Editorial. Ler História (1983-2023): 40 anos a fazer história
Texto integral
1A Ler História completa este ano 40 anos de existência. Data de 16 de Março de 1983 o registo oficial do título nos serviços competentes, a que logo se seguiu a publicação do primeiro número. Recordemos os nomes dos fundadores: João B. Serra, Joel Serrão, José Manuel Sobral, José Mattoso, Magda Pinheiro, Maria Alexandre Lousada, Maria Carlos Radich, Maria de Fátima Sá, Nuno Gonçalo Monteiro, Raul Iturra, Valentim Alexandre e Miriam Halpern Pereira, principal impulsionadora do projecto e primeira directora da revista, que assina neste número um pequeno texto evocativo do percurso trilhado. No ambiente historiográfico português daquela época, a Ler História destacou-se, desde logo, por um perfil inovador e por, no mínimo, três traços diferenciadores. Primeiro, por ser um projecto editorial independente, que não só não era produto de uma “capelinha” universitária (veja-se a diversidade de afiliações institucionais dos fundadores) como era publicada por editoras comerciais – ou seja, uma revista académica que não se fechava na academia e que queria atingir também um público mais vasto. Segundo, por ter dado prioridade a temas e cronologias então mais negligenciados ou emergentes – a história moderna e sobretudo contemporânea, a história social e uma nova história política. Terceiro, por uma vincada abertura internacional, com publicação regular de autores estrangeiros, vários deles importantes referências historiográficas (v.g. Maurice Godelier, Alan Macfarlane, Jean Bouvier, Eric Hobsbawm, Pierre Vilar, Albert Silbert, Hans Medick, Peter Mathias e tantos outros).
2A revista seguiria depois o seu percurso, atravessando e adaptando-se a tempos, vicissitudes e mudanças de vária ordem, entre as quais destacaria, pela positiva, a abertura a outras línguas, a indexação em bases de dados internacionais, a publicação online, a inserção numa plataforma de revistas internacional (OpenEdition Journals), o acesso aberto e, a partir deste número, a edição exclusivamente electrónica, marcando o fim da produção em papel. São 40 anos a fazer história! Esta afirmação pode ser entendida de várias maneiras, mas fiquemo-nos pela dos números: nestes 40 anos, a Ler História acolheu a contribuição de cerca de 750 autores e contribuiu para o avanço do conhecimento com mais de 850 artigos e inúmeras recensões.
3A história de África e do colonialismo, a história económica e a história da ciência são os temas fortes em que assenta o volume que agora se publica. Frederick Cooper, uma das principais referências mundiais sobre o tema, oferece-nos uma incisiva reflexão sobre o colonialismo, simultaneamente enquanto objecto de estudo histórico e de debate cívico contemporâneo. Por seu turno, a mesa-redonda sobre história de África vale tanto pelo seu conteúdo, ao reunir reputados especialistas internacionais com visões diferentes sobre o que tem sido e pode vir a ser a investigação sobre a África pré-colonial, como vale pelo seu significado, ao sinalizar o compromisso da revista com a promoção da história de África e dos africanos, matérias que gostaríamos que ocupassem ainda mais regularmente as páginas da Ler História.
4A história económica é particularmente expressiva nesta edição, com três artigos, todos bastante inovadores na abordagem e nos resultados, que tratam sucessivamente da estrutura accionista das companhias coloniais pombalinas, de um dos impostos mais importantes do Antigo Regime português, e da exportação de conservas. Outra área de investigação que sobressai neste número é a história da ciência, com dois artigos sobre matérias bem distintas. O primeiro aborda um tema de todos os tempos, mas que preocupava particularmente a sociedade e as ciências médicas oitocentistas, até pelas suas implicações médico-legais: como definir e como certificar a morte? No segundo, José Ferraz-Caetano reconstitui as origens da regulação alimentar na Europa e em Portugal na segunda metade do século XIX. Dos restantes artigos que compõem o LH82, merecem destaque duas propostas de pendor revisionista sobre tópicos de relevo. Raúl Molina e Carlos Mejías propõem nada menos do que uma reinterpretação dos modelos de reprodução social da nobreza espanhola na longa duração (séculos XV-XIX). Laurinda Abreu, por sua vez, discute as origens da polícia “moderna” em Portugal e algumas das ambiguidades e equívocos que andam associados a esta história, contestando nomeadamente o carácter disruptivo da reforma pombalina. Artigos sobre a emergência do feminismo no Brasil e sobre a revolta dos marinheiros de 1936 em Lisboa, assim como um conjunto de recensões, completam este volume. Não preparámos uma edição especial comemorativa do 40º aniversário, mas a qualidade deste número, pela relevância dos temas e pela qualificação e diversidade dos autores, cremos que faz jus ao momento que se celebra.
5Passados 40 anos de publicação ininterrupta, a Ler História é hoje um projecto consolidado e uma revista de referência na área, tanto em Portugal como no plano internacional. Estão de parabéns todas e todos que para isso têm contribuído – sucessivas direcções, membros da Redacção, consultores, avaliadores, autores e leitores – e com todos e todas contamos para continuar a enfrentar os desafios colocados por um universo de publicação académica em acelerada mudança.
Para citar este artigo
Referência do documento impresso
José Vicente Serrão, «Editorial. Ler História (1983-2023): 40 anos a fazer história», Ler História, 82 | 2023, 5-6.
Referência eletrónica
José Vicente Serrão, «Editorial. Ler História (1983-2023): 40 anos a fazer história», Ler História [Online], 82 | 2023, posto online no dia 07 junho 2023, consultado no dia 13 fevereiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/11965; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.11965
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