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Ferrovia como infraestrutura crítica: estudo de caso dos caminhos de ferro coloniais de Angola, c. 1870-1930

Railways as Critical Infrastructure: A Case Study of the Colonial Lines of Angola, c. 1870-1930
Hugo Silveira Pereira
p. 69-93

Resumos

Na década de 1880, as autoridades coloniais portuguesas promoveram a construção de caminhos de ferro em Angola. Neste artigo, analiso este processo histórico desde o ponto de vista do conceito de infraestruturas críticas. Defendo que a ausência de ferrovias em Angola foi uma causa de preocupação e fomentou um sentido de urgência entre os colonialistas portugueses, uma vez que podia pôr em causa o projeto imperial. Adicionalmente, as linhas-férreas eram consideradas críticas para solidificar a autoridade portuguesa sobre o território e desenvolver a exploração dos recursos locais. Durante a construção e operação, estas infraestruturas apresentaram várias vulnerabilidades (de natureza financeira e técnica) que podiam limitar o seu potencial. Os decisores portugueses viram-se forçados a encontrar soluções para fortalecer a resiliência dos seus caminhos de ferro. Este artigo oferece uma nova perspetiva sobre as ferrovias coloniais em Angola, através de uma revisão de literatura e da utilização de diversas fontes primárias.

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Notas do autor

O autor agradece o apoio financeiro proporcionado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (bolsa de pós-doutoramento SFRH/BPD/96212/2013 e moldura legal criada pela lei 57/2016 e pelo decreto-lei 57/2017), através do CIUHCT (UIDB/00286/2020), assim como o apoio académico do CIUHCT, do Department of History da Universidade de York e do History Department da School of Humanities, Arts, and Social Sciences do MIT.

Texto integral

1No início da década de 1880, os governos portugueses iniciaram nas suas colónias ultramarinas um investimento em infraestruturas ferroviárias que replicava o programa que vinha sendo aplicado na metrópole desde 1850. Os objetivos eram reforçar a soberania nacional sobre aqueles territórios (disputados por outras nações imperiais) e explorar mais eficazmente os recursos naturais que se imaginava existir no hinterland colonial (Navarro 2018, 541-564). A construção do sistema ferroviário imperial português começou em Goa em 1881 (Pereira e Kerr 2019, 212) tendo continuado em Angola e Moçambique nos anos seguintes. Em Angola, foram assentes três grandes vias-férreas (figura 1), que atravessavam o território de oeste para leste desde três pontos na costa a norte (Luanda), centro (Benguela) e sul (Moçâmedes) (Guimarães 1983; Esteves 1999; Navarro 2018, 257-313 e 430-516).

Figura 1. Localização dos três principais caminhos de ferro de Angola

Figura 1. Localização dos três principais caminhos de ferro de Angola

Fonte: sharemap.org e elaboração do autor.

2Os caminhos de ferro imperiais em Angola só tardiamente mereceram a atenção da academia. O primeiro estudo historiográfico sobre este tema foi publicado em 1983 por Ângela Guimarães, que se debruçou sobre o caminho de ferro de Luanda a Ambaca, listando os principais eventos da sua história desde a concessão à nacionalização. Mais tarde, Emmanuel Esteves (1999) defendeu em tese de doutoramento o processo de decisão, a construção e o impacto socioeconómico da linha de Benguela. O mesmo autor publicou, no ano seguinte, um resumo da sua tese (Esteves 2000). Mais recentemente, Bruno Navarro (2018) deu à estampa a mais completa análise sobre as ferrovias de Angola e Moçambique construídas durante o período colonial, usando a lente da história da tecnologia e a teoria ator-rede. Eu próprio tenho contribuído para o estado da arte com análises sectoriais sobre aspetos específicos dos caminhos de ferro coloniais angolanos, incluindo tecnodiplomacia (Pereira 2017), financiamento e gestão operacional (Pereira 2018; Pereira 2019a) e cultura visual produzida pela fotografia (Pereira 2019b; Pereira 2020; Pereira 2021).

3Neste artigo, proponho uma análise do processo histórico da implementação e operação de caminhos de ferro em Angola durante a dominação colonial portuguesa, entre meados da década de 1870 e 1930, usando o conceito de infraestruturas críticas, uma perspetiva provinda originalmente dos estudos de segurança nacional e que recentemente tem sido usada com sucesso na análise histórica. O ponto de vista examinado é o dos colonizadores europeus, nomeadamente os decisores políticos do estado e os empresários portugueses e estrangeiros que se interessaram pelo investimento ferroviário em Angola, que muitas vezes tinham aspirações antagónicas. Mostro a forma como os decisores coloniais em Lisboa, desde o início do processo, consideraram como crítica a necessidade de dotar Angola de ferrovias. Durante e após a sua construção e inauguração, os caminhos de ferro angolanos evidenciaram um conjunto de vulnerabilidades (uma ocorrência frequente em infraestruturas críticas) que influenciaram a sua evolução. Partindo desta perspetiva, combino uma revisão da literatura sobre o sistema ferroviário angolano com a análise de fontes primárias (relatórios de engenheiros, administradores e empresários coloniais, correspondência oficial, estatísticas e debates parlamentares). Introduzo também a importância da fotografia como fonte primária para o estudo da criticidade das infraestruturas e para o desenvolvimento e análise de processos históricos (neste caso, a implementação de ferrovias em contexto colonial).

4O artigo divide-se em três partes (além da introdução e conclusão). Na secção seguinte, explicito o conceito de infraestruturas críticas, apresentando uma definição e principais características, e adiciono a fotografia à metodologia, como instrumento indispensável para visualizar a criticidade. Na secção 2, mostro como os caminhos de ferro em Angola eram considerados críticos ainda antes de serem construídos no terreno. Na secção 3, analiso como estas infraestruturas apresentavam um conjunto de vulnerabilidades que punham em causa os objetivos que originalmente pretendiam alcançar e ilustro o modo como estas vulnerabilidades foram geridas (contrariadas, promovidas ou resolvidas) pelos diferentes agentes envolvidos. Evidencio assim a importância crítica da mera existência de infraestruturas (especialmente em territórios disputados), as vulnerabilidades associadas ao financiamento externo da sua construção e a relevância do modo como o risco é percebido e representado pelos decisores políticos.

1. Infraestruturas críticas: definição e principais características

5O conceito de infraestrutura crítica surgiu na década de 1990 no campo da defesa nacional como resposta ao crescimento da ameaça terrorista para identificar aqueles sistemas considerados essenciais para a defesa e segurança económica de um país. Representou um afunilamento da noção de infraestruturas, que originalmente incluía os sistemas, instalações e equipamentos públicos que forneciam serviços sociais ou de apoio à iniciativa privada (Moteff e Parfomak 2004, 2-4). Desde então, o conceito foi partilhado por outras áreas do saber, desde a engenharia civil ao planeamento urbano, geografia, ciência política, arquitetura, informática ou segurança cibernética (Engels 2018, 2). Recentemente, o conceito foi usado em história para contextualizar historicamente a construção de infraestruturas críticas na Europa (Högselius, Åberg e Kaijser 2013) e no sudeste africano no período colonial e pós-colonial (Hård 2022).

6As infraestruturas críticas são definidas por quatro características essenciais: (1) são vitais para a economia, administração territorial e vida em sociedade por garantirem o fornecimento de bens e serviços essenciais para o seu funcionamento; (2) não têm um substituto imediato; (3) provocam prejuízos substanciais quando falham; (4) estão incorporadas em sistemas (técnicos e não técnicos) mais amplos (Lukitsch, Müller e Stahlhut 2018, 13; Vleuten et al. 2013, 3). A criticidade de uma infraestrutura depende de quão crucial é para manter outras infraestruturas e outros sistemas em funcionamento. Neste sentido, redes elétricas, ferroviárias, rodoviárias, de gasodutos e oleodutos, de saneamento, de comunicações, etc. podem ser consideradas infraestruturas críticas, já que são indispensáveis ao funcionamento umas das outras e ao fornecimento de serviços essenciais às comunidades onde estão implementadas. Todas as funções asseguradas por estes sistemas (fornecimento de energia, transporte de bens e pessoas, disseminação de informação, tratamento de resíduos) podem ser consideradas eminentemente técnicas, mas a importância que lhes é atribuída e as expectativas criadas em seu redor são essencialmente humanas. Por outras palavras, a criticidade não é um fenómeno objetivo, mas sim uma construção social, que assenta, em grande medida, em práticas retóricas e discursivas (Lukitsch, Müller e Stahlhut 2018, 19) e também visuais.

7Por esta razão, a análise sobre infraestruturas críticas beneficia da perspetiva oferecida pela história e filosofia da tecnologia, que defende que a tecnologia é socialmente construída e que as dimensões sociocultural e técnica não podem ser dissociadas, antes formam uma seamless web (Bijker e Law 1992, 201; Latour 1999). Deste modo, o conceito de criticidade inclui e passa a enfatizar as conexões entre fatores, instituições e agentes técnicos e não técnicos. Em perspetiva histórica, esta abordagem permite analisar a evolução das representações que classificam as infraestruturas como críticas e, a partir daqui, do próprio conceito de criticidade. A literatura sobre infraestruturas críticas associa normalmente a criticidade a três outros conceitos: vulnerabilidade, resiliência e estado de preparação. Para os objetivos deste artigo, foco-me apenas nos dois primeiros termos.

8A vulnerabilidade está intimamente ligada ao conceito de risco e realça as deficiências, defeitos e falhas de um sistema ou de uma infraestrutura, tanto a nível técnico como social ou humano, incluindo as consequências negativas que trazem sobre os utilizadores. Podem existir vulnerabilidades em toda uma infraestrutura ou apenas em alguns dos seus componentes. Em qualquer dos casos, podem ser espoletadas por um acontecimento específico ou ser intrínsecas ao sistema. A sua análise permite conhecer as razões pelas quais uma determinada infraestrutura falhou. Tal como a criticidade, a vulnerabilidade é uma construção social, uma vez que é determinada pelas representações, expectativas e perceções de risco dos seus utilizadores e planeadores (Eifert, Knauf e Schmitt 2018, 22-27; Engels 2018, 3; Hommels et al. 2013, 264-277; Vleuten et al. 2013, 10).

9A vulnerabilidade e os falhanços de infraestruturas críticas estão normalmente associados àquilo que a literatura especializada chama de sentido de urgência, o qual influencia também a própria evolução dos sistemas (Engels 2018, 7-10; Lukitsch, Müller e Stahlhut 2018, 12-17). Neste sentido, adiciono que a ausência de uma infraestrutura crítica pode também motivar o surgimento de sentidos de urgência, sobretudo quando os sistemas preexistentes não são considerados como fidedignos. Por resiliência, entende-se a capacidade de uma infraestrutura para resistir, lidar e evitar perturbações, incluindo a sua aptidão para voltar ao estado anterior ao choque ou para evoluir para um estado mais avançado após o choque. Este conceito realça a faculdade de algumas infraestruturas para resistir, recuperar e adaptar-se às suas próprias vulnerabilidades ou a ameaças externas. Concorre, assim, para explicar por que algumas infraestruturas são bem-sucedidas (Elsner, Huck e Marathe 2018, 31; Engels 2018, 3).

10Adicionalmente, a literatura sobre infraestruturas críticas realça que conceitos como criticidade ou vulnerabilidade têm uma dimensão e uma origem discursiva, isto é, estão intimamente ligados ao conteúdo retórico dos promotores das infraestruturas (Lukitsch, Müller e Stahlhut 2018, 18). Neste sentido, argumento que a dimensão visual (sobretudo através da fotografia) desempenha igualmente um importante papel na construção sociotécnica do conceito de infraestruturas críticas. A fotografia foi inventada na década de 1830 e começou a ser praticada em Portugal continental desde o decénio seguinte e nas colónias a partir de 1860. Com o passar dos anos, diversas inovações técnicas a nível da objetiva, do obturador, da película e da reprodução tornaram a prática fotográfica mais económica e fácil e possibilitaram a circulação de fotografias por públicos mais vastos, sobretudo quando se tornou técnica e financeiramente possível reproduzir imagens fotográficas na imprensa ilustrada, através do desenvolvimento da impressão a meio-tom (Dias 1991, 67; Freund 1995, 37-42; Sena 1998, 143 e 147).

11Como produto da ciência e da tecnologia e das leis da física e da ótica, aceitava-se genericamente que a fotografia retratava a realidade objetivamente, diferindo assim das pinturas e gravuras que ofereciam uma visão subjetiva dos seus autores (Daston e Galison 2007, 121). Na verdade, o ato fotográfico é profundamente subjetivo, considerando que cabe ao fotógrafo a escolha do ângulo, da composição, dos personagens e dos objetos retratados, de acordo com os objetivos que pretende atingir (Dubois 1992, 29 e 45). Sendo uma prática subjetiva, mas aceite como um produto objetivo, a fotografia tornou-se um poderoso instrumento para a construção sociocultural de conceitos e noções específicos e, em termos mais latos, de ideologia (Kelsey 2016, 90). No contexto colonial, a fotografia assumiu-se ainda como um instrumento de império (para usar a expressão de Headrick 1981), que contribuiu para as missões civilizadoras das nações coloniais, para naturalizar e legitimar o imperialismo europeu, para catalogar e controlar as populações colonizadas e para publicitar os territórios colonizados como terras de oportunidade (Heintze 1990, 135-140; Landau 2002; Ryan 1997, 12-13, 46, 94 e 187-210; Vicente 2012, 423-427). No caso em análise neste artigo, a fotografia desempenhou um importante papel com a produção de alguns álbuns e coleções fotográficas que acompanharam o estudo, construção e operação dos caminhos de ferro angolanos. Nas secções seguintes, recorro a estas imagens como fontes primárias para a análise da construção visual da criticidade da infraestrutura ferroviária num contexto de dominação colonial.

2. Caminhos de ferro em Angola: uma necessidade crítica

12A presença portuguesa em Angola remontava ao século XVI, mas durante séculos esteve circunscrita a pequenas faixas na costa com poucas relações comerciais com a metrópole. Regiões como Angola eram consideradas partes integrantes do território nacional, símbolos do passado glorioso de Portugal (mito da herança sagrada) e repositórios de riquezas naturais incalculáveis (mito do Eldorado), pelo que não poderiam nunca ser alienadas. A perda do Brasil em 1822 levou as autoridades coloniais a voltarem as suas atenções para África. Contudo, a falta de recursos financeiros e a instabilidade política limitou o investimento nas colónias. Em meados de Oitocentos, os principais aglomerados populacionais europeus em Angola situavam-se em Luanda, Benguela e Moçâmedes. A partir de 1850, com o início da Regeneração, e a partir da década de 1870 com a abolição da escravatura, foram tomadas algumas medidas que visavam estimular o povoamento e a economia das colónias africanas. Neste último decénio, um crescimento registado no setor das exportações angolanas deu um novo impulso ao projeto imperial e Angola passou a ser encarada como um possível novo Brasil. Simultaneamente, a cobiça de outras nações imperiais pelos territórios portugueses em África (visível durante os trabalhos da Conferência de Berlim e até ao início do século XX) motivou o recrudescimento do interesse dos colonialistas lusos nos territórios ultramarinos, já não baseado numa economia escravocrata, mas em melhoramentos materiais e inovações tecnológicas (Alexandre 1998, 23-34, 39-48, 61-77, 93-97 e 112-115).

  • 1 Ver, por exemplo, as fotografias da Fazenda Palmira em Casengo (disponível em www.rijksmuseum.nl/ (...)

13A fotografia contribuiu para criar uma dimensão visual das colónias e do seu potencial económico junto da metrópole e assim vincar a necessidade crítica de as explorar. Neste aspeto, compilações fotográficas como o Album Photographico e Descriptivo – Africa Occidental, com fotografias de Cunha Moraes e textos de Luciano Cordeiro e Salles Ferreira (Moraes e Ferreira 1885-1888), ou o Album da Expedição ao Muatianvua, com trabalhos de Almeida Aguiar e descrições textuais de Dias de Carvalho (Carvalho e Aguiar 1887), foram particularmente importantes para mostrar uma Angola exótica, maravilhosa e plena de oportunidades de negócio (Martins 2014, 94 e 97; Rocha e Matos 2019, 169 e 182), que carecia de infraestruturas modernas para ser explorada. Algumas destas figuras são exemplos de imagens fotográficas que ilustram esta publicidade feita às colónias.1 Na metrópole, a fotografia vinha construindo uma paisagem tecnológica de modernidade, na qual o caminho de ferro desempenhava um papel fulcral. Esta paisagem construída circulou pelo país, sobretudo através dos jornais e da reprodução das imagens fotográficas através da xilogravura (Serén 1993; Matos 2013, 129; Pereira 2021, 1140). Assim, pela fotografia, mostrava-se o potencial económico das colónias e o melhor meio para o aproveitar.

  • 2 Comboios a vapor circulavam nas colónias britânicas da Índia e do Sul de África desde as décadas (...)

14No processo da partilha de África iniciado na década de 1870 (Pakenham 2003, 12-71), várias tecnologias (armamento, navegação a vapor, telégrafo) desempenharam um papel fulcral como instrumentos de império. Uma delas, em particular, revelou-se uma poderosa ferramenta para criar e manter impérios coloniais: o caminho de ferro (Headrick 1981, 14 e 130). Desde a primeira metade do século que a ferrovia se assumira como “o símbolo mais espectacular [sic] desta era” (Hobsbawm 1979, 63) e veículo por excelência do sublime técnico, isto é, o prazer de ver uma máquina em funcionamento como consubstanciação do génio humano e da sua capacidade de dominar a natureza (Kasson 1976, 162). As colónias das principais nações imperiais haviam-se dotado de redes ferroviárias com milhares de quilómetros de extensão,2 por onde “deslizavam cobras com plumas de fumo à velocidade do vento […] remetendo para o provincianismo as pirâmides e os aquedutos romanos e até a Grande Muralha da China” (Hobsbawm 1982, 66). Numa altura em que a tecnologia era a bitola pela qual se media o valor de cada nação e se separava as nações civilizadas das demais (Adas 1989, 134), a ausência de linhas-férreas numa colónia podia pôr em causa a vocação imperial da metrópole que a detinha.

  • 3 Collecção Official de Legislação Portugueza, 1884, 534-535.

15As autoridades coloniais portuguesas perceberam isto perfeitamente e assumiram que sem caminhos de ferro a posição nacional em África ficava vulnerável. Em diversos momentos, entre os colonialistas lusos estabeleceu-se um sentido de urgência que os motivou a procurar dotar os territórios coloniais de Angola com ferrovias. Em alguns desses momentos, esse sentido de urgência foi usado como o principal argumento no processo de tomada de decisão ou de recolha de opiniões e dados técnicos, uma característica comum no processo de formulação de políticas sobre infraestruturas críticas (Lukitsch, Müller e Stahlhut 2018, 19). Em 1884, o ministro da Marinha e Ultramar, Pinheiro Chagas, defendia ser “de inadiavel urgencia tratar da construcção do caminho de ferro de Loanda a Ambaca, […] cuja necessidade absoluta e immediata é já reconhecida por todos os espiritos que se preoccupam […] com os importantes problemas da civilisação Africana”.3 Para esta urgência concorriam o crescimento comercial registado nas alfândegas de Angola e na coleta de impostos, o desejo de fazer do porto de Luanda a principal porta de acesso à África Central, o interesse que os territórios africanos suscitavam em outras nações coloniais e as percecionadas graves consequências que se temia poderem advir para o domínio português de Angola caso aquela ferrovia não fosse construída.

  • 4 Por esta altura registava-se uma grande diversidade de bitolas. Em Portugal e Espanha, usava-se o (...)
  • 5 Collecção Official de Legislação Portugueza, 1905, 196; Diario da Camara dos Deputados, 14 de abr (...)

16Alguns anos mais tarde, é também visível como um sentido de urgência motivou a construção de uma via-férrea na região de Moçâmedes no sul de Angola. Em 1886, os exploradores Capelo e Ivens consideravam ser uma “necessidade instante e inadiável” a construção de um caminho de ferro desde Moçâmedes até ao Bié, para fornecer um meio de transporte eficaz aos colonos que se vinham estabelecendo no planalto da Huíla e sem o qual se veriam forçados a abandonar o território (citados por Machado 1890, 222). Em 1898, podia ler-se no número 49 da revista Portugal em África que aquela via-férrea “é daqueles empreendimentos que não podem ser adiados” de modo a não se baldar a exploração local da borracha e a não se darem motivos para se questionar o domínio efetivo português sobre a região (citado por Navarro 2018, 451). Ainda que este sentido de urgência fosse partilhado pelos decisores políticos no Ministério da Marinha e Ultramar, a limitação de recursos financeiros determinou que a construção da linha só se tenha iniciado em 1905, como uma medida impreterível para conduzir tropas até ao interior e pôr termo à insubmissão dos povos locais (Pélissier 2006, 288-295). Para evitar a repetição da vulnerabilidade de Ambaca e tornar a infraestrutura mais resiliente e preparada para disrupções futuras (Crespo, Dombois e Henning 2018, 44), foi decidido que em Moçâmedes a linha seria construída e financiada diretamente pelo estado. Apesar da demora, o sentido de urgência continuou a ser visível na decisão técnica de se assentar o caminho de ferro com uma bitola (distância entre carris) de 60 cm,4 que permitia uma construção mais rápida, ainda que futuramente dificultasse uma operação mais fluida.5

  • 6 Diario do Governo, 66, 22 de março de 1899, 737.

17De igual modo, quando, no final do século XIX, se discutiu a implementação da ferrovia na província de Benguela, Eduardo Vilaça, ministro da Marinha e Ultramar, argumentou que, perante o desenvolvimento comercial da região, “a construcção de um caminho de ferro ligando Benguella com as regiões do planalto, e tendo mais tarde como testa a esplendida bahia de Lobito, impõe-se como uma necessidade inadiavel”.6 Além disto, imperou na decisão do governo, como na decisão sobre outras linhas coloniais, o fomento da exploração de matérias-primas no território angolano, o povoamento do planalto, a implementação de um poderoso instrumento de apoio à disposição de forças militares (para a pacificação do território), a modernização do território ultramarino (a busca do progresso) – em suma, a colonização da região central de Angola.

  • 7 Os kwamatos são um grupo étnico que habita a região entre o sul de Angola e o norte da Namíbia (R (...)
  • 8 Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa (AHU), mç. 275 1H, Caminho de ferro de Moçâmedes, proc. 29, (...)

18À medida que os caminhos de ferro se iam materializando no terreno, a fotografia, capturando momentos da abertura do leito ferroviário ou do assentamento dos carris, ilustrava a criticidade da infraestrutura para a missão civilizadora de Portugal. No âmbito desta, um papel crucial foi atribuído ao trabalho (mesmo se forçado) dos nativos (Jerónimo 2015, 1-4). Considerando que a construção ferroviária é intensiva em trabalho e capital humano e que, no contexto colonial, este era em grande medida contratado localmente, os estaleiros de obra da ferrovia tornaram-se palcos privilegiados para se assistir à missão civilizadora e fizeram do caminho de ferro uma infraestrutura crítica para esta missão. Esta combinação tornou-se óbvia para os atores coevos, como ilustram alguns dos seus testemunhos. Em 1879, o engenheiro colonial Joaquim José Machado asseverava que “forçar por todos os meios possíveis os indígenas adultos ao trabalho remunerado” era uma das formas “para se poder civilizar a população africana” (citado por Navarro 2018, 320). Trinta anos depois, em 1907, durante a construção do caminho de ferro em Moçâmedes, o engenheiro-chefe da empreitada, Celestino Regala, mantinha que “obrigar os Cumatos [sic]7 a dar braços para a construção do caminho de ferro que há de concorrer para a sua civilisação, seria uma providencia de otimos resultados”.8 A fotografia evidenciava o mesmo, mas com a força da imagem e da sua alegada e aceite objetividade. Fotografias como a da figura 2 transmitiam esta mensagem de forma eloquente e ilustravam a criticidade das ferrovias coloniais para a tarefa de civilização pelo trabalho.

Figura 2. Mulheres do sul de Angola retiram detritos da obra da linhade Moçâmedes

Figura 2. Mulheres do sul de Angola retiram detritos da obra da linhade Moçâmedes

Fonte: AHU, mç. 287 1H, Caminho de ferro de Moçâmedes

19Imagens da operação ferroviária reforçaram a construção da noção do caminho de ferro como uma infraestrutura crítica. As figuras 3 e 4 evidenciam três das características essenciais das infraestruturas críticas. Primeiro porque, ao ilustrar a transposição de obstáculos geográficos (densas selvas e desfiladeiros) que durante séculos obstaculizaram o transporte e a mobilidade imperiais, mostravam a sua indispensabilidade para a economia (transporte de matérias-primas e produtos metropolitanos) e a administração territorial (transporte de militares e funcionários imperiais); segundo, porque a rigidez matemática das suas estruturas de aço e pedra demonstrava a sua resistência, superioridade sobre qualquer outra infraestrutura de transporte e, portanto, ausência de substitutos à altura; terceiro, porque a ligação a infraestruturas portuárias ilustrava a inclusão em sistemas técnicos mais amplos.

Figura 3. Locomotiva atravessando o viaduto do vale do Zondo, na linha de Ambaca

Figura 3. Locomotiva atravessando o viaduto do vale do Zondo, na linha de Ambaca

Fonte: Memoria Explicativa e Justificativa dos Actos e da Situação da Companhia Real dos Caminhos de Ferro Atravez d’Africa. Porto: Oficinas do Comércio do Porto, 1909, 232-233.

  • 9 No sentido de promover um uso repetido, reiterado e constante de uma área por um grupo que a perc (...)

20Em suma, os caminhos de ferro eram considerados infraestruturas críticas para ocupar e apropriar o território,9 recuperar o atraso de algumas décadas com que Portugal começara a investir em modernos sistemas de transporte e explorar as matérias-primas do hinterland angolano, algo que os sistemas de transporte existentes (nomeadamente os rios) não conseguiam garantir eficazmente. Adicionalmente, as linhas-férreas em Angola eram críticas para cumprir a missão civilizadora de Portugal em África e assim justificar a soberania nacional sobre aqueles domínios, afastando qualquer pretensão externa. Este último aspeto do investimento português em caminhos de ferro em Angola ilustra uma das vertentes que a literatura sobre infraestruturas críticas realça, ou seja, que a decisão de investir em grandes sistemas tecnológicos é frequentemente motivada por fatores políticos e culturais e não tanto por razões económicas (Michelsen 2013, 111).

Figura 4. A ligação entre os sistemas de transporte ferroviário e marítimo na ponte-cais do Saco, na linha de Moçâmedes

Figura 4. A ligação entre os sistemas de transporte ferroviário e marítimo na ponte-cais do Saco, na linha de Moçâmedes

Fonte: AHU, mç. 287 1H, Caminho de ferro de Moçâmedes.

3. Críticos, mas vulneráveis: controlo britânico e insuficiências técnicas

21A criticidade atribuída às ferrovias angolanas, aliada à urgência em as assentar na colónia, motivou a tomada de algumas decisões que tornaram essas mesmas linhas vulneráveis a ameaças externas, que muitos consideravam poderem pôr em causa o seu potencial colonizador (e civilizador) e o próprio domínio português sobre o território. De acordo com a literatura sobre infraestruturas críticas, estas vulnerabilidades foram sobretudo estruturais e não tanto motivadas por eventos específicos, pois eram inerentes à própria origem da infraestrutura. Considerando o contexto político-diplomático da partilha de África (sobretudo após o Ultimato de 1890) e que o desequilíbrio de poder entre agentes interessados na infraestrutura é um fator-chave para medir a sua vulnerabilidade (Eifert, Knauf e Schmitt 2018, 27), podemos concluir que uma das principais vulnerabilidades nos caminhos de ferro angolanos era a forte presença e influência britânica no seu capital e, consequentemente, na sua gestão. A economia portuguesa não dispunha de recursos financeiros suficientes nem de meios eficientes para os canalizar para atividades intensivas em capital, como a ferrovia. Mesmo na metrópole, a construção ferroviária foi financiada com dinheiro inglês e francês (Vieira 1983). Por maioria de razões, não foi surpreendente que o mesmo tenha acontecido no investimento ferroviário nas colónias.

22O caso mais problemático verificou-se no caminho de ferro de Ambaca, adjudicado em 1885 à Companhia Real dos Caminhos de Ferro Através de África, uma empresa com sede no Porto. Ainda que o capital acionista (3600 contos) tivesse sido angariado sobretudo em Portugal, o capital obrigacionista (8505 contos) foi emitido maioritariamente em Inglaterra, através de um contrato de curadoria, que incluiu a hipoteca da infraestrutura e a transferência da sua propriedade para os obrigacionistas em caso de incumprimento. À luz da lei portuguesa, o contrato era ilegal, pois a legislação em vigor não só não reconhecia a figura das obrigações-hipotecárias como previa que qualquer caminho de ferro construído em Portugal pertencia ao estado, que o poderia ceder apenas temporariamente a entidades privadas para o operar e obter lucro. No entanto, o acordo fora validado pelo cônsul português em Londres e foi aceite por todos (decisores políticos, concessionários e investidores) como válido (Navarro 2018, 284). De qualquer modo, desde que a companhia pagasse devidamente o juro das obrigações nada havia a temer e para tal a concessionária beneficiava de uma garantia de rendimento do estado de 6% sobre um capital de 19,99 contos/km, que se julgava à partida ser suficiente para cobrir aquele encargo. O problema foi que a construção custou cerca de 34 contos/km e, adicionalmente, os resultados da operação foram desastrosos, tendo a companhia acumulado prejuízos ano após ano. Para piorar a situação, após a bancarrota parcial de 1892, a moeda portuguesa começou a desvalorizar face à libra, o que aumentou os encargos financeiros da companhia, pois a garantia de juro era paga em réis, mas o juro era pago em libras (Navarro 2018, 284; Pereira 2019a, 66).

23A operação foi também prejudicada por uma outra vulnerabilidade da linha – a sua fraca qualidade de construção, que redundou numa média de quase 150 acidentes (descarrilamentos e outros) por ano. A este respeito, o engenheiro Costa Serrão, um técnico com vasta experiência nas colónias, denunciava:

Pelo que respeita ao caminho de ferro de Luanda a Ambaca, […] ele não deixou de ser para o Estado também um desastre: construido tal como está e possuindo apenas uma capacidade de trafego muito restrita, devido isto a defeitos de traçado e também de construcção que podem ser considerados como consequencia fatal do mau traçado escolhido, pode prever-se que, não só não poderá desempenhar o papel de grande via de penetração para o interior, mas até, por muito tempo ainda, terá de sustentar-se á custa da garantia de juro que o Estado lhe concedeu. (Serrão 1900, 319-321)

  • 10 Diario da Camara dos Pares do Reino, 10 de abril de 1901, 317.

24Toda esta situação constituiu uma enorme vulnerabilidade, que poderia levar, num caso extremo à perda daquela importante infraestrutura colonial, verdadeira ferramenta de império, para um rival no processo da partilha de África. A propósito desta vulnerabilidade, o par do reino José Bento Ferreira de Almeida, oficial de alta patente da Marinha e antigo ministro da Marinha e Ultramar, referia em 1901 no parlamento que “a nossa situação em Angola é por tal maneira difficil, delicada e complicada, que podemos correr a contingencia de um desastre, que ha de fatalmente succeder, se porventura se produzir qualquer movimento que possa ser aproveitado pelos nossos vizinhos”.10

  • 11 Collecção Official de Legislação Portugueza, 1899, 341-343.
  • 12 Collecção Official de Legislação Portugueza, 1902, 1225.
  • 13 Diario da Camara dos Pares do Reino, 24 de março de 1903, 281.

25Uma situação semelhante verificou-se no caminho de ferro de Benguela, do Lobito à fronteira com o Congo Belga, numa extensão de quase 2000 km. Para evitar as vulnerabilidades associadas à presença de capital britânico, o parlamento aprovou (lei de 17 de agosto de 1899) a criação de um fundo especial, composto por várias receitas coloniais, para financiar a construção exclusivamente com técnicos do estado português.11 Contudo, o fundo especial não aumentou tão rapidamente como o desejado e o governo português viu-se na necessidade de adjudicar a obra ao empresário escocês Robert Williams (Esteves 2000, 55), que era apoiado pela firma britânica Tanganyika Concessions. O decreto de concessão de 28 de novembro de 1902 assegurou que esta era feita a “uma companhia portuguesa, sujeita ás leis e aos tribunaes portugueses” e que não havia concessão de quaisquer terrenos12 – para muitos uma débil garantia, como para o general Dantas Baracho, que entendia que o “contrato do caminho de ferro de Benguella, a despeito das peias que o ministro lhe quis introduzir, é o primeiro passo para a perda de Angola”.13 A aceitação desta vulnerabilidade foi pragmática e consciente. Pragmática porque, apesar dos riscos envolvidos, ou se construía a ferrovia com libras ou não se construía de todo. Consciente porque foi destinada a contrariar uma ameaça ao império, o acordo secreto anglo-germânico de 1898, que previa a divisão das colónias portuguesas, ficando a Alemanha com o sul de Angola. Ao aceitar introduzir capital britânico nesta região, o governo português minou as bases daquele acordo (Costa 2001; Esteves 2000, 57; Navarro 2018, 486-487; Guevara 2006, 199-202).

26Contrariar o expansionismo alemão em Angola foi também uma das razões (ou sentidos de urgência) que estiveram na base da decisão de construir um caminho de ferro em Moçâmedes. Tal como nas outras regiões de Angola, a ausência de uma ocupação efetiva do território era encarada como uma vulnerabilidade que a ferrovia podia suprir. Para evitar a presença de capital e técnicos estrangeiros, foi decidido que a obra fosse feita por engenheiros do estado e com recursos públicos (Navarro 2018, 458-459), de acordo com a recomendação do engenheiro Costa Serrão, para quem “sendo, como tem sido, desastroso o processo das concessões, ocorre muito naturalmente aconselhar, ao menos como tentativa, o processo de construção por conta do Estado” (Serrão 1900, 319-321). Deste modo, capital financeiro, técnico e humano português foram empregues na empreitada.

  • 14 AHU, mç. 275 1H, Caminho de ferro de Moçâmedes, proc. 28, diversos relatórios; mç. 278 1H, Caminh (...)
  • 15 AHU, mç. 287 1H, Caminho de ferro de Moçâmedes, relatório de 30 de abril de 1909.

27A escolha da bitola (60 cm) e a urgência na construção fizeram com que a linha fosse assente de forma muito simples e se adaptasse ao máximo aos caprichos do terreno (evitando-se terraplanagens, movimentos de terra e obras de arte complexas) – ou, como descreveu Eduardo da Costa, governador de Angola, “atiraram-se os rails sobre a areia movediça, mas plana, do litoral de Mossamedes e sobre essa linha de serviço fez-se, não digo deslisar, mas sim arrastar um comboio”.14 Adicionalmente, a má qualidade do material importado para a obra, as chuvas torrenciais que “cahiam em verdadeiros lençoes de agua […] e produziam a sensação de que tudo ia ser arrastado pelas correntes”15 motivaram que, no final, a infraestrutura fosse excessivamente frágil, potenciando o descarrilamento frequente de alguns comboios e obrigando os restantes a circular a uma média de apenas 15 km/h. O material circulante fora económico, mas era obsoleto e sofria com o alto teor calcário da água e baixo teor calorífero do carvão usado como combustível para as locomotivas (Pereira 2018, 170). Tudo isto concorreu para a principal vulnerabilidade deste caminho de ferro: uma operação deficiente, que não servia os propósitos de colonização do interior, retirava recursos financeiros ao estado (os quais podiam ser utilizados mais eficazmente noutros projetos coloniais) e podia dar alento ao argumento de que Portugal não tinha capacidade colonial para explorar o sul de Angola.

  • 16 Diario da Camara dos Deputados, 18 de maio de 1903 (sessão noturna), 9.

28A permanência destas vulnerabilidades não era admissível e os diversos governos portugueses procuraram resolvê-las da melhor forma possível. Como referi anteriormente, na linha de Ambaca, as vulnerabilidades eram de ordem técnica e financeira. Em relação às primeiras, o governo português pouco podia fazer além de intimar a companhia concessionária a corrigir os perfis transversais e longitudinais do traçado. Em relação à parte financeira da questão, passava por garantir que a Companhia Real Através de África era capaz de pagar o juro devido aos obrigacionistas. Uma vez que a gestão da infraestrutura por esta firma não tinha resiliência suficiente para lidar com a vulnerabilidade por si só, o estado português foi forçado a intervir com medidas inicialmente pouco relevantes do ponto de vista pecuniário, mas gradualmente mais gravosas para a fazenda. O estado começou por servir de fiador a diversas operações financeiras da companhia. Como esta medida não foi suficiente, o tesouro passou a fazer empréstimos diretos e regulares à concessionária. Seguiu-se uma política de pagamentos antecipados da garantia de juro devida. A partir de 1894, os auxílios públicos passaram a incluir a desvalorização do real face à libra esterlina. Augusto Fuschini, antigo ministro da Fazenda, explicou ao parlamento que concedera apoios à companhia “porque se pensava então – eu continuo pensando o mesmo – que era necessario defender as colonias contra as pretensões da Inglaterra e evitar que o caminho de ferro de Ambaca caisse nas mãos inglesas”.16

  • 17 Diario da Camara dos Deputados, 5 de agosto de 1897, 151.
  • 18 Arquivo Diplomático, S 12, E 14, P 2, N 75456, Caminho de ferro de Ambaca, cartas de 19 de junho (...)

29Para tentar aumentar o tráfego na linha e, em consequência, a receita operacional, o Ministério da Marinha e Ultramar ordenou a abertura de estradas de acesso à linha de Ambaca, facilitando a circulação entre as estações e os seus arredores. Em 1896, foi autorizada uma subida nas tarifas, apesar de esta medida contrariar a promoção da exploração colonial e prejudicar a crescente cultura do café. O peso da percebida vulnerabilidade da infraestrutura na decisão é evidente na justificação dada pelo ministro da Marinha e Ultramar (Barros Gomes) ao parlamento: “O governo, não podendo soccorrer a companhia directamente […] resolveu auctorisar que ella podesse augmentar as suas tarifas, assegurando com a manutenção da linha de Ambaca em mãos portuguezas a soberania da nossa provincia de Angola”.17 Em 1902, o estado reservou fundos públicos para iniciar a construção do prolongamento do caminho de ferro de Ambaca até Malange, uma zona rica em borracha (Navarro 2018, 292-293). Outras soluções propostas incluíram a concessão de terras em Malange e Lunda à companhia, aumento do seu capital, aumento da participação do estado no capital social da empresa, renegociação do contrato com os curadores ingleses ou entrega da exploração da linha ao governo português (Portugal 1912, 31-33, 40-49 e 77-78; Portugal 1913, 15-22).18 O receio de que interesses ingleses tomassem partido da vulnerabilidade da infraestrutura continuou a ser o principal motivo para estas tentativas de apoio público à concessionária.

30Algumas destas soluções não foram postas em prática e as que o foram não resolveram a questão financeira da Companhia Real, que continuava sob risco de não conseguir pagar o juro das obrigações e perder a infraestrutura ferroviária para os obrigacionistas. A frustração com a situação agudizou o relacionamento entre o estado e a concessionária, que se culpavam mutuamente pela situação, incitando o conflito (sobre gestão e resolução de conflitos, cf. Goncalves 2008, 66-70; Rothman 1997, 5-6), sobretudo após a implantação da república em 1910. Como acontece frequentemente em parcerias público-privadas (Marques 2018, 211-212), a relação entre as partes, que se esperava simbiótica, tornou-se conflituosa. A desavença chegou ao ponto de a companhia não permitir a circulação de comboios do estado na sua linha, o que determinou que os passageiros e mercadorias vindos de Malange em direção a Luanda tinham de trocar de composição, apesar de a infraestrutura, fisicamente, ser contínua (Navarro 2018, 297).

31A partir de 1898, e mais intensamente desde 1909, começou-se a discutir a tomada de posse da infraestrutura pelo governo. Era a solução que eliminava a vulnerabilidade da presença inglesa no capital obrigacionista pela raiz. A operação podia ser feita de várias formas: compra da concessão (através de um pagamento único); resgate antecipado da concessão (através do pagamento de um valor anual até ao fim do prazo original de adjudicação); ou espera pela bancarrota da concessionária (cf. Barjot 2011, 784). A segunda opção era a mais prática do ponto de vista financeiro (o custo era diluído no tempo) e prático (compensava todos os investidores); contudo, as partes estavam muito discordes quanto ao valor da indemnização a pagar pelo estado. Assim, em 1914, para resolver a vulnerabilidade de Ambaca, o governo português começou por se apropriar compulsivamente das receitas da companhia, com o argumento de que esta não mantinha a infraestrutura em boas condições de operação.

  • 19 Biblioteca do Banco de Portugal, Companhia de Caminhos de Ferro Através da África, Relatório Anua (...)

32Muito provavelmente, influiu nesta decisão uma alteração na perceção do risco associado à reação dos obrigacionistas: os decisores portugueses entenderam que a probabilidade de os credores da companhia avançarem para a tomada de posse da infraestrutura era baixa, uma vez que nada ganhavam com a operação. Em 1918, o governo tomou conta da exploração da linha e pagou cerca de 2/3 da garantia de juro devida à empresa. Em 1919, deixou de entregar qualquer soma. A companhia apelou para os tribunais, enquanto os obrigacionistas solicitaram a intervenção do Foreign Office. O diferendo só foi solucionado em 1938, quando a ditadura emitiu dívida para comprar as ações da companhia, resgatar as obrigações e liquidar a empresa (Navarro 2018, 313).19 Ironicamente, ao longo deste período, a percebida vulnerabilidade da infraestrutura não se concretizou. Apesar da nacionalização da linha pelo estado e da suspensão de pagamentos aos obrigacionistas, estes não avançaram para a tomada de posse do caminho de ferro, que continuou ao serviço do projeto colonial português.

33A vulnerabilidade associada ao caminho de ferro de Benguela nunca foi verdadeiramente tratada, mas também nunca foi usada de forma a sonegar a Portugal o seu controlo como instrumento de império, uma vez que a infraestrutura tinha resiliência suficiente para poder lidar com ela. Em primeiro lugar, a linha só foi concluída ao fim de 28 anos de trabalhos, quando chegou, em 1931, à fronteira com o Congo Belga. Até essa data, não havia interesse em alterar sobremaneira a relação estabelecida com o contrato de concessão entre o governo português e o concessionário britânico. Aliás, enquanto a construção decorria, era uma oportunidade para os fabricantes ingleses de material pesado colocarem as suas produções. Adicionalmente, durante o assentamento dos carris, a relação entre investidores e governo nunca enveredou pelo caminho do conflito.

34A presença de influentes colonialistas portugueses, como Joaquim José Machado (Navarro 2018, 141-208), na direção da companhia contribuiu para uma relação mais ou menos simbiótica, patente, por exemplo, na recusa da empresa em aceitar financiamento alemão. Finalmente, perspetivava-se que, após a conclusão da obra e enquanto a linha servisse os interesses da Tanganyika Concessions e funcionasse como escoadora do cobre das minas do Katanga, não havia motivação para alterar o estado da infraestrutura (de nacionalidade portuguesa, mas operada por britânicos). As autoridades portuguesas decidiram conscientemente relevar a importância das eventuais vulnerabilidades nesta linha (sobre a minimização de vulnerabilidade, ver Hommels e Cleophas 2013, 267). Nada garantia que esta escolha corresse de feição aos seus interesses. Havia esse risco, mas a alternativa de intervir para alterar o status quo da infraestrutura continha riscos maiores de criar vulnerabilidades mais numerosas e mais sérias. Os colonialistas portugueses mediram os prós e os contras das vulnerabilidades percecionadas (cf. Hommels e Cleophas 2013, 264) e optaram por não intervir sobremaneira na infraestrutura.

  • 20 Elementos… (1913, 27), Portugal (1911-1915, v. 4, 101).
  • 21 AHU, mç. 279 1H, Caminhos de Ferro de Moçâmedes, Negociações para o seu prolongamento, ofícios de (...)

35Por fim, no caso do caminho de ferro de Moçâmedes, a principal vulnerabilidade era de ordem técnica (a bitola e a fragilidade da infraestrutura), que minava por completo qualquer tipo de resiliência que a linha pudesse ter. A deficiência da infraestrutura redundava numa operação aquém das expectativas e das necessidades da colónia e podia legitimar o argumento da falta de vocação imperial de Portugal para manter territórios ultramarinos (Pereira 2018, 169-178). A primeira proposta de solução para aquela vulnerabilidade e suas consequências (reais ou percebidas) foi apresentada, em 1910, por uma entidade privada, a Companhia de Moçâmedes, uma companhia majestática de capital maioritariamente francês. A companhia propôs rebitolar a linha para o padrão africano (1,067 m), prolongá-la até ao Humbe e depois passar a operação ao governo.20 A firma argumentou que o seu projeto não só melhorava o serviço ferroviário como, “no que diz respeito à nossa autonomia, afirmaria de modo bem eloquente e enérgico, que não poderá a teimosia da Alemanha encontrar pretexto para negar o nosso domínio ali por falta de ocupação efetiva”.21

  • 22 Diario do Senado, sessão de 28 de fevereiro de 1912, 8.
  • 23 Portugal (1911-1915, v. 5, 122-123).

36Embora alguns colonialistas considerassem que esta solução equivalia a substituir uma vulnerabilidade por outra, o governo aceitou a oferta da Companhia de Moçâmedes por acreditar que daria um forte impulso ao caminho de ferro no sul de Angola. A rapidez na construção, que respondia ao sentido de urgência dos decisores portugueses, foi o fator que mais pesou na decisão do Ministério das Colónias, que entendia que só da ferrovia “pode resultar o desenvolvimento que é necessário e que é o único ponto de apoio, que o país tem para sustentar a sua autonomia”.22 De qualquer modo, engenheiros portugueses foram nomeados para fiscalizar os estudos no terreno, de modo a garantir que a futura linha não tinha vulnerabilidades graves.23 O projeto da Companhia de Moçâmedes acabou por não se concretizar, porque a empresa não conseguiu garantir o financiamento necessário. Consequentemente, em 1911, o Estado português decidiu avançar com a construção usando recursos próprios, além de, obviamente, manter a operação (Navarro 2018, 470).

37Os engenheiros do governo, que, desde o início da empreitada, asseguraram também a operação ferroviária, conseguiram introduzir alguns melhoramentos na gestão do serviço, os quais redundaram numa melhoria do resultado operacional, num aumento das mercadorias transportadas no sentido descendente e num crescimento no número de passageiros que viajavam da costa para o interior. Timidamente, o caminho de ferro começou, pelo menos, a assemelhar-se a um instrumento colonizador. Apesar de se ter mantido a bitola (a rebitolagem só seria realizada na década de 1950), os técnicos estatais conseguiram minorar as vulnerabilidades técnicas da infraestrutura e, ao fazê-lo, melhoraram o serviço da linha e o seu impacto na região, contribuindo para afastar o argumento da incapacidade de Portugal em explorar convenientemente as suas colónias (Pereira 2018, 169-178).

4. Conclusão

38O processo de implementação de caminhos de ferro em Angola nasceu de um sentido de urgência em relação a uma vulnerabilidade percebida no sistema colonial português: a própria ausência dessa infraestrutura no território ultramarino, que se assumia como um custo de oportunidade para explorar efetivamente o hinterland colonial e, em última análise, podia pôr em causa a própria soberania nacional sobre esses domínios. As colónias portuguesas, entre as quais Angola, contavam na questão ferroviária com três décadas de atraso em relação aos domínios ultramarinos de outras nações imperiais. Numa altura em que o caminho de ferro significava progresso e poder, a sua inexistência podia pôr em causa a vocação imperial de Portugal. Assim, a criticidade associada à ferrovia em Angola não era tanto de carácter técnico, como de carácter económico e diplomático. O caminho de ferro não era essencial para manter outros sistemas tecnológicos em funcionamento, mas sim para manter a realidade imperial. A fotografia conferiu uma visualidade a essa criticidade, mostrando o potencial das colónias, tal como vinha mostrando a modernidade associada aos caminhos de ferro na metrópole.

39A construção dos caminhos de ferro de Luanda a Ambaca, de Benguela e de Moçâmedes respondeu àquela vulnerabilidade, mas criou outras, um fenómeno comum em infraestruturas críticas (Högselius et al. 2013, 42; Hommels e Cleophas 2013, 256; Hommels et al. 2013, 275). Essas vulnerabilidades foram de natureza diversa: financeira no caso das duas primeiras linhas, técnica no caso da terceira. A forte presença de capital britânico nos dois primeiros empreendimentos podia abrir a porta para a desnacionalização da infraestrutura ou para a sua colocação ao serviço dos interesses ingleses e não dos objetivos portugueses. A vulnerabilidade técnica em Moçâmedes impedia que se retirasse daquele caminho de ferro todo o potencial como ferramenta e instrumento de império, o que podia igualmente pôr em causa os méritos imperiais de Portugal.

40As correções das vulnerabilidades identificadas nos caminhos de ferro angolanos foram feitas sem grandes riscos associados. No caso de Moçâmedes, o caminho foi tentar corrigir as deficiências técnicas da linha. Em Ambaca, só quando se avançou para a apropriação forçada das receitas da concessionária se correu algum risco, e mesmo assim moderado, porque no contexto da época não era provável que os credores da companhia tivessem intenção ou interesse em tomar a infraestrutura. Em Benguela, percebeu-se que interesses económicos simbióticos serviam de proteção às vulnerabilidades da infraestrutura. Os caminhos de ferro angolanos oferecem, assim, um caso ilustrativo para debater infraestruturas críticas, a dimensão sociotécnica das mesmas e a construção sociocultural de conceitos como risco e vulnerabilidades. A metodologia utilizada mostra-se também muito eficaz para analisar historicamente a implementação de tecnologia e infraestruturas europeias no contexto colonial da partilha de África.

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Notas

1 Ver, por exemplo, as fotografias da Fazenda Palmira em Casengo (disponível em www.rijksmuseum.nl/en/collection/RP-F-2001-7-683-38) ou da propriedade de Tavira em Pungo Andongo (purl.pt/23726/1/index.html#/165/html). Nesta última, a legenda realça a cultura da cana-de-açúcar, mas também a decadência do comércio causada pela influência alemã na região e por esta não estar na rota do caminho de ferro.

2 Comboios a vapor circulavam nas colónias britânicas da Índia e do Sul de África desde as décadas de 1850 e 1860, respetivamente (Kerr 2007, IX; Day 1963, 11-13).

3 Collecção Official de Legislação Portugueza, 1884, 534-535.

4 Por esta altura registava-se uma grande diversidade de bitolas. Em Portugal e Espanha, usava-se o padrão de 167 cm, enquanto no resto da Europa predominava a medida de 144 cm. Em África estabelecera-se como padrão os 106,7 cm, mas havia um conjunto de bitolas (denominadas de estreitas) que oscilavam entre os 60 cm e os 100 cm. Bitolas mais largas eram usadas em linhas onde se pretendiam maiores velocidades e capacidade de transporte (Puffert 2009).

5 Collecção Official de Legislação Portugueza, 1905, 196; Diario da Camara dos Deputados, 14 de abril de 1905, 13.

6 Diario do Governo, 66, 22 de março de 1899, 737.

7 Os kwamatos são um grupo étnico que habita a região entre o sul de Angola e o norte da Namíbia (Redinha 2009, 18-52).

8 Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa (AHU), mç. 275 1H, Caminho de ferro de Moçâmedes, proc. 29, relatório de 30 de setembro de 1907.

9 No sentido de promover um uso repetido, reiterado e constante de uma área por um grupo que a percebe como sua, tal como foi apontado por Kärrholm (2012, 16).

10 Diario da Camara dos Pares do Reino, 10 de abril de 1901, 317.

11 Collecção Official de Legislação Portugueza, 1899, 341-343.

12 Collecção Official de Legislação Portugueza, 1902, 1225.

13 Diario da Camara dos Pares do Reino, 24 de março de 1903, 281.

14 AHU, mç. 275 1H, Caminho de ferro de Moçâmedes, proc. 28, diversos relatórios; mç. 278 1H, Caminho de ferro de Moçâmedes, vol. 1, proc. 3 (construção), diversos relatórios; transformação da bitola, relatórios de 15 de outubro de 1906 e 10 de dezembro de 1906.

15 AHU, mç. 287 1H, Caminho de ferro de Moçâmedes, relatório de 30 de abril de 1909.

16 Diario da Camara dos Deputados, 18 de maio de 1903 (sessão noturna), 9.

17 Diario da Camara dos Deputados, 5 de agosto de 1897, 151.

18 Arquivo Diplomático, S 12, E 14, P 2, N 75456, Caminho de ferro de Ambaca, cartas de 19 de junho de 1902 e 2 de dezembro de 1912 e relatório de 30 de novembro de 1912. AHU, mç. 2564 1B, Caminho de ferro de Malange, Mapas estatísticos, relatórios de 16 de março de 1907 e 25 de janeiro de 1908; mç. 3034 1A Companhia Real do Caminhos de Ferro Através de África, ata de 16 de agosto de 1899. The Railway Times, 3167 (17 de setembro de 1898), 385; 3225 (28 de outubro de 1898), 564.

19 Biblioteca do Banco de Portugal, Companhia de Caminhos de Ferro Através da África, Relatório Anual, 1918-1919, 45; 1919-1920, 55-77; 1927-1928, 9.

20 Elementos… (1913, 27), Portugal (1911-1915, v. 4, 101).

21 AHU, mç. 279 1H, Caminhos de Ferro de Moçâmedes, Negociações para o seu prolongamento, ofícios de 2 de novembro de 1910 e 12 de janeiro de 1912.

22 Diario do Senado, sessão de 28 de fevereiro de 1912, 8.

23 Portugal (1911-1915, v. 5, 122-123).

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Índice das ilustrações

Título Figura 1. Localização dos três principais caminhos de ferro de Angola
Legenda Fonte: sharemap.org e elaboração do autor.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/docannexe/image/12410/img-1.jpg
Ficheiros image/jpeg, 116k
Título Figura 2. Mulheres do sul de Angola retiram detritos da obra da linhade Moçâmedes
Legenda Fonte: AHU, mç. 287 1H, Caminho de ferro de Moçâmedes
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/docannexe/image/12410/img-2.jpg
Ficheiros image/jpeg, 468k
Título Figura 3. Locomotiva atravessando o viaduto do vale do Zondo, na linha de Ambaca
Legenda Fonte: Memoria Explicativa e Justificativa dos Actos e da Situação da Companhia Real dos Caminhos de Ferro Atravez d’Africa. Porto: Oficinas do Comércio do Porto, 1909, 232-233.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/docannexe/image/12410/img-3.jpg
Ficheiros image/jpeg, 883k
Título Figura 4. A ligação entre os sistemas de transporte ferroviário e marítimo na ponte-cais do Saco, na linha de Moçâmedes
Legenda Fonte: AHU, mç. 287 1H, Caminho de ferro de Moçâmedes.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/docannexe/image/12410/img-4.jpg
Ficheiros image/jpeg, 446k
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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Hugo Silveira Pereira, «Ferrovia como infraestrutura crítica: estudo de caso dos caminhos de ferro coloniais de Angola, c. 1870-1930»Ler História, 83 | 2023, 69-93.

Referência eletrónica

Hugo Silveira Pereira, «Ferrovia como infraestrutura crítica: estudo de caso dos caminhos de ferro coloniais de Angola, c. 1870-1930»Ler História [Online], 83 | 2023, posto online no dia 29 novembro 2023, consultado no dia 17 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/12410; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.12410

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Autor

Hugo Silveira Pereira

CIUHCT – Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia, NOVA School of Science and Technology, Portugal

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Apenas o texto pode ser utilizado sob licença CC BY-NC 4.0. Outros elementos (ilustrações, anexos importados) são "Todos os direitos reservados", à exceção de indicação em contrário.

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