Dynamics and Comparisons (1945-1980)” (Ref. PTDC/HAR/HIS/6257/2020), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Agradecemos a Bruno Fonseca e a Pedro Cerdeira pelo seu apoio na recolha de fontes primárias.

Texto integral

  • 1 Sobre a vantagem de se combinarem diferentes níveis analíticos e a importância de evitar uma interp (...)

1O pós-Segunda Guerra Mundial testemunhou mudanças assinaláveis tanto nas colónias como nas metrópoles dos impérios europeus, nos domínios cultural, social, económico e político (Thomas e Thompson 2018). Formulações mais inclusivas da relação imperial foram pensadas, coexistindo com momentos de violência inaudita (Cooper 2014; Thomas e Curless 2017). As metrópoles empreenderam um investimento sem precedentes nas periferias, sobretudo em África, através de diferentes programas de “desenvolvimento”, operando mudanças políticas, administrativas e sociais, ao nível imperial e colonial.1 Renovaram-se os quadros de legitimação imperial, mobilizando novos argumentos para resistir à descolonização, num diálogo acrimonioso com aqueles que propunham uma transformação radical. A “questão colonial” passou a ser discutida a partir de outras linguagens, indicadores, justificações e possibilidades imagináveis, envolvendo uma miríade de vozes, argumentos, instituições e recursos.

2Estas dinâmicas tiveram por pano de fundo um novo ordenamento (geo)político internacional, corporizado no sistema da Organização das Nações Unidas (ONU), compreendendo as suas agências especializadas e as diversas organizações e redes transnacionais que gravitavam na sua órbita, e marcado pela professada oposição (pelo menos teoricamente) dos EUA e da URSS ao colonialismo europeu. A rivalidade bipolar gerou inúmeros impasses em matéria de segurança, sobretudo relativas à Europa, no seio da ONU, fazendo dos mundos coloniais espaços privilegiados para a sua intervenção e legitimação institucional (Gaiduk 2013; Muschik 2022a). As disputas sobre o significado e a legitimidade do colonialismo ganharam aqui uma particular visibilidade. A historiografia tem procurado reconstituir a forma como esta nova “ordem global” se relacionou com o processo de descolonização como um todo (Getachew 2019; Eggers, Pearson e Santos 2020; O’Malley e Thakur 2022; Muschik 2022b).

3O império português, apesar das suas especificidades, não foi imune a estas dinâmicas (Bender 1978; Jerónimo e Pinto 2015; Keese 2015). Este artigo demonstra a forma como, após a adesão de Portugal à ONU, e apesar da resistência em colaborar (em certos termos) no tocante à questão colonial, as autoridades nunca deixaram de seguir atentamente e interagir activamente com os desenvolvimentos em Nova Iorque. Apesar da declarada, e sonora, oposição do governo português às “interferências” internacionais, este não deixou de tentar ajustar, sistemática mas instrumentalmente, as suas políticas externa e interna à evolução da organização, recorrendo a linguagens e modelos que circulavam internacionalmente, gerando-se um lastro histórico que condicionou as reformas de 1961-1962. Os incentivos para estas mudanças podem ser identificados, na sua origem, nas sociedades e administrações coloniais ou nas disputas políticas e idiossincráticas do poder imperial. Mas será muito difícil compreender as dinâmicas de mudança e continuidade no império nestes anos sem atentar, historicizando-as, nas dinâmicas internacionais e transnacionais que vinham gradualmente deslegitimando a solução imperial de feição ultramarina.

4Quanto à sua organização, este artigo, num primeiro momento, traça a evolução do regime normativo da ONU em matéria “colonial”. Seguidamente, na secção 2, explora as dinâmicas de ajustamento, tenso e heterogéneo, da posição portuguesa face às exigências de integração internacional, associadas que estavam a variadas instâncias de ponderação política e administrativa sobre a necessidade de mudança legal. Na secção 3, antes de concluir, foca-se nas reformas do início dos anos 60, sublinhando a importância de as ler à luz da intensificação e da reconfiguração das dinâmicas de internacionalização da “questão colonial”.

1. A nova ordem global, a ONU e a questão colonial

5No sistema da ONU, a “questão colonial” passou a ser debatida em termos substancialmente diferentes daqueles que vigoravam na Sociedade das Nações (SDN). Essa mudança foi visível na Organização Internacional do Trabalho (OIT), com a criação das novas normas sobre políticas sociais em “territórios não-metropolitanos” ou na recém-criada Organização das Nações Unidas para a Ciência, Cultura e Educação (UNESCO), com as iniciativas visando deslegitimar cientificamente o racismo (Maul 2012, 31-120; Shepard 2011). Todavia, a estrutura normativa e institucional (re)criada em 1945 não dava por adquirido o fim do colonialismo europeu, nem eliminava totalmente o que então se definia como a “especialidade” dos mundos coloniais. O Capítulo XI da Carta das Nações Unidas, que visava os chamados non-self-governing territories (NSGT), apresentava um enunciado cujo carácter vinculativo era ténue, e não era taxativo sobre uma futura independência política. Os interesses das populações locais eram tidos por “prioritários”, estabelecia-se o compromisso de promover o seu “bem-estar”, apontava-se para o “desenvolvimento do autogoverno”, levando em conta as suas aspirações e assistindo “no desenvolvimento progressivo das suas instituições políticas livres”. Mas a palavra “progressivo” deixava em aberto o horizonte temporal e “autogoverno” não remetia necessariamente para a independência. O artigo 73º apenas requeria às potências administrantes que providenciassem informação sobre o “progresso” social, económico e educacional destas populações.

6Os poderes coloniais insistiriam que a Carta não estabelecia de forma categórica o direito de autodeterminação entendido como independência, nem permitia à ONU intervir em matérias políticas nestes territórios. As tentativas iniciais de colocar todas as colónias sob mandato internacional foram combatidas por aqueles, com sucesso. Apenas os antigos mandatos da SDN e alguns exíguos territórios ficaram sob a alçada do Conselho de Tutela (CT). Enquanto este permitia formas mais intrusivas de escrutínio (e.g. inspecções in situ e petições) e autorizava o debate político, o mesmo não se aplicava aos NSGT (Louis 1977; Pearson 2017). A organização criada em São Francisco ainda reproduzia, em certa medida, uma visão do mundo baseada em pressupostos imperiais, com um entendimento desigual sobre diferentes territórios e grupos populacionais (Mazower 2009).

7Estudos recentes demonstraram a forma como actores do chamado “Sul Global” contribuíram para a transformação desta ordem internacional (O’Malley e Thakur 2022). O sistema da ONU revelou plasticidade bastante para acomodar os ímpetos de transformação espoletados pela descolonização. Contudo, o papel das potências coloniais tem sido apresentado amiúde como essencialmente reactivo, obscurecendo o modo como, a partir de linguagens e argumentos distintos, estas propuseram interpretações alternativas às versões anticoloniais de conceitos como soberania, autodeterminação ou cidadania. Face à reconfiguração do poder na ONU, entre outras razões, estas concepções não triunfaram, mas merecem ser investigadas. Até porque algumas delas acabariam, depois, por ser recuperadas, enquanto argumento político ou legal.

8Na ONU digladiaram-se visões muito distintas sobre a legitimidade do colonialismo, protagonizadas por grupos de diferente natureza, algo que começou a ser visível logo nos finais dos anos 1940. Resumida e simplificadamente, a generalidade dos representantes da América do Sul, da Ásia e os (então poucos) de África pugnavam por uma maior interferência da ONU, procurando estender o regime de tutela aos NSGT, gerando a oposição dos impérios europeus e de outras potências administrantes. Em 1947, depois de estas terem voluntariamente indicado ao Secretário Geral (SG) da ONU quais os NSGT que administravam, foi criado um comité responsável por analisar as informações enviadas ao abrigo do artigo 73º. Quando, mais tarde, cessaram a transmissão de informação em alguns territórios, alegando terem deixado de ser “não-autónomos”, levantou-se a questão de saber quem deveria determinar se um território era autónomo. As potências administrantes argumentavam ser sua prerrogativa soberana, por oposição àqueles que defendiam ser competência da Assembleia-Geral (AG). Um novo comité foi encarregado de estabelecer os elementos para aferir se um território, e a sua população, se governava a si próprio (se era “autónomo”) produzindo uma “lista de factores” em 1953. Para os poderes coloniais, tratava-se de um exercício indicativo, não vinculativo (El-Ayouty 1972, 30-63).

  • 2 The National Archives of the UK, Kew, Reino Unido (doravante, TNA), TNA-FO371/101364 – “Aide Memoir (...)
  • 3 TNA-FO371/101364 – Memorandum “Colonial questions in the United Nations General Assembly”, s.a., 19 (...)
  • 4 TNA-DO35/6966 – “Briefing for the colonial questions in the United Nations Anglo-French Belgian tal (...)

9Os governos britânico, francês e belga procuravam articular as suas estratégias de defesa em reuniões bilaterais e trilaterais de preparação das sessões da ONU (Kent 1992). Tal não impedia hesitações ou mesmo dissensões. A administração britânica nutria preocupações sobre parecerem agir concertadamente como um “bloco colonial”.2 A colaboração interimperial excessiva também gerava apreensão na burocracia francesa. Para o governo britânico havia, contudo, um núcleo central de matérias sobre as quais não admitia transigir. A ONU não poderia, em relação aos NSGT, discutir questões políticas, fazer recomendações sobre territórios concretos, aceitar petições nem audições de representantes locais ou efectuar missões de visita: o regime de tutela não se deveria estender aos NSGT.3 A estratégia britânica passava por “cooperar activamente”, “inundando o Comité de Informações e a 4ª Comissão” com informação sobre matéria educacional, social e económica, evitando discussões legais sobre a Carta.4

  • 5 Archives Diplomatiques Belges, Bruxelas, Bélgica (doravante, ADB), ADB-Classement B-13225, Langenho (...)

10A oposição à interferência da ONU nas colónias teve como importante protagonista o governo belga. Pierre Ryckmans, o antigo governador-geral do Congo, e o diplomata Fernand van Langenhove assumiram um papel de destaque (Rodríguez-Piñero 2005, 115-144; Monteiro 2023), respondendo à regular tendência dos representantes do “Sul Global”, sobretudo da América Latina, de colocarem em causa os feitos da administração no Congo e no Ruanda-Urundi, território de tutela. Em 1949, durante a discussão do relatório da primeira missão in situ do CT, que incluíra o Ruanda-Urundi, Ryckmans opôs as realizações belgas em matéria económica e social àquelas de estados independentes, como o Iraque (responsável por algumas das acusações contra os belgas). Procurava-se sublinhar que o objectivo primordial da ONU deveria ser a “elevação” material e de “bem-estar” de todas as populações do globo e não o estatuto constitucional de territórios particulares.5

  • 6 Arquivo Histórico-Diplomático, Lisboa, Portugal (doravante, AHD), AHD-CE46.P8/2479 – “Memorandum du (...)

11Aqui residem as origens do que ficou conhecido no direito internacional como a “tese belga”. Para as autoridades belgas, em contraste com a SDN, a evolução da prática da ONU deixava desprotegidos, em matéria de escrutínio e protecção internacionais, milhões de seres humanos: as “populações indígenas atrasadas” de vários estados independentes. Ao invés de se focar em territórios que não se governavam a si mesmos, a ONU devia focar-se em populações que não se governavam a si mesmas, segundo os belgas (Langenhove 1954; Monteiro 2023). Segundo esta lógica, o governo belga, tal como os do México, do Brasil ou da Austrália, assumira uma “missão sagrada” de “civilizar” essas populações. Era indiferente, para este desiderato, se um território era independente, pois existiam “populações atrasadas” em diferentes configurações políticas. O mandato contraído perante a humanidade era o de “levar a civilização” a estas populações através do desenvolvimento económico e social. A evolução do seu estatuto político ocorreria depois, gradualmente. Decorrentemente, o governo belga opunha-se à existência do “comité” e da “lista de factores”.6 A “tese belga” não vingou, mas o argumento de que as “populações indígenas atrasadas” em países independentes careciam de protecção internacional foi reconhecido pela OIT, com a primeira convenção internacional sobre “populações indígenas e tribais”, de 1957. Langenhove participou nos trabalhos de preparação (Rodriguez-Piñero 2005, 173-214). Mas, crucialmente, não foi reconhecido a essas populações o direito à autodeterminação. Isso só sucederia décadas depois, de forma mitigada, excluindo a possibilidade de independência política (Pearcey 2016, 97-116).

2. Transformar “indígenas” em “aborígenes”: o império português e a ONU

  • 7 AHD-POI-177 – “XI Assembleia geral das Nações Unidas – Conversas Luso-Belgas, 11-12 de Outubro de 1 (...)
  • 8 TNA-DO35/6966 – E.G.G. para Scrivener, 5-3-1956.
  • 9  AHD-POI-177 – “XI Assembleia Geral das Nações Unidas – Conversas Luso-Belgas...”.

12Aquando da admissão de Portugal na ONU, em 1955, estas disputas já contavam com uma década (Martins 2015). O governo português procurou integrar as conversas tripartidas dedicadas à preparação dos trabalhos na ONU organizadas pelas potências coloniais. Em 1956, Vasco Garin, diplomata português com assídua intervenção na ONU, encontrou-se com Langenhove e, posteriormente, realizaram-se conversações luso-belgas.7 Inicialmente, o governo britânico manifestava-se reticente em alargar as conversações a Portugal (e a Espanha e a Itália), pois já havia um histórico oleado com belgas e franceses. Portugal nem sequer podia ser considerado tecnicamente uma potência administrante, argumentavam, “não porque não tenha colónias, mas porque não lhes dá esse nome” (fruto da revisão constitucional de 1951). Contudo, Portugal acabaria por ser admitido nas conversações.8 Aspecto central era o de decidir como responder à questão sobre se administrava NSGT e à decorrente necessidade de transmitir informação segundo o artigo 73º (Silva 1995; Martins 1998; Santos 2014, 64-103). A questão fora abordada com os belgas, com a delegação portuguesa a apresentar a sua argumentação “histórico-jurídica” e informando que provavelmente responderia negativamente. Os interlocutores belgas manifestaram admiração mas a promessa de apoio foi menos resoluta do que se desejava. Discutiu-se a “tese belga” e referiu-se que estava a ser preparado um estudo por um grupo de trabalho composto por José Manuel Fragoso e Henrique Martins de Carvalho, do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), e Ferreira Semedo e João da Costa Freitas, do Ministério do Ultramar (MU).9

  • 10 AHD-CE46.P8/2479 – “Relatório do grupo de trabalho encarregado de analisar a posição de Portugal pe (...)

13Segundo o estudo, face à evolução do direito internacional e da prática da ONU, a resposta teria de ser negativa. Tal argumento era justificado recorrendo à tipologia estabelecida por Marcelo Caetano em Tradições, Princípios e Métodos da Colonização Portuguesa (1951): unidade política, assimilação espiritual, diferenciação administrativa e solidariedade económica. Como resumia Fragoso, contrariamente ao “espírito de proteccionismo” da ONU, que favorecia a “auto-administração ou independência”, a “política sui generis” de Portugal apontava para a “unificação”, para “um território politicamente unificado, mas geograficamente disperso”. Não se ignorava a “lista de factores”, mas recusava-se qualquer competência à AG. Visto ser indicativa, a primeira era contornável. Ademais, apenas uma parte se aplicava ao caso português: a que estabelecia os factores e critérios para que um território se associasse “à Metrópole, livremente e em igualdade, ou a um outro país como parte integrante deste”. Pior, “os conceitos” aí elencados e aqueles que estavam na base da organização estatal portuguesa eram completamente “estranhos uns aos outros”.10

  • 11 United Nations General Assembly (UNGA), Resolution 742 (VIII), 1953; AHD-CE46.P8/2479 – “Relatório (...)

14A resolução da ONU que continha a “lista de factores” era, a muitos níveis, problemática. Um NSGT definir-se-ia pela separação geográfica e pela existência de uma população étnica ou racialmente diferente. As autoridades portuguesas rejeitavam a definição, opondo, por exemplo, o caso do Paquistão, então territorialmente descontínuo, ou alegando que a diversidade étnico-racial não existia apenas em impérios ultramarinos. A resolução contemplava três horizontes históricos possíveis para um território deixar de ser não-autónomo: independência, federação ou integração. Mas a integração só seria legítima se todos os habitantes fossem cidadãos de pleno direito, participantes no processo de decisão e dotados de representação política adequada. A reversibilidade da integração teria de ser assegurada.11 Face a estas condições, a solução era afirmar que Portugal não administrava NSGT. Aceitar discutir na AG a integração abriria a porta ao debate das condições dessa mesma integração.

  • 12 AHD-CE46.P8/2479 – “Relatório do grupo de trabalho...”.

15É no âmbito destes debates que a “tese belga” figura no relatório do grupo de trabalho. Com esta, pretender-se-ia “substituir o conceito de indígena – por deturpação, hoje, quase designativo apenas de povos coloniais – pelo conceito mais vasto de aborígene”, implicando “que sob a alçada do art. 73º cairiam: na América, os Índios da Bolívia, Equador […] do Canadá (índios e esquimós) … – num total que se calcula em 30 milhões”. Porém, o uso da “tese” devia ser selectivo. Enquanto os belgas queriam estender a supervisão internacional a todas as populações “aborígenes”, os portugueses procuravam apenas demonstrar a incoerência e discriminação do sistema para rejeitar qualquer escrutínio.12 Ora, essa selectividade implicava inúmeras oportunidades, mas também desafios, incluindo na ordem interna. Costa Freitas contemplara as implicações no seu estudo sobre o conceito de “aborígene”, parte do relatório. Eram necessários argumentos fortes para opor à “incompreensão” generalizada que suscitavam os argumentos portugueses. Seria possível “colher [apoio] além-fronteiras – até nos países mais fortemente anti-coloniais”. Ainda por cima, como sustentava, as colónias persistiam imunes à “labareda dos nacionalismos que perto de nós irromperam” (omitindo as condições políticas repressivas que explicavam essa singularidade).

  • 13 Idem.
  • 14 Idem.

16Era ainda fundamental explicar o regime de indigenato. Comportando um grau de “diferença” que poderia representar uma “dificuldade”, nem por isso comprometia a tese da unidade política face aos critérios da ONU. A integração tinha de ser entendida como gradual, tolerando alguma diferenciação: “Se assim é para os esquimós do Alasca [...], para os silvícolas do Brasil [...] e até para aqueles que, como os Chavantes e os Nagas, combatem de armas nas mãos os que os pretendem assimilar, porque não o há-de ser para as pacíficas populações dos territórios ultramarinos portugueses onde não se conhecem quaisquer aspirações de independência?”.13 Baseando-se nos trabalhos da OIT na matéria, Costa Freitas argumentava que não havia qualquer oposição de princípio entre as definições de “aborígene”, veiculado por aquela organização, e o conceito legal português de “indígena”. Em ambos estava implícito o equilíbrio entre os desígnios de integração nacional e o da protecção das tradições e modos de vida locais. O facto de a Constituição estabelecer que a nação era composta pelos cidadãos portugueses apontava para a “conveniência de rever os textos legislativos em obediência ao interesse político”, mas não comprometia a unidade política. A organização administrativa diferenciada do ultramar respondia a contextos particulares, mas tal sucedia noutros estados, contíguos ou não. O relatório, no seu todo, recomendava importantes medidas adicionais, como a resolução da questão da nacionalidade na Constituição ou reconsiderar questões como a livre circulação de pessoas, mercadorias e capitais.14

  • 15 AHD-CE46.P8/2479 – “Trabalhos da 4ª comissão” 1957, Franco Nogueira.

17Porém, a inédita resposta negativa ao SG da ONU não convenceu vários representantes na 4ª comissão. Franco Nogueira (do MNE) que, juntamente com Fragoso e Adriano Moreira, aí representara Portugal, estava convencido de que a contestação à resposta portuguesa surgiria na esteira de acusações sobre trabalho forçado ou em comparações com outros impérios. Chegou pelo delegado do Iraque: “Como explicar a existência em Moçambique, por exemplo, de mais de 5 milhões de indivíduos que, segundo o próprio governo português admite, não são civilizados? Tais populações não se administram a si próprias e, portanto, não cairão sob o art. 73 da Carta?”. O indigenato apresentava-se como uma contradição em termos da tese da unidade, a que se somavam questões sobre a proporcionalidade da representação política na Assembleia Nacional, sem a qual não haveria “verdadeira integração em pé de igualdade nem real unidade de soberania”. Era “conveniente”, ainda segundo Nogueira, que se ponderasse a possibilidade de apresentar “alguns candidatos” das colónias africanas em eleições “locais ou nacionais”. Outro aspecto, “da maior importância e delicadeza”, era o de “ampliar ou apressar o processo de concessão da cidadania”. No fim, conseguiu-se impedir que a AG avaliasse a resposta em si, na ausência de maioria qualificada (Martins 1998).15

18Segundo Nogueira, mesmo para garantir apenas uma minoria de bloqueio era necessário cortejar delegados que habitualmente votavam desfavoravelmente em matérias coloniais. Antecipando o agravamento da situação no futuro, defendia medidas de ordem interna e externa. Além de tentar convencer o governo espanhol a dar resposta idêntica à portuguesa, e o francês e o belga a cessarem a transmissão de informação, devia-se encetar uma campanha para fragmentar o “bloco afro-asiático”, com foco especial na América Latina. Como Nogueira assinalava, um voto desfavorável poderia ser ignorado “e nada de espectacular” aconteceria, mas convinha “não esquecer o poder imenso” da ONU “como organismo de propaganda”. Apesar de “demagógicas”, as palavras aí proferidas poderiam chegar “a todos os cantos”, incluindo ao ultramar. “Se por infelicidade se produzisse algum incidente em qualquer parcela do ultramar português (uns distúrbios, por exemplo, que houvessem de ser reprimidos) [...] imediatamente o assunto, aumentado e deformado, seria trazido à comissão política especial ou à primeira comissão”.

  • 16 Idem.
  • 17 AHD-POI/177 – “Record of a meeting of United Kingdom and Portuguese officials”, 19-21 Setembro, 195 (...)
  • 18 AHD-POI/177 – “Conversas quadripartidas”, J. M. Fragoso, 1957.

19Em 1956, contudo, o apoio dos latino-americanos revelou-se decisivo. Mais preciosa só a prestação do representante brasileiro, o escritor e diplomata Donatello Grieco. A ligação privilegiada com o governo brasileiro conquistara votos decisivos de delegados da América Latina, muitos deles anticomunistas e católicos.16 Nas conversações luso-britânicas de 1956, os últimos, ainda que sublinhando as diferenças entre as respectivas políticas coloniais, caucionavam a estratégia. Aí, Fragoso defendera com cautela, “para não ferir susceptibilidades”, que “certos aspectos” da “tese belga”, sobretudo a equiparação entre “indígenas” e “aborígenes”, fossem mobilizados para comparar favoravelmente as realizações materiais dos impérios. Dadas as suas credenciais anticomunistas, os portugueses poderiam mais convincentemente argumentar que comunismo e anticolonialismo se reforçavam mutuamente.17 Em 1957, o sucesso da estratégia foi saudado nas reuniões quadripartidas: tinha-se conseguido a “cisão da frente anti-colonialista”. Mais uma vez, porém, foi necessário explicar o indigenato e o ritmo da “assimilação”, sendo que aos portugueses pareceu “que os números [...] foram acolhidos sem surpresa mas considerados muito limitados”.18

  • 19 AHD-3/MNE-SE-DNPEC/DGNPAI-RNP-SNPU/038 – Pasta “Indigenato: elementos fornecidos”, Carlos Fernandes (...)
  • 20 AHD-3/MNE-MD/LEM-BRA-ERIO/S012-016/DC00003 – “Conversas quadripartidas, 28 a 30 de Julho de 1958”; (...)

20Informação para “esclarecer” o que era o indigenato foi distribuída por vários postos diplomáticos, não apenas na ONU. Em 1956, um memorandum, a ser enviado ao governo brasileiro, detalhava a tese da unidade. A “integração” das populações era tema de destaque, argumentando-se que um processo de assimilação gradual similar em séculos pretéritos dera à “nação portuguesa” o seu carácter actual. O processo prosseguia “ininterrupto”, “terminado em algumas províncias” e ainda activo nas que “se verifica a existência de aborígenes”. Em 1958, seguia um outro, agora em castelhano, supõe-se que para distribuir no resto do subcontinente, que recorria a uma variação da “tese belga” para sustentar que a existência de “população aborígene insuficientemente desenvolvida”, subordinada a um “regime jurídico específico”, nunca fora critério suficiente para colocar um território sob a alçada de um regime internacional distinto.19 Nas reuniões quadripartidas de 1959, o delegado português chamava a atenção para o problema do “café”, que criava fricção com os governos sul-americanos. Estes queixavam-se recorrentemente da competição desleal fruto dos baixos custos da mão-de-obra em África, e os portugueses defendiam que cedências fossem feitas. Era o momento para aproveitar os temores latino-americanos face ao crescimento do grupo “afro-asiático”, que diminuía o seu peso relativo na ONU. Seria possível levá-los “a assumir atitudes mais prudentes, com crescente recurso a tácticas processuais que evitem debates melindrosos”, segundo os portugueses.20

  • 21 AHD-MU/GM/GNP/RRI/0721/12127 – Pedido MU para ISNI, 21-9-1956.

21As ramificações desta estratégia eram múltiplas e relacionadas. Segundo o governo, não era necessário transmitir informação à ONU já que essa era enviada às agências especializadas. Em 1956, Nogueira participara na Conferência Internacional do Trabalho em que se anunciara a ratificação por Portugal da Convenção 29 sobre trabalho forçado. Era o último império colonial europeu a fazê-lo, face a um crescendo de acusações (Jerónimo e Monteiro 2014; Monteiro 2018). Foi o ponto de partida para uma inédita série de ratificações de convenções internacionais do trabalho, com aplicação nas colónias. Na conferência, Nogueira participou ainda nos trabalhos de preparação da supramencionada Convenção 107. No MU ponderava-se quais as implicações para os “indígenas” portugueses, e se estes poderiam ser definidos como “aborígenes”, dado que a convenção visava “os índios do Brasil, os Incas do Peru ou os Maoris da Nova Zelândia”. Um ponto na agenda intitulado “condições de vida e de trabalho dos aborígenes nos países independentes” levantava dúvidas, dado que as províncias ultramarinas não eram “independentes”.21

  • 22 AHD-MU/GM/GNP/RRI/0721/12127 – “Conferência internacional do trabalho”, Franco Nogueira, 1956.

22Nogueira criticou o carácter demagógico das discussões e as contradições que atribuía ao projecto de convenção, enredado na tensão entre integração e protecção. Era o caso das disposições sobre a língua, que procuravam garantir que as populações “indígenas” dominassem a língua oficial e ao mesmo tempo protegiam as línguas nativas, ou a norma sobre igualdade de direitos políticos e civis. Mas os seus principais objectivos na sessão eram reforçar a tese da unidade e “não suscitar melindres ao Brasil”. Por exemplo, a representação portuguesa teria sugerido que em vez de se ler “qualquer aborígene gozará dos direitos de cidadania”, dever-se-ia ler “nenhum aborígene poderá deixar de gozar dos direitos de cidadania”. Segundo Nogueira, substituía-se assim uma proposição “aparentemente positiva” por uma “redacção negativa muito mais vigorosa”. Contudo, a primeira formulação implicava a outorga da cidadania às populações “indígenas”, enquanto a segunda se definia no campo das possibilidades. Era esta, de resto, a base da justificação do indigenato: nenhum critério racial impedia que, em potência, um “indígena” pudesse alcançar a cidadania. Mas, para isso, tinha de cumprir determinados requisitos (relacionados com contribuições fiscais, literacia, entre outros). Em teoria, a cidadania estava aberta a todos, não obstante a realidade da escassa “assimilação”.22

  • 23 AHD-POI-139 – Comité Interministerial para as Nações Unidas (CINU) – 4ª sessão.

23Em 1958, o Comité Interministerial para as Nações Unidas, presidido por Franco Nogueira e incluindo Costa Freitas, que era um espaço central para a tomada de decisão política em tudo o que respeitasse aquela organização, ponderava o impacto da Convenção face ao artigo 73. Para Costa Freitas, enquanto na ONU os portugueses insistiam na tese da unidade nacional, persistiam as dúvidas sobre a classificação a adoptar na OIT. Até então, as colónias eram tidas por “territórios não-metropolitanos”, mas seria mais ajustada a designação “de país independente com populações aborígenes”, esbatendo a distinção entre metrópole e ultramar. Para Nogueira, a natureza “sui generis” da trajectória histórica da nação justificava a coexistência de diferenciação territorial e unidade nacional. Citando Salazar e a ideia de que as colónias eram “independentes com a independência da nação”, Costa Freitas ripostava que a definição da OIT era a mais adequada. Fragoso, contudo, observava que nos 30 países englobados naquela definição “os aborígenes” eram “cidadãos com plenos direitos”. Costa Freitas retorquia argumentando que o princípio aí estabelecido era o da integração, tal como em Portugal. Nogueira sugeriu então que se desenvolvesse um estudo comparativo da convenção e da legislação vigente que elencasse os “pontos essenciais” que contradiziam a tese da unidade, “com o fim de facilitar a nossa posição externa”.23

  • 24 AHD-MU/GM/GNP/RRI/0768/12468 – CINU – 5ª sessão.

24Para Costa Freitas, em sessão posterior, os objectivos da convenção estavam em sintonia com “a política de assimilação” portuguesa. Mas a menção à “raça negra” na definição de “indígena” no estatuto poderia “representar um factor de susceptibilidade nos meios internacionais, professamente [sic] anti-racistas”. Esta devia englobar “os indígenas sem menção à raça”. Nogueira concordava que tal referência, “perigosa”, “suscitaria a crítica de discriminação”, um “elemento psicológico para concentrar acções” contra os portugueses. Bastaria rever a definição. O representante da Presidência do Conselho propunha que se atribuísse a cidadania aos “indígenas”, mas cerceando alguns direitos políticos. Nogueira anuiu, acrescentando que “as incapacidades jurídicas que viessem a afectar os indígenas poderiam enfileirar-se ao lado de outras incapacidades reconhecidas em direito civil como as que se referem à mulher casada, ao direito de testar, ao direito de voto, etc.”. Costa Freitas alertava que, assim, o problema do dualismo jurídico se mantinha, acrescentando que “dado que se trata de realizar uma política de integração, não faz sentido que seja maior a nossa preocupação em descobrir novas fórmulas para identificar os indígenas do que para os integrar”. Nogueira concordou, acrescentando que “as diferenciações humanas existentes nos vários territórios poderiam ser atendidas por via administrativa”.24

  • 25 AHD-MU/GM/GNP/RRI/0768/12468 – CINU – 11ª sessão.

25No seu estudo, Costa Freitas concluía que as convenções internacionais deveriam ser sempre aplicadas a todo o território, adoptando-se a designação da Convenção 107. A menção racial do estatuto e a “disposição constitucional” que autorizava a interpretação dos “indígenas como não fazendo parte da nação” aconselhavam “urgente consideração e rectificação”. A nova Lei da Nacionalidade, então em discussão na Câmara Corporativa portuguesa e que viria a ser aprovada em 1959, deveria resolver definitivamente o problema, “um primeiro passo para [...] a cidadania”. Fundadas no estudo, as recomendações do comité eram claras: considerar a possibilidade de “substituir a actual instituição do indigenato pela instituição do ‘aborígene»’; eliminar expressões de carácter racial; reiterar a questão da nacionalidade; identificar as práticas administrativas nocivas. Mas havia outros aspectos a considerar: o articulado da convenção sobre igualdade de direitos e oportunidades estava a ser ignorado “na prática administrativa”. Por outro lado, para sustentar a alegação de que o indigenato era um “regime transitório” era fundamental acelerar o processo de “assimilação”.25

  • 26 AHD-MU/GM/GNP/RRI/0768/12468 – CINU – 19ª sessão.

26O atrás exposto é revelador da interdependência das ordens interna e externa no processo de tomada de decisão imperial mas também do quão recuados eram os seus horizontes de transformação. Alterações formais bastariam para sustentar a tese portuguesa. A preocupação central do comité era adaptar várias dimensões da política interna à tese da unidade. Tese essa construída em estreito diálogo com as normas e os debates na ONU, incluindo a “lista dos factores”. O cotejar da legislação nacional e direito internacional para identificar contradições na tese da unidade, como a existência de direitos alfandegários e passaportes dentro do espaço nacional, continuou, com vários estudos a serem desenvolvidos, incluindo sobre a “designação e classificação dos aborígenes e indígenas” ou sobre a educação nas colónias.26 Ainda que as trocas de argumentos e os actores históricos envolvidos não esgotem a história sobre este tema, pode-se afirmar com segurança que se trata de personagens decisivas e que, como se verá de seguida, influenciaram de forma significativa a evolução legal e política do império.

3. As reformas portuguesas e o fim do indigenato

  • 27 Idem.
  • 28 AHD-3/MNE-MD/LEM-BRA-ERIO/S012-017/DC00004 – Memorandum para Paula Coelho, 28-12-1959.

27Em 1959, Franco Nogueira asseverava que era “certo que todo o peso do anti-colonialismo das Nações Unidas recairá sobre nós e a África do Sul”. O avanço da descolonização em África colocava Portugal numa posição mais delicada. Delegados estrangeiros teriam alertado para novas investidas e mesmo os impérios em dissolução tenderiam a “alterar a sua posição e juntar-se à maioria anti-colonialista, por óbvias razões políticas e económicas”.27 Ainda antes da AG desse ano, o governo britânico sugeriu que se mudasse de “táctica”. Até então, fora possível impedir a AG de abordar o contencioso envolvendo Portugal, devido à regra dos dois terços. Com a expansão do “bloco afro-asiático”, o aprofundamento da internacionalização da questão colonial portuguesa era expectável. Como estratégia de antecipação, os britânicos, com apoio norte-americano, propunham que fosse outra potência administrante a requerer a criação de um comité encarregado de estudar e solucionar o diferendo, com composição favorável. Adiar a questão resultaria em soluções muito mais nocivas e, assim, limitar-se-ia o alcance do comité. O governo português concordava com o prognóstico, mas duvidava da capacidade de limitar o seu mandato, que podia ser expandido no futuro, com “poderes para examinar e discutir as leis internas dos estados, as suas relações políticas e constitucionais”. Era preferível manter o curso: esta não era uma competência da AG. Aceitar a legitimidade do comité criaria “graves inconvenientes” pois poderia levar à necessidade de rejeitar as suas conclusões. Apesar da resistência portuguesa, foi criado, por proposta do delegado mexicano na 4ª comissão, o Comité dos Seis, composto por três potências administrantes e três não-administrantes.28

  • 29 UNGA, Report of the Committee of the Six, A4256, 3-10-1960.
  • 30 UNGA, Fifteenth Session, Fourth Committee, 1036th meeting, 4-11-1960.

28Os temores portugueses confirmaram-se, em 1960, quando o Comité apresentou o seu relatório. Aqui podia-se ler que a Carta era um “documento vivo”, em constante adaptação ao facto de, desde 1946, mais de 30 países terem alcançado a independência. Estabelecia-se que o capítulo XI visava territórios do “tipo colonial”. Seguindo a “lista de factores”, eram territórios “geograficamente separados e étnica ou racialmente diferentes do país que os administrava”. A estas condições “prima facie” somavam-se outros critérios. O destino histórico de um NSGT passava ou pela independência, livre associação ou integração. Reiterava-se que a integração deveria assentar na “completa igualdade entre as populações”, de “estatuto e direitos de cidadania”; e oportunidades similares de “representação e efectiva participação” política. A integração só poderia processar-se através de instituições políticas livres e democráticas.29 Na 4ª comissão, o delegado iraquiano propôs-se avaliar se os critérios estabelecidos se aplicavam a Portugal. O tema do indigenato foi o que suscitou maior interesse. Com base no livro do antropólogo norte-americano Marvin Harris, Portugal’s African Wards (1958), sustentava-se que o estatuto tinha uma base claramente racial, permitindo às autoridades controlar várias dimensões da vida das “massas africanas”, e indicava-se o número reduzido de “assimilados”. Nogueira ripostou com vários dos argumentos tradicionais (incluindo alguns extraídos da “tese belga”). Por exemplo, sustentou que o regime se aplicava em apenas três das oito colónias e, até, que os africanos cidadãos se contavam em milhões, o que não era exactamente rigoroso.30

  • 31 AHD-MU/GM/GNP/RRI/0721/12127 – Nota GNP para GMU, 24-11-1960.

29Mas as acusações persistiam e se, publicamente, os portugueses recusavam legitimidade ao Comité e reiteravam a justeza das políticas imperiais, a missão na ONU dava nota da delicadeza da situação. Em Setembro, o MNE informava o MU de que Krushchev iria propor uma resolução visando “a terminação imediata do colonialismo”, o que vinha “agravar consideravelmente” a já “difícil situação”. Da ONU vinha a indicação de que “haveria toda conveniência em rever, sem demora, alguns aspectos da estrutura jurídico-política”, com “a necessidade de ser extinto imediatamente o estatuto do indigenato”. Dado que o relatório estabelecia “condições” ao processo de integração, e que não se poderia admitir uma fiscalização internacional, era urgente poder “não só afirmar a já existente integração dos territórios, mas também a integração das respectivas populações”.31

  • 32 AHD-3/MNE-SE-DNPEC/DGNPAI-RNP-SNPU/038 – Apontamento 189, Costa Freitas, 30-9-1960; AHD-3/MNE-SE-DN (...)

30Quanto ao indigenato, rebatia Costa Freitas, seria “possível e desejável introduzir uma ou outra alteração de sentido mais ou menos profundo”, mas era “praticamente impossível modificar as bases [...] e os conceitos” da “tradicional” política de assimilação. “A tutela da maior parte das populações nativas [...] pode ser mais ou menos escondida mas continua a ser indispensável”. “Expedientes mais ou menos ardilosos” não surtiriam efeito pois tanto a ONU como “as organizações subversivas” estariam “ansiosas por descobrir o primeiro sinal de transigência”, e uma “viragem mais ou menos sensacional da política ultramarina” não iria “moderar os ataques [...] ou mesmo facilitar a nossa defesa”. Ademais, qualquer alteração “súbita e profunda”, como a revogação do estatuto, geraria “uma profunda reacção da população europeia do Ultramar”, enfraquecendo a coesão interna. A ratificação da Convenção 107 permitia, porém, estabelecer um “paralelo” entre “indígenas” e “aborígenes”, evitando alterações profundas ao indigenato e autorizando comparações com países latino-americanos, por exemplo. No Ministério do Ultramar concordava-se, pois a ratificação alinhava com a “orientação da conhecida ‘tese belga’ que os sul-americanos sempre consideraram perigosa”. Propunha-se que se elaborasse “uma legislação que formalmente faça desaparecer nesse plano a distinção entre indígenas e não-indígenas”. Bastava para isso alterar a lei eleitoral, com o objectivo de garantir que o recenseamento não aumentava abruptamente, depreende-se. De qualquer modo, tomar estas medidas durante a AG seria politicamente inoportuno.32

  • 33 AHD-MU/GM/GNP/RRI/0595/12127 – Nota MNE para GMU, 14-10-1960.

31Já em Outubro, o MNE alertava que se estaria a “caminhar com a maior brevidade” para uma situação em que a ONU estaria em condições de “tomar medidas directas de maior alcance contra nós”. O relatório do comité seria provavelmente aprovado e, perante a intransigência portuguesa, seria difícil conseguir o apoio das “potências ocidentais” e de “países amigos”. Era urgente a “terminação imediata do indigenato” ou, se tal fosse impossível, dever-se-ia conferir àquelas populações direitos políticos adicionais. Tal permitiria uma defesa com “mais segurança” da “estrutura jurídico-política”, reconquistar alguns apoios na ONU e ainda elevar o “moral das nossas populações”, sujeitas a campanhas “subversivas” dirigidas do exterior. Dada a lei eleitoral em vigor, a revogação, que, em teoria, transformaria instantaneamente milhões de indígenas em cidadãos, “não alteraria verdadeiramente na prática a situação actual”. Só vantagens, portanto.33

32Os receios do Ministério do Ultramar prevaleceram e a revogação foi adiada. Apenas foi ratificada a Convenção 107, em Novembro, somando-se às convenções que vinham sendo ratificadas desde 1956. No ano seguinte, estenderam-se os métodos metropolitanos de fixação de salários no ultramar, processo que, apesar de não cobrir os trabalhadores “indígenas”, era apresentado como prova da unidade nacional. A cooperação com a OIT resultava das repetidas acusações versando o trabalho forçado, mas subordinava-se também ao imperativo estratégico de demonstrar um compromisso real com a elevação das condições materiais e de existência das populações coloniais, no quadro normativo da organização, distinto do da ONU (Monteiro 2018, 175-276). Esta era, de resto, uma estratégia que se estendia a outras agências especializadas e até a organizações interimperiais (Havik e Monteiro 2021; Jerónimo 2023). Rejeitando os critérios de definição de NSGT estabelecidos pela ONU (e as suas implicações), o governo aceitava o escrutínio pela OIT, precisamente porque este não impendia sobre a questão da autodeterminação. A ausência de menção ao direito de autodeterminação na Convenção 107 (aplicável a países independentes) distinguia-a do regime de monitorização de NSGT da ONU, estabelecendo uma diferenciação do Direito Internacional. O governo português alegava representar um estado semelhante ao brasileiro ou ao australiano, com a particularidade de ser geograficamente descontínuo. Outra particularidade, não mencionada, era a de que a maioria dos portugueses vivia sob um estatuto subordinado.

  • 34 UNGA-A/RES/1541(XV).
  • 35 UNGA-A/RES/1542(XV).

33Estes esforços revelaram-se infrutíferos na ONU. Além da histórica Resolução 1514 da AG, de 1960, que condenava o colonialismo europeu, a Resolução 1541, do mesmo ano, estabelecia critérios para definir se um território era autónomo, seguindo o Comité dos Seis.34 A Resolução 1542 estabelecia a obrigação de o governo português enviar informação ao abrigo do artigo 73º e criava um comité para monitorizar a situação nas colónias portuguesas, podendo receber petições e ouvir testemunhos locais.35 A situação agravar-se-ia decisivamente com o ciclo de revoltas e repressão no início de 1961, e que viria a ser relembrado como o início da guerra colonial em Angola. O argumento de que as colónias portuguesas eram sui generis, imunes a qualquer agitação ou pulsão nacionalista, esfumava-se clamorosamente. Já o vaticínio de Nogueira mostrava-se presciente. Em finais de Fevereiro, o representante da Libéria requereu uma reunião urgente do CS para discutir a situação em Angola. Sensivelmente na mesma altura, na OIT, o governo do Gana depositava uma queixa acusando o governo português de violar a Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado (105), um acontecimento inédito. Mas se o governo aceitou colaborar com a comissão de inquérito nomeada pela OIT, permitindo a audição de testemunhas e missões in situ, recusou-se a reconhecer a legitimidade do subcomité para Angola da ONU, uma decisão sedimentada pelo histórico de relações com as duas organizações e pelas necessidades da “tese portuguesa” (Santos 2014, 104-178; Monteiro 2018). A realidade foi um pouco mais complexa, contudo. O governo procurou obscurecer vários aspectos das realidades coloniais e interagiu com a OIT instrumentalmente. E ainda que formalmente se recusasse a colaborar com a ONU em matérias coloniais, continuou a acompanhar e a tentar responder à sua evolução normativa e institucional (Jerónimo e Monteiro 2020).

34A avalanche de “reformas” de 1961-1962 tem sido tratada de modo multifacetado e complementar. Aspectos como os impulsos reformistas que emanaram de administradores locais específicos e que enfrentaram bloqueios no topo da cadeia imperial (Keese 2004 e 2012), o papel das comunidades colonas na promoção de mudança política e legal (Pimenta 2008a) ou a reconfiguração da ordem espacial e jurídica do império, desde logo com a uniformização administrativa em torno do modelo de regedorias, que respondeu a anseios securitários mas também de gestão, ao invés de eliminação, da “diferença” étnico-racial (Bender 1978; Domingos 2013; Curto e Cruz 2015), têm sido tratados de forma inovadora e enriquecedora, contribuindo para uma melhor compreensão das dinâmicas, actores, consequências e limitações dessas mesmas reformas. Da mesma maneira, o estudo das dimensões internacionais do colonialismo tardio e da descolonização portuguesa tem-se expandido, cobrindo diferentes eixos da acção diplomática portuguesa (Jerónimo e Pinto 2013; Santos 2014). Contudo, a investigação existente sobre a intersecção destes dois fenómenos permanece sectorial. O que aqui sustentamos é que essa combinação analítica nos oferece uma leitura mais rica do conjunto de actores, motivações, contextos e dinâmicas decisivos para o momento e o sentido reformista, incluindo as suas ambiguidades e constrangimentos. Não cremos ser possível, ou desejável, ignorar os factores internacionais (e transnacionais), eles próprios de uma heterogeneidade assinalável, incluindo actores e espaços institucionais diversos, redes e interesses distintos e tópicos variados (Jerónimo e Pinto 2015; Monteiro 2015 e 2018) que moldaram essas reformas.

  • 36 Diário da República Electrónico (DRE), Decreto43901; Decreto43855.
  • 37 DRE, Decreto43739.
  • 38 DRE, Decreto44016; DRE, Decreto44171.

35Logo em Maio de 1961, em relação directa com a queixa do Gana, foram abolidas as culturas obrigatórias, abrindo-se a porta legislativa para a criação de inspecções do trabalho em Angola e Moçambique, o que se consumaria mais tarde nesse ano. De seguida, foi promulgado o Código do Trabalho Rural, em 1962, ilegalizando o trabalho forçado e eliminando, formalmente, distinções explícitas de cariz étnico-racial (Monteiro 2018, 317-345). O número de deputados eleitos à Assembleia Nacional pelas colónias aumentou, bem como o número de membros eleitos para o Conselho Legislativo de Angola, ainda que parte substancial pelo método corporativo.36 O municipalismo foi alargado, ainda que tenuemente, nas colónias.37 Eliminaram-se as barreiras alfandegárias entre províncias em Novembro de 1961, institucionalizando-se depois a livre circulação de pessoas no império.38 As origens destas reformas situam-se em distintas ordens analíticas e respondem a diferentes processos históricos, desde logo o início da guerra colonial em Angola (que gerou seguramente impulso para a mudança mas também aprofundou a internacionalização da “questão colonial” portuguesa). Mas estas transformações configuram também uma tendência clara para eliminar sistematicamente as contradições da tese da unidade e dar maior substrato ao argumento de que as populações sob domínio português se governavam a si próprias, tanto no plano nacional como local. Ou seja, respondendo muito directamente ao contexto e às dinâmicas internacionais e transnacionais.

  • 39 AHD-3/MNE-SE-DNPEC/DGNPAI-RNP-SNPU/038 – Nota MNE para GNP, 28-9-1961.
  • 40 AHD-3/MU-GM/GNP-RNP/S087 – Parecer Dias Serras, 4-5-1961.
  • 41 AHD-3/MU-GM/GNP-RNP/S087 – Parecer Baptista de Sousa, s.d.

36Este processo de reajustamento interno e externo não pôde, obviamente, ignorar o principal óbice da tese da unidade nacional. Poucos dias depois das acções de liberianos e ganeses, o MU requereu a várias embaixadas que recolhessem elementos referentes “ao regime do indigenato” em países latino-americanos. Volumosa informação começou a chegar do Peru, do Chile ou da Venezuela, sendo depois compilada pelo MNE.39 Em Maio de 1961, dois funcionários coloniais em Angola, a pedido do MU e sob a supervisão do governador-geral, Silva Tavares, produziram pareceres sobre o tema. Manuel Dias Serras, dos Serviços de Administração Civil, criticava a possibilidade de revogação, pois esta resultaria numa “larga massa de eleitores vir a influir de modo decisivo no resultado das eleições”, com a lei eleitoral a outorgar o direito de voto a “todos os indivíduos do sexo masculino que saibam ler e escrever português” ou que paguem “quantia não inferior a 100$00 por contribuição predial, contribuição industrial, imposto profissional e imposto sobre aplicação de capitais”. A solução passava antes por aumentar o ritmo de povoamento europeu.40 Baptista de Sousa, do Departamento de Negócios Indígenas, sustentava que se geraria um caos administrativo e ressentimento entre os “assimilados”, colocando “Angola numa posição semelhante à que foi provocada pelos belgas entregando o Congo à massa dos indígenas que consideram a anarquia como o símbolo da liberdade”.41

  • 42 AHD-3/MU-GM/GNP-RNP/S087 – “Parecer sobre a revogação do Estatuto dos Indígenas”, Direcção dos Serv (...)
  • 43 AHD-3/MU-GM/GNP-RNP/S087 – Parecer Silva Tavares, 5-6-1961.
  • 44 AHD-3/MU-GM/GNP-RNP/S087 – Parecer Dias Serras, 4-5-1961; Parecer Baptista de Sousa, s.d.

37Ambos defendiam, em alternativa, o facilitamento do acesso à cidadania, ainda que a população europeia entendesse a medida como precipitada e a população “assimilada” se dividisse: “uma parte não compreenderia”, “outra estranharia que, de um momento para o outro, qualquer indivíduo boçal se lhe equiparasse”.42 Silva Tavares concordava, admitindo que se pudesse revogar formalmente o estatuto mas assegurando que persistiria um “estatuto dos aborígenes” que se continuaria a aplicar aos que “vivem segundo os usos e costumes tribais”. Defendia ainda um mínimo de habilitações literárias para exercer o direito de voto.43 Ambos os funcionários se referiam à Convenção 107: para Serras, existiam ainda em Angola populações “aborígenes” e revogar o estatuto significaria “menosprezar a autenticidade da situação”; para Sousa, o império tinha-se adiantado, pois o indigenato já acautelava muitas das disposições da convenção.44 Significativamente, nenhum referia o facto de a convenção consagrar a igualdade de direitos políticos e civis.

  • 45 DRE, Decreto-Lei43893.

38Apesar das resistências e hesitações, a revogação do indigenato consumou-se a 6 de Setembro de 1961. O preâmbulo anunciava que este seria apenas mais um passo na evolução natural da tradição portuguesa, “de respeito pelo direito privado das populações que foram incorporadas no Estado a partir do movimento das Descobertas”. O discurso da assimilação espiritual era desvalorizado em detrimento da tónica na protecção das populações “indígenas”. A associação do estatuto privativo aos direitos políticos teria dado oportunidade “aos nossos adversários para sustentarem [...] que o povo português estava submetido a duas leis políticas”, em razão de um “restrito conceito de cidadania”. Nada mais falso, segundo o ministro do Ultramar, Adriano Moreira. Era antes uma política de protecção das tradições e do direito costumeiro que evoluíra ao longo da história. Aquela “inquebrantável linha de conduta” representava “antes de mais uma contribuição portuguesa”: “a concepção dos Direitos do Homem como poderes efectivos, e não como simples faculdades abstractas”. Ademais, supostamente, a “linha de conduta” era ainda um “guia” para outros poderes e as “fórmulas e soluções” portuguesas, “ainda que, por vezes, mal aplicadas”, teriam sido adoptadas por “todos os países livres onde existe um problema de integração de populações (nomeadamente nos países da América do Sul)”. A Convenção 107 não faria “mais do que seguir a par e passo, e apenas com algumas variantes de pormenor, o que entre nós estava legislado”.45 Como se foi demonstrando neste texto, a relação era de ordem inversa e as “variantes” não eram “de pormenor”.

39Como foi referido acima, a revogação do indigenato foi acompanhada de outras medidas políticas e legais. Expandiu-se o “municipalismo”, alegadamente outra tradição multissecular portuguesa. Em espaços urbanos ou com forte presença europeia seriam criados, onde ainda não existissem, novos concelhos e freguesias, organismos parcialmente eleitos. Contudo, na maioria do território de cada colónia vigoraria o sistema das regedorias, isto é, uma unidade administrativa cujo poder residia, em teoria, na autoridade “tradicional” (subordinada às autoridades coloniais), eleita segundo os “costumes” locais. Na regedoria, onde viveriam os “vizinhos da regedoria”, vigorava o direito costumeiro em matérias privativas de justiça e não o direito “europeu” escrito. As terras das regedorias seriam para o usufruto dos “vizinhos das regedorias”, numa base costumeira. Em grande medida, mantinha-se a estrutura dual a partir da qual se organizava a governação colonial, simplesmente o critério deixava de ser explicitamente racial, antes estruturado em torno de uma pretensa distinção civilizacional (ou de desenvolvimento) alicerçada em factores legais, culturais, sociais e geográficos (Curto e Cruz 2015). Procurava-se relegitimar o governo dual de forma a adequá-lo à evolução normativa internacional, desde logo na OIT e na ONU. Os “vizinhos das regedorias” eram, agora, em termos de direito internacional, os “aborígenes”, que poucos dias antes eram “indígenas”. Estes, tal como as populações “aborígenes” da América Latina, tinham um regime especial de protecção. O objectivo declarado do estado português era, além de proteger “tradições” locais, fomentar a sua elevação material e social, para o que contaria com programas de desenvolvimento dirigidos a essas populações, tal como sucedia noutros países.

  • 46 DRE, Decreto-Lei31095.

40O aspecto mais distintivo da reforma era a dissociação do estatuto de direito privativo do usufruto de direitos políticos. O facto de mais de metade dos nacionais portugueses não gozar de estatuto de cidadania era um poderoso escolho na tese da unidade. Com a revogação, os mais de dez milhões de “indígenas” passariam a ser “cidadãos”. Mas o universo eleitoral não aumentou substancialmente. Em Angola, nas legislativas de Novembro de 1961, o recenseamento manteve-se estável. Em 1963, eram cerca de 90 mil os eleitores recenseados. Com a nova Lei Orgânica do Ultramar, passaram a ser cerca de 150 mil. Se se levar em conta o influxo de colonos nesses anos, o número de antigos “indígenas” recenseados manteve-se residual. Nas outras colónias, o cenário era ainda pior (Pimenta 2008b, 285, 302). A lei eleitoral de 1946 parece ter sido suficiente para barrar o acesso ao recenseamento – o facto de só poderem ser eleitores os que pagavam impostos prediais, de capitais e profissionais acima de um determinado valor terá excluído muitos. Para isso terá contribuído também o requisito de saber ler ou escrever e, ainda, a definição de “chefe de família” do Código Administrativo.46 Estas questões carecem, contudo, de estudo mais aprofundado.

41Na sua tese, orientada por Adriano Moreira e publicada quando ainda era subsecretário de estado daquele, Costa Freitas declarava que o trabalho era um “ponto de partida” para o estudo das reformas, em particular a revogação do indigenato. As correntes “indigenistas” da América Latina assumiam ali um lugar central. A revogação tinha vindo “secar a fonte” das “fáceis e interesseiras críticas” sobre o regime dual. A “realidade evidente” que era “designada legalmente por indígenas” persistia como pilar “dessa harmoniosa sociedade plurirracial e pluricultural” e não era ignorada. As reformas constituíam “um dos maiores serviços jamais prestados à dignificação do homem”, afastando-se “consideravelmente das ingénuas e fáceis teorias que, fundadas na unidade da natureza humana, procuram submeter todo o mundo a um mesmo regime político, administrativo e civil, ou daquelas audazes inovações que, no campo legal e em obediência a errados propósitos duma errada assimilação, talharam pelo mesmo figurino europeu, as regras legais a que submeteram – no sentido verdadeiro do termo – as populações autóctones” (Freitas 1961, 111-115). Tal como noutros contextos imperiais, o governo português nunca ignorou as virtudes do relativismo cultural.

4. Conclusão

  • 47 Arquivos da Organização Internacional do Trabalho, Genebra, Suíça (doravante AOIT), AOIT-ACD-8-2-51 (...)

42Após a ratificação da Convenção 107, o governo português viu-se obrigado a enviar regularmente relatórios sobre a sua aplicação. No início da década de 1970, porém, a ONU instou a OIT a recusar mais relatórios: não se podia consentir que uma agência especializada implicitamente validasse a designação de Portugal como um país independente com populações aborígenes. Com o agudizar das críticas e acções contra Portugal na ONU, a questão de princípio tornou-se central.47 Mas, até então, o governo português enviou volumosa informação, consistindo primordialmente de vários planos de reordenamento rural e desenvolvimento comunitário. Eram estes os instrumentos privilegiados para demonstrar os desígnios articulados da elevação económica e social e protecção das populações “aborígenes”. Procurava-se des-excepcionalizar a solução portuguesa de governo de populações etnicamente diferentes por relação com estados independentes, ao mesmo passo que se reiterava o carácter “excepcional” do trajecto e destino históricos de Portugal por relação com outros impérios.

  • 48 AOIT-ACD-8-2-51-107-J1 – “Requests made by the committee of experts”, 1969; Ministro das Corporaçõe (...)
  • 49 AHD-MU-GNP-RNP-0241-06322 – Parecer Pereira Monteiro, 10-2-1965.
  • 50 AHD-MU/GM/GNP/RNP/0179/04248 – Informação, Fialho Ponce, 15-5-1968.

43Apesar de repetidas inquirições pela OIT, um dado permaneceu omisso nos relatórios. Como se definiam e qual era o peso demográfico dos “aborígenes”?48 Este dado obriga a ponderar qual o real efeito das reformas. Estudos têm demonstrado que se o impacto em certas áreas foi notório, não é claro que tenha sido consistente ou uniforme (Keese 2015; Kagan-Guthrie 2018). A eliminação de critérios de diferenciação racial na legislação não se transpôs automaticamente para os procedimentos administrativos internos (nem passou a modelar decisivamente práticas e relações sociais). A propósito de estudos demográficos realizados em meados da década de 1960, continuava-se a advertir que “a divisão da população deve ser ordenada tendo em atenção os seus quantitativos e não com o grau de claridade epidérmica”.49 Em finais da década, por exemplo, também se dava nota da expansão muito limitada do “municipalismo” em Angola, quase sempre associada à presença europeia.50 Não resta alternativa a desenvolver novos estudos, empiricamente sustentados, para compreender, de facto, as consequências das reformas de 1961-1962 até 1975.

44Os objectivos deste texto são, contudo, diferentes. Primeiro, demonstrar empiricamente a forma como a história do colonialismo tardio português sairá sempre empobrecida se não se a compreender como integrada numa conversação que foi global em escopo. Isso implica perceber que as dimensões internacionais do colonialismo português comportaram múltiplos actores, de diferente dimensão e natureza, com propósitos diversos, operando em contextos institucionais distintos. Seja num sentido crítico, seja num tom laudatório, a ideia de que Portugal resistiu estrenuamente sozinho aos ventos da descolonização tem muito pouca sustentação empírica. Dependendo das circunstâncias, o governo português e a sua administração procuraram interagir, selectiva e instrumentalmente, com representantes de governos de diversas geografias, com peritos e intelectuais de diferente extracção, com diversos actores não-estatais. As várias organizações internacionais, cada uma com as suas idiossincrasias, abriram espaço para que esse diálogo se expandisse e se aprofundasse. De resto, a administração portuguesa não só se relacionou de modo diferente com cada uma delas como a sua interacção com cada organização no singular evoluiu ao longo do tempo. Neste processo, nunca cessou o esforço de argumentar politicamente no seu seio, procurando granjear o apoio de governos particulares, o que muitas vezes implicava conquistar as suas opiniões públicas, frequentemente operando num regime democrático, comportando desafios adicionais. Esgotar a história internacional do fim do império num jogo entre as “grandes potências” deixa muito por compreender. Pensá-la a partir de relações bilaterais tem efeitos similares, empobrecedores, com notórios custos interpretativos e historiográficos.

45Um segundo objectivo deste texto era questionar uma leitura histórica que se espartilha no biénio de 1961-1962, numa escala analítica particular e num ou noutro actor histórico singular. O trilho que conduziu às reformas foi longo, entretecendo-se entre dinâmicas coloniais, imperiais e internacionais, e procedeu cumulativamente, com repetidos movimentos de circulação de informação e ideias entre o que temos por distintas escalas analíticas. O sentido das reformas não pode ser compreendido sem se estudar o lento processo que levou à gradual deslegitimação dos impérios europeus na ordem global e à progressiva censura internacional de formas explícitas de discriminação étnico-racial, em contextos coloniais mas não só. É inegável que o início da guerra colonial em Angola pesou nas dinâmicas de continuidade e mudança no império. Mas também é dificilmente contestável que as causas e consequências da guerra não foram estritamente locais, abrindo caminho para uma mais acentuada internacionalização da “questão colonial”, até extravasando o caso “português", criando novas dificuldades mas, também, oferecendo novas oportunidades a uma cadeia administrativa imperial que nunca foi nem monolítica nem alheia aos desenvolvimentos externos, como se procurou demonstrar neste texto, com o foco num número relativamente reduzido de actores, ainda que bastante influente. A avalanche de reformas desencadeada num período tão curto, todas afinadas pela tese da unidade nacional, baseou-se num demorado processo de maturação, em estreito diálogo, selectivo, com actores, linguagens e dinâmicas internacionais. Será a partir daqui que talvez possamos começar a perceber melhor em que se traduziram essas frenéticas e amplas reformas (por vezes mais de jure que de facto), em matérias como a política de cidadania, participação política e migrações intraimperiais, só para mencionar algumas, um caminho que ainda está por fazer em toda a sua dimensão.

Topo da página

Bibliografia

Bender, Gerald (1978). Angola under the Portuguese. Berkeley: University of California Press.

Cooper, Frederick (2014). Citizenship between Empire and Nation. Princeton: Princeton U. Press.

Cooper, Frederick (2023). “Questioning Colonialism, 2005-2023”. Ler História, 82, pp. 11-24.

Curto, Diogo Ramada; Cruz, Bernardo (2015). “Destribalização, regedorias e desenvolvimento comunitário: notas acerca do pensamento colonial português (1910-1965)”. Práticas da História, 1 (1), pp. 113-172.

Domingos, Nuno (2013). “A desigualdade como legado da cidade colonial: racismo e reprodução da mão de obra em Lourenço Marques”, in N. Domingos, E. Peralta (ed), Cidade e Império. Lisboa: Edições 70, pp. 59-112.

Eggers, Nicole; Pearson, Jessica; Santos, Aurora (eds) (2020). The United Nations and Decolonization. London: Routledge.

El-Ayouty, Yassin (1972). The United Nations and Decolonization. The Hague: Martinus Nijhoff.

Freitas, João Costa (1961). Conceito de Indígena e Regime de Indigenato. Lisboa: ISCSPU (Tese de Licenciatura).

Gaiduk, Ilya (2013). Divided Together. Stanford: Stanford U. Press.

Getachew, Adom (2019). Worldmaking after Empire. Princeton: Princeton U. Press.

Havik, Philip; Monteiro, José Pedro (2021). “Portugal, the World Health Organization and the Regional Office for Africa: From Founding Member to Outcast (1948-1966)”. Journal of Imperial and Commonwealth History, 49 (4), pp. 712-741.

Jerónimo, Miguel Bandeira (2023). “Les organismes inter-impériaux et l’internationalisation des politiques sociales (des années 1940 aux années 1960)”. Études Internationales, 54 (1), pp. 23-50.

Jerónimo, Miguel Bandeira; Monteiro, José Pedro (2014). “O império do trabalho. Portugal, as dinâmicas do internacionalismo e os mundos coloniais”, in M. B. Jerónimo, A. C. Pinto (eds), Portugal e o Fim do Colonialismo. Lisboa: Edições 70, pp. 15-54.

Jerónimo, Miguel Bandeira; Monteiro, José Pedro (2020). “‘The Inventors of Human Rights in Africa’: Portugal, Late Colonialism and the UN Human Rights Regime”, in A. D. Moses, M. Duranti, R. Burke (eds), Decolonization, Self-Determination and the Rise of Global Human Rights Politics. Cambridge: Cambridge U. Press, pp. 285-315.

Jerónimo, Miguel Bandeira; Pinto, António Costa (org) (2013). “International Dimensions of Portuguese Late Colonialism and Decolonization”. Portuguese Studies, 29 (2), pp. 137-276.

Jerónimo, Miguel Bandeira; Pinto, António Costa (2015). “A Modernizing Empire? Politics, Culture and Economy in Portuguese Late Colonialism”, in M. B. Jerónimo, A. C. Pinto (org), The Ends of European Colonial Empires. Basingstoke: Palgrave, pp. 51-80.

Kagan-Guthrie, Zachary (2018). Bound for Work. Charlottesville: University of Virginia Press.

Keese, Alexander (2004). “Dos abusos às revoltas? Trabalho forçado, reformas portuguesas, política ‘tradicional’ e religião na Baixa de Cassange e no Distrito do Congo (Angola), 1957-1961”. Africana Studia, 7, pp. 247-276.

Keese, Alexander (2012). “The Constraints of Late Colonial Reform Policy: Forced Labour Scandals in the Portuguese Congo (Angola) and the Limits of Reform under Authoritarian Colonial Rule, 1955-1961”. Portuguese Studies, 28 (2), pp. 186-200.

Keese, Alexander (2015). “Developmentalist Attitudes and Old Habits: Portuguese Labour Policies, South African Rivalry and Flight in Southern Angola, 1945-1974”. Journal of Southern African Studies, 41 (2), pp. 237-253.

Kent, John (1992). The Internationalisation of Colonialism. Oxford: Clarendon Press.

Langenhove, Fernand van (1954). La question des aborigènes aux Nations Unies. Bruxelles: Institut Royal Colonial Belge.

Louis, William Roger (1977). Imperialism at Bay, 1941-1945. Oxford: OUP.

Martins, Fernando (1998). “A política externa do Estado Novo, o ultramar e a ONU: uma doutrina histórico-jurídica (1955-1968)”. Penélope, 18, pp. 189-206.

Martins, Fernando (2015). “‘A crise da paz’ – Portugal e a Organização das Nações Unidas, das origens à admissão (1945-1955)”. Relações Internacionais, 47, pp. 39-73.

Maul, Daniel (2012). Human Rights, Development and Decolonization. Basingstoke: Palgrave.

Mazower, Mark (2009). No Enchanted Palace. Princeton: Princeton U. Press.

Monteiro, José Pedro (2015). “As dinâmicas internacionais do reformismo imperial português: o caso das transformações das políticas de trabalho nativo (1961-1962)”, in A. B. Xavier, C. N. da Silva (org), O Governo dos Outros. Lisboa: ICS, pp. 205-233.

Monteiro, José Pedro (2018). Portugal e a Questão do Trabalho Forçado. Lisboa: Edições 70.

Monteiro, José Pedro (2023). “Race, développement, autodétermination: la ‘thèse belge’ et les politiques sociales coloniales tardives”. Études internationales, 54 (1), pp. 129-156.

Muschik, Eva-Maria (2022a). Building States: The United Nations, Development and Decolonization, 1945–1965. New York: Columbia University Press.

Muschik, Eva-Maria (org.) (2022b). “Towards a Global History of International Organizations and Decolonization”. Journal of Global History, 17 (2), pp. 173-352.

O’Malley, Alanna; Thakur, Vineet (org.) (2022). “Shaping a Global Horizon: New Histories of the Global South and the UN”. Humanity, 13 (1), pp. 55-126.

Pearcey, Mark (2016). The Exclusions of Civilization. New York: Palgrave.

Pearson, Jessica (2017). “The Politics of International Colonial Oversight in the Era of Decolonization”. Journal of Imperial and Commonwealth History, 45 (3), pp. 525-549.

Pimenta, Fernando (2008a). “O Estado Novo português e a reforma do estado colonial em Angola: o comportamento das elites brancas (1961-1962)”. História, 33 (2), pp. 250-272.

Pimenta, Fernando (2008b). Angola, os Brancos e a Independência. Porto: Afrontamento.

Rodríguez-Piñero, Luis (2005). Indigenous Peoples, Postcolonialism and International Law. Oxford: Oxford U. Press.

Santos, Aurora Almada (2014). A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa. Lisboa: FCSH-UNL (Tese de Doutoramento).

Shepard, Todd (2011). “Algeria, France, Mexico, UNESCO: A Transnational History of Anti-Racism and Decolonization, 1932-1962”. Journal of Global History, 6 (2), pp. 273-297.

Silva, António Duarte (1995). “O litígio entre Portugal e a ONU (1960-1974)”. Análise Social, 30 (130), pp. 5-50.

Thomas, Martin; Curless, Gareth (org.) (2017). Decolonization and Conflict. London: Bloomsbury.

Thomas, Martin; Thompson, Andrew (org.) (2018). The Oxford Handbook of the Ends of Empire Oxford: Oxford U. Press.

Topo da página

Notas

1 Sobre a vantagem de se combinarem diferentes níveis analíticos e a importância de evitar uma interpretação reducionista e a-histórica de um processo histórico tão complexo como o “colonialismo europeu”, veja-se Cooper (2023).

2 The National Archives of the UK, Kew, Reino Unido (doravante, TNA), TNA-FO371/101364 – “Aide Memoire”, Cecil Parrot, 28-4-1952.

3 TNA-FO371/101364 – Memorandum “Colonial questions in the United Nations General Assembly”, s.a., 1952.

4 TNA-DO35/6966 – “Briefing for the colonial questions in the United Nations Anglo-French Belgian talks”, s.a., 1954.

5 Archives Diplomatiques Belges, Bruxelas, Bélgica (doravante, ADB), ADB-Classement B-13225, Langenhove para Spaak, 25-4-1949.

6 Arquivo Histórico-Diplomático, Lisboa, Portugal (doravante, AHD), AHD-CE46.P8/2479 – “Memorandum du gouvernment belge”, 30-4-1953.

7 AHD-POI-177 – “XI Assembleia geral das Nações Unidas – Conversas Luso-Belgas, 11-12 de Outubro de 1956”; AHD/CE46.P8/2479 – Aerograma nº 2, 26-4-1956.

8 TNA-DO35/6966 – E.G.G. para Scrivener, 5-3-1956.

9  AHD-POI-177 – “XI Assembleia Geral das Nações Unidas – Conversas Luso-Belgas...”.

10 AHD-CE46.P8/2479 – “Relatório do grupo de trabalho encarregado de analisar a posição de Portugal perante o art. 73”, s. d.

11 United Nations General Assembly (UNGA), Resolution 742 (VIII), 1953; AHD-CE46.P8/2479 – “Relatório do grupo de trabalho...”.

12 AHD-CE46.P8/2479 – “Relatório do grupo de trabalho...”.

13 Idem.

14 Idem.

15 AHD-CE46.P8/2479 – “Trabalhos da 4ª comissão” 1957, Franco Nogueira.

16 Idem.

17 AHD-POI/177 – “Record of a meeting of United Kingdom and Portuguese officials”, 19-21 Setembro, 1956; AHD/POI/177 – “XI Assembleia Geral das Nações Unidas, Conversas Luso-Britânicas”, 1956, J. M. Fragoso.

18 AHD-POI/177 – “Conversas quadripartidas”, J. M. Fragoso, 1957.

19 AHD-3/MNE-SE-DNPEC/DGNPAI-RNP-SNPU/038 – Pasta “Indigenato: elementos fornecidos”, Carlos Fernandes; AHD-MNE/MD/S012/DC00054 – Memorandum para António Leite de Faria, 5-12-1956; AHD-3/MNE-MD/LEM-BRA-ERIO/S012-017/DC00004 – Memorandum para Manuel Rocheta, 6-11-1958.

20 AHD-3/MNE-MD/LEM-BRA-ERIO/S012-016/DC00003 – “Conversas quadripartidas, 28 a 30 de Julho de 1958”; AHD-3/MNE-MD/LEM-BRA-ERIO/S012-017/DC00004 – “Conversas quadripartidas”, 2-4 Setembro 1959.

21 AHD-MU/GM/GNP/RRI/0721/12127 – Pedido MU para ISNI, 21-9-1956.

22 AHD-MU/GM/GNP/RRI/0721/12127 – “Conferência internacional do trabalho”, Franco Nogueira, 1956.

23 AHD-POI-139 – Comité Interministerial para as Nações Unidas (CINU) – 4ª sessão.

24 AHD-MU/GM/GNP/RRI/0768/12468 – CINU – 5ª sessão.

25 AHD-MU/GM/GNP/RRI/0768/12468 – CINU – 11ª sessão.

26 AHD-MU/GM/GNP/RRI/0768/12468 – CINU – 19ª sessão.

27 Idem.

28 AHD-3/MNE-MD/LEM-BRA-ERIO/S012-017/DC00004 – Memorandum para Paula Coelho, 28-12-1959.

29 UNGA, Report of the Committee of the Six, A4256, 3-10-1960.

30 UNGA, Fifteenth Session, Fourth Committee, 1036th meeting, 4-11-1960.

31 AHD-MU/GM/GNP/RRI/0721/12127 – Nota GNP para GMU, 24-11-1960.

32 AHD-3/MNE-SE-DNPEC/DGNPAI-RNP-SNPU/038 – Apontamento 189, Costa Freitas, 30-9-1960; AHD-3/MNE-SE-DNPEC/DGNPAI-RNP-SNPU/038 – Parecer GNP “Estatuto dos Indígenas”, 1-10-1960.

33 AHD-MU/GM/GNP/RRI/0595/12127 – Nota MNE para GMU, 14-10-1960.

34 UNGA-A/RES/1541(XV).

35 UNGA-A/RES/1542(XV).

36 Diário da República Electrónico (DRE), Decreto43901; Decreto43855.

37 DRE, Decreto43739.

38 DRE, Decreto44016; DRE, Decreto44171.

39 AHD-3/MNE-SE-DNPEC/DGNPAI-RNP-SNPU/038 – Nota MNE para GNP, 28-9-1961.

40 AHD-3/MU-GM/GNP-RNP/S087 – Parecer Dias Serras, 4-5-1961.

41 AHD-3/MU-GM/GNP-RNP/S087 – Parecer Baptista de Sousa, s.d.

42 AHD-3/MU-GM/GNP-RNP/S087 – “Parecer sobre a revogação do Estatuto dos Indígenas”, Direcção dos Serviços de Administração Civil de Angola, s.d.

43 AHD-3/MU-GM/GNP-RNP/S087 – Parecer Silva Tavares, 5-6-1961.

44 AHD-3/MU-GM/GNP-RNP/S087 – Parecer Dias Serras, 4-5-1961; Parecer Baptista de Sousa, s.d.

45 DRE, Decreto-Lei43893.

46 DRE, Decreto-Lei31095.

47 Arquivos da Organização Internacional do Trabalho, Genebra, Suíça (doravante AOIT), AOIT-ACD-8-2-51-107-J2 – Minuta de K.T. Samson, 17-7-1972.

48 AOIT-ACD-8-2-51-107-J1 – “Requests made by the committee of experts”, 1969; Ministro das Corporações para OIT, 13-4-1967.

49 AHD-MU-GNP-RNP-0241-06322 – Parecer Pereira Monteiro, 10-2-1965.

50 AHD-MU/GM/GNP/RNP/0179/04248 – Informação, Fialho Ponce, 15-5-1968.

Topo da página

Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Miguel Bandeira Jerónimo e José Pedro Monteiro, «Auto-determinação, cidadania e organizações internacionais: reinventando as políticas do império português, 1955-1962»Ler História, 85 | 2024, 89-115.

Referência eletrónica

Miguel Bandeira Jerónimo e José Pedro Monteiro, «Auto-determinação, cidadania e organizações internacionais: reinventando as políticas do império português, 1955-1962»Ler História [Online], 85 | 2024, posto online no dia 19 setembro 2024, consultado no dia 21 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/13557; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/12c7i

Topo da página

Autores

Miguel Bandeira Jerónimo

CHSC, Universidade de Coimbra, Portugal

mbjeronimo@gmail.com

José Pedro Monteiro

CECS, Universidade do Minho, Portugal

ze.pedro.monteiro@gmail.com

Artigos do mesmo autor

Topo da página

Direitos de autor

CC-BY-NC-4.0

Apenas o texto pode ser utilizado sob licença CC BY-NC 4.0. Outros elementos (ilustrações, anexos importados) são "Todos os direitos reservados", à exceção de indicação em contrário.

Topo da página
Pesquisar OpenEdition Search

Você sera redirecionado para OpenEdition Search