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Um retrato do império. Abolição e propriedade na trajetória de Henrique Beuarepaire Rohan

Un portrait de l’empire. Abolition et propriété dans la trajectoire de Henrique de Beaurepaire-Rohan
A picture of Brazilian Empire. Abolition and property in the trajectory of Henrique Beaurepaire Rohan
Cláudia dos Santos e Márcia Motta
p. 181-199

Resumos

O artigo refere os vínculos entre o conselheiro de Estado Henrique de Beaurepaire-Rohan e o projecto de democracia rural elaborado nos círculos abolicionistas do Rio de Janeiro a partir de 1883. Enquanto membro da elite tradicional do Império e devido ao sucesso de sua trajetória, Henrique de Beaurepaire-Rohan ajuda a legitimar os argumentos elaborados por certos abolicionistas que associam a abolição da escravidão à reforma do sistema fundiário. Embora o Congresso brasileiro não tenha aprovado o projecto de reforma agrária proposto por esses sectores, as alianças entre os clubes abolicionistas radicais e membros da elite política do Império permitiram a ampla discussão desses projectos.

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Notas da redacção

Cláudia dos Santos

Professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da UNIRIO (Brasil). Dedica-se em especial ao estudo da abolição da escravatura, relações França-Brasil, viajantes e publicistas franceses e História Política.

Márcia Maria Menendes Motta

Professora do Departamento de História e do Programa de Pós Graduação em História da UFF (Brasil). Publicou recentemente O Direito à Terra no Brasil. A gestação do conflito (1795/1822) (2009).

Texto integral

Introdução

  • 1 Neste contexto, alguns dos defensores de uma reforma do sistema fundiário brasileiro identificam-se (...)

1O presente artigo se estrutura em torno de um objetivo central, o de relacionar a trajetória do Conselheiro de Estado Henrique de Beaurepaire-Rohan, enquanto representante da elite tradicional do Império, ao projeto de democracia rural elaborado nos círculos abolicionistas, sobretudo a partir de 1883. Neste sentido, as páginas a seguir alinhavam a biografia de Beaureparie-Rohan ao tema da democracia rural para compreendermos as propostas da elite imperial das últimas décadas do século XIX, no contexto das discussões sobre o abolicionismo1. Em outras palavras, trata-se aqui de discutir a crescente aproximação entre a proposta de Beaurepaire-Rohan e os projetos apresentados por integrantes – em particular André Rebouças – do grupo abolicionista do Rio de Janeiro.

2Apesar do seu retorno freqüente na história social brasileira e da sua relação direta com as crises políticas – como no caso da queda da monarquia e do golpe de 1964 – algumas das formulações acerca da questão agrária não devem ser associadas, nem a um posicionamento político radical, nem a um rompimento com os princípios liberais. O mais importante é compreender, antes de tudo, o contexto histórico onde se gesta o tema e suas implicações nas discussões para um projeto de país.

3Inicialmente, é preciso indicar certos indícios da importância do tema da reformulação do sistema fundiário nos debates em torno da abolição da escravidão, principalmente a partir de 1883. Em oposição a certa versão historiográfica que analisa esse período unicamente a partir da discussão travada em torno do fim da escravidão, é preciso mostrar que, nesse contexto, a maioria dos atores políticos associa a discussão sobre a abolição a diversas outras reformas, entre elas, o controverso imposto territorial. Essa preocupação com a adoção de algumas medidas que deveriam acompanhar necessariamente o fim da escravidão está presente mesmo no discurso daqueles que se posicionavam contra qualquer reforma suplementar e que defendiam uma abolição enquanto um ato jurídico.

  • 2 Cf. Cláudia A. dos Santos, Les voyageurs français et les débats autour de la fin de l’esclavage au (...)

4Ademais, a imprensa do oitocentos nos fornece inúmeros exemplos de que o discurso contra a permanência da instituição escravista se associa, principalmente a partir de 1883, à crítica do latifúndio e do poder dos grandes proprietários. Aliás, é interessante também constatar que tal associação está em pauta na imprensa francesa onde se vincula, em diversos momentos, o esforço do governo brasileiro em combater a escravidão e a grande propriedade. Ao Brasil escravista que trata como escravos até mesmo os imigrantes europeus que ali chegam, trata-se de opor a imagem do país que se moderniza. E se porventura o país permanece atrelado a uma instituição arcaica é porque, ao fazer a opção por um processo de emancipação lento e gradual, «procura garantir a harmonia, a paz e o tratamento igual para os ex-escravos» como na posição sustentada pelo francês Louis Couty procurando defender o Império das acusações dos abolicionistas franceses2.

  • 3 «En Berlin une association se forma sous ce titre: Société centrale de Berlin qui se donna pour mis (...)
  • 4 Idem, p.336.

5Havia os que, ao contrário, insistiam em uma visão depreciativa do país e na ausência de possibilidades concretas de alterar o sistema vigente. Um desses «inimigos do Brasil»3, Charles Expilly, escritor de relatos de viagem extremamente críticos em relação ao Império, explicou a sua ação contra a emigração de europeus para o Brasil em razão da instituição escravista e do poder excessivo dos latifundiários. Enquanto chefe do Comissariado de Imigração do Porto de Marseille4, Charles Expilly, apoiando-se em argumentos produzidos por dois autores brasileiros, afirmava que os imigrantes no Brasil eram tratados enquanto escravos, em virtude da enorme concentração de terras nas mãos dos fazendeiros:

  • 5 Idem, pp. 174-176.

«Sans nier des titres légitimes, le gouvernement ne peut-il rien pour limiter les prétensions excessives des propriétaires, ainsi que le demande le senhor Souza e Mello? Pas plus que lui nous ne voulons l’expropriation pour cause d’utilité publique; mais, enfin en saine justice la possession n’implique-t-elle pas l’obligation de cultiver? Le maitre qui, non content de se soustraire à cette obligation, repousse celui qui voudrait cultiver à sa place, ne viole-t-il pas, en même temps qu’il porte atteinte à l’intérêt général, cette loi du travail, qui est à la fois le fondement et la sanction du droit de propriété? Il résulte de ce qui précède que le système de la petite propriété est à peu près impraticable, et que l’émigrant pauvre est forcément condamné à la parceria. (...) Comme le senhor Werneck nous repoussons ce système parce que, dans les conditions où il fonctionne il assimile l’Européen à l’esclave5

  • 6 Emile Levasseur, «L’abolition de l’esclavage au Brésil», extrait du compte-reundu de L’Académie des (...)
  • 7 «Pour fortifier l’immigration et augmenter le travail agricole, il importe que votre sagesse prenne (...)

6De uma forma ou outra, porém, havia também os que apostavam que a conjuntura era propícia para a alteração da estrutura fundiária do país. Em 1888, por exemplo, Emile Lévasseur, geógrafo francês inserido neste debate enquanto membro do Syndicat franco-brésilien pour l’exposition universelle de Paris en 1889, indicava, entre as conseqüências do fim da escravidão do Brasil, o desmembramento progressivo das grandes propriedades em razão da «lógica do mercado» que tornaria impraticável a manutenção de terras improdutivas6. Um ano depois, esse mesmo autor divulgava na França a Fala do Trono na qual o imperador pedia que o congresso examinasse o «projeto de lei regularizando a propriedade territorial e tornando mais fácil a aquisição e o cultivo de terras inocupadas»7.

7A associação entre a luta pelo fim da escravidão e a reestruturação do sistema fundiário brasileiro aparece muito nitidamente nos debates políticos brasileiros, principalmente a partir de 1883. Para além dos historiadores que vinculam o projeto de democracia rural exclusivamente à trajetória de André Rebouças ou, no máximo, aos membros da Confederação Abolicionista, acreditamos que a elaboração desse projeto resulta, entre outros fatores, de certa aliança entre o abolicionismo radical da Corte e setores tradicionais da elite política do império, como no caso do conselheiro de Estado Beaurepaire Rohan.

Da Trajetória de Beaurepaire Rohan

  • 8 Este dado nos é fornecido por Paulino Jacques. Elogio ao Visconde de Beaurepaire Rohan, Rio de Jane (...)

8Henrique de Beaurepaire Rohan era descendente de uma nobre família francesa. Seu pai, Conde de Beaurepaire, Jacques Antonio Marcos, era herdeiro de uma tradicional linhagem que remonta, segundo alguns, aos tempos de Carlos XI8. Sua família ocupava altos cargos na Corte real francesa até o momento em que a revolução impediu que os Beaurepaire continuassem a usufruir das benesses de sua origem.

  • 9 Biografia do Conde de Beaurepaire por seu filho O Visconde de Beaurepaire Rohan, Rio de Janeiro, Ty (...)

9Obrigada a emigrar, a família decide instalar-se na Itália, mas logo depois Jacques «imaginou que a felicidade sua e dos seus» o esperava em Portugal9. Já neste país, ele é nomeado o primeiro tenente da Brigada Real da Marinha, em 1798, enquanto seu irmão Theodoro de Beaurepaire é colocado no Colégio dos Nobres. No entanto, os acontecimentos franceses que culminaram com a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil, mais uma vez, alteraram os rumos da família Rohan. Assim, com a Corte, chegou ao Brasil a família Beaurepaire, ocupando Jacques o cargo de Capitão-Tenente. Em maio de 1808, quatro meses após a Chegada da Corte em 22 de janeiro, foi promovido a Tenente-Coronel, agregado ao Estado Maior da Real Brigada.

10No Brasil, o Conde de Beaurepaire casou-se, em 28 de julho de 1811, com D. Maria Skeys de Rohan, filha do cônsul inglês Jonh Skeys e de Isabel Rohan. Naturais da Irlanda e residentes em Portugal, esta família havia também decidido partir para o Brasil em dezembro de 1807.

  • 10 Além de Henrique, o Conde teve os seguintes filhos: Luiz de B. Rohan (1816-1889), que foi tenente-c (...)

11Os Beaurepaire foram residir no sítio de Sete Pontes, em São Gonçalo, Rio de Janeiro, onde lá nasceu, em 12 de maio de 1812, Henrique. Batizado na Catedral do Rio de Janeiro teve como padrinhos o príncipe real D. Pedro de Alcântara e a rainha D. Carlota Joaquina10. Ao nascer, Henrique já estava intimamente ligado à Corte e logo depois, ao Império brasileiro.

12A atuação do Conde de Beaurepaire, então Coronel do Estado-Maior, colaborou para a derrota das forças que se opunham à emancipação política do país. Ao combater pela causa da Independência, foi enviado ao Piauí e a Bahia, onde chefes portugueses resistiam à emancipação. Cumprindo o seu papel, tornou-se governador das Armas destas províncias. Morreu em 26 de julho de 1838, com o título máximo de Marechal de Campo.

13À época da morte de seu pai, Henrique de Beaurepaire tinha 26 anos e já havia iniciado sua vida nas Forças Armadas, matriculando-se na Academia Militar em 1832. Ao longo de sua vida acumulou tantos cargos que sua simples enumeração já revela sua importância nos quadros do Império. Profundamente marcado pelo exemplo de seu pai, como se atesta em seus dados biográficos, tornou-se, aos poucos, um das personagens mais influentes no Império Brasileiro.

14Ao longo do período regencial, Henrique teve presença marcante na repressão aos movimentos populares. Assim sendo, foi enviado à Bahia, onde liderou as forças contra a Sabinada. O brutal esmagamento do movimento corresponderia, como se sabe, a uma política centralizadora que tendeu a privilegiar os setores mais dinâmicos da economia, situados no centro-sul. O resultado do processo correspondeu à concentração de poderes em mãos do governo central, principalmente após o golpe da maioridade de 1842.

15Em 10 de agosto de 1848, Henrique de Beaurepaire casou-se com a viúva do sargento-mor Francisco José das Chagas, filha do Marechal de Campo Daniel Pedro Muller e de Gertrudes Maria do Carmo. Já casado, nossa personagem consagrou-se nos quadros da elite imperial. Foi nomeado, em 1856, presidente da província do Pará, ocupando logo depois também o cargo de Comandante de Armas da referida província. No ano seguinte, foi transferido para a província da Paraíba do Norte, novamente ocupando o cargo de presidente de província.

  • 11 Conhecida também como Guerra da Tríplice Aliança, a Guerra do Paraguai opôs os interesses do Brasil (...)

16De volta à Corte do Rio de Janeiro, em 1859, tornou-se Diretor das Obras Militares da Corte. Seis anos depois, ocupou o cargo de Diretor da Fábrica de Pólvora da Estrela. Os acontecimentos daqueles anos marcaram nova inflexão na vida pública de Henrique de Beaurepaire. Nomeado Ministro da Guerra em 1864, nossa personagem esteve associado à deflagração da guerra do Paraguai11. Enquanto membro da elite militar de sua época, Henrique expressou também uma consciência sobre as reais condições do Exército. Afinal,

  • 12 C. Coelho, Em busca da identidade. O Exército e a Política na Sociedade Brasileira, Rio de Janeiro, (...)

«Para um Exército mal equipado, falto de qualquer treinamento profissional e virtualmente improvisado para a emergência da guerra, a vitória sobre o Paraguai significou o surgimento de expectativas no sentido de que a sociedade civil, de onde provinha a classe política, haveria de reconhecer e retribuir o ‘tributo de sangue’ vertido em defesa da nação»12

17Além da carreira militar, Henrique de Beaurepaire, assim como mais tarde fez André Rebouças, atuou enquanto engenheiro em obras para a ampliação da cidade do Rio de Janeiro, tendo sido, num segundo momento, nomeado Diretor das Obras militares da Corte.

  • 13 José Murilo Carvalho, A construção da ordem, Rio de Janeiro, Campus, 1980, p. 103.

18A elite imperial em sua escalada aos altos cargos políticos realizou uma intensa «circulação geográfica», sendo transferida para várias províncias e ocupando diferentes postos13. Neste sentido, Henrique de Beaurepaire foi uma figura emblemática, pois sua bem sucedida trajetória certamente influenciou sua percepção acerca das questões nacionais. Não à toa, foi escolhido, em 1874, para chefiar a Comissão encarregada do levantamento da Carta Geral do Brasil, resultado de uma decisão do governo em organizar a Carta Geral do Império. Além disso, já em 1880 foi promovido a Tenente General e eleito, em 1881 presidente das Conferências de História e Geografia do Brasil. Ao encerrar sua carreira – tal como seu pai – como Marechal de Campo, recebeu das mãos do Imperador o título de Visconde com grandeza de Beaurepaire Rohan, em 1888.

19Proclamada a República, tornou-se Ministro do Supremo Tribunal Militar. Mas, já em idade avançada, faleceu em 10 de julho de 1894, no sítio em São Gonçalo que herdara de seu pai. Neste lugar, segundo os dados biográficos recolhidos pelo Barão Homem de Mello, Henrique havia instituído um horto botânico, onde nas horas vagas, cultivou, classificou e aclimatou as plantas frutíferas do Brasil.

20Ao longo de sua carreira, nossa personagem recebeu inúmeros títulos honoríficos e participou de várias sociedades e instituições. Pertenceu à Ordem de São Bento e à Ordem da Rosa. Foi membro honorário do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, do Instituto Fluminense da Agricultura e da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional do Rio de Janeiro. No entanto, sua atuação como membro da elite imperial pode ser desnudada a partir de suas reflexões acerca da grande propriedade e da escravidão em sua relação com as ilações de André Rebouças sobre o mesmo tema. É o que veremos a seguir.

Henrique Beaurepaire Rohan e André Rebouças: uma aproximação imprevisível

  • 14 No âmbito desse artigo, trata-se de indicar a aproximação entre as duas trajetórias do ponto de vis (...)

21Em 1883, a bem sucedida trajetória do Conselheiro Beaurepaire Rohan encontra aquela de André Rebouças que, aos 45 anos, havia percorrido um caminho bastante diferente14. Nesse contexto, André Rebouças se serve da autoridade adquirida pelo tenente general Beaurepaire Rohan, a quem se refere como «exímio abolicionista» ou «incansável abolicionista», para fundamentar as suas próprias argumentações. No entanto, é importante conhecer, antes de tudo, a evolução do pensamento de Henrique de Beaurepaire e sua posterior convergência com o abolicionismo da Confederação abolicionista.

  • 15 Henrique Beuarepaire Rohan, Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial do Pará, Pará (...)
  • 16 Idem, pp. 13-14.

22Como já dissemos, enquanto militar e ocupando vários cargos políticos, Henrique de Beaurepaire conheceu as diferentes regiões do Brasil e seus respectivos problemas. Seus textos, no entanto, apontam para uma preocupação central: a transição do trabalho escravo para trabalho livre. Desde os anos 50, período em que ocupa os cargos de presidente das províncias, as questões relativas à substituição da mão-de-obra escrava e da colonização estão presentes nos relatórios e em outros documentos produzidos por Beaurepaire Rohan. Neste sentido, quando ocupava o cargo de Presidente da Província do Pará, ele registrara sua preocupação com o tema. No relatório apresentado à Assembléia Legislativa dessa província, sugeriu a criação de uma colônia modelo, tomando por base a experiência do Senador Vergueiro. Diferentemente da proposta do senador, Beaurepaire defendeu, porém, a utilização do colono nacional que, segundo ele, representava grandes vantagens em relação à imigração estrangeira, como os custos de transportes e melhor adaptação ao clima15. «Em um país como o nosso, onde se empregam centenas de contos para construção que não interessam muitas vezes senão certa determinada classe, não será uma sem razão, mesquinharem-se os meios em presença idéia de tanto fruto para o nosso país»16.

23Nos anos 50 Henrique de Beuarepaire apoiava-se ainda numa idéia de que a abolição da escravatura deveria ser gradual em consonância à defesa de constituições de colônias modelos

  • 17 Ibidem, pp. 14-15.

«E depois, senhores, quando a primeira colônia estiver montada, quando em vez do trabalho forçado, se vir funcionar o trabalho de homens que, reunidos em associação aos escravos e máquinas e aparelhos próprios para ativar o serviço (...) quando enfim se reconhecer que em igualdade de número a colônia há de produzir o triplo ou mais que produz atualmente qualquer povoação nas tristes condições a que estão reduzidos os íncolas; por falta da necessária animação, então o estrangeiro industrioso tendo a certeza de um colhimento benévolo, virá se associar aos nossos trabalhos; e contribuirá com suas luzes para o incremento da nossa indústria, hoje quase reduzida a colheita de produtos naturais»17.

24No ano seguinte, em 1857, Beuarepaire novamente defendeu a necessidade de institucionalização das colônias modelos, com a utilização de trabalhador nacional.

  • 18 Henrique Beuarepaire Rohan, Relatório apresentado à Assembléia..., p.33.

«Ainda quando se considerasse esses ensaios não como um meio, mas como um fim, apareceria a vantagem de se reunir em núcleos industriais essas famílias que vivem amontoadas nas cidades ou dispersas pelos campos, utilizando-se desta forma uma grande parte da população, que hoje nada representa em relação a estatística da produção; e que, sem a mínima instrução, sem idéia alguma de bem-estar, pela impossibilidade em que se acham de sair dos embaraços em que os colocou a sua má estrela, passam a vida na mais degradante miséria, recorrendo à colheita dos produtos silvestres, à caça, à pesca, como se não fizessem realmente parte de um povo civilizado»18.

  • 19 Henrique Beuarepaire Rohan, Considerações acerca dos melhoramentos de que em relação as seccas são (...)

25A idéia de constituição de colônias modelos parece indicar um esforço de controlar o processo de libertação dos escravos, a partir de uma intervenção do governo, ao mesmo tempo em que nos revela os limites da percepção de nosso autor em relação à pobreza. De todo modo, Beuarepaire não poderia desconhecer a situação de miséria em que vivia a população pobre. Sua estada nas províncias do Norte certamente influenciou sua percepção sobre os problemas do país. Em trabalho publicado em 1877, «Considerações acerca dos melhoramentos de que em relação às secas são suscetíveis algumas províncias do Norte do Brasil»19, ele afirmaria a necessidade de medidas urgentes, colocando-se radicalmente contrário à promoção do êxodo rural e defendendo a necessidade de uma política voltada para a fixação do homem no campo.

26Um ano depois, em 1878, suas análises em torno do tema são sistematizadas num estudo intitulado: O futuro da grande lavoura e da grande propriedade no Brasil, no qual passa a adotar uma posição claramente contrária à escravidão. É difícil saber a razão pela qual nossa personagem passa a defender a abolição e se tal postura esteve relacionada à sua percepção sobre a pobreza rural, sistematizada no seu estudo sobre as secas nordestinas. É provável que a magnitude da seca deste período, bem com os fracassos do governo em controlar a ocupação irregular de terras e os problemas ocasionados pelo sistema de parceira do Senador Vergueiro tenham culminado numa análise mais acurada sobre os reais problemas do país, aproximando-o assim de uma visão mais radical, a princípio estranha a um homem nascido no seio de uma das mais importantes famílias do Império e profundamente marcado por sua atuação junto ao Estado.

27De todo modo, aquele estudo nos permite retomar a complexidade do processo de transição, já que, ao mesmo tempo em que propõe uma solução para a «questão da mão-de-obra», nos fornece indícios de um acirrado debate em torno do tema. Essa complexidade fica completamente perdida para uma certa historiografia que tende a analisar esse contexto considerando apenas o termo do processo, qual seja, a continuidade da grande propriedade ou através da incoporação do imigrante, no caso da lavoura paulista, ou através da manutenção do liberto em relações de trabalho «semi-escravistas». Pelas linhas escritas por Beaurepaire é possivel asseverar que, naqueles anos, havia interpretações conflitantes acerca do encaminhamento do fim da escravidão em sua relação com o desejo de alguns de que ele viesse acompanhado por algum tipo de reforma na estrutura fundiária então vigente.

  • 20 «Os poucos escravos restantes (...) terão em seu favor a symapthia publica, o apoio moral do paiz e (...)
  • 21 Ibid., p. 5.

28Naquele ano de 1878, Beaurepaire enfatiza a inevitabilidade do fim da instituição escravista já que «no lapso de dez anos estará extinta ou quase extinta a escravidão no Brasil20.» e dessa forma, procura mostrar a urgência na adoção de medidas para a transição. Na sua argumentação, a distinção entre a grande propriedade e a grande lavoura ocupa um lugar central. Sua principal idéia é a de que tanto os gêneros agrícolas voltados para a exportação (café, cana, algodão, tabaco) quanto os «artigos de primeira necessidade» voltados para o mercado interno (cereais, mandioca, feijão) – ambos, pertencentes à «classe dos produtos da grande lavoura» – não eram exclusividade da grande propriedade. «Os artigos que constituem a grande lavoura podem ser indiferentemente cultivados tanto pelo agricultor rico na grande propriedade, como pelo pobre na propriedade relativamente pequena21».

  • 22 Ibid., p. 26.
  • 23 «É na autoridade do sr. Commendador José Vergueiro que firmo a minha opinião a tal respeito. Este i (...)

29Se o fim da escravidão colocava problemas à manutenção da grande lavoura na grande propriedade é porque esta última mantivera-se, até então, «por meio do elemento servil.» Para que o fim da instituição escravista não viesse inviabilizar a grande lavoura seria necessário, segundo Beaurepaire Rohan, outras medidas que não o «salário, a parceria ou a locação de serviços22». Por conseguinte, Beaurepaire Rohan propõe a difusão da pequena propriedade como alternativa para o fim da escravidão, apoiando-se, para isso, na autoridade de Vergueiro23 que após os problemas com o sistema de parceria parecia ter se encaminhado para outra solução no que se refere à incorporação do imigrante.

  • 24 Henrique de Beaurepaire Rohan citando Vergueiro, Ibid., p. 8.

«O lavrador que emigra, entende que, emigrando e procurando nova pátria para seus filhos, só tem em mente ser proprietário de um pedaço de terreno, de uma casa que o abrigue e de plantações que anhela deixar no porvir de seus filhos. Enquanto não for estabelecida um sistema, que satisfaça essas desculpáveis e justas ambições, não teremos nunca emigração espontânea.24».

30Sem dúvida, a autoridade de Vergueiro serve, neste contexto, para sustentar a sua argumentação em torno da necessidade de se expandir o sistema da pequena propriedade. No entanto, um novo elemento é introduzido no seu discurso que o afasta da solução imigrantista: a pequena propriedade é a maior aspiração não somente do imigrante europeu, mas de todos os trabalhadores, inclusive o nacional.

  • 25 Ibid., p. 9.

«O que diz o Sr. Vergueiro em referencia a colonos europeus, disse-o eu quanto a colônias formadas por nacionais. Os instintos são os mesmos, qualquer que seja a origem do colono, venha ele da Europa, da Ásia, da África ou seja americano. Todos aspiram à honra de ser proprietários.»25

31Para sustentar esse argumento, Beuarepaire Rohan se opõe diretamente à idéia, amplamente difundida neste contexto, da indolência do trabalhador nacional que, segundo ele, deveria ser considerado o principal agente no processo de transição.

  • 26 Ibid., p. 10.

32Apesar de atribuir um papel relevante ao trabalhador nacional e de indicar, em várias passagens, a importância da difusão da pequena propriedade, Rohan se defende a todo o momento da suspeita de que estivesse contrariando os interesses da grande propriedade. Se por um lado, refere-se ao «retalhamento da grande propriedade territorial [como] condição indispensável ao desenvolvimento da nossa lavoura, e muito mais quando estiver de todo extinta a escravidão», por outro lado, ele insiste que o sistema proposto «não importa a destruição da grande propriedade.»26

  • 27 Ibid., p. 11.

33De fato, nosso personagem enfatiza insistentemente a sua opção pela manutenção da grande propriedade, ao mesmo tempo em que faz o elogio do sistema da pequena propriedade trabalhada pelo liberto. Essa disposição em conciliar dois sistemas aparentemente inconciliáveis explica, por um lado, a originalidade e, por outro, certas incoerências e lacunas do sistema proposto por Beaurepaire Rohan. Essa tentativa de auxiliar tanto a manutenção da grande propriedade, quanto a formação de pequenas propriedades está exemplificada na passagem que se segue: «Raciocinando deste modo, sinto-me bem collocado, tendo de um lado o Sr. commendador Vergueiro, partidario da pequena propriedade, cujas vantagens preconisa, e de outro o sr. Conselheiro Cansansão de Sinimbú, o qual, sem desconhecer essas vantagens, aconselha entretanto, no seu notavel discurso inaugural perante o Congresso Agricola, que seja a grande propriedade attendida em suas condições de vida, ou o nosso paiz sera constrangido a rennunciar ao brilhante futuro que a Providencia lhe reserva.27»

  • 28 No jornal republicano O grito do povo, publicado durante 1887, essa proposta reaparece com o empreg (...)

34No seu projeto, trata-se de repartir a grande propriedade em parcelas de terras (ele indica inclusive as dimensões ideais) e distribuí-las entre os libertos tornando-os, dessa forma, «foreiros perpétuos» em relação ao grande proprietário que conservaria o domínio direto da propriedade. Em outras palavras, o sistema proposto por nosso ilustre apostava num futuro, com os pés fincados no passado, já que não rompia com o direito de propriedade dos fazendeiros e impedia, na prática, o mesmo direito aos pobres do campo. O liberto e seus descendentes estariam atrelados, de um lado, à terra da qual possuiriam o domínio útil, e, de outro lado, ao proprietário das terras ao qual deveriam pagar um foro anual. Além disso, esse sistema é visto por Beaurepaire efetivamente como um sistema de transição já que a ele deveriam ser incorporados os próprios escravos28.

  • 29 Ibid., p. 12.

«Consiste essa medida na conversão dos escravos em colonos, e na transformação das fazendas em colônias agrícolas. Previamente retalhadas, como já o indiquei, destine-se cada prazo a uma família de escravos, mediante as condições que a prudência aconselhar. Vinculados ao solo por meio de um mecanismo tão simples, jamais ficará deserta a fazenda, incultas as suas terras. Os colonos enquanto vivos, e depois delles a sua prole (grifo nosso), serão os lavradores naturaes da pequena propriedade.(grifo nosso) (...) e tudo isto não só em proveito próprio, como no do fazendeiro seu ex-senhor. Este, além do fôro anual a que é obrigado o colono, deverá ter uma quota do rendimento daquelles productos que tiveram de ser preparados nas fabricas centraes a seu cargo.»29

  • 30 Ibid., pp. 12-13.

35Na passagem acima, cumpre destacar, em primeiro lugar, o tipo de vinculação que se estabelece entre o escravo, tornado colono, e a terra: ela é perpétua e deve ser estendida às futuras gerações. Em segundo lugar, é interessante observar a insistência de Beaurepaire Rohan em nomear essa parcela de terra como pequena propriedade. Essa aparente confusão no uso dos termos – chamar de pequena propriedade o domínio útil de uma parcela de terra com obrigação de foro anual perpétuo – fica ainda mais clara na passagem que se segue onde o autor oscila entre duas denominações, além de exprimir, sutilmente, através do advérbio talvez, a necessidade de um agente regulador dessas relações, pressentindo inevitáveis conflitos. «Para regular essas relações entre o grande e os pequenos proprietários conviria talvez a intervenção de um Congresso agrícola onde a questão fosse resolvida de modo a evitar conflitos entre os fazendeiros e seus foreiros.»30

  • 31 Ibid., pp. 9.
  • 32 Ibid., p. 13.

36A sua disposição em garantir, de um lado, o acesso à terra ao liberto, e de outro lado, o domínio do grande proprietário sobre essas mesmas terras, produz um discurso entremeado de ambigüidades. Dialogando com interlocutores diferentes – grandes proprietários, autoridades governamentais, intelectuais – Beaurepaire adequa os seus argumentos aos diferentes interesses em jogo. Num certo momento, para mostrar as vantagens do sistema de pequenas propriedades afirma que «para termos trabalhadores livres (..) devemos associá-los aos lucros, para torná-los verdadeiramente felizes devemos associa-los à propriedade»31. Num outro contexto, para convencer o grande proprietário de que, em nome do seu próprio interesse, era necessário repartir as suas terras entre os escravos tornados libertos, Beaurepaire afirma «A operação é simples: trata-se apenas de trocar a denominação de escravos pela de foreiros. (...) Cessam os vossos encargos para com eles, e daí em diante tereis um rendimento líquido, qual nunca o podereis obter com o sistema atual32

37Ao prosseguir no seu esforço de convencimento do grande proprietário, nosso autor chega, inclusive, a apresentar diferentemente a «cláusula» que vinculava não só o liberto, mas os seus descendentes à mesma parcela de terra:

  • 33 Ibid., p. 14.

«o foreiro, que vier se estabelecer nas vossas terras na vaga de um liberto não vos custará um só real. Enquanto vivo, trabalhará para si e para vós: morto, será substituído por outro, com os mesmos encargos. Por este sistema daqui a dez anos estarão cultivadas as vossas fazendas: de outro modo ficarão ermas e vós e vossos filhos reduzidos à pobreza.»33

  • 34 Além dos dois textos acima citados, a tipografia publica, nesse mesmo ano de 1883, o periódico Linc (...)

38Cinco anos depois, no mesmo ano da publicação do «panphleto» de André Rebouças «Confederação abolicionista. Abolição Imediata e sem indenização» e editado pela mesma Typografia Central de Evaristo Rodrigues da Costa34, Henrique de Beaurepaire Rohan publica o texto Emancipação do Elemento servil considerada em suas relações moraes e economicas. Num nítido processo de radicalização de suas posições, o autor se mostra mais propenso a afirmar, de forma direta e objetiva, sua crítica à escravidão e à grande propriedade:

  • 35 Henrique de Beaurepaire Rohan, Emancipação do elemento servil considerada em suas relações moraes e (...)

«Enquanto houver escravos, hade haver a grande propriedade territorial, e com ella a cultura extensiva, em grave detrimento não só de milhares de famílias pobres, que vegetam na miséria em falta de terras onde exerçam a sua actividade, como tambem de um bom systema de colonização.(...) A completa abolição da escravidão é, pois, a maior necessidade do Brasil.»35

  • 36 «Se os proprietários me falarem em indenização como condição necessária da libertação, eu lhes resp (...)
  • 37 Ibid., p. 8.

39Além disso, ele relativiza a necessidade de indenização dos proprietários de escravos e argumenta em favor da «libertação em massa36», legitimando o movimento abolicionista ao concluir que: «o bom governo é aquele que obedece aos ditames da opinião pública; e quando a opinião pública se pronuncia abertamente contra a existência da escravidão, (...) ninguém tem o direito de se opor à sua marcha triunfante37

  • 38 Entre os republicanos da Confederação estão João Clapp, Vicente de Souza, Ennes de Souza além de Jo (...)
  • 39 André Rebouças, Abolição Imediata e sem indenização, Rio de Janeiro, Typ. Central E. R. da Costa, 1 (...)

40A nosso ver é exatamente neste contexto, em 1883, que se concretiza a aproximação entre Beaurepaire Rohan e os abolicionistas da Confederação, formada tanto por monarquistas quanto por republicanos38. Em primeiro lugar, na elaboração do programa da Confederação assinado por André Rebouças, sob o título «Abolição imediata e sem indenização». Nesse panfleto, André Rebouças afirma que a propaganda abolicionista compreende duas grandes reformas sociais: «abolição imediata, instantânea e sem indenização alguma» e «a destruição do monopólio territorial»39.

  • 40 Ibid., p. 22.

41Se, por um lado, o panfleto apresenta uma formulação extremamente crítica ao sistema da grande propriedade e ao poder dos grandes proprietários, por outro lado, é evidente o seu esforço em legitimar-se através da referência constante a personalidades da elite política do Império. Em várias passagens, a crítica aos grandes proprietários e ao sistema fundiário brasileiro é feita a partir das «doutas palavras do incansável abolicionista conselheiro Henrique de Beaurepaire Rohan40.» A sua autoridade é evocada para tratar de assuntos controversos como, por exemplo, a visão de liberdade do escravo e do nacional.

  • 41 Nesse contexto, é interessante o debate entre Louis Couty, francês residente no Brasil na década de (...)

42A tese sobre a indolência e a imprevidência do brasileiro – apoiada, muitas vezes, em teorias pretensamente científicas sobre o componente racial destas características – se afirma neste contexto como um dos argumentos mais poderosos a favor, tanto da manutenção do processo de emancipação gradual, quanto da entrada de imigrantes para solucionar a «crise da mão-de-obra»41. Na argumentação de André Rebouças em defesa da abolição imediata e da distribuição de terras para os libertos, torna-se extremamente relevante construir uma contra-imagem do elemento nacional associada ao trabalho e à dedicação. Compreende-se assim porque o artigo de Beaurepaire Rohan, «Escolas agrícolas», publicado no dia 31 de maio de 1882, oferece a Rebouças o apoio necessário para se opor à argumentação escravista e imigrantista. Aquele artigo revela também a radicalidade do discurso de Rohan, a partir de agora mais incisivo em sua crítica à grande propriedade, fornecendo argumento em defesa da democracia rural e legitimando-a via seu prestígio no Império

  • 42 Henrique de Beaurepaire Rohan citado por Rebouças, André, Abolição imediata e sem indenização, Rio (...)

«enquanto se discute a conveniência de agenciar braços para a lavoura; enquanto se oscila entre o pensamento de atrair colonos europeus, ou de importar asiáticos, – onde ficam os brasileiros? – Que destino se reserva aos naturais desta terra? – Há, por ventura, falta de gente neste país? – Não, por certo. Há milhões de homens, que se poderiam com proveito entregar aos trabalhos da grande lavoura. E porque não tiram deles toda a vantagem possível? Já sinto a resposta. Os brasileiros são indolentes, preguiçosos (...). Ainda que isso não passe de uma grande falsidade, admitamos que assim seja (...) qual é a causa de todos esses defeitos morais? É a miséria e a ignorância. A miséria, por que habitando um país tão vasto, não podem entretanto adquirir a propriedade territorial, a qual pertence exclusivamente aos fazendeiros, e estes, admitindo-os apenas como agregados, reservam o direito de lhes mandar queimar as palhoças, quando entendem conveniente a seus interesses expedi-los da sua propriedade. É evidente que, em semelhantes condições, acabrunhados, abatidos em sua dignidade, os pobres brasileiros não podem criar amor ao trabalho.»42

  • 43 «Qual o juiz que jamais ousou penetrar em uma fazenda, percorrer as senzalas, inquirir da sorte das (...)

43Sem dúvida, existe uma distância considerável, do ponto de vista tanto do conteúdo quanto da forma, entre as afirmações do Conselheiro e o discurso da Confederação. A crítica de Rebouças ao sistema fundiário brasileiro é marcada por ataques contundentes aos próprios fazendeiros, que são designados pelas expressões «barões feudais da idade média», «landlords», «exploradores da raça africana»43.

44No entanto, ao defender o projeto de democracia rural – termo ausente do discurso de Beaurepaire Rohan – André Rebouças procura mostrar a continuidade e a cumplicidade entre os dois discursos. Assim, ao terminar a citação do artigo de Beaurepaire Rohan, transcrita acima, André Rebouças encadeia a sua argumentação:

  • 44 Ibid., p. 20.

«Nestas sabias palavras está resumida toda a maléfica influência, exercida sobre a agricultura nacional pelos exploradores de escravos e monopolizadores da terra. Formaram uma aristocracia bastarda, fundada no número de escravizados e nas léguas quadradas de terras monopolizadas.»44

  • 45 Sobre o papel das associações na vida política e sobre a noção de sociabilidades, cf. Jean-Pierre R (...)
  • 46 Diário de André Rebouças, 01/01/1889. Todos os trechos do Diário de André Rebouças nos foram gentil (...)

45A década de 1880 pode ser caracterizada, entre outros aspectos importantes, pela expansão do desejo associativo45, perceptível através do número de associações, clubs e sociedades criadas para fins diversos, tendo o movimento abolicionista do Rio de Janeiro contribuído bastante para esse quadro: a Sociedade contra a Escravidão, os clubs de libertos e enfim a Confederação abolicionista são exemplos da importância desse espírito associativo para a organização do abolicionismo da corte. André Rebouças, à frente de várias dessas associações, é um incansável defensor desse tipo de sociabilidade como forma de levar a termo o conjunto de reformas que considera essencial para a modernização do Império. No ano de 1889, Rebouças nos fornece, em seu diário, um exemplo dessa adesão ao espírito associativo quando comenta a recomendação feita ao chefe da Guarda negra: «Na Cidade do Rio aconselhando ao Manuel Maria de Beaurepaire Pinto Peixoto, organizador da Guarda Negra, evitar a violência e construir sociedades e clubs para educação, instrução e apefeiçoamento da raça africana.»46

  • 47 O projeto Inspirava-se na proposta elaborada por Robert Torrens para a Austrália. O autor, filho de (...)

46A Sociedade Central de Imigração é uma dessas associações criadas na década de 1880 com propostas de atuação na arena política, tendo em vista algumas reformas importantes. De fato, essa Sociedade pode ser compreendida como um lócus privilegiado dessa aliança entre o abolicionismo da corte e membros da elite política do Império, já que aí se encontrarão, a partir de 1883 até o ano de 1889, Beaurepaire Rohan, A. De Escragnolle Taunay e o abolicionista André Rebouças numa atuação orquestrada em torno de certas propostas. Além deles, encontram-se lado a lado, o Barão de Teffé, o Barão de Irapuã, Carlos Von Kosertiz e líderes da Confederação abolicionista, os republicanos Ennes de Souza, Vicente de Souza e João Clapp. Os Boletins da Sociedade, no pronunciamento de cada um dos seus membros, apontam para diferentes posições acerca do processo de transição, principalmente no que diz respeito ao maior ou menor aproveitamento do trabalhador nacional. No entanto, eles se reúnem em torno da crítica ao sistema de propriedade e das medidas julgadas necessárias para realizar a transição do trabalho escravo para o trabalho livre, entre elas: a adoção de registros civis; a naturalização dos imigrantes; a confecção de um cadastro de terras; a hipoteca de fazendas aos bancos e a organização de lotes de terra para imigrantes e brasileiros; a exploração das margens dos caminhos de ferro e sua subseqüente distribuição em pequenos lotes entre os imigrantes; a adoção da Lei Torrens47 e o imposto sobre a terra com base na superfície possuída. Além disso, a Sociedade empreende, no ano de 1883, uma campanha contra a imigração chinesa denunciada enquanto proposta dos grandes proprietários desejosos de trabalho escravo. No fundo André Pinto Rebouças no arquivo Nacional – constando de 12 documentos produzidos entre 1886-1892 – existe algumas páginas de uma revista (sem data) dedicada a André Rebouças e à sua trajetória abolicionista. Neste impresso, o autor (anônimo) entende que a Sociedade foi a ocasião para a aproximação entre o abolicionista e setores conservadores, principalmente com A. Escragnolle de Taunay. André Rebouças e Taunay, ambos nascidos na década de 1840, mas tendo construído trajetórias muito diferentes, teriam se reunido neste contexto em torno de algumas reformas básicas:

  • 48 Fundo André Pinto Rebouças, Arquivo Nacional (2 CP1 DDE – SAP).

«No mês de setembro de 1883, em que Leopoldo de Bulhões, deputado por Goiás, leva à Câmara o projeto de abolição imediata (..) Rebouças entra em confabulações com Carlos Von Kosertiz do que resultaria a fundação da Sociedade Central de Imigração que lhe proporciona ensejo de ainda uma vez aproximar-se de Taunay (...) como na aplicação da lei Torrens ao Brasil para a garantia da propriedade imobiliária e combate ao latifúndio, o casamento civil, a liberdade de consciência e de comércio.»48

  • 49 Em maio de 1889, na «Sociedade Central de Imigração com os amigos Rohan, Taunay e Américo Santos.» (...)

47No Diário de Rebouças e nas correspondências trocadas entre o abolicionista e visconde de Taunay, existem inúmeras referências à atuação da Sociedade, assim como ao convívio freqüente entre eles e Henrique de Beaurepaire Rohan49.

  • 50 Diário de André Rebouças, 24 de dezembro de 1888.
  • 51 Diário de André Rebouças, 03/05/1889.
  • 52 Diário de André Rebouças, 04/05/1889.
  • 53 Diário de André Rebouças, 12/11/1889.

48A Sociedade mantém-se particularmente atuante no ano de 1888-1889 e se consolida como um campo de atuação política em prol da continuação das reformas «iniciadas com o 13 de maio». Em dezembro de 1888, a Sociedade dirige uma «moção aos fundadores do Banco de imigração, aconselhando-lhes a aquisição das fazendas hipotecadas, sua divisão em lotes para o estabelecimento de pequenos proprietários na província do Rio de Janeiro»50. Em várias frentes, mantém-se a luta pela adoção de um cadastro de terras, pela adoção de um imposto territorial e pela formação de colônias agrícolas baseadas no sistema de pequenas propriedades. No ano de 1889, a Sociedade parece obter alguns resultados: a Fala do trono de 03 de maio de 1889 é vista como uma vitória já que «pede a Divisão da terra, a pequena propriedade, o imigrante proprietário e a democracia rural»51, mesmo se Taunay lamenta aí a ausência do casamento civil52. A data de 27 de agosto de 1889 é vivenciada como uma «data gloriosa para a Sociedade Central de Imigração». Neste dia, o «ministro da Agricultura Lourenço de Albuquerque publica no Jornal do Comércio o ato encarregando à Sociedade para estabelecer imigrantes nas fazendas hipotecadas aos Bancos». No mesmo dia, André Rebouças, na Sociedade Central de Imigração, com «os amigos Taunay, Zozimo Barroso» começam a trabalhar «na subdivisão das Fazendas hipotecadas aos Bancos do Brasil Predial». Às vésperas da proclamação da república, os membros da Sociedade ainda mantém-se firmes no propósito de fazer aprovar o «Imposto territorial e o cadastro do território nacional»53.

49O ano de 1888-1889 marca, portanto, no âmbito da Sociedade Central de Imigração, o coroamento da aliança entre o abolicionismo da Confederação abolicionista e membros da elite política do Império, como é o caso de Henrique de Beaurepaire Rohan que – como afirmamos – já em 1883 fornecia o respaldo necessário a Rebouças para formalizar suas reivindicações acerca da reforma do sistema fundiário. Sem dúvida, essa nova rede da alianças permitiu que o projeto de «democracia rural» saísse da esfera do abolicionismo radical e ganhasse, maior legitimidade e repercussão nos debates políticos dos últimos anos da monarquia.

  • 54 Para uma crítica interessante à história retrospectiva, cf. Pierre. Rosanvallon, Le sacre du citoye (...)
  • 55 Chistophe Charle, Les élites de la République, Paris, Fayard, 1987, p. 40.

50Nós sabemos que essa aliança entre o abolicionismo radical da corte e membros da elite política do império não foi capaz de vencer a resistência dos grandes proprietários a qualquer reformulação do sistema fundiário. No entanto, desconsiderar a importância desse projeto em razão da sua não realização – qualificando-o de utópico ou caracterizando-o pelo seu isolamento político –, é se contentar com uma história meramente retrospectiva54. Em lugar de minimizar ou negar a importância do projeto abolicionista, é preciso, ao contrário, explicar a forte resistência a qualquer mudança importante na estrutura fundiária do país não somente neste contexto, mas em diversos outros. Neste caso, é interessante a observação do historiador francês Christophe Charle quanto ao retorno periódico de certos projetos sociais na arena política: «Certains projets, un moment enterrés, reviennent sous des habits neufs quelques années plus tard. Cette permanence relative fati supposer que derrière ces thèses qui s´affrontent, ce sont des forces sociales qui s´opposent dont il conviendra de délimiter les contours pour en trouver le sens réel»55.

51Em suma, mais do que apostar numa certa especificidade do projeto em tela, o artigo procurou demonstrar que as palavras aqui escritas são – malgrado exagero – um dos capítulos ainda não escritos sobre a história da luta pela reformulação da estrutura fundiária no país, cujas marcas podem ser recuperadas aqui e ali, pelas análises das trajetórias de alguns intelectuais do oitocentos e/ ou representantes da elite política do império. A imprevisível aproximação da proposta de Henrique Beaurepaire com os abolicionistas é um capítulo importante da história, cuja continuidade é sinalizada pela permanência de uma sociedade, onde o acesso à terra é ainda vedado à maioria da população.

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Notas

1 Neste contexto, alguns dos defensores de uma reforma do sistema fundiário brasileiro identificam-se enquanto continuadores de um projeto anterior, aquele dos «Apontamentos» de José Bonifácio de Andrada, no próprio quadro da independência. Nada mais absurdo do que atribuir ao patriarca da independência qualquer traço de radicalismo, já que do ponto de vista político, ele se posiciona enquanto um anti-jacobino, defensor do poder moderador e da centralização, adotando métodos autoritários contra os seus adversários políticos, defensores do federalismo e de um poder maior das assembléias. No contexto de 1964, apesar da reforma agrária fazer parte de projetos socialistas, ela também fazia parte da perspectiva nacional-desenvolvimentista. «Desde o parlamentarismo, Goulart levantou a bandeira da reforma agrária (...) o presidente propunha a revisão do art. 141 da carta de 1946 que condicionava as desapropriações de terra mediante “prévia indenização em dinheiro” (...) Na perspectiva nacional-desenvolvimentista, a reforma agrária era essencial para que o capitalismo industrial no Brasil pudesse alcançar um nível superior de desenvolvimento (...). Num depoimento, Darci Ribeiro, um dos mais íntimos assessores de Goulart, sintetizou a visão do governo sobre o assunto: Jango, latifundiário, queria fazer a reforma agrária para defender a propriedade e assegurar a fartura, evitando o desespero popular e a convulsão social». Caio Navarro Toledo, «1964: o golpe contra as reformas e a democracia», in Reis, Daniel Aaarão (orgs.), O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois (1964-2004), São Paulo: EDUSC, 2004, p. 73.

2 Cf. Cláudia A. dos Santos, Les voyageurs français et les débats autour de la fin de l’esclavage au Brésil (1850-1899), Tese de Doutorado Paris IV-Sorbonne, 1999.

3 «En Berlin une association se forma sous ce titre: Société centrale de Berlin qui se donna pour mission d’empêcher l’emigration au Brésil (...) M.J.J.Sturz [cônsul alemão no Brasil durante 10 anos] (....) occupe la première place parmi les publicistes allemands qui osé combattre, au nom de l’humanité, et dans l’intérêt de la civilisation, la propagande brésilienne en Europe. (...) Aussi, des tribulations de toutes sortes, causées par les agents de l’empire esclavagiste, n’ont-elles pas été épargnées à ce courageux citoyen [M.J.J.Sturz] qui a eu l’honneur- nous l’avons eu aussi, et bien d’autre avant nous - d’être appelé l’ennemi du Brésil [grifo nosso] C’est l’ennemi de l’Opression, de la supertition, de la barbarie, de l’esclavage.» Charle Expilly, La traite, l’émigration et la colonisation au Brésil, Paris: A. Lacroix, au Bureau de la Revue du Monde Colonial asiatique et américain, 1864, p. 91.

4 Idem, p.336.

5 Idem, pp. 174-176.

6 Emile Levasseur, «L’abolition de l’esclavage au Brésil», extrait du compte-reundu de L’Académie des Sciences morales et politiques (Institut de France), Paris, 1888.

7 «Pour fortifier l’immigration et augmenter le travail agricole, il importe que votre sagesse prenne en considération le projet de loi régularisant la propriété territoriale et rendant plus faciles l’acquisition et la culture des terres inoccupées. En examinant ces projets, vous verrez s’il n’est pas utile d’accorder au gouvernement le droit d’exproprier, pour cause d’utilité publique, les terrains situés sur les lisières des chemins de fer qui ne seraint pas exploités par leurs propriétaires, et qui pourraient servir à l’établissement de noyaux coloniaux.» Ibid., p. 37.

8 Este dado nos é fornecido por Paulino Jacques. Elogio ao Visconde de Beaurepaire Rohan, Rio de Janeiro, 1931.

9 Biografia do Conde de Beaurepaire por seu filho O Visconde de Beaurepaire Rohan, Rio de Janeiro, Typ. Senzinger, 1899.

10 Além de Henrique, o Conde teve os seguintes filhos: Luiz de B. Rohan (1816-1889), que foi tenente-coronel; Amadeu B. Rohan que também foi tenente e Elisa de B. Rohan (1823-1873), dama de honor da Imperatriz D. Tereza. Idem.

11 Conhecida também como Guerra da Tríplice Aliança, a Guerra do Paraguai opôs os interesses do Brasil, Argentina e o Uruguai em relação ao território paraguaio. Foi um conflito de enormes proporções, que terminou em 1870, com a derrota do Paraguai. Para uma análise sobre o acontecimento, v: Ricardo Salles, Guerra do Paraguai. Escravidão e cidadania na formação do Exército, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990.

12 C. Coelho, Em busca da identidade. O Exército e a Política na Sociedade Brasileira, Rio de Janeiro, Forense, 1976, p. 46.

13 José Murilo Carvalho, A construção da ordem, Rio de Janeiro, Campus, 1980, p. 103.

14 No âmbito desse artigo, trata-se de indicar a aproximação entre as duas trajetórias do ponto de vista das idéias e dos projetos. Além disso, procuramos mostrar a importância dessa aliança para o abolicionismo da Corte. Ainda não possuímos elementos que nos permitam explicar essa aproximação. Acreditamos, no entanto, que ela se efetua no contexto da criação da Sociedade Central de Emigração, em 1883, como veremos a seguir.

15 Henrique Beuarepaire Rohan, Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial do Pará, Pará, Typ. De Santos, 1856, p.13.

16 Idem, pp. 13-14.

17 Ibidem, pp. 14-15.

18 Henrique Beuarepaire Rohan, Relatório apresentado à Assembléia..., p.33.

19 Henrique Beuarepaire Rohan, Considerações acerca dos melhoramentos de que em relação as seccas são suceptivas algumas províncias do Norte do Brazil, Rio de Janeiro, Typ. Nacional, 1877. O autor proporia que fossem somados esforços para a plantação do juazeiro para proteger as culturas mais sensíveis e a construção de açudes.

20 «Os poucos escravos restantes (...) terão em seu favor a symapthia publica, o apoio moral do paiz em prol de sua libertação definitiva. A legislação virá em seu auxílio», Henrique de Bearepaire Rohan, O futuro da grande lavoura e da grande propriedade no Brazil, Rio de Janeiro: 1878, p. 12.

21 Ibid., p. 5.

22 Ibid., p. 26.

23 «É na autoridade do sr. Commendador José Vergueiro que firmo a minha opinião a tal respeito. Este illustrado fazendeiro, amestrado por uma longa pratica é, no meu conceito, o mais competente para discutir as questões desta ordem», Ibid., p.6.

24 Henrique de Beaurepaire Rohan citando Vergueiro, Ibid., p. 8.

25 Ibid., p. 9.

26 Ibid., p. 10.

27 Ibid., p. 11.

28 No jornal republicano O grito do povo, publicado durante 1887, essa proposta reaparece com o emprego do termo emphyteuse, declarando-se a legitimidade desse tipo de relação, já que definida pelo direito civil: «Se defendemos a conservação da grande propriedade, é porque acreditamos que, mediante a sua existência, as forças do solo nacional serão mais larga e melhormente utilisadas. Nada nos poderia deter, pois, ante a proclamação desta indispensável medida: os proprietários agrícolas que não explorarem diretamente as suas terras, serão obrigadas a da-las a fôro. Como fazer tal aforamento, dado o nosso complexo intuito? Ainda aqui a legislação vigente bastaria. O tipo ordinário de enphyteuse, conforme o nosso direito civil é completo e adota-se inteiramente à situação que tem que surgir com a vitória abolicionista. Ou haja simples emphyteuse, ou enphyteuse com cláusulas antichreticas, ou contrato de locação – condução de bem rural, podem ser plenamente garantidos os interesses do trabalhador foreiro e os do senhor do prédio....»

29 Ibid., p. 12.

30 Ibid., pp. 12-13.

31 Ibid., pp. 9.

32 Ibid., p. 13.

33 Ibid., p. 14.

34 Além dos dois textos acima citados, a tipografia publica, nesse mesmo ano de 1883, o periódico Lincoln («periódico do Club Gutemberg, consagrado à propaganda abolicionista, editado pelo tipógrafo Evaristo Rodrigues da Costa»); o texto «Homenagem a José do Patrocínio (club dos libertos contra a escravidão)»; o texto da «Conferência pública do jornalista José do Patrocínio no Teatro Polytheama, em sessão da Confederação abolicionista».

35 Henrique de Beaurepaire Rohan, Emancipação do elemento servil considerada em suas relações moraes e economicas, Rio de Janeiro, Typ. Central de Evaristo Rodrigres da Costa, 1883, 3.

36 «Se os proprietários me falarem em indenização como condição necessária da libertação, eu lhes responderei que lhes devem considerar amplamente indemnizados pelos serviços que até aqui lhes têm prestado seus escravos. Com efeito, é sabido até á saciedade que com cinco annos de trabalho tem o senhor recuperado com usura o valor venal da propriedade servil.(...) E não seria a primeira vez que se effectuasse no Brasil uma libertação em massa. Sabem todos que ha pouco mais de cem annos ainda se mantinha a escravidão dos nossos aborigenes. (...) até que (...) foi promulgada a lei de 6 de junho de 1755», Ibid., p. 4-5.

37 Ibid., p. 8.

38 Entre os republicanos da Confederação estão João Clapp, Vicente de Souza, Ennes de Souza além de José do Patrocínio.

39 André Rebouças, Abolição Imediata e sem indenização, Rio de Janeiro, Typ. Central E. R. da Costa, 1883.

40 Ibid., p. 22.

41 Nesse contexto, é interessante o debate entre Louis Couty, francês residente no Brasil na década de 1880, e os abolicionistas do jornal O abolicionista, fundado em 1880. O francês defende o direito do Brasil, face à opinião pública européia, de manter o processo de emancipação gradual, fazendo referência à visão de liberdade dos ex-escravos e às teses racialistas sobre a inferioridade dos negros:«Hoje, todos nós conhecemos os fatos fornecidos por Huxley, por Hoeckel, por Broca, por Quatrefages, por Hamy e tantos outros, e, mesmo assim alguns acham simples assimilar todas as raças humanas e fazê-las desempenhar um mesmo papel social. Nós poderíamos pegar o escravo na África, antes de sua vinda para o Brasil; e os fatos fornecidos por todos os viajantes que nos descreveram o Congo ou o Moçambique indicam a mesma realidade: o negro é diferente do branco tanto no aspecto étnico quanto no aspecto sociológico (...) Não está provado que empregado enquanto trabalhador, eles fornece muito menos trabalho do que os brancos? (...) o estudo de suas sociedades embrionárias, passageiras, mal construídas, sem técnica nem produção, assim como o estudo de seu cérebro ou de seu crânio, não é suficiente para responder àqueles que elaboram teorias sociais com palavras vazias ou com idéias a priori?» (tradução nossa) Louis Couty, op. cit., p. 68. Sobre esse aspecto, conferir Cláudia SANTOS, Les voyagerus français et les débats autour de la fin de l’esclavage au Brésil (1850-1898) tese defendida na Paris IV-Sorbonne em 1999, principalmente o capítulo 7, pp. 288-303. Na edição de 1 de agosto de 1881, o jornal O abolicionista comenta a publicação do livro de Louis Couty L’esclavage au Brésil: «A tese nova é que o negro não é igual ao branco (...) O Dr. Couty ocupa-se do negro cientificamente (...) para nós, os negros são os cultivadores do nosso solo, um elemento considerável de nossa população e não nos é indiferente nem que eles sejam cada vez mais embrutecidos pelo cativeiro nem que eles sejam tratados como animais intermediários entre o branco e o macaco (...)».

42 Henrique de Beaurepaire Rohan citado por Rebouças, André, Abolição imediata e sem indenização, Rio de Janeiro: Typografia central E. R. da Costa, 1883, p. 19.

43 «Qual o juiz que jamais ousou penetrar em uma fazenda, percorrer as senzalas, inquirir da sorte das mães e dos seus desgraçados filhinhos? Lá os esperava o barão feudal, cercado de capangas pronto a mandar assassina-lo, surra-lo, espanca-lo, ou cortar-lhe as orelhas, como fizeram em uma comarca da província de São Paulo. Onipotentes em suas misteriosas e impenetráveis fazendas». André Rebouças, op. cit., p. 17.

44 Ibid., p. 20.

45 Sobre o papel das associações na vida política e sobre a noção de sociabilidades, cf. Jean-Pierre Rioux, «A associação em política», in Remond, René, Por uma história política, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996.

46 Diário de André Rebouças, 01/01/1889. Todos os trechos do Diário de André Rebouças nos foram gentilmente cedidos pela mestranda Maria Luiza de Carvalho. As passagens referentes ao ano de 1889 apenas são encontradas na Fundação Joaquim Nabuco em Recife.

47 O projeto Inspirava-se na proposta elaborada por Robert Torrens para a Austrália. O autor, filho de um dos fundadores da colônia da Austrália do Sul, criou o Registro e deu-lhe seu nome com o intuito de por fim à confusão em matéria de títulos de domínio, transferências e aquisições da propriedade móvel naquela região. Para uma análise das tentativas de constituição do Registro Torrens no Brasil, nos primeiros anos da República, vide: Márcia Motta e Sonia Mendonça, «Continuidades nas Rupturas:Legislação Agrária e Trabalhadores Rurais no Brasil de Inícios da República», Revista Brasiliense de Pós Graduação em Ciências Sociais, Brasília, Instituto de Ciências Sociais, volume VI, 2002, pp.127/147.

48 Fundo André Pinto Rebouças, Arquivo Nacional (2 CP1 DDE – SAP).

49 Em maio de 1889, na «Sociedade Central de Imigração com os amigos Rohan, Taunay e Américo Santos.» Em junho de 1889, «na Sociedade Central de Imigração com os amigos Rohan e Carlos Rainsford». Além disso, a partir de 1888 Taunay e Rebouças conversam com o próprio Imperador sobre os projetos da Sociedade. Em 31 de dezembro de 1888, encontro na «estação com o Imperador e Taunay, conversando sobre a Sociedade Central de Imigração»; em janeiro de 1889, «conversaramos (Rebouças e Taunay) com o Imperador sobre a Sociedade Central de Imigração».

50 Diário de André Rebouças, 24 de dezembro de 1888.

51 Diário de André Rebouças, 03/05/1889.

52 Diário de André Rebouças, 04/05/1889.

53 Diário de André Rebouças, 12/11/1889.

54 Para uma crítica interessante à história retrospectiva, cf. Pierre. Rosanvallon, Le sacre du citoyen, Paris, Gallimard, 1992.

55 Chistophe Charle, Les élites de la République, Paris, Fayard, 1987, p. 40.

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Cláudia dos Santos e Márcia Motta, «Um retrato do império. Abolição e propriedade na trajetória de Henrique Beuarepaire Rohan»Ler História, 58 | 2010, 181-199.

Referência eletrónica

Cláudia dos Santos e Márcia Motta, «Um retrato do império. Abolição e propriedade na trajetória de Henrique Beuarepaire Rohan»Ler História [Online], 58 | 2010, posto online no dia 08 dezembro 2015, consultado no dia 21 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/1232; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.1232

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Autores

Cláudia dos Santos

Departamento de História – UNIRIO (Brasil)

Márcia Motta

Departamento de História – UFF (Brasil)

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Direitos de autor

CC-BY-NC-4.0

Apenas o texto pode ser utilizado sob licença CC BY-NC 4.0. Outros elementos (ilustrações, anexos importados) são "Todos os direitos reservados", à exceção de indicação em contrário.

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