A invasão de Masséna em 1810 e as linhas de Torres Vedras: uma paradoxaL confluência de objectivos?
Resumos
O artigo retoma a análise da campanha francesa de 1810-1811 em Portugal, considerando como explicação uma confluência paradoxal de objectivos dos antagonistas. O exército dirigido por Masséna invadiu Portugal seguindo instruções que contrariavam as características do combate napoleónico, cercando praças e progredindo lentamente. Wellington surpreendeu os franceses com as linhas de Torres Vedras, sistema de fortificações de campanha, cuja primeira motivação era a protecção da retirada das tropas britânicas. A táctica adoptada por Wellington, condicionada pelas ordens do governo de Londres, passou pela destruição dos recursos que poderiam sustentar os franceses, levando a um conflito aberto com alguns dos governadores do reino.
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1Considerados os efeitos directos da guerra sobre as populações, as suas condições de vida e a destruição de meios de produção, o período final de 1810 e inicial de 1811 foi certamente o mais dramático da história portuguesa. Entre Setembro de 1810 e Abril de 1811, um exército invasor penetrou no território e, para além da devastação que sempre acompanha a passagem das forças bélicas, permaneceu durante vários meses numa região que devastou, esperando por reforços e procurando uma saída para o impasse táctico em que se encontrava. A resposta ensaiada a essa incursão passou pela deslocação e destruição dos meios de sustento. Uma parte das gentes das regiões afectadas movimentou-se para Lisboa. A «Sopa de Arroios» de Domingos Sequeira1, dentro do número escasso de imagens portuguesas, deixou-nos uma representação da assistência que foi necessário dar aos que chegavam à cidade. As doenças, mais do que os exércitos, dizimaram os habitantes em situação de desespero.
2O que aqui se propõe é expor um panorama da campanha que, sendo necessariamente genérico e não se podendo deter em pormenores, converge numa proposta de interpretação sobre as motivações que dominaram a condução da campanha de ambos os lados em confronto, por um lado, e sobre o carácter dos conflitos entre Wellington e os dirigentes políticos portugueses, por outro.
1. A campanha de Masséna
- 2 Soult, Memórias do Marechal Soult sobre a guerra em Espanha e Portugal, Lisboa: Livros Horizonte, 2 (...)
- 3 Koch, Memórias de Massena. Campanha de 1810 e 1811 em Portugal, tradução de Manuel Ruas, Lisboa: Li (...)
- 4 Oman, A History of the Peninsular War, vol. III, London: Greenhill Press, 2004, p. 227.
3A campanha de 1810-1811 – que ficou correntemente conhecida como a terceira invasão francesa – iniciou-se com as ordens de Napoleão para a formação de um exército destinado a uma nova incursão em Portugal, reino que continuava fora do seu domínio na Península Ibérica e onde permanecia um exército britânico, dirigido por Wellington e reforçado por forças portuguesas reorganizadas, desde Março de 1809, por oficiais britânicos. O comando do novo exército foi dado pelo Imperador a Masséna, porventura o mais destacado general francês. As instruções que lhe foram dadas previam uma campanha longa, iniciando-se pelos cercos das praças de Ciudad Rodrigo e de Almeida. O tempo calculado da missão de Masséna em 1810 estava em claro contraste com o que fora definido em 1809 para a campanha do general Soult – em conjugação com o exército de Victor – para a ocupação de Portugal. Definira-se neste ano que os exércitos invasores chegariam a Lisboa em poucas semanas2. Pelo contrário, em 1810 o ofício do major-general que explicava as intenções do Imperador e que chegou a Masséna seria claro: «Devo preveni-lo de que o Imperador não pretende entrar neste momento em Lisboa porque não poderia alimentar a cidade, cuja imensa população recebe por mar os seus meios de subsistência. É preciso aproveitar o Verão para tomar Ciudad Rodrigo e, a seguir, Almeida; não se deve actuar por expedições, mas metodicamente: como o general inglês tem menos de três mil homens de cavalaria, pode muito bem aceitar batalha numa região onde a cavalaria é inútil, mas nunca virá dá-la numa região plana»3. Mas podemos fundamentadamente duvidar se seriam estas as verdadeiras razões de Napoleão. Há muito que foi assinalada a excentricidade de tal orientação: «It would be hard to find in the rest of the Correspondance a dispatch which so completely abandons the “Napoleonic methods” of quick concentration and sharp strokes»4.
- 5 Pelet, The French campaign in Portugal 1810-1811. An account by Jean Jacques Pelet, ed. Donald D. H (...)
- 6 António Pedro Vicente (org.), Manuscritos do Arquivo Histórico de Vincennes referentes a Portugal, (...)
4Jean Jacques Pelet, oficial do estado-maior de Masséna, autor de vários estudos sobre o modo de agir em Portugal e de uma detalhada memória sobre a campanha de Masséna5, revelava, antes de iniciadas as operações, uma notável compreensão das diferenças entre as forças napoleónicas e as britânicas e as respectivas tácticas. Assinalava que Wellington podia concentrar os seus homens enquanto os franceses se viam forçados a dispersá-los em inúmeros destacamentos. Confirmava deste modo a ideia de que a hostilidade de uma parte da população contra os franceses impunha, pela necessidade de vigilância constante e de protecção das comunicações, um investimento desproporcionado em número de homens. A campanha de 1810-1811 comprovaria plenamente esta enorme dificuldade de comunicação com que se confrontavam os dirigentes napoleónicos. Sobre o contrate na orientação táctica, Pelet identificava a grande limitação dos adversários: nunca os britânicos se decidiriam a arriscar uma batalha longe do mar, deixando na sua retaguarda regiões montanhosas6.
- 7 Donald D. Horward, Napoleón y la Península Ibérica. Los asedios de Ciudad Rodrigo y Almeida, 1810, (...)
- 8 António Pedro Vicente (org.), Manuscritos do Arquivo Histórico de Vincennes…, p. 255.
- 9 Oman, A History of the Peninsular War…, p. 255; Donald D. Horward, Napoleón y la Península Ibérica…(...)
5A campanha napoleónica iniciou-se com o longo e desgastante cerco à praça de Ciudad Rodrigo. Esse cerco – feito numa região que era especialmente difícil para a obtenção de meios de subsistência para um exército acampado7 – apenas parecia ter justificação militar como diversão. O citado Pelet assinalava-o numa memória datada de 20 de Maio de 1810: «Les instructions du Gouvernement indiquent pour lignes d’opérations les deux rives du Tage […] on pourrait croire que le Siège de Ciudad-Rodrigo n’a été ordonné que pour occuper l’armée et l’ennemi […] car sa prise n’aidera en rien à la suite des opérations contre le Portugal.»8 O plano imposto por Napoleão a Masséna pôde criar perplexidade aos especialistas desde o seu início. Wellington não saiu em defesa de Ciudad Rodrigo ou, um pouco mais tarde, da praça de Almeida, permanecendo em observação da actividade inimiga e comprovando-se deste modo que evitaria um confronto, sobretudo longe de um ponto que permitisse um embarque das suas forças. Repreendia mesmo aqueles que ousavam provocar conflitos com os franceses9. Na congeminação táctica de Wellington, tal como já definira nessa altura há vários meses e que (como veremos) se comprovou praticamente no período final do ano, o terreno crucial não era o destes pontos fortificados da fronteira, mas o porto de Lisboa e a região circundante desta cidade.
- 10 Donald D. Horward, Napoleón y la Península Ibérica…, pp. 297 ss.
6Depois da queda de Ciudad Rodrigo, os franceses começaram a preparação do cerco de Almeida, com a ocupação do espaço circundante, a escavação de trincheiras e o início do fogo contra a praça. O cerco teve um desfecho inesperado pois uma violentíssima explosão do armazém de pólvora instalado no castelo, provocando a morte de muitos artilheiros e a destruição do aprovisionamento em explosivo, obrigou a uma inevitável capitulação10. Depois da queda de Almeida, Wellington afastou-se das forças napoleónicas em direcção à costa. O seu recuo pôde mesmo ser interpretado como apontando para a preparação da retirada de Portugal.
7Esta primeira fase da campanha de Masséna levanta uma primeira questão. Os cercos de Ciudad Rodrigo e de Almeida parecem ser (como já se assinalou) militarmente inúteis. Ambas as praças poderiam ser desprezadas se houvesse uma rápida progressão no território inimigo em direcção ao objectivo politicamente crucial: Lisboa. Deixar praças não rendidas na retaguarda apenas tinha importância militar no caso em que o imprevisto prolongamento da campanha impusesse uma preocupação premente quanto às linhas de comunicação e de abastecimento. Contudo, a própria campanha de Masséna viria a ilustrar que, mesmo depois de subjugadas as praças, os franceses não conseguiam manter abertas essas linhas. A acção bélica napoleónica que fascinara a Europa fundava-se na rapidez e na ousadia. Esta era, pelo contrário, uma campanha lenta e previsível. A força invasora e ofensiva avançava sem ganhos e a força defensiva mantinha-se em observação.
- 11 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington during his various campaigns, London. John M (...)
- 12 Charles Raeuber, Les renseignements, la reconnaissance et les transmissions militaires au temps de (...)
- 13 Várias foram coligidas por António Pedro Vicente, incluindo algumas do período aqui em causa. Antón (...)
8Findo o ciclo dos cercos, as tropas napoleónicas continuaram para o interior e para sul. Confrontaram-se com a falta de qualidade das vias. Wellington assinalou que havia muitas más estradas em Portugal, mas que o inimigo tomara as piores de todo o reino. O inimigo estava enganado no seu plano e não conhecia o país. Concluía: «in the mean time we are safe». A percepção era a de um exército em dificuldade: «I imagine that Marshal Massena has been misinformed, and has experienced greater difficulties in making his movements than he expected»11. O conhecimento francês do território era espantosamente escasso. Sabemos que as cartas de que dispunham os dirigentes militares na época eram muito rudimentares e a falta de detalhes propiciava que se tomassem as piores decisões12. Mas tinha havido um trabalho de elaboração de memórias que poderia atenuar esta falta de informação13. Também as ordens de Napoleão, aliás, pareciam ser fundadas na ignorância sobre os territórios onde se moviam os seus exércitos, como aliás já se evidenciara em 1809. A arrogância militar napoleónica impunha este desprezo pelos obstáculos naturais.
- 14 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington…, vol. 6, p. 460.
- 15 Donald D. Horward, The Battle of Bussaco: Masséna vs. Wellington, Tallahassee: The Florida State Un (...)
- 16 Idem.
- 17 Ian Fletcher, «Wellington: Architect of Victory» in Ian Fletcher (ed.) The Peninsular War. Aspects (...)
- 18 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington…, vol. 6, p. 466.
9Wellington faz recuar as suas tropas, mantendo a observação do inimigo. A batalha do Buçaco foi o aproveitamento de uma posição no terreno especialmente favorável e da falta de reconhecimento das suas características pelos franceses. Do convento do Buçaco, escrevia Wellington a 21 de Setembro de 1810: «We have an excellent position here, in which I am strongly tempted to give battle»14. Esta decisão de dar batalha parece contrariar a orientação adoptada por Wellington. Revela-se duvidoso que pudesse considerar a possibilidade de um confronto decisivo sobre o inimigo. Por isso mesmo, foram sendo apontadas várias razões para a decisão de confrontação, tal como assinalou Horward15. O próprio Wellington enumerou vantagens que se tinham obtido com a batalha, nomeadamente a confiança que fora ganha pelos soldados portugueses, homens que não tinham experiência de guerra, ou a impugnação da ideia de que os britânicos não queriam combater, preparando-se para embarcar as suas tropas. Deste modo, a batalha poderia ser vista como um acto de sofisticada propaganda, para o interior e para o exterior do exército. O mesmo Donald Horward extraiu, contudo, deste confronto uma consequência que teria sido decisiva para o desfecho da campanha: a desastrosa experiência do Buçaco teria inibido Masséna de empreender, quando se aproximou de Lisboa, uma eventual operação de expugnação das linhas fortificadas de Torres Vedras16. A batalha do Buçaco terá sido vista por Wellington apenas como forma de ganhar tempo: uma batalha «which was never intended to be anything more than a delaying action»17. A referida hipótese de uma retirada das tropas britânicas não constituía, no entanto, um tema maledicente dos portugueses. O próprio dirigente máximo britânico confirmava-a, embora considerando-a agora menos provável: «unless some terrible accident happen, or unless the French raise the siege of Cadiz, I hope there will be no occasion to embark this winter»18.
10A notícia da vitória no Buçaco terá entusiasmado momentaneamente a população portuguesa, por contraste com a consternação que se verificara após a explosão na praça de Almeida. Não se entendeu, contudo, uma confrontação que, tendo indeterminadas consequências, não travara a ameaça dos franceses. A opinião portuguesa queria naturalmente que as forças invasoras fossem paradas nas fronteiras ou pelo menos o mais perto possível destas, preservando as populações de entrar em fuga e da devastação material das suas terras. Não se entendia que o exército defensor continuasse a evitar um confronto decisivo. A progressão do exército inimigo continuou para sul, ameaçando Lisboa. A desconfiança originada pela suspeita de uma intenção britânica em fazer embarcar as suas tropas avolumou-se.
- 19 Marbot, Mémoires du Général Marbot, vol. 3, Paris: Plon, 1950.
- 20 Correspondance de Napoléon, volume XXI, Paris: Henri Plon, 1867, pp. 280-281, 338-340, 387-388, 525 (...)
11Na sua progressão para sul, as tropas de Masséna foram surpreendidas pelas celebradas «linhas de Torres Vedras», um sistema defensivo de campanha que utilizava os acidentes orográficos entre o Atlântico e o Tejo como pontos de apoio e que tornava intransitável parte do terreno, fechando as estradas praticáveis pela protecção de guarnições de fogo. A construção de tal sistema mantivera-se desconhecida dos franceses, algo que espantou os observadores, caso do general Marbot, que assinalou nas suas memórias que os espiões de Napoleão poderiam facilmente ser sido introduzidos numa cidade que era intensamente abastecida por mar pelos navios ao serviço dos ingleses19. Mas esta era apenas a mais gritante comprovação da inexistência de um sistema de informações e de comunicações que apoiasse a acção de Masséna. Pelas cartas do Imperador, verificamos que as notícias que lhe chegavam do exército de Masséna eram as publicadas pelos jornais ingleses20. Perante o sistema das linhas de Torres, o exército invasor vai ficar num impasse táctico e por isso a construção destas linhas é inquestionavelmente o ponto crucial da campanha de 1810. Seriam a ilustração da suposta genialidade de Wellington. Pensadas com um ano de antecedência sobre a chegada do inimigo à proximidade de Lisboa, dão coerência à direcção dada por Wellington aos seus exércitos perante a invasão.
2. A táctica defensiva de Wellington
12O que se deve enfatizar em primeiro lugar é que a criação das linhas de Torres não correspondeu a uma resposta à campanha de Masséna, mas a um sistema defensivo pensado como contraposição a uma nova iniciativa napoleónica em Portugal, qualquer que fosse. Era cogitada como uma forma genérica de resistência a uma nova incursão no reino. Deve pois ser entendida em função do fracasso das operações e do entendimento de britânicos e espanhóis em meados de 1809. A decisão sobre as linhas entende-se no contexto da situação do exército britânico na Península, tal como se definiu entre Agosto e Outubro de 1809.
13Quando Arthur Wellesley chegou a Portugal, em Abril de 1809, a sua principal preocupação era o exército do general Victor estacionado na Extremadura espanhola e o seu movimento que se esperava em direcção a Portugal. A acção britânica que expulsou o exército de Soult da cidade do Porto foi pensada apenas como uma operação preliminar para uma posterior acção planeada contra Victor em Espanha. Contudo, a cooperação entre britânicos e espanhóis não foi auspiciosa, o abastecimento esperado não se verificou e, na sequência da batalha de Talavera, Wellington retirou as suas forças para Portugal. O objectivo era a sua plena autonomização dos espanhóis e a localização das tropas britânicas neste reino resultou não de um privilégio político de Portugal, mas do insucesso das relações com os espanhóis. Portugal – ou mais exactamente, Lisboa – era a base de apoio das tropas britânicas na Península face ao grande risco que se confirmara ser a manutenção de tropas no interior da Espanha e na ausência de efectivo apoio político nesse país. A partir de Outubro de 1809, Wellington iniciou pessoalmente os trabalhos de reconhecimento destinados a criar em Lisboa um sistema defensivo em que tinham um lugar central as Linhas.
14A primeira motivação do sistema defensivo de Lisboa não era a defesa de Portugal ou da cidade, não era sequer primordialmente militar, mas essencialmente político. Wellington foi advertido pelos governantes britânicos que em nenhuma circunstância deveria pôr em risco o seu exército, cuja força não seria possível reconstituir. O governo de Londres estava, por um lado, sob uma pressão constante do parlamento e da opinião pública que via com desconfiança o envolvimento das suas tropas na Península. Por outro, preocupava-se com a escassez de homens para fazer a reposição de um exército que fosse destruído na sequência de uma confrontação infeliz. Wellington viu-se deste modo obrigado a sossegar reiteradamente o governo de que não era dado a aventuras bélicas.
- 21 Supplementary Despatches, Correspondence and Memoranda of Arthur Duke of Wellington, London. John M (...)
- 22 Idem, p. 439.
- 23 Idem, p. 464.
- 24 Idem, p. 465.
- 25 Idem, p. 493.
- 26 Idem, p. 484.
- 27 Idem, p. 493.
- 28 Idem, p. 516.
15Liverpool transmitia a aprovação régia da orientação de Wellington em Portugal em 15 de Dezembro de 180921. Mas clarificando os seus limites. «He [o rei] cannot, however, avoid noticing how large a proportion of the disposable force of this country is at present employed in the Peninsula, and how essential the return of that army must be to the security of his own dominions in the event of Spain and Portugal falling entirely under the dominion of France». Ao referi-lo, acrescentava, não queria estabelecer uma nova e inusual limitação à autoridade do comandante das tropas britânicas, mas para que tivesse isto sempre em mente: «in order that you may never lose sight of so important a consideration in the progress of any of the operations in which you may be engaged»22. Este era o horizonte político de Wellington. O comandante britânico foi advertido: «I beg you, however, not to risk yourself»23. Liverpool era claro para Wellington nos primeiros dias de Janeiro de 1810: «reembark your army in case of necessity»24. Em carta de 13 de Março era ainda mais claro: «a very considerable degree of alarm exists in this country respecting the safety of the British army in Portugal […] I have no difficulty in stating that, under all circumstances, you would rather be excused for bringing away the army a little too soon than, by remaining in Portugal a little too long, exposing it to those risks from which no military operations can be wholly exempt». Explicava que não se tratava de dar justificação para uma evacuação antes de um ataque inimigo, mas de, sendo as possibilidades de uma defesa com sucesso consideradas tão improváveis por militares e civis, não recomendava nenhuma tentativa de resistência desesperada25. No caso da perda de Lisboa, previa-se a possibilidade de uma admissão das tropas em Cádis. Punha-se a hipótese da retirada de uma parte do exército português (a que pudesse ser militarmente eficiente) para o Brasil ou para outra parte da Península. Sendo grande a despesa com o transporte, imaginava-se uma retirada por terra ou para as ilhas Berlings ou Bayona. Lisboa era tão só uma alternativa face a Cádis. Liverpool explicitava que esta seria a preferência britânica: «There can be no doubt but that in this country a higher value is set upon Cadiz (connected with the Spanish fleet, arsenal, etc.) than upon Lisbon»26. Henry Wellesley punha a hipótese de Cádis se declarar um porto livre sob a protecção inglesa e em ligação à América do sul27. Wellington pedia em 26 de Abril de 1810 a Liverpool que fossem dadas instruções ao ministro britânico em Lisboa sobre as preparações de retirada feitas pelo governo português, embora declarasse que não esperava que houvesse necessidade próxima de uma evacuação28.
16Os objectivos que guiaram a acção britânica foram sempre o de evitar o confronto e o de garantir o embarque das tropas britânicas em caso de necessidade. A orientação de Wellington estava definida no essencial na carta de 25 de Agosto de 1809, escrita de Mérida. Defendia que seria possível manter Portugal se o exército e a milícia portugueses ficassem completos. «The difficulty upon this sole question lies in the embarkation of the British army. There are so many entrances into Portugal, the whole country being frontier, that it is probable that we should be obliged to confine ourselves to the preservation of that is the most important – the capital».
- 29 Selections from WD – Selections from the Dispatches and General Orders of Field Marshal the Duke of (...)
17A primeira opção táctica estava definida: a concentração de forças junto a Lisboa. Mas uma segunda definição, no âmbito desta primeira, era necessária. «It is difficult, if not impossible, to bring the contest for the capital to extremities, and afterwards to embark the British army. You will see what I mean, by a reference to the map. Lisbon is so high up the Tagus that no army that we could collect would be able at the same time to secure the navigation of the river by the occupation of both banks, and the possession of the capital. One of the objects must, I fear, be given up, and that which the Portuguese would give up would be the navigation of the Tagus; and, of course, our means of embarkation»29. O problema encontrava-se identificado. Os portugueses podiam ser um obstáculo à evacuação das tropas britânicas.
- 30 Supplementary Despatches, Correspondence and Memoranda…, vol. 6, 1860: Torres Vedras, 25 de Dezembr (...)
- 31 Supplementary Despatches, Correspondence and Memoranda…, vol. 6, pp. 459.
18Wellington, como já se assinalou, foi em Outubro de 1809 reconhecer, com o coronel Murray e o quartel mestre general Fletcher,o território próximo de Lisboa. O que se jogava era evidente: «the line between the Tagus and the sea is certainly the most important to us the English». Entretanto, Fletcher escrevia regularmente a Wellington sobre os trabalhos preparatórios das linhas30 e Wellington afirmava estar muito preocupado em que a população do país não fosse levada pelo mau comportamento do exército (que não desconhecia e que julgava com dureza) a detestar aqueles que haviam sido enviados para ajudá-los31.
- 32 John T. Jones, Memoranda relative to the lines thrown up to cover Lisbon in 1810, London: printed f (...)
- 33 Idem, pp. 4-5.
19As preocupações imediatas eram evidentes, como refere Jones na sua memória sobre as linhas: «the defences of Fort St. Julian at the mouth of the Tagus were to be extended to cover and ensure a communication with the fleet; and ground was to be occupied as retrenched posts or positions at Castanheira, Monte Agraça, and Torres Vedras, to support the manoeuvres of the army while retiring on the meditated line, or place of embarkation»32. O papel articulado entre os postos do que viriam a ser os pontos nodais das linhas e as defesas reforçadas de S. Julião como local de embarque não oferece quaisquer dúvidas quanto ao propósito essencial do sistema de fortificação de campanha. Prevendo-se (segundo diz Jones) que a força invasora pudesse ter o dobro da força defensiva (receava-se inicialmente que os franceses pudessem chegar a reunir cem mil homens), era posta em dúvida a capacidade de uma resistência com sucesso. Por isso, «the object of primary interest and attention was to secure places for re-embarking the army in case of disaster […] The next consideration was to establish such strong enclosed works to block up the passes as should enable indifferent troops to delay or check a hostile column, in its endeavours to interrupt the retrograde manoeuvres of the regular army»33. Entenda-se: as tropas portuguesas que guarneceriam as linhas possibilitariam a retirada das forças britânicas e o seu embarque. O sistema de defesa era, consequentemente, um sistema de quatro e não apenas de duas linhas. Uma era a de protecção da zona próxima da fortificação de S. Julião e deveria ter o perímetro suficiente para albergar os homens de um exército, prevendo-se que o embarque fosse eventualmente dificultado pelas condições do mar. Outra era a linha de encerramento das estradas em direcção a Lisboa. Uma terceira, que passou a ser a linha mais a norte, era uma barreira suplementar à progressão para sul. Por fim, a linha de fortificações na margem sul do Tejo, frente à cidade de Lisboa, visava impedir que o inimigo tomasse as alturas frente à cidade e às zonas de acesso ao embarque na embocadura do Tejo.
- 34 Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do estabelecimento do governo parlamentar em (...)
- 35 Fernando Dores Costa, «Army size, military recruitment and financing in Portugal in the period of t (...)
20A protecção de Lisboa da aproximação de um exército através do uso dos pontos altos próximos das vias de comunicação que permitiam a circulação de um exército não foi uma novidade congeminada por Wellington. Existia muito antes e vários planos foram elaborados para esse efeito34. A novidade de 1810 foi a mobilização intensiva de meios para a execução do plano e, consequentemente, a sua extensão e sofisticação. Por outro lado, o tempo que houve para a construção do sistema de fortificações de campanha pela lentidão da progressão dos franceses permitiu que fosse muito mais extenso do que se previra inicialmente, tal como explica o próprio Jones na sua citada memória. A possibilidade de retardamento de um exército inimigo nas imediações de Lisboa fora já obviamente considerada. O engenheiro Neves Costa explicava, em memória de Maio de 1809, que o inimigo aproximando-se de Lisboa, encontrava a doze léguas desta a serra de Montejunto que o obrigava a dirigir o ataque entre a dita serra e o mar ou entre a serra e o Tejo ou ainda, com muita desvantagem, por ambos os lados ao mesmo tempo. Havendo duas principais estradas, uma que passava por Mafra e outra por Montachique, o objectivo era o de identificar as posições vantajosas que se podiam utilizar contra esse inimigo. O princípio das linhas era, no essencial, este e tinha algum eco entre os dirigentes. Previam os governadores em Janeiro de 1809, aquando da emergência criada pela ofensiva de Soult, antes da chegada dos oficiais britânicos, a fortificação dos pontos das estradas de Leiria e de «borda-d’água» em direcção a Lisboa e a reunião das populações nesses lugares com as provisões que pudessem acumular35. Os britânicos farão, contudo, os seus próprios reconhecimentos do terreno e conceberão a sua própria rede de pontos fortificados.
- 36 Supplementary Despatches, Correspondence…, vol. 6, p. 616.
- 37 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington…, vol. 6, pp. 422-424.
- 38 Idem, p. 428.
21O sistema de linhas foi pois pensado em função da identificação do melhor local para o embarque das tropas britânicas. Wellington considerou vários, entre os quais Peniche, Setúbal e São Julião da Barra. A previsível reacção negativa dos portugueses a um embarque foi decisiva na consideração do sistema defensivo. As linhas deveriam impedir o inimigo de progredir (o que aconteceu) ou obrigá-lo a avançar com lentidão, mas deveriam igualmente permitir que os britânicos pudessem partir sem serem importunados pelos portugueses. Numa carta de 13 de Outubro de 1810 para Liverpool, escrevendo de Gouveia, Wellington evidenciou este receio de um levantamento dos portugueses perante um movimento de embarque das tropas britânicas. A possibilidade de uma tomada das «torres» – ou seja, das fortificações da barra – de Lisboa circulara entre os milicianos da cidade após a emoção provocada pela queda da praça de Almeida. Embora tivesse o cuidado de assinalar que já afastara esse problema de uma eventual acção de rebeldia das milícias, afirmou que apenas incomodava Liverpool com um tal assunto devido à atitude dos membros do governo de Lisboa de bajulação da plebe lisboeta. Se estes se recusassem a manter a coerção sobre a «mob» de Lisboa, isso obrigá-lo-ia a evacuar o país, de acordo com as instruções que tinha. Aquilo que aparentemente se menosprezava, ganhava agora uma importância decisiva. Confirmava o sistema defensivo que adoptara36. Uma carta a Stuart de 9 de Setembro de 181037 dá-nos alguns detalhes sobre esta questão «das Torres». Beresford informara-o que, após o combate a um incêndio, os temas das conversas entre os milicianos nos cafés eram a queda de Almeida e a probabilidade de os ingleses embarcarem, manifestando-se a opinião geral de que seria bom que os batalhões tomassem posse das referidas fortificações. Os batalhões de milicianos, inicialmente destinados a Setúbal e a Palmela, foram remetidos para o exército. Ao coronel Peacocke dera ordem para ocupar as «Torres» que poderiam vir a ser importantes para os britânicos. Reconhecia que «the temper of mind of Lisbon becomes a subject of importance». Reclamava a execução de um plano de vigilância: «the Government should now carry into execution the plan of police which I proposed to them some time ago». Wellington entrava em conflito agudo com os governadores do reino, em particular contra o Principal Sousa, a quem atribuía uma mudança na atitude do governo. A propósito da publicitação de informação que não passara por ele, escrevia a Stuart em 11 de Setembro de 1810: «I attribute the publication of these reports made to Beresford to the feverish state in which the Government has been since Principal Souza has become a member of it»38 Ameaçava deixar de enviar-lhe informações: «if the Portuguese Government publish [sic] any report of military transactions, except mine, I shall make them no report».
- 39 Idem, p. 430.
22Mas as dificuldades com que se confrontava incluíam as que eram criadas pelas críticas que eram formuladas pelos seus próprios oficiais: «there is a system of croaking in the army which is highly injurious to the public service». Aqueles militares que reprovavam a sua orientação deveriam partir: «if they do not approve of the system of operations of their commander, they ought to withdraw from the army». Reprovava duramente uma orientação alternativa: «As for advancing into Spain, the idea is ridiculous. […] supposing that I am wrong […] how would it be when the French army in Andalusia would be brought against us? Would the Spanish force, which a part of that army keeps shut up in Cadiz, be equal to the whole of it in the field?»39
23Foi neste ambiente que teve lugar a chamada «Setembrizada», operação de forçou ao exílio 41 indivíduos, embarcados na fragata «Amazona» para os Açores, alguns dos quais viriam a passar depois a Inglaterra. Entre eles estavam o negociante Jacome Ratton que escreveu e publicou em sua defesa as suas famosas Recordações, o ancião Domingos Vandelli, conhecido naturalista e autor de numerosas memórias económicas e políticas, Cardoso da Costa, homem de leis e polémico publicista e ainda outros que fizeram imprimir, em Londres, livros de desagravo. Esta operação de polícia foi frequentemente interpretada por cronistas e historiadores como a dissolução de um «partido pró-francês» e mesmo como uma espécie de coup d’État contra um «partido liberal». Tudo indica, no entanto, que a importância política desta medida foi sobrevalorizada e entendida em função da pressuposição da existência de tais «partidos». Sabemos que alguma parte da elite colaborou com os efémeros governos napoleónicos e integrou (por razões que nada tinham de «ideológico») a Legião Portuguesa de Napoleão, destacando-se, em 1810, a participação pessoal e directa do marquês de Alorna na preparação da acção de Masséna, mas não se deve deduzir que houvesse alguma coerência nessa colaboração.
- 40 G. Silva Dias e J. S. da Silva Dias, Os Primórdios da Maçonaria em Portugal, 2 vols., Lisboa: INIC, (...)
- 41 Fernando Dores Costa, «Franceses e “jacobinos”: movimentações populares e medidas de polícia em 180 (...)
- 42 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington…, vol. 6, p. 452, 18 de Setembro de 1810.
- 43 Idem, p. 454.
- 44 Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil…, t. 2,v. 2, p. 123.
24O ajudante do intendente geral de polícia, inspirador da «Setembrizada», explicou aliás a operação: «Quando a segurança de hum estado está vacilante, e quando hé necessario que o povo tenha huma confiança illemitada no Governo e nas authoridades, hé necessario tirar do meio da sociedade homens do carather de Vanzeler. O povo olha como traidores huns semelhantes homens; e quando os vê tolerados, confunde com elles as authoridades que os sofrem»40. Estava em causa o estatuto do governo perante uma opinião pública em estado de exaltação. Dever-se-ia evitar a todo o custo que se pudesse dizer que o governo era condescendente com os homens que defendiam posições consideradas excêntricas. Evitar-se-iam os movimentos próprios dos furores «plebeus» que tinham ocorrido em 1808 e em 1809 a pretexto da perseguição dos franceses e de «jacobinos» e que os governantes receavam41. A posição de indubitável reprovação que foi tomada pelos britânicos face a esta acção policial confirma, aliás, esta interpretação. Se esses homens fossem um efectivo «partido francês» e uma ameaça à ordem pública no momento em que as tropas de Masséna se aproximavam de Lisboa, que sentido teria uma tal condenação? Wellington afirmava, em concordância com o vice-almirante Berkeley, que nada poderia ser mais vergonhoso que essas prisões ou mais injurioso para a causa comum que essa conduta do governo português. Acrescentava que, se viesse a verificar que se acreditava que os ingleses tinham algo a ver com elas, encontraria uma forma de negá-lo publicamente42. Em carta para Stuart comentava: «I conclude that it will be necessary to appease the mob by the imprisonment of a few French partisans»43. O governador D. Miguel Pereira Forjaz procurava argumentos, em carta de 17 de Setembro para Wellington, que fossem ao encontro das preocupações britânicas: teria constado ao governo que havia pessoas «que semeavam surdamente a desconfiança entre o povo, dizendo entre outros desvarios que as tropas britânicas só tratavam de embarcar e abandonar-nos, proposição infame e que podia ser funesta à causa comum se chegasse a ganhar crédito […] malquistando maliciosamente o governo, a quem culpavam de frouxidão, de parcialidade, porque tinha poupado as pessoas de maior representação, e até de se dispor para sair do reino quando o exército britânico o evacuasse». A negação apenas confirmava aquilo que os britânicos sabiam: «O governo deve à sua dignidade remover a ideia de haver cedido aos clamores da plebe ou às suas vãs suspeitas quando adoptou o procedimento em questão». Por fim, Forjaz confirmava o carácter da operação policial quando a delimitava: «se as actuais circunstâncias exigiam imperiosamente que se tomasse uma medida aparatosa, mas moderada, pede agora a prudência que o golpe se não repita. Basta que a polícia se conserve sempre vigilante, que os malévolos a temam e que se algum se atrever a delinquir, não tenha a menor esperança de impunidade»44.
- 45 Idem, pp. 125-126.
25Wellington insistia em que considerava insuficientes as razões que tinham sido apresentadas e se lhe tivessem pedido a opinião, ter-se-ia oposto. Os indivíduos não tinham mostrado a sua suposta inclinação ao inimigo por nenhum acto e apenas haviam formulado críticas aos exércitos, afirmações que dizia serem, aliás, perfeitamente verdadeiras, embora imprudentes45. O conde de Linhares, o mais destacado ministro de D. João no Rio de Janeiro, exprimiria algum tempo depois o seu desagrado perante esta protecção que os britânicos tinham dado aos homens que tinham sido forçados ao exílio.
3. Impasse táctico de Masséna e conflito de Wellington com Sousa
- 46 Michael Glover, Wellington as Military Commander, London: Penguin Books, 2001 [1968], p. 89.
26O exército de Masséna ficara num impasse táctico. Abandonada a perspectiva de ataque das linhas fortificadas, recuava para uma região próxima, a área em volta de Santarém, onde permaneceria até à completa exaustão de meios, no início de Março de 1811. Isto consagraria a genialidade táctica de Wellington e a sua figura de estratego de primeiro plano. A invasão de Portugal, concluía Glover, chegava ao fim com menos de quatro mil baixas em batalha dos anglo-portugueses que, por mais de um ano tornando Portugal seguro, tinham obrigado o inimigo a perder 30 mil homens. A França não sofrera desde a Revolução uma derrota com uma tal dimensão. Tal resultado tinha duas causas: «partly to Napoleon’s faulty estimate of the situation but overwhelmingly to Wellington’s foresight, patience and determination»46.
- 47 Nicole Gotteri, Napoléon et le Portugal, Paris: Bernard Giovananageli Éditeur, 2004, p. 246.
- 48 Idem, p. 248.
- 49 Idem, p. 249.
27As linhas foram (como se disse) uma surpresa para o estado-maior francês. Segundo Gotteri, Lagarde terá transmitido em 5 de Junho ao ministro francês da polícia um excerto de uma carta escrita de Mérida sobre a fortificação que estava a ser feita das posições em redor de Lisboa, mas não foi dada importância a essa informação47. Para mais, as ordens de Napoleão de 29 de Julho não previam a conjugação da acção do exército vindo do norte com um outro penetrando pela fronteira do Alentejo: o Imperador não achava que se devesse tomar Badajoz, o que obrigaria a um longo cerco e à necessidade de cercar Elvas: nessa data, nada fazia prever uma intervenção do exército da Andaluzia para apoiar as operações de Masséna48. As relações no interior do corpo de oficiais eram muito conflituosas: depois da batalha do Buçaco, Ney, Junot e Reynier teriam exigido que se abandonasse Portugal49. Ficou também a imagem de uma má vontade de Soult no socorro de Masséna a partir da fronteira, perdendo um tempo decisivo no cerco de Badajoz. Esta praça caiu em poder dos franceses no momento em que Masséna iniciou uma retirada inevitável.
- 50 Jean Jacques Pelet, The French campaign in Portugal 1810-1811....
- 51 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington…, vol. 7, p. 4.
- 52 Idem, p. 22.
- 53 Jean Jacques Pelet, The French campaign in Portugal 1810-1811..., p. 319.
- 54 Idem, p. 324.
28Jean Jacques Pelet refere que, para além da obtenção de meios de subsistência, frequentemente com o uso de grande violência, a ocupação dos militares napoleónicos era dominada pelo problema da transposição do Tejo50. Os franceses ensaiavam a construção de uma passagem do rio em Punhete, tendo aí um destacamento de quatro mil homens, mas a ponte seria, na opinião de Wellington, de muito má qualidade e não permitiria a passagem de um exército51. Entretanto, não tinha informação de forças inimigas que entrassem na Beira, excepto as do general Foy com 1500 homens que retornou a Ciudad Rodrigo. As forças de Silveira tinham atacado o inimigo em Pinhel. O comandante britânico assinalava que as ordenanças portuguesas participavam na perseguição da retaguarda das tropas francesas que tentavam a penetração no reino: «The ordenanza of Lower Beira have hung upon their reir in these movements, and have done them a good deal of mischief»52. Pelet confirma nas suas memórias o espantoso isolamento do exército de Masséna. Por exemplo, o general Ferey com dois mil homens partira a 22 de Dezembro para um reconhecimento a Castelo Branco, tendo por missão o envio de informações para Almeida ou Castelo Rodrigo. Não encontrara ninguém, incluindo os habitantes das terras, pois os camponeses (segundo o oficial francês) tinham fugido depois de serem ameaçados pelos ingleses com a pena de morte53. O general Gardanne, por seu lado, enganado pelas informações que recolhia no terreno, acabou também ele por regressar ingloriamente a Espanha54.
- 55 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington…, vol. 7, p. 7.
- 56 Idem, p. 35.
- 57 Idem, p. 42.
- 58 Nicole Gotteri, Napoléon et le Portugal…, p. 251.
29Wellington não procurou o confronto. Pelo contrário, quis evitá-lo. A Berkeley reafirmou que não poderia atacar o inimigo sem incorrer no risco de colocação do destino da Península no resultado de uma acção geral55. Wellington pensava no início de Dezembro que os franceses esperavam ordens de Paris. Inspeccionou a margem esquerda do Tejo e teve notícia de que o referido destacamento do general Gardanne regressara a Espanha. Confessava significativamente que receava ter já tornado a retirada do inimigo pela Beira Baixa mais difícil e perigosa do que deveria56, confirmando que o seu propósito era que decidissem abandonar o reino. A 13 de Dezembro de 1810 considerava que se deixara de colocar a possibilidade do exército britânico ter a necessidade de embarcar57, confirmando que pelo menos até essa altura fora actual. A opção táctica de Wellington revelou-se um êxito. Mas, a dúvida recai sobre o papel que Napoleão atribuía de facto a Masséna. A 5 de Fevereiro de 1811, regressando o general Foy de Paris, onde Masséna o enviara no fim do mês de Outubro, transmitiu instruções verbais cuja inconsistência não iria clarificar a situação. O Imperador fizera saber, segundo o relato do intendente Lagarde, cujo testemunho confirma o de Pelet, que seria preciso substituir por uma guerra de obstinação a conquista necessariamente longínqua de Portugal. Assim, fixando no país o exército inglês, impedia-se que fosse ocupar pontos mais essenciais para a salvaguarda do interesse da França58.
30A permanência na região de Santarém era uma opção que apenas poderia encontrar justificação pela proximidade da chegada de um reforço substancial de forças que permitisse uma alteração da relação de forças nas linhas de Torres ou através de uma passagem para a margem esquerda do Tejo. Em pano de fundo encontrava-se a ausência de um sistema de informações e a espantosa dificuldade das comunicações entre os exércitos. Mas, independentemente disso, Masséna deveria ter feito quartéis de Inverno numa região que lhe desse mais tempo de subsistência e de eventual preparação de uma campanha de Primavera, o que já na época foi assinalado. O único papel efectivo foi a imobilização das forças britânicas, mas estas procuravam desde o início uma posição defensiva.
31A eficácia militar das linhas tem deste modo que ser devidamente contextualizada pela situação peculiar de Masséna e pela ambiguidade táctica da sua presença na região em torno de Santarém por um período excessivamente longo e inutilmente desgastante. Se o objectivo de Napoleão fosse efectivamente o de conquistar Lisboa e o de expulsar os britânicos, Masséna teria recebido um exército de reforço a tempo de uma alteração da relação de forças e de uma redefinição táctica que teria eventualmente posto à prova a capacidade defensiva das linhas ou, sendo impossível enviar esse reforço, preservar o exército para uma próxima campanha. Admitindo que houve um plano inicial – com a mobilização de cem mil homens – a campanha de Masséna foi uma concretização a meio termo desse plano, equivalendo a um resultado desastroso: um exército sacrificado para nada.
32Uma primeira conclusão interpretativa se pode esboçar. Houve uma notável confluência paradoxal na campanha de 1810-1811 que explica as suas características. Wellington queria permanecer em Lisboa sem desobedecer à ordem estrita que tinha de não pôr em risco um exército cujo efectivo se não poderia refazer, derrotando o inimigo sem combate através da exaustão dos meios de subsistência e forçando-o a retroceder; por outro lado, nada indica que o propósito de Napoleão fosse o de expulsar Wellington de Portugal: a lentidão imposta à campanha e a falta de energia posta no socorro de Masséna (sobre o qual tinha aliás pouca informação) apontam para o propósito de paralisação do exército britânico. Wellington explicava ele próprio a diferença crucial entre os dois tipos de exércitos, um que vivia da tributação e do saque das populações dos territórios que ocupava, outro que vivia dos abastecimentos que lhe chegam pela via marítima.
- 59 Guingret, Relation historique et militaire de la campagne de Portugal sous le Maréchal Masséna, Lim (...)
33Contrastava também a preocupação dos dirigentes com a perda de efectivos: os britânicos consideram-nos sempre escassos e queriam preservá-los a todo o custo enquanto os franceses perdiam-nos em grande quantidade, como se sempre houvesse onde ir buscar substitutos. Uma tal diferença não tem as suas raízes numa «sensibilidade» maior dos britânicos. A conhecida caracterização que Wellington fazia dos seus soldados é suficientemente expressiva quanto ao desprezo que tinha por esses homens. Somos tentados a considerar a validade do que escreve Guingret quanto ao efeito perverso da conscrição na estruturação social do exército napoleónico. «La grande facilité de remplacer les pertes dispensait de ménager les troupes; on ne réfléchissait pas que l’on compromottait le salut de la France, en ne présentant plus à l’ennemi que des recrues au lieu de soldats aguerris»59. Este modelo de tributação, que se sofisticara ao longo do governo imperial, retirara aos dirigentes uma tradicional apreensão quanto à substituição dos homens que eram perdidos.
- 60 «Memodandum on the proposed demand on Portugal for payment of the expenses of the lines and of pris (...)
- 61 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington…, vol. 7, pp. 15-19.
34O sistema de defesa de Portugal, ou mais precisamente, de Lisboa, era a consequência da salvaguarda da posição britânica na Península. Não correspondia a uma aliança política que privilegiasse este reino. Alguns anos depois, quando se discutiu se se deveria pedir a Portugal o reembolso das despesas com a construção das linhas, Wellington, sendo consultado, foi claro: «that government was never consulted upon the subject and […] if the opinion of that government had been consulted, it would have urged the strongest objection to the system of defence founded upon the constructions of theses works»60. O território português periférico ao sistema defensivo de Lisboa podia naturalmente ser sacrificado à eficácia militar da «ilha» onde se acantonavam as forças britânicas. O choque com os dirigentes portugueses era previsível. A partir do mês de Setembro agravou-se o conflito entre o estratego britânico e os governadores de Portugal. Wellington formalizou essa contenda com os governadores no final de Novembro através da carta para o Príncipe Regente61.
35O ponto mais sublinhado foi a oposição que dois governadores, em particular o Principal Sousa, assumiram face à opção já assinalada de recuo do exército em defesa das fronteiras para as proximidades de Lisboa e destruição na zona ocupada pelo inimigo de todos os recursos que pudessem sustentá-lo e que não fosse possível transportar. A aniquilação voluntária de parte do «capital» próprio da actividade produtiva agrícola, cuja devastação era o que as populações mais receavam que o exército inimigo fizesse, desafiava o bom senso. Surgia como uma provável auto-condenação à fome. Para os dirigentes portugueses, receava-se a presença desta população em Lisboa, para onde confluía, quando já se temia a fúria da plebe da grande cidade.
- 62 Simão José da Luz Soriano. História da Guerra Civil…, 2,v. 2, p. 167.
- 63 Koch, Memórias de Massena… e Pelet, The French Campaign...
36Wellington considerava que esta posição dos governadores dava justificação para o incumprimento das suas ordens. Os magistrados régios não obrigavam à execução desta orientação. Porque o Principal Sousa entendia que a guerra deveria manter-se nas fronteiras, não tinham tido os povos tempo para dar execução às saudáveis medidas e o inimigo achado na Estremadura tudo o que poderia cooperar para o seu conforto e subsistência, escrevia Wellington a D. João62. Efectivamente, vários pontos dos testemunhos, nomeadamente as memórias63 comprovam que os franceses de Masséna puderam ir encontrando recursos escondidos na zona em que os seus corpos estacionaram durante vários meses. Wellington afirmou que o tempo de permanência do exército inimigo apenas fora possível por esta razão.
- 64 Simão José da Luz Soriano. História da Guerra Civil…, 2,v. 2, p. 161.
37Isto filiava-se no principal defeito que se apontava na acção do governo de Portugal: a procura da popularidade junto das populações, em particular as das da cidade de Lisboa. Os governadores não contrariavam as opiniões populares e não faziam o que se considerava necessário, mas o que não colidia com a convicção do vulgo. «Toda esta conduta» – escreve Wellington a Stuart em 1 de Novembro de 1810 – «deve ser atribuída à mesma causa, o desejo de evitar uma medida que posto que útil aos verdadeiros interesses do país, desarranjava os hábitos indolentes e a doce vida dos habitantes e o desejo de lançar sobre mim e o governo inglês todo o odioso desta medida». O governo «em tido por princípio… procurar a popularidade e por conseguinte nada adoptará que desagrade à populaça de Lisboa, posto que seja salutar ao país»64. Na verdade, Wellington parece considerar o tipo de acção do governo como uma opção puramente voluntária que não estava na dependência dos meios de que este dispunha para impor as suas ordens. Quem obrigaria as populações à aplicação da política de destruição dos recursos não transportáveis?
- 65 Simão José da Luz Soriano. História da Guerra Civil…, 2,v. 2, p. 174.
- 66 Idem, p. 176.
- 67 Idem, p. 178.
- 68 Idem, p. 179.
38Wellington atribuía a viragem na atitude até então colaborante do governo à entrada neste do Principal Sousa, irmão de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, conde de Linhares, aquele que (como já se disse) se tornara no Brasil o mais influente ministro do príncipe regente D. João. Esboçou-se uma situação inédita de conflito aberto entre os governos de Londres e do Rio de Janeiro a propósito da orientação de Wellington. O conde de Linhares secundava as críticas do seu irmão quando escrevia ao embaixador em Londres a comoção do «piedoso e benigno animo» de D. João provocada pelas «tristes relações de ruína» da Beira e da Estremadura, tanto mais vivas «quanto o estado do exercito nacional e do auxiliar parecia pela sua força dar lugar a esperar que podesse obrar offensivamente e defender o reino na fronteira, não se atrevendo o inimigo a entranhar-se pelo interior do reino»65. Mais afligira e inquietara o príncipe ver que os «agentes ingleses» pareciam mudar de sentimentos e separarem-se dos governadores do reino que tinham representado as tristes consequências do plano adoptado, do qual nada se lhes participara antes da sua execução. Assinalava também o conde de Linhares que se tinham querido opor os britânicos ao transporte das «pessoas mais suspeitas de adesão ao governo francês». Por fim, ferira os olhos do príncipe (ou seja, como se entende, os do próprio Linhares) que o marechal general se mostrasse pouco afecto ao que dizia ser o «governo energico, e que merecia a confiança do povo» (nas palavras auto-elogiosas de Sousa), mostrando pôr a sua confiança nos secretários de governo Salter e Forjaz. A missão dada ao embaixador era a de fazer chegar ao marquês de Wellesley que sempre acharia os governadores do reino dispostos para a execução dos planos, dada a inteira confiança no génio e talentos militares de Wellington, sendo também justo que fizesse conhecer aos governadores antecipadamente o que deveria ser executado «e não vissem com surpreza chegar às portas de Lisboa quarenta ou cincoenta mil fugitivos da Beira e Extremadura, com os quaes não contavam»66. O ministro fazia eco das cartas do seu irmão em Lisboa, sem entender o alcance do conflito. Na argumentação, deslocava-se para uma falta de comunicação prévia aos governadores aquilo que se dissera ser uma discordância de orientação. A rede de intrigas por detrás das informações que o conde reproduzia era evidente quando se afirmava que seria um grande serviço se o embaixador fizesse ver bem aos britânicos o carácter de muitas pessoas que presentemente os iludiam e que muito conviria que fossem desmascaradas. O conflito não fora entendido (ou pelo menos apresentado) como uma divergência que envolvesse sobretudo Wellington, mas que opunha Sousa a Stuart e a D. Miguel Pereira Forjaz, mas acabava por pôr em causa o dirigente militar máximo. Tal se explicitava na carta de Linhares para D. Domingos de Sousa de 11 de Fevereiro de 1811 «sobre a demissão de um vassalo fiel, popular, inteligente e activo […] sendo certo que no momento actual daria grande desgosto retirar-se um tal servidor só por ter predito as funestas consequências do plano de campanha que se adoptou e que só poderia ser justo e próprio se Massena atacasse com duzentos mil homens e que fosse necessário sacrificar o reino para salvar a capital como ponto de comunicação»67. Concordava-se deste modo com o apodo de irracionalidade que recaía sobre o que Wellington estava a fazer durante a campanha de 1810. O afastamento de Sousa deveria ter como contrapartida, para salvaguarda da honra da Coroa, a dos seus «inimigos»: «remover mr. Stuart, de quem há tão justos motivos de queixa, e separar dos negócios a D. Miguel Pereira Forjaz, que parece ser o único que é verdadeiramente culpado em todo este negócio»68.
- 69 Idem, p. 154.
- 70 Biblioteca Nacional Portugal, Reservados, Cod. 6849.
39O conde de Linhares, que parafraseava a defesa que o irmão lhe fizera chegar das suas posições, apresentava as suas razões: «todo o bom portuguez não póde ver sem horror a adopção de um plano que quasi aniquilou as duas mais consideráveis províncias do reino, a Beira e a Extremadura», acrescentando: «e todavia o principal Sousa não se oppoz a isto»69. A «razão militar» que impunha a ruína voluntária do território que, supostamente, queria defender era dificilmente inteligível. A afluência de uma população de fugitivos à cidade de Lisboa era a tradução dramática de um problema insolúvel com que os governadores se confrontavam quando sabiam que o embarque dos britânicos era provável e que a cidade estava a viver do apoio que lhe chegava pelo mar e a coberto da protecção naval britânica. A «razão militar» britânica implicava o exercício da «ditadura» no sentido mais estrito e exacto do termo, uma autoridade excepcional e ilimitada, justificada pela mais extrema das situações: a da salvaguarda da vida. O confronto entre Wellington e os governadores estava longe de se poder limitar à presença de um determinado indivíduo no conselho, apresentando opiniões contrárias às dos britânicos. Isso não teria a importância que o assunto viera a ganhar. Nada indica que Sousa tivesse a influência política que justificasse a inquietação do dirigente britânico. A crer na informação de Ricardo Raimundo Nogueira, que não era amigo do Principal e dele tinha uma opinião marcadamente negativa, ele estava isolado no conselho ou apenas acompanhado (timidamente) pelo patriarca eleito. As objecções que apresentava não eram seguidas pela maioria. Por exemplo, na sessão do governo de 29 de Outubro de 1810, Wellington fez chegar a recomendação ao governo para que os mantimentos e gados que estavam a sul do Tejo e ínsuas se retirassem ou para Lisboa, para trás das linhas ou para o pé do Sado. Não se podendo retirar, que fossem destruídas. Segundo as notas de Nogueira, apenas o Principal não votou e o Patriarca teria defendido que se retirassem e, não o podendo ser, se defendessem. Todos os outros aceitaram a ordem do chefe britânico: Pereira Forjaz, Nogueira, Stuart, o conde de Redondo e o marquês Mordomo-mor70. Wellington sobrevalorizava a importância de Sousa ou atribuía-lhe a explicitação de uma resistência que era para ele um problema efectivo e que, na prática, pouco teria a ver com a acção do governador?
40A questão clarifica-se nesta passagem:
- 71 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington…, vol. 7, pp. 192-193, Wellington para o mar (...)
«but my own opinion has always been, that if Great Britain should have taken this country up with a determination to carry her through the war, and to make the territory of Portugal the basis of all the military operations of the Peninsula, according to this plan, we ought to have controlled actively all the departments of the state; to have carried their resources to the highest pitch; to have seen them honestly applied exclusively to the objects of war; and to have made up the deficiency, whatever it might be. […] I am not certain that we might not yet bring matters to this state; but our influence in this country is not what it was in 1808, when I recommended this system to the Ministers of the day»71.
41Verificamos assim que o conflito com Sousa ou com os governadores tem um alcance muito maior do que um confronto entre personalidades ou entre alguém que detinha um saber militar fundamentado e outros que possuíam uma ignorância completa do governo das situações bélicas. Wellington defendia a necessidade de ser tomada pelos britânicos a supervisão activa de todos os departamentos estatais em Portugal e essa ideia não nascera da conjuntura crítica dos meses entre Outubro a Dezembro de 1810, provindo da primeira intervenção de Wellington no país. Os objectivos eram claros: levar a tributação de recursos até ao ponto máximo e aplicá-los exclusivamente aos objectivos da guerra. Subjacente estava a acusação de fuga à tributação, a de permanência de despesas julgadas inúteis e a de jogo na pressão para que fosse aumentado o montante da ajuda britânica já definida. Em 1808, depois da derrota das tropas de Junot e da tomada de Lisboa pelos britânicos hesitara-se quanto ao estatuto do poder que se criava em Lisboa.
- 72 Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil…, 2, v. 2, pp. 144-147; Wellington para Villier (...)
42A Villiers fez em Maio de 1811 a história do conflito com Sousa e nela confirmava que o que estava em causa era o modo de governo de Portugal. Persistira no sistema de defesa que congeminara apesar dos avisos que recebera de todos os oficiais ingleses no país para que fizesse embarcar as tropas enquanto, por outro lado, as autoridades civis portuguesas pretendiam que se mantivesse a guerra nas fronteiras (quando para isso faltavam as forças e também os meios para o provimento das tropas). Apenas a sua firmeza o fizera triunfar nesta discussão de nove meses. Penosa era a relação com o governo português. Sousa fora nomeado e Wellington confirmava que lhe atribuía todas as dificuldades com que se confrontara. Não teria havido assunto em que a sua actividade maligna se não intrometesse. Fora o mais activo promotor do parecer de que a guerra se deveria fazer nas fronteiras. Imputava-lhe inclusivamente a inspiração das acima referidas opiniões da milícia de Lisboa e fizera retardar as medidas de remoção de pessoas, bens e víveres e destruição de moinhos. Dizia que tudo isto lhe seria indiferente se as coisas não tivessem piorado ao ponto de ameaçarem a existência do país no caso de nova invasão francesa. Nós não conseguimos do governo a menor coisa. Todas as repartições do exércitos estão piores que inúteis. O próprio exército está muito longe do estado completo. Não temos em campo vinte mil homens das tropas portuguesas72.
43A segunda hipótese de conclusão explicativa é pois a de que o conflito entre Wellington e o Principal Sousa, mais além do suposto confronto entre o génio militar e a escassa visão governativa, incluía a manifestação da necessidade de uma tutela política sobre Portugal que elimine os obstáculos à aplicação das opções militares.
Notas
1 Ver em: www.purl.pt/13953.
2 Soult, Memórias do Marechal Soult sobre a guerra em Espanha e Portugal, Lisboa: Livros Horizonte, 2009, pp. 38-41.
3 Koch, Memórias de Massena. Campanha de 1810 e 1811 em Portugal, tradução de Manuel Ruas, Lisboa: Livros Horizonte, 2007, pp. 45-46.
4 Oman, A History of the Peninsular War, vol. III, London: Greenhill Press, 2004, p. 227.
5 Pelet, The French campaign in Portugal 1810-1811. An account by Jean Jacques Pelet, ed. Donald D. Horward, Minneapolis: University of Minnesota Press, 1973.
6 António Pedro Vicente (org.), Manuscritos do Arquivo Histórico de Vincennes referentes a Portugal, III (1807-1811), Paris: FCG, 1983, p. 254.
7 Donald D. Horward, Napoleón y la Península Ibérica. Los asedios de Ciudad Rodrigo y Almeida, 1810, Salamanca: Ediciones de la Diputación de Salamanca, 2.ª ed., 2006.
8 António Pedro Vicente (org.), Manuscritos do Arquivo Histórico de Vincennes…, p. 255.
9 Oman, A History of the Peninsular War…, p. 255; Donald D. Horward, Napoleón y la Península Ibérica…, p. 245.
10 Donald D. Horward, Napoleón y la Península Ibérica…, pp. 297 ss.
11 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington during his various campaigns, London. John Murray, 1838; vol. 6, p. 458.
12 Charles Raeuber, Les renseignements, la reconnaissance et les transmissions militaires au temps de Napoléon: l’exemple de la troisième invasion du Portugal – 1810, Lisboa: CPHM, 1993.
13 Várias foram coligidas por António Pedro Vicente, incluindo algumas do período aqui em causa. António Pedro Vicente (org.), Manuscritos do Arquivo Histórico de Vincennes referentes a Portugal….
14 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington…, vol. 6, p. 460.
15 Donald D. Horward, The Battle of Bussaco: Masséna vs. Wellington, Tallahassee: The Florida State University, 1965.
16 Idem.
17 Ian Fletcher, «Wellington: Architect of Victory» in Ian Fletcher (ed.) The Peninsular War. Aspects of the Struggle for the Iberian Peninsula, Staplehurst: Spellmount, 1998, p. 151.
18 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington…, vol. 6, p. 466.
19 Marbot, Mémoires du Général Marbot, vol. 3, Paris: Plon, 1950.
20 Correspondance de Napoléon, volume XXI, Paris: Henri Plon, 1867, pp. 280-281, 338-340, 387-388, 525-529.
21 Supplementary Despatches, Correspondence and Memoranda of Arthur Duke of Wellington, London. John Murray, vol. 6, 1860, p. 438.
22 Idem, p. 439.
23 Idem, p. 464.
24 Idem, p. 465.
25 Idem, p. 493.
26 Idem, p. 484.
27 Idem, p. 493.
28 Idem, p. 516.
29 Selections from WD – Selections from the Dispatches and General Orders of Field Marshal the Duke of Wellington, London, 1851, pp. 288-289.
30 Supplementary Despatches, Correspondence and Memoranda…, vol. 6, 1860: Torres Vedras, 25 de Dezembro de 1809, pp. 451-458; Castanheira, 31 de Dezembro de 1809, pp. 459-462; Torres Vedras, 11 de Janeiro de 1810, pp. 469-472.
31 Supplementary Despatches, Correspondence and Memoranda…, vol. 6, pp. 459.
32 John T. Jones, Memoranda relative to the lines thrown up to cover Lisbon in 1810, London: printed for private circulation, 1829, p. 3.
33 Idem, pp. 4-5.
34 Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do estabelecimento do governo parlamentar em Portugal, Lisboa: Imprensa Nacional, 1866-1890, 2.ª época, volume V, parte II, pp. 5-80.
35 Fernando Dores Costa, «Army size, military recruitment and financing in Portugal in the period of the Peninsula War – 1808-1811», e-Journal of Portuguese History, volume 6, n. 2, Winter 2008, carta de 25 de Janeiro para o Rio de Janeiro.
36 Supplementary Despatches, Correspondence…, vol. 6, p. 616.
37 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington…, vol. 6, pp. 422-424.
38 Idem, p. 428.
39 Idem, p. 430.
40 G. Silva Dias e J. S. da Silva Dias, Os Primórdios da Maçonaria em Portugal, 2 vols., Lisboa: INIC, 1986; vol. I, tomo II, p. 551, «Ofício de Jerónimo Francisco Lobo, 4 de Setembro de 1810».
41 Fernando Dores Costa, «Franceses e “jacobinos”: movimentações populares e medidas de polícia em 1808 e 1809. Uma «irrupção patriótica»?, Ler História, n.º 54, 2008, pp. 95-132.
42 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington…, vol. 6, p. 452, 18 de Setembro de 1810.
43 Idem, p. 454.
44 Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil…, t. 2,v. 2, p. 123.
45 Idem, pp. 125-126.
46 Michael Glover, Wellington as Military Commander, London: Penguin Books, 2001 [1968], p. 89.
47 Nicole Gotteri, Napoléon et le Portugal, Paris: Bernard Giovananageli Éditeur, 2004, p. 246.
48 Idem, p. 248.
49 Idem, p. 249.
50 Jean Jacques Pelet, The French campaign in Portugal 1810-1811....
51 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington…, vol. 7, p. 4.
52 Idem, p. 22.
53 Jean Jacques Pelet, The French campaign in Portugal 1810-1811..., p. 319.
54 Idem, p. 324.
55 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington…, vol. 7, p. 7.
56 Idem, p. 35.
57 Idem, p. 42.
58 Nicole Gotteri, Napoléon et le Portugal…, p. 251.
59 Guingret, Relation historique et militaire de la campagne de Portugal sous le Maréchal Masséna, Limoges, 1817, p. 19.
60 «Memodandum on the proposed demand on Portugal for payment of the expenses of the lines and of prisoners of war», 8 de Janeiro de 1822, Dispatches, Correspondence and Memoranda of Field Marshall Duke of Wellington (in continuation of the former series), vol. 1 (January 1819 to December 1822), London: John Murray, 1867, p. 213.
61 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington…, vol. 7, pp. 15-19.
62 Simão José da Luz Soriano. História da Guerra Civil…, 2,v. 2, p. 167.
63 Koch, Memórias de Massena… e Pelet, The French Campaign...
64 Simão José da Luz Soriano. História da Guerra Civil…, 2,v. 2, p. 161.
65 Simão José da Luz Soriano. História da Guerra Civil…, 2,v. 2, p. 174.
66 Idem, p. 176.
67 Idem, p. 178.
68 Idem, p. 179.
69 Idem, p. 154.
70 Biblioteca Nacional Portugal, Reservados, Cod. 6849.
71 The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington…, vol. 7, pp. 192-193, Wellington para o marquês Wellesley, 26 de Janeiro de 1811.
72 Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil…, 2, v. 2, pp. 144-147; Wellington para Villiers, Elvas, 25 de Maio de 1811.
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Referência do documento impresso
Fernando Dores Costa, «A invasão de Masséna em 1810 e as linhas de Torres Vedras: uma paradoxaL confluência de objectivos? », Ler História, 58 | 2010, 115-135.
Referência eletrónica
Fernando Dores Costa, «A invasão de Masséna em 1810 e as linhas de Torres Vedras: uma paradoxaL confluência de objectivos? », Ler História [Online], 58 | 2010, posto online no dia 07 dezembro 2015, consultado no dia 18 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/1195; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.1195
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