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Dossier: Goa: 1510-2010

Orientalismos periféricos? O historiador goês José Gerson da Cunha (Bombaim, 1878)

Orientalismes périphériques? L’historien goannais José Gerson da Cunha (Bombay, 1878)
Peripheral Orientalisms? The Goan historian José Gerson da Cunha (Bombay, 1878)
Filipa Lowndes Vicente
p. 27-46

Resumos

Partindo de um texto escrito em 1878 sobre o orientalismo português na Índia dos séculos XVI e XVII e do seu autor, José Gerson da Cunha, este artigo questiona conceitos de centro e periferia, cosmopolitismo ou marginalidade nas suas relações com os lugares de produção e os agentes de conhecimento. Ao confrontar as referências historiográficas e reflexividade da abordagem de Gerson da Cunha com as características nacionalistas de um texto sobre o mesmo tema do erudito português Sousa Viterbo, procura-se ver como é que os lugares influenciaram a perspectiva histórica e determinaram o lugar ocupado por Gerson da Cunha nos cânones historiográficos instituídos posteriormente.

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Texto integral

  • 1 J. Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in Atti (...)
  • 2 J. Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in op. (...)
  • 3 J. Gerson da Cunha, «A Brief Sketch of the Portuguese and their Language in the East», The Journal (...)

1A 16 de Setembro de 1878, no segundo dia dedicado aos estudos indianos durante o Congresso Internacional de Orientalistas, em Florença, Gerson da Cunha (Goa, 1844-Bombaim, 1900) proferiu a palestra intitulada «Materiais para a história dos estudos sânscritos entre os portugueses»1. Escrito e lido em inglês, o seu ensaio fazia parte de um projecto mais amplo concebido como uma «History of Oriental Studies among the Portuguese». As actas do congresso, publicadas dois anos mais tarde, incluíam uma versão trabalhada e aumentada do texto lido no congresso, mas a enorme extensão do original submetido impediu que fosse publicado na íntegra2. Um dos principais objectivos de Gerson da Cunha era o de escrever a história dos Portugueses na Índia, inscrevendo-a numa história, mais alargada, da Índia. Mais do que um projecto sonhado era um projecto muito concreto que já tinha editor e data de publicação, mas que acabou por nunca se concretizar. O seu livro vinha sendo anunciado na prestigiada Oriental Series, publicada em Londres pelo editor Nicholas Trübner, mas como o próprio Gerson da Cunha admitiu perante a Sociedade Asiática de Bombaim, em 1891, o seu projecto permanecia ainda um desideratum3. As causas, essas o goês atribuía-as às condicionantes práticas da sua vida profissional, a de um médico solicitado e interrompido, mas também à própria natureza da documentação disponível para levar a cabo uma história de tal envergadura. Os documentos existentes favoreciam a construção de uma «episodical history», feita de pormenores que precisavam do historiador para passar a formar uma narrativa contínua. Nesta sequência, como justificava o próprio autor, dividir um grande tema e analisá-lo em distintas secções independentes, trabalhando de uma forma «tentative and fragmentary», poderia ter as suas vantagens, como já o tinham demonstrado autores como Thierry ou Goethe. Uma história fragmentada da presença portuguesa na Ásia foi o que Gerson da Cunha acabou por fazer, como o demonstra a sua vasta obra materializada em inúmeros artigos e alguns livros sobre regiões específicas da Índia: de Bombaim a Chaul ou Baçaim.

  • 4 Henry Morse Stephens (1857-1919), Portugal, Nova Iorque: G. P. Putnam’s sons [c.1891]; Idem, Albuqu (...)
  • 5 José Gerson da Cunha, «A Brief Sketch of the Portuguese and their Language in the East», op. cit., (...)
  • 6 Edward Rehatsek, «Brief notice of two Arabic Manuscripts on the History of Yemen. With Notes from P (...)

2«But when will an historian arise to tell worthily the story of the contact between the heroes of Portugal and the more civilized inhabitants of Hindustan?» foi a questão posta pelo historiador norte-americano Morse Stephens na última década do século XIX4. Gerson da Cunha, que no fundo almejava a ser este historiador, citou um longuíssimo excerto de Stephens, onde eram sublinhadas as peculiaridades da presença portuguesa na Ásia, bem distintas dos casos holandês ou britânico5. A concretização de um tal projecto historiográfico supunha um conhecimento profundo da história indiana e do estado da civilização na Índia durante este período, de modo a identificar os factos relevantes do primeiro contacto directo entre a Europa e a Ásia modernas, entre o Oriente e o Ocidente. O domínio do historiador goês das obras escritas em inglês dedicadas total ou parcialmente a assuntos relacionados com Portugal permitia-lhe assumir o papel de intermediário entre a historiografia portuguesa e a britânica, sobretudo, nas suas relações com a Índia, anunciando aos seus leitores aquilo que estava a ser feito ou tinha sido publicado recentemente. Se isto é óbvio em todos os seus escritos, onde as referências bibliográficas se constituem na prova deste cosmopolitismo, também se torna evidente no papel que Gerson da Cunha assumiu enquanto membro do Bombay Branch of the Royal Society Society. Considerado pelos seus pares um especialista em assuntos portugueses, era chamado a colaborar com outros membros da prestigiada instituição de saber, sempre que se afigurava necessário interpretar fontes relacionadas com a presença portuguesa na Ásia ou mesmo em África, ou escritas em português6.

3O seu projecto historiográfico era parte integrante de uma vasta produção académica onde diversas identidades étnicas e nacionais se conjugavam com diferentes formações intelectuais: por um lado, enquanto goês, brâmane católico, com um domínio de toda a cultura portuguesa, Gerson da Cunha era parte integrante da elite goesa; por outro lado, havia que considerar a sua formação médica em Bombaim e na Grã-Bretanha. No seu regresso da Europa (mas de uma Europa de que Portugal não fazia parte) estabeleceu-se como médico em Bombaim e foi nesta cidade central da Índia Britânica que desenvolveu os estudos históricos que passaram a ocupar cada vez mais do seu tempo. Goa e outras regiões colonizadas por Portugal no passado foram sempre um objecto privilegiado da sua erudição, mas a língua em que escrevia e as publicações onde expunha o seu trabalho – sobretudo o Indian Antiquary ou o The Journal of the Bombay Branch of the Royal Asiatic Society, duas das principais revistas académicas criadas por britânicos para estudar a Índia – revelavam de que modo construía o seu conhecimento com a distância de quem não estava lá. Gerson da Cunha escrevia recorrendo à linguagem e à língua com que a história da Índia estava a ser escrita na Índia Britânica, e com os instrumentos por ela criados para melhor conhecer a colónia, mas fazia-o com as vantagens de quem dominava intelectualmente todos os temas que diziam respeito à presença portuguesa na Ásia. Ora, não terá sido precisamente este lugar instável que Gerson da Cunha ocupava, entre a Índia Portuguesa e a Índia Britânica, a favorecer, quer ainda no século XIX, quer no século XX, a sua invisibilidade, em contextos historiográficos marcadamente nacionalistas?

O carácter pioneiro do orientalismo português

  • 7 Esta cronologia ainda está muito presente na historiografia contemporânea sobre o assunto e datas c (...)

4Através da análise dos estudos de línguas orientais e das observações etnográficas feitas pelos portugueses na Índia dos séculos XVI e XVII, Gerson da Cunha questionou a cronologia vigente que datava as origens do orientalismo a partir das iniciativas britânicas de finais de Setecentos7. Perante uma audiência constituída por muitos dos mais ilustres especialistas europeus reunidos em Florença, em 1878, para participar no quarto congresso internacional de orientalistas, o historiador goês começou por reconhecer a escassez da contribuição portuguesa para o orientalismo oitocentista, ao mesmo tempo que atribuía aos portugueses um papel fundador na genealogia de estudos orientais. Genealogia esta da qual ele próprio se considerava um herdeiro. De facto, se entre todas as nacionalidades a que pertenciam os orientalistas contemporâneos era difícil encontrar um nome of «pure Lusitanian origin» – como a ausência portuguesa do congresso internacional de Florença parecia demonstrar –, no passado não fora assim.

  • 8 Francisco Adolfo Coelho, «Lettera di F. Adolpho Coelho, Almada-Lisboa, 11 de Março de 1877, Comitat (...)
  • 9 Assunto desenvolvido no meu artigo «Orientalism on the margins: the interest in Indian Antiquity in (...)

5Apesar de Adolfo Coelho, delegado para Portugal, ter mostrado muito interesse em participar no encontro de orientalistas, acabou por não o conseguir fazer, segundo ele, devido à falta de apoio do governo português8. Mais estranha parecia ser a ausência quase total de orientalistas indianos ou residentes na Índia, tendo em conta o esforço dos organizadores do congresso em mobilizar participantes indianos. O ilustre sanscritista de Calcutá Ragendralala Mitra tinha revelado o seu desejo de estar em Florença mas, ao não ter conseguido fazê-lo, Gerson da Cunha acabara por ser o único orientalista asiático, facto que foi várias vezes notado durante o congresso e que acabou por determinar as honras com que foi recebido. Se no tema da sua apresentação demonstrava o seu domínio e, sobretudo, a sua pertença a uma cultura europeia, mesmo que marginal em relação ao contexto de produção de conhecimento oitocentista europeu, era a sua identidade indiana que mais interessava aos promotores do congresso. Enquanto único «orientalista oriental» presente, Gerson da Cunha vinha legitimar um evento científico que tinha como um dos seus objectivos o de envolver especialistas indianos ou residentes na Índia9.

6Porque é que os esforços dos portugueses dos séculos XVI e XVII em estudar as línguas orientais, e a quantidade de obras que escreveram sobre o assunto foram esquecidos? Gerson da Cunha propôs uma explicação: em primeiro lugar, o facto de quase todos estes estudos terem sido escritos em português limitou a sua divulgação para lá das fronteiras peninsulares; em segundo lugar, o orientalismo luso fora, em grande parte, obra de missionários interessados em divulgar o cristianismo. Este interesse pelas línguas orientais tinha uma motivação religiosa, e não filológica ou arqueológica. Por último, a ignorância do orientalismo oitocentista em relação a este orientalismo precoce e pioneiro devia-se à própria atitude portuguesa em relação ao seu passado. Assim, só durante a segunda metade do século XIX é que se começaram a imprimir, ou a reimprimir, muitos dos manuscritos sobre a presença dos portugueses na Índia escritos três séculos antes: por exemplo, as Lendas da Índia de Gaspar Correia, o Roteiro da Viagem de Vasco da Gama, ou os Roteiros de D. João de Castro.

7Ao fazer um exercício comparativo entre orientalistas portugueses de séculos passados e orientalistas britânicos de finais do século XVIII, Gerson da Cunha teve, necessariamente, de confrontar a ideia enraizada de os britânicos serem considerados os pioneiros. Para o contestar referiu o exemplo do padre Lucena que, na sua Vida de S. Francisco Xavier, publicada em 1600, já tinha enumerado as obras clássicas hindus, muito antes de William Jones ou Henry Thomas Colebrooke as terem divulgado na Europa. Nos Commentarios do Grande Afonso de Albuquerque (1557) existia já a referência a uma língua na Índia que era equivalente ao latim, ou seja, o sânscrito e, como notava Gerson da Cunha, muitos aspectos da etnologia, antiguidades, história natural ou comércio indianos, que alguns autores britânicos de finais de setecentos apresentavam como novidades, tinham já sido descritos pelos antigos cronistas portugueses, de João de Barros a Diogo do Couto.

  • 10 Richard F. Burton, Goa, and the Blue Mountains or, six months of sick leave, ed. Dane Kennedy, Berk (...)

8Será que nesta comparação de Gerson da Cunha entre práticas orientalistas portuguesas e britânicas no contexto indiano, manifestadas em períodos diferentes, poderíamos encontrar as marcas da influência do livro que Richard Burton publicou sobre Goa em 1851? A admiração que Gerson da Cunha sentia pelo viajante, escritor e filólogo, que cruzava uma vasta produção escrita com o seu papel de agente activo do império colonial britânico, sugere que conheceria a obra Goa and the Blue Mountains, onde Burton também confrontara o orientalismo português com o britânico. Embora a profundidade e a natureza do texto de Gerson da Cunha não seja comparável à de Burton, inserido num relato da sua visita a Goa em meados dos anos 1840, ambos os autores caracterizavam-se pela multiplicidade dos seus interesses, das línguas e culturas que dominavam, e pela fluidez dos lugares geográficos que ocupavam. Não seriam estas fronteiras instáveis que lhes permitiam realizar uma reflexão historiográfica sobre a produção de conhecimento em contextos tão distintos como o da Índia Portuguesa do passado e a Índia Britânica do presente? Tal como o historiador goês desenvolveu umas décadas depois, Burton também estabelecera as diferenças entre ambos os orientalismos a partir das suas associações à religião10. As línguas orientais começaram por ser usadas pelos portugueses como métodos de conversão, mas com o declínio da presença religiosa veio também a extinção do orientalismo português e o panorama contemporâneo contrastava com um passado rico de estudos orientais. Na Grã-Bretanha, pelo contrário, argumentava Richard Burton, os estudos orientais tinham beneficiado do facto de não estarem apenas dependentes dos interesses de conversão religiosa. Apesar de Burton considerar que os resultados alcançados nesta área continuavam aquém da dimensão do Império britânico, os progressos atingidos nos últimos anos – a descoberta de cerca de 40 dialectos orientais, a criação de sociedades para a tradução e publicação de novas obras, as bibliotecas orientais e as vantagens dos processos litográficos – facilitavam o trabalho do orientalista da segunda metade de Oitocentos, onde ele próprio se incluía.

  • 11 Mary S. Lovell, A Rage to Live. A biography of Richard and Isabel Burton, Londres: Abacus, 1998, p. (...)
  • 12 Richard F. Burton, op. cit., pp. 41, 42.
  • 13 Filipa Lowndes Vicente, «O S. Francisco Xavier de Isabel Burton e de Mrs. Guthrie: duas inglesas em (...)

9O exercício comparativo de Richard Burton também provinha de uma prática de investigação documental. Durante a sua estadia em Goa na década de 1840, visitou várias bibliotecas goesas, copiando e comprando manuscritos sempre que possível11. Mas o seu primeiro contacto com a biblioteca de Pangim constituíra-se numa enorme decepção: ouvira dizer que esta continha muitas obras provenientes de diferentes conventos e esperava encontrar uma enorme variedade de manuscritos e de publicações sobre línguas e história orientais relacionadas com as colónias portuguesas mas, em vez disso, deparou-se sobretudo com uma biblioteca eclesiástica, alguns autores clássicos, uns quantos livros de viagem antigos, obras de história e pouco mais. Obras orientais, no sentido filológico que o termo assumiu tantas vezes, encontrara apenas três: um livro siríaco impresso em Oxford, um dicionário manuscrito e uma gramática de concani12. Quando regressou a Goa, trinta anos mais tarde, já casado com Isabel Burton, as investigações que ambos fizeram nos arquivos e bibliotecas goesas, inseparáveis do seu domínio da língua portuguesa, continuaram a distingui-los da maioria dos viajantes-escritores britânicos em Goa que costumavam limitar as suas descrições mais eruditas à panóplia já canonizada de relatos de viajantes anteriores. Desta vez foi Isabel Burton que escreveu sobre Goa, narrando as experiências partilhadas pelo casal, e fazendo a história do passado da região, tarefa para a qual contou com a colaboração de vários historiadores locais, e nomeadamente de Gerson da Cunha13.

  • 14 J. Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in op. (...)
  • 15 Idem, idem, pp. 184, 185 (Gerson da Cunha não refere como é que teve acesso a este documento).

10Tal como Richard Burton já constatara, Gerson da Cunha considerou que o interesse português pelas línguas indianas era inseparável das motivações de conversão dos locais ao catolicismo. Para analisar a produção de estudos sobre o Oriente por parte de missionários portugueses, deteve-se na política religiosa dos portugueses na Índia, nas suas instituições e nos seus protagonistas. Um dos primeiros requisitos para uma boa missionação era o conhecimento das línguas dos locais que se queriam converter e, tendo em conta que os livros, tal como os ídolos, eram muitas vezes destruídos pelos colonizadores, o conhecimento linguístico era feito sobretudo através da relação directa com os locais.14 Na sua apologia de uma política de respeito pela religião dos outros, Gerson da Cunha fazia inevitavelmente uma comparação com as diferentes atitudes religiosas de dois colonizadores da Índia – os portugueses, do passado, e os britânicos, do presente. E neste confronto deixava transparecer a sua opinião crítica acerca da destruição e agressividade lusas praticadas em nome da religião, em contraste com aquilo que ele identificava como sendo a tolerância religiosa das políticas britânicas de colonização. Como exemplo da política portuguesa em que o nativo era forçado a trocar de fé sob coacção, Gerson da Cunha mencionou os ímpetos incendiários do Bispo de Goa, Fr. João Albuquerque, citando um documento que se encontrava na Torre do Tombo, em Lisboa15. No entanto, se o bispo destruíra imagens e manuscritos hindus, não impedira que os seus subordinados usassem as línguas locais como método de conversão, o que possibilitara a escrita de uma série de gramáticas e vocabulários que a imprensa de Goa veio a divulgar mais tarde.

  • 16 Um periódico inglês dedicado ao tema da bibliografia, com ambições internacionais, deu notícia dest (...)
  • 17 J. Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in op. (...)
  • 18 Idem, idem, p. 189.

11A história da imprensa em Lisboa, e depois em Goa, e a impressão de obras relativas à Índia e às suas línguas são outro dos objectos de estudo de Gerson da Cunha, que neste texto analisa cada uma das obras publicadas na imprensa de Goa nos séculos XVI e XVII16. Na perspectiva comparativa entre diferentes contextos nacionais, que foi tão característica da sua abordagem historiográfica, não se contentou em referir a impressão de obras orientais pelos britânicos mas também mencionou o caso italiano, muito mais desconhecido em termos internacionais, citando artigos publicados recentemente sobre a impressão de obras orientais em Itália17. A quantidade de referências a manuscritos pertencentes à Biblioteca do Vaticano, sobretudo de missionários portugueses, ou à Biblioteca Vittorio Emanuele de Roma, demonstram como Gerson da Cunha aproveitara a estadia romana nos últimos meses de 1878, após o congresso Orientalista de Florença, e antes de regressar à Índia, para fazer investigação, alargar as suas referências bibliográficas e trabalhar no texto que apresentara no congresso18.

  • 19 Idem, idem, p. 193.

12Como é que a falta de tolerância dos missionários católicos se conjugava com formas de adaptação às culturas locais? De facto, em vez de adaptar as línguas vernáculas aos caracteres romanos, com toda a subjectividade que isso implicava, a imprensa de Goa passou a utilizar caracteres tipográficos indianos, pouco depois da sua criação. Gerson da Cunha considerava surpreendente que, na Goa do século XVI, se praticasse uma política de impressão que os ingleses só tinham iniciado em 1778. A duração da imprensa de Goa, que se prolongou cerca de cem anos, teria correspondido à época mais próspera do governo português no Oriente. E, quando em meados do século XVIII, houve uma tentativa de reintroduzir a imprensa em Goa, o governo não a autorizou, com medo que o poder sobre a divulgação da palavra fosse tomado pelo clero. Só em 1821, data do governo constitucional, é que se voltou a criar uma imprensa em Goa que, juntamente com as outras que se lhe seguiram, realizavam um «excellent service to the cause of progress and civilisation»19.

  • 20 No mesmo pacote postal em que Gerson da Cunha envia a Angelo de Gubernatis a versão final do texto (...)
  • 21 J. Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in op.c (...)

13Para provar o argumento de que o Marquês de Pombal estava consciente da ameaça que os jesuítas poderiam significar, Gerson da Cunha citou duas cartas que o estadista dirigira ao Arcebispo de Goa. O objectivo do Marquês de Pombal era o de analisar o conteúdo dos arquivos dos jesuítas em Goa para verificar se as gramáticas e vocabulários de línguas vernáculas não estavam impregnados de doutrinas jesuítas e, como notou o historiador, o tempo veio demonstrar como a sua desconfiança não era infundada. Conhecedor da historiografia recente feita a partir de Goa, quer por goeses, quer por portugueses residentes em Goa, Gerson da Cunha citou também um «curious document» preservado nos arquivos de Goa e publicado no Chronista de Tissuary por Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, assim como as Instruções do Marquez de Pombal publicadas por Claudio Lagrange M. de Barbuda, ambos portugueses temporariamente na Índia enquanto secretários do governador-geral. A postura histórica de Gerson da Cunha, de elogio à figura do Marquês de Pombal e de crítica à Companhia de Jesus, correspondia a uma visão muito difusa durante este período, sobretudo no mundo anglo-saxónico, onde o primeiro representava as luzes e a modernidade, e os jesuítas simbolizavam os excessos do catolicismo20. Sempre atento aos laços entre história e prova documental, Gerson da Cunha assegurava que os arquivos dos jesuítas na Índia estavam tão vazios como os de Roma, onde ele apenas encontrara as Décadas de João de Barros21.

  • 22 José Gerson da Cunha, «Exposição Universal de Paris (Impressões e belezas). Fragmento da Minha Viag (...)
  • 23 J. Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in op. (...)
  • 24 O livro de Michael S. Dodson analisa uma prática semelhante feita num contexto muito diverso e para (...)

14A raridade das obras publicadas em Goa nos séculos XVI e XVII justificava uma análise aprofundada. Gerson da Cunha enumerou cada uma delas, vinte e uma de seu número, acrescentando toda a informação disponível, das suas características intrínsecas aos lugares onde tinham estado expostas recentemente já inseridas num discurso oitocentista de valorização do documento histórico, autêntico e visível. O manuscrito original do Mappa Mundi de Fernão Vaz Dourado, escrito em Goa em 1571, por exemplo, fora exibido ao lado de outros manuscritos raros, na secção portuguesa da Exposition Universelle de 1867, em Paris, que o próprio Gerson da Cunha visitara (embora não o refira no relato da exposição que publicou num jornal goês)22. Para descrever cada uma destas obras, o autor recorreu à bibliografia portuguesa sobre a Índia, desde o século XVI, aos seus próprios trabalhos, e ao saber, escrito ou oral, de outros eruditos seus contemporâneos, goeses ou portugueses residentes em Goa. Referiu o «distinguished Portuguese savant Cunha Rivara», a propósito do seu Ensaio Histórico da Lingua Concani, mas também o conhecimento oral do historiador goês Miguel Vicente de Abreu23. Gerson da Cunha mostrava-se, ainda, especialmente atento ao sentido das traduções de línguas europeias para línguas locais, e aos modos como, por vezes, os textos religiosos cristãos eram adaptados às culturas religiosas locais, com vista a facilitar o reconhecimento da religião imposta e a almejada conversão24.

  • 25 J. Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in op. (...)
  • 26 José Gerson da Cunha, «Words and Places in and about Bombay» The Indian Antiquary, Part XXXIV, vol. (...)
  • 27 J. Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in op. (...)
  • 28 Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in op. cit(...)

15À obra Coloquio dos Simples, e drogas he cousas medicinais da India de Garcia da Orta – o primeiro estudo impresso sobre história natural indiana publicado pelos portugueses, que conjugava um saber botânico com um saber antiquário – Gerson da Cunha dedicou especial atenção em vários artigos, onde também é visível o seu interesse pela história da medicina25. Apesar do Coloquio dos Simples ter sido muito copiado, traduzido para várias línguas, e portanto conhecido em toda a Europa culta do século XVI, só em 1872 é que foi publicada uma segunda edição em Lisboa. Como Garcia da Orta fora rendeiro perpétuo da ilha de Bombaim, ao recriar a sua biografia, Gerson da Cunha acabou por dedicar especial atenção à história da cidade onde ele próprio vivia, assunto que se tornou num dos seus temas de eleição26. A propósito das descrições de produtos, drogas, gemas ou especiarias, que tornaram conhecido o livro de Orta, Gerson da Cunha empreendeu uma análise histórica de cariz muito mais genérico respeitante às motivações dos descobrimentos portugueses, que o afastou da abordagem historiográfica através da qual procurara provar o pioneirismo dos estudos orientalistas portugueses. Ao reflectir sobre este tema central da historiografia portuguesa, ao qual regressará noutros textos, Gerson da Cunha optou pela tese que defendia que a motivação dos portugueses para descobrir uma passagem marítima para a Índia fora o desejo de controlar o monopólio de comércio com o Oriente que estava nas mãos de venezianos e genoveses, e não o de conquistar ou o de converter27. Assim se explicava a quantidade de escritores que, já antes de Garcia da Orta, se tinham interessado em descrever os produtos envolvidos nestas redes comerciais. Depois de uma longa digressão sobre os primeiros tempos da presença portuguesa na região, sobretudo das suas relações comerciais com a Índia, mas também com a China e o Japão, Gerson da Cunha retomou a história natural indiana tratada por Garcia da Orta. Deteve-
-se na descrição de amostras de história natural, das plantas e árvores trazidas da Europa para a Índia e levadas da Índia para África e procedeu a uma análise historiográfica da produção escrita sobre história natural a cargo, sobretudo, de missionários28. Como ele próprio reconheceu, uma parte significativa destes textos tinham sido editados ou estudados recentemente por contemporâneos seus, goeses ou portugueses provenientes da metrópole mas sediados em Goa, como Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, Felipe Nery Xavier ou Bernardo Francisco da Costa.

  • 29 J. Gerson da Cunha, The Konkani Language and Literature, Bombaim: Government Central Press, 1881. S (...)
  • 30 J. Gerson da Cunha, The Konkani Language and Literature. op. cit., p. 3.
  • 31 «Dr. Gerson da Cunha is about to publish a grammar of Konkani, which has been provisionally classed (...)
  • 32 José Gerson da Cunha, «A Brief Sketch of the Portuguese and their Language in the East», The Journa (...)

16Em 1881, ou seja, no ano em que saiu em Florença o seu trabalho sobre o estudo do sânscrito e de outros aspectos da cultura indiana pelos portugueses dos séculos XVI e XVII, Gerson da Cunha publicou também, em Bombaim, The Konkani Language and Literature, um longo texto sobre o concani, onde revelou a sua vertente mais orientalista no sentido linguístico e filológico do termo, tal como era muitas vezes usado neste período29. Apesar de ter sido feita de um modo indirecto, este é talvez o seu artigo onde uma crítica à colonização portuguesa do presente, e não apenas à do passado, foi mais evidente. Ao afirmar que os eclesiásticos portugueses já conheciam o concani no século XVI, mais uma vez sublinhou o papel precursor do orientalismo português que ele considerava não ser reconhecido na historiografia recente dominada por uma perspectiva britânica30. Para além de escrever sobre o concani, Gerson da Cunha tinha intenções de participar activamente na sua fixação através de uma gramática, como anunciou o inglês Robert Cust num artigo que escreveu sobre línguas indianas31. Orgulhoso com a menção deste ilustre orientalista, com quem convivia em Bombaim, e com quem estivera no congresso florentino, Gerson da Cunha citou a sua frase e viu-se obrigado a responder que a falta de tempo livre não lhe tinha ainda permitido acabar o trabalho. Esta intenção nunca concretizada demonstra, no entanto, como a valorização da língua concani, tal como a valorização do português, no passado ou no presente, faziam parte de uma estratégia alargada de valorização da cultura indo-portuguesa no interior da história geral da Índia que estava a ser escrita em inglês. E onde Gerson da Cunha se constituía como uma das principais vozes32.

O orientalismo de Sousa Viterbo ou a metrópole enquanto periferia historiográfica

  • 33 Sousa Viterbo, «O Orientalismo em Portugal no Século XVI», Boletim da Sociedade de Geografia, 12.º (...)
  • 34 Sousa Viterbo, «O Orientalismo em Portugal no Século XVI», op. cit., p. 330. Sobre os interesses or (...)
  • 35 A biblioteca de Sousa Viterbo, vendida quatro anos após a sua morte, também não contém nenhuma obra (...)

17O texto de Gerson da Cunha contrasta vivamente com um outro ensaio publicado quinze anos depois em Lisboa, sobre o mesmo assunto que, por sua vez, nos ajuda a compreender o lugar do goês enquanto produtor de conhecimento histórico num contexto internacional e numa perspectiva comparativa. Aparentemente os títulos e o conteúdo dos artigos assemelham-se: Gerson da Cunha apresenta os seus «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», enquanto Francisco Marques de Sousa Viterbo (1846-1910), autor de inúmeros escritos de história, história da arte, literatura ou arqueologia na segunda metade de oitocentos, se propôs analisar «O Orientalismo em Portugal no século XVI» num texto publicado pelo Boletim da Sociedade de Geografia em 189333. Ambos consideravam os seus respectivos ensaios como parte de um projecto muito mais ambicioso e profundo: Gerson da Cunha anuncia-o com a palavra «materials» no próprio título, enquanto Sousa Viterbo considera-o um «esboço», o «primeiro borrão de uma tentativa histórica, que, sob mais de um aspecto, merece receber o necessário desenvolvimento»34. Para finalizar o seu texto, Viterbo apela à benevolência da crítica, «atendendo a que é talvez o primeiro ensaio que, no seu género, se faz em Portugal». Em Portugal talvez fosse o primeiro. Mas certamente, fora de Portugal não o era. Obviamente Sousa Viterbo desconhecia o trabalho de Gerson da Cunha35.

18O texto de Viterbo poderia dividir-se em duas partes: uma mais romantizada, em que ele descreve o Portugal quinhentista como um «museu oriental» ou um «museu etnográfico», onde a «Europa poderia vir instruir-se dos usos, dos costumes, dos caracteres, das raças, que tinham até ali jazido na ignorância dos mais autorizados geógrafos», e uma segunda parte, mais erudita, onde cita diversos documentos, já publicados, ou disponíveis na Torre do Tombo, que demonstrariam o interesse português em desenvolver os estudos sobre o Oriente. Mas o seu mundo era o mundo de quem escrevia sobre a Índia a partir de Portugal, e se centrava apenas no passado. O presente não existia. Viterbo começa e acaba no século XVI e ignora uma abordagem historiográfica contemporânea sobre a construção do conhecimento orientalista, tal como parece ignorar o facto do orientalismo britânico na Índia, de final de setecentos, ser tido como pioneiro.

  • 36 Sobre o assunto ver: Victor Ribeiro, op. cit., pp. 65-81.
  • 37 Sousa Viterbo, «O Orientalismo em Portugal no Século XVI», op. cit., pp. 325, 327.

19Mais do que analisar os documentos, Viterbo cita longos excertos enquanto advoga uma história positivista e documental, consciente da necessidade de preservar os seus vestígios e denunciadora da incúria que se manifestava no desaparecimento de tantas das provas da história36. Viterbo, tal como Gerson da Cunha o fez, lamenta a negligência ou o egoísmo coleccionista que contribuía para criar alguns vazios na narrativa histórica. Critica os «avarentos da bibliografia» que não davam a conhecer as preciosidades que tinham em casa e propunha uma lei que permitisse a «expropriação por utilidade pública» de todos aqueles documentos que, ao estarem nas mãos de privados, permaneciam invisíveis ao conhecimento histórico. Também se questiona acerca do paradeiro dos manuscritos orientais que pertenceram à biblioteca de D. João de Castro, assim como aos arquivos dos homens cantados por Camões, vítimas de «imperdoável incúria»37. Mas se ambos partilhavam de uma consciência histórica documental moderna, o grau de profundidade, de erudição e de consciência crítica com que Gerson da Cunha aborda o assunto distingue-o bem do erudito português. Paradoxalmente, aquele de quem à partida se podia esperar uma visão mais periférica da história, é aquele que possui um olhar que não é apenas caleidoscópico, como permite ver tanto ao perto como ao longe, no espaço e no tempo.

  • 38 Sousa Viterbo, «O Orientalismo em Portugal no Século XVI», op. cit., p. 322; José Joaquim Lopes de (...)

20Por um lado, não era assim tão surpreendente que Sousa Viterbo não conhecesse o artigo de um goês, escrito em inglês, e publicado em Florença em 1880. Mas por outro, o facto do próprio Gerson da Cunha ser sócio de várias sociedades científicas e de existir, neste período, uma cultura de troca globalizada de revistas e actas de congressos entre instituições que partilhavam interesses comuns até tornaria plausível que Viterbo conhecesse o trabalho do historiador goês. Este desconhecimento, no entanto, leva-nos a sugerir que não existia muita comunicação entre a historiografia da metrópole e aquela produzida em Goa ou na Índia. Parecia ser mais provável que os eruditos goeses conhecessem aquilo que se publicava em Lisboa ou Coimbra, do que os portugueses residentes na metrópole conhecessem aquilo que escreviam os goeses acerca da sua própria história. O que não é o mesmo que conhecer o que escreviam os portugueses que estavam na Índia. Viterbo cita os livros de viagem, de Goa para Lisboa, e de Lisboa para Goa, de dois «modernos escritores portugueses», José Joaquim Lopes de Lima e Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, mas não cita os trabalhos de nenhum goês38. E obviamente não cita o trabalho de Gerson da Cunha, que assim, e paradoxalmente, se transforma na vítima do mesmo processo que denunciara na sua versão da história do Orientalismo português na Índia, ao interrogar-se acerca do desaparecimento historiográfico das gerações de portugueses que, na Índia, se tinham dedicado ao estudo das línguas orientais.

21Contudo aquilo que mais distancia o texto de Viterbo do texto de Gerson da Cunha nem sequer é a ignorância demonstrada pelo erudito português em relação àquilo que faziam os seus congéneres da Índia Portuguesa. O que mais os distingue é que Viterbo tem uma visão meramente nacionalista do seu objecto, assim como da sua abordagem disciplinar, enquanto Gerson da Cunha tem uma visão multicêntrica, interdisciplinar e transnacional quer do seu objecto, quer dos instrumentos de análise histórica, das fontes primárias à bibliografia secundária. Ambos são orientalistas, na acepção alargada que a palavra detinha neste período e que tanto poderia identificar uma abordagem mais filológica e linguística, como uma mais histórica. Mas enquanto Gerson da Cunha começa por construir o seu texto a partir do presente, como uma crítica à genealogia contemporânea de estudos orientais dominada pelos britânicos, que situavam as origens da disciplina na Índia Britânica de finais de setecentos, Viterbo mantém-se arreigado às limitações do lugar a partir do qual escrevia, sem assumir a mesma perspectiva crítica e reflexiva. Um lugar que surgia como mais periférico historiograficamente. A Índia Portuguesa, por sua vez, no seu texto, constituía-se enquanto objecto, espaço geográfico do passado, mas não enquanto lugar do presente onde habitavam agentes desse mesmo conhecimento seus contemporâneos. Não fará, neste caso, sentido pensar nos lugares individuais e identitários ocupados por estes dois produtores de conhecimento – Sousa Viterbo e Gerson da Cunha? Se Sousa Viterbo, português de Portugal, escrevia a partir da metrópole, Gerson da Cunha ocupava um lugar muito mais instável, quer fisicamente quer nas suas múltiplas identidades. Goês, de nacionalidade portuguesa, católico (mas crítico do passado católico e português na Índia, dos jesuítas aos métodos de conversão), a viver num império indiano do presente – o britânico – e a escrever sobre o passado de um outro – o português –, Gerson da Cunha precisava de ser muito melhor do que os outros. Precisava de ler mais línguas, conhecer um maior número de tradições historiográficas nacionais, e dominar mais referências bibliográficas para contrariar os próprios limites da sua periferia geográfica, identitária e colonial. Para afirmar a sua participação na formação desse conhecimento, no qual se reconhecia e onde queria ser reconhecido, a história feita «à maneira europeia» exigia-lhe o conhecimento globalizante que aqueles que aparentemente dominavam o conhecimento não precisavam de ter.

A ausência de Gerson da Cunha na historiografia

  • 39 George Mark Moraes, «Dr. José Gerson da Cunha 1844-1900», 1925; João B. Amâncio Gracias, «Notícia n (...)
  • 40 Tony Ballantyne, «Mr. Peal’s Archive. Mobility and exchange in histories of empire», in Antoinette (...)
  • 41 Mesmo em Goa, Gerson da Cunha não integra o cânone habitual de intelectuais locais: J. A. Ismael Gr (...)

22O lugar indefinido que José Gerson da Cunha habita e a partir do qual escreve contribuiu para a sua invisibilidade39. Tal como Ballantyne, quando nos questiona acerca dos paradigmas de conhecimento que fizeram com que o trabalho do botânico e etnógrafo Mr. Peal fosse marginalizado, também me vi obrigada a reflectir sobre o porquê da invisibilidade de uma figura como Gerson da Cunha40. Por um lado, o facto de Gerson da Cunha ser goês mas, ao contrário da maior parte dos intelectuais goeses seus contemporâneos, escrever em inglês e não em português contribuiu para determinar a sua invisibilidade no contexto histórico da Índia Portuguesa deste período, bem como na construção de um cânone de intelectuais goeses oitocentistas estabelecido posteriormente41. Igualmente, o facto de publicar nos principais instrumentos de saber criados pelo Império britânico na Índia, mas não ser britânico, nem indiano – segundo as tipologias dominantes que tendiam a pensar em todos os indianos do Império britânico deste período enquanto anglo-indianos –, também poderá ajudar a explicar a sua ausência da narrativa histórica sobre a Índia colonial Britânica. Este seu papel de intermediário entre diferentes mundos contribuiu para submergi-lo num lugar da memória histórica que durante muito tempo foi pouco visitado.

23Será que as razões que, mais tarde, contribuíram para a invisibilidade histórica de Gerson da Cunha não terão tido vantagens no seu próprio percurso individual? De facto, ele também soube tirar partido do lugar de fronteira onde viveu e escreveu, fazendo uso dos benefícios das suas múltiplas identidades e usufruindo do poder de nunca pertencer em definitivo a nenhuma delas. Estas negações atribuíam-lhe o poder de nunca estar completamente no lugar do colonizado. Ao ser goês mas não viver em Goa, não estava sujeito ao governo colonial português; ao não ser um indiano da Índia Britânica, apesar de viver no seu território, ocupava sempre uma posição de estrangeiro; ao ir à Europa mas não ir a Portugal, não tinha que ser o colonizado na metrópole; ao não aprofundar as suas relações com intelectuais e orientalistas portugueses ou britânicos (mas sim com italianos), Gerson da Cunha não assumia o papel do nativo erudito que, ao ir ou ao ficar na metrópole da nação colonizadora, se expunha a um contexto colonial, de possíveis hierarquias, diferenças, poderes e discriminações.

  • 42 Paulo de Medeiros notou o mesmo no seu ensaio sobre os estudos pós-coloniais e o lugar de Portugal (...)
  • 43 Dane K. Kennedy e Durba Ghosh, eds., Decentering Empire. Britain, India and the Transcolonial World(...)

24O nacionalismo historiográfico tende a não ser capaz de ver o vizinho do lado. Mesmo nas últimas décadas em que o enorme desenvolvimento dos estudos pós-coloniais multiplicou e enriqueceu as abordagens históricas, assim como os espaços e temas, a historiografia sobre as colónias continua a ser muito marcada por ter na Índia britânica oitocentista um dos seus temas de eleição42. A historiografia britânica, especialmente prolixa em publicações sobre o período mais activo do seu império, na sua tendência para a auto-suficiência, tende a ignorar as Índias portuguesa ou francesa. Tende a ignorar também os trabalhos que têm sido feitos nesta área em relação a outras experiências imperiais, que não a britânica. Perdida na vastidão documental do seu império, orgulhosa de ser capaz de estabelecer comparações entre diferentes espaços geográficos desse mesmo império, a historiografia do Império britânico, apesar de atenta às vozes dos colonizados, como hoje acontece, tende a satisfazer-se com o seu mundo43. Assim, paradoxalmente, apesar de Gerson da Cunha ter sido parte integrante das instituições de saber mais prestigiadas da Índia Britânica – uma vez que foi vice-presidente do Bombay Branch of the Royal Asiatic Society, vice-presidente da Anthropological Society da mesma cidade, ou colaborador na revista Indian Antiquarian –, o facto de ele ser um goês de nacionalidade portuguesa terá contribuído para a sua invisibilidade no contexto dos estudos sobre a Índia Britânica. Da mesma forma, Gerson da Cunha não serve os discursos que valorizam o saber produzido pelos indianos, pois não faz parte daqueles indianos que colaboraram com os instrumentos de saber criados pelo colonizador ou que os contestaram.

  • 44 José Gerson da Cunha integrou o mais importante dicionário bibliográfico português, de Inocêncio F. (...)
  • 45 Rosa Maria Perez também já notou «a tendência da historiografia nacional para a análise de temas e (...)

25Mas, se é compreensível que um goês que viveu em Bombaim durante a segunda metade do século XIX não tivesse interessado a historiografia britânica sobre a Índia, mais estranho é que a sua vastíssima obra sobre a experiência imperial portuguesa na Índia entre os séculos XVI e XIX esteja ausente do cânone historiográfico português44. O nacionalismo historiográfico português durante os séculos XIX e XX tendeu a privilegiar as relações entre metrópole e as colónias numa perspectiva onde personagens como Gerson da Cunha, a viver noutro lugar, a escrever noutra língua e a publicar em revistas de outros contextos nacionais, se tornam naturalmente mais invisíveis45. Só tendo em conta esta invisibilidade é que se pode compreender que tendo Gerson da Cunha escrito, em 1878, um longo texto sobre o orientalismo português na Índia do século XVI, Sousa Viterbo não se lhe refira ao escrever sobre o mesmo assunto na década de 1890. De facto, um goês, de nacionalidade portuguesa, a questionar a cronologia de um orientalismo iniciado pelos ingleses em Calcutá no século XVIII, não podia servir melhor os interesses de uma história lusa onde a referência aos portugueses como pioneiros foi sempre parte integrante dos discursos sobre a nação. Porque é que, então, a vasta obra de Gerson da Cunha sobre tantos temas da presença portuguesa na Índia, a sublinhar o carácter pioneiro do orientalismo português ou da imprensa de Goa não foi utilizada pela historiografia de finais do século XIX, entusiasmada com as celebrações do caminho marítimo para a Índia, nem tão pouco por aquela produzida mais tarde, durante o Estado Novo? Como é que se explica que, tendo ele escrito tanto sobre o Império português na Índia, o seu nome não integre as bibliografias de referência sobre este período tão estudado da história portuguesa. Podemos ensaiar algumas justificações. Em primeiro lugar, até recentemente estes olhares tenderam a concentrar-se sobre o período tido como central quanto à sobreposição entre as duas histórias, a da Índia e a de Portugal, os séculos XVI e XVII. A Goa do século XIX, tema identificado com a decadência do império, a contrastar com a vizinha pujança dos novos colonizadores, não tem constituído um tema histórico premente. E, se durante grande parte do século XX a história dos portugueses na Índia no século XVI foi um assunto valorizado da nossa historiografia pelas razões «erradas» – sobretudo por alimentar os mitos de uma epopeia de glória nacional que o Estado Novo queria recuperar –, continuou a ser o período privilegiado mesmo quando as razões dos historiadores para a sua escolha passaram a ser as «certas».

26Será que as muitas identidades de Gerson da Cunha difíceis de classificar, a sua opção pela Índia do lado, que lembrava a Portugal o declínio do seu império, o tornavam demasiado estrangeiro para servir os interesses de uma colonização intelectual ou mesmo para ser considerado português? Terá a sua partida para a Índia vizinha, e não para Lisboa, como o fizeram tantos dos seus contemporâneos à procura de melhores oportunidades educativas, levantado suspeitas sobre as suas fidelidades à nação? Será que a decisão de Gerson da Cunha em ir estudar para Bombaim e lá ficar a exercer a sua vida profissional, como o fizeram tantos outros goeses, foi lida pelos historiadores sucessivos como um modo de questionar o colonialismo português, ou simplesmente a eficiência do seu governo na Índia? Será que a comunidade goesa em Bombaim, na sua diversidade, não poderia ser vista como um sinal do declínio de uma Goa incapaz de reter os seus filhos mais ambiciosos? Não acreditamos numa ignorância consciente, numa punição em modo de silêncio para quem partiu, mas não temos dúvidas de que a ida para Bombaim foi determinante para explicar a sua ausência de uma história centrada nas relações luso-goesas. É, assim, muito mais provável que a sua invisibilidade seja circunstancial – por não se encontrar no ponto de mira de quem observa – do que propositada, por ser conscientemente ignorada por quem o encontra.

  • 46 Jacinto Caetano Barreto de Miranda (Margão: 1842-1879). Advogado, publicou vasta obra no semanário (...)
  • 47 Ao publicar um livro sobre Goa, em inglês, An Historical and Archaeological Sketch of the City of G (...)
  • 48 Gyan Prakash, Another Reason. Science and the Imagination of Modern India, Nova Deli: Oxford Univer (...)

27Gerson da Cunha não só escrevia sobre a história dos portugueses na Índia, mas também sobre a historicização que os portugueses, os britânicos e também os goeses tinham feito e estavam a fazer acerca da Índia. A quantidade de referências bibliográficas a trabalhos de goeses, ou de portugueses a viver em Goa, no seu texto sobre o orientalismo demonstra como acompanhava a crescente consciência histórica feita a partir de Goa e onde se destacavam nomes como o de Felipe Nery Xavier, Miguel Vicente de Abreu ou Barreto Miranda – goeses a escrever em Goa – ou o do português Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara46. Assim, se por um lado, podemos inserir Gerson da Cunha numa tipologia de intelectuais goeses que reflectiam historicamente sobre o lugar que habitavam ou de onde provinham, ao escrever a partir de Bombaim, em inglês, e ao controlar as referências de diversos universos de conhecimento, Gerson da Cunha detinha características únicas que o distinguiam daqueles que escreviam a partir de Goa. O facto de ele viver num outro lugar, numa outra Índia, num outro contexto nacional e colonial foi determinante para a sua forma de escrever história e para os modos como essa própria história ficou inscrita na historiografia – num lugar instável e de fronteira que contribuiu para a sua invisibilidade47. Se os eruditos goeses poderiam ser caracterizados como estando «at the borderlines between cultures», aqueles que escrevem a partir da Índia Britânica, vêm complexificar os contextos de produção de conhecimento onde pode ser situada a sua prática discursiva48.

28Uma distinção determinante entre os intelectuais indianos da Índia Britânica e os da Índia Portuguesa é que estes últimos tinham necessariamente uma relação distinta com a cultura ocidental. A ideia de apropriação – tão usada para analisar as relações entre intelectuais indianos com a cultura europeia na segunda metade do século XIX – não se pode colocar da mesma forma com os intelectuais goeses. Enquanto para os primeiros era uma relação mais recente, feita de uma cultura veiculadora de ideias europeias reforçada pelo governo colonial britânico, para os últimos, a cultura portuguesa e católica estava enraizada nas suas origens, entranhada em séculos de presença e imposição. E mesmo que, em séculos anteriores, essas referências, valores, cultura ou religião europeus estivessem imbuídas com a violência adscrita aos processos de ocupação e conversão, na segunda metade do século XIX, muitos destes elementos já se tinham incorporado na constituição identitária dos goeses pertencentes às classes mais privilegiadas da sociedade, sobretudo dos brâmanes que conjugavam as distinções sociais inerentes à sua casta, com aquelas indissociáveis à religião católica de quem detinha o poder colonial. Para Gerson da Cunha, ao contrário daquilo que acontecia com um intelectual de Calcutá, a cultura europeia não se constituía numa influência externa da qual ele se apropriara. Fazia parte dele. Assim, a análise de historiadores e eruditos goeses vem enriquecer os problemas que têm vindo a ser discutidos acerca da consciência nacionalista e identitária indiana, no interior de uma bibliografia escrita tanto por britânicos como por indianos, mas sempre centrada numa Índia onde não está presente a chamada Índia Portuguesa. Goês mas fora de Goa, a viver nessa tal outra Índia que via em Goa tanto um laboratório colonial onde aprender com os erros do passado, como mais um lugar onde expandir o Império britânico, Gerson da Cunha desafia uma classificação reduzida a um mero confronto entre intelectuais locais na Índia Portuguesa ou na Índia Britânica.

29Nas múltiplas negações inerentes a uma identidade em constante movimento, não terá Gerson da Cunha encontrado o modo de ultrapassar os limites de um lugar e de um saber periférico? Assim, e paradoxalmente, a sua produção de conhecimento está imbuída de um cosmopolitismo e de uma multiplicidade de referências históricas que nada têm de periférico, mas que, ao transgredirem os habituais espaços de construção destes saberes, acabam por favorecer a sua invisibilidade, e de algum modo tornar o seu saber periférico aos cânones historiográficos marcados por características nacionais. A periferia do lugar que a escrita de Gerson da Cunha ocupou nas construções históricas posteriores diz-nos muito mais acerca dessas construções históricas, muitas delas feitas a partir das metrópoles coloniais, do que dele próprio enquanto agente de conhecimento. Foram estes lugares que, no conforto da sua aparente centralidade e nas suas limitações nacionais e linguísticas tornaram invisível aquilo que não era fácil de ver, remetendo para as margens do saber um conhecimento que era muito menos periférico do que aquele que o ignorou.

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Notas

1 J. Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in Atti del IV Congresso Internazionale degli Orientalisti tenuto in Firenze nel Settembre 1878, vol. II (I &II), Firenze: Le Monnier, 1880-1881, pp. 179-219. A relação de José Gerson da Cunha com Florença, com o orientalismo florentino e com o sanscritista italiano Angelo De Gubernatis é um dos principais temas do meu livro: Outros Orientalismos: a Índia entre Florença e Bombaim (1860-1900), Lisboa: ICS, 2009. Por outro lado, a escrita histórica de José Gerson da Cunha será objecto de um outro livro em preparação: A Índia do Lado: a escrita sobre a Índia Portuguesa feita a partir da Índia Britânica (1850-1900).

2 J. Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in op. cit, vol. II, p. 179.

3 J. Gerson da Cunha, «A Brief Sketch of the Portuguese and their Language in the East», The Journal of the Bombay Branch of the Royal Asiatic Society.1892, n.º XLIX, vol. XVIII, Bombaim: Society’s Library, 1893, pp. 168-191, p. 173. As relações com o prestigioso editor Trübner teriam começado muito antes. Em 1878, numa carta dirigida a Gubernatis, Gerson da Cunha refere-lhe como o Trübner estaria interessado em publicar em Londres o texto que ele apresentara no Congresso de Orientalistas de Florença sobre os estudos orientalistas portugueses, mas que o Santini lhe dissera que seria melhor publicá-lo em Roma. Talvez a ambição de o melhorar tenha levado a não publicá-lo em Londres, mas apenas nas actas do congresso, onde apresentara uma conferência sobre o assunto: Biblioteca Nazionale Centrale di Firenze – Manoscritti – Carteggio Angelo De Gubernatis – Corresp. José Gerson da Cunha para Angelo De Gubernatis, n.º 10 (Roma, Hotel Minerva, 29 de Novembro de 1878); Biblioteca Nazionale Centrale di Firenze – Manoscritti – Carteggio Angelo De Gubernatis – Corresp. José Gerson da Cunha para Angelo De Gubernatis, n.º 11 (Roma, Hotel Minerva, 9 de Dezembro de 1878).

4 Henry Morse Stephens (1857-1919), Portugal, Nova Iorque: G. P. Putnam’s sons [c.1891]; Idem, Albuquerque, Oxford: Clarendon Press, 1892; Idem, «An account of the East India College at Haileybury (1806-1857)», in A. Lawrence Lowell, Colonial civil service; the selection and training of colonial officials in England, Holland, and France, Nova Iorque, Londres: The Macmillan Company, Macmillan & Co., 1900.

5 José Gerson da Cunha, «A Brief Sketch of the Portuguese and their Language in the East», op. cit., pp. 168-191, p. 171.

6 Edward Rehatsek, «Brief notice of two Arabic Manuscripts on the History of Yemen. With Notes from Portuguese sources by J. Gerson da Cunha», The Journal of the Bombaim Branch of the Royal Asiatic Society. 1877, n.º XXXV, vol. XIII, Bombaim: Society’s Library, 1878, pp. 317-324, p. 324.

7 Esta cronologia ainda está muito presente na historiografia contemporânea sobre o assunto e datas como a de 1784, ano da fundação da Asiatic Society de Calcutá por William Jones, continuam a ser referidas como representando o início dos estudos sobre a Índia: por exemplo, Christine Maillard, L’Inde vue d’Europe. Histoire d’une rencontre 1750-1950, Paris: Albin Michel, 2008.

8 Francisco Adolfo Coelho, «Lettera di F. Adolpho Coelho, Almada-Lisboa, 11 de Março de 1877, Comitato Ordinatore, e delegati al Quarto Congresso Internazionale degli Orientalisti», Bolletino Italiano degli Studii Orientali, I, n.º 17, 10 de Março, 1877, p. 340. Gerson da Cunha não refere o trabalho filológico de Guilherme de Vasconcelos Abreu que, precisamente neste período – e já de regresso a Lisboa depois de ter estudado em França e na Alemanha entre 1875 e 1877 –, se começava a evidenciar através de publicações sobre a língua sânscrita, como por exemplo: Importância capital do sânscrito como base da glotologia árica no ensino superior das letras e da história, Lisboa: Imprensa Nacional, 1878; Princípios elementares da gramática da língua sãoscrita, Lisboa: Imprensa Nacional, 1879; Curso de literatura e língua sânscrita clássica e védica, vol. I, Lisboa: Imprensa Nacional, 1881.

9 Assunto desenvolvido no meu artigo «Orientalism on the margins: the interest in Indian Antiquity in Nineteenth Century Italy», Res Antiquitatis. Journal of Ancient History, n.º 1, vol. I, 2010 (no prelo).

10 Richard F. Burton, Goa, and the Blue Mountains or, six months of sick leave, ed. Dane Kennedy, Berkeley, L.A: University of California Press, 1991; 1.ª edição 1851, pp. 151-153.

11 Mary S. Lovell, A Rage to Live. A biography of Richard and Isabel Burton, Londres: Abacus, 1998, p. 80; Dane Kennedy, The Highly Civilized Man. Richard Burton and the Victorian World, Cambridge, Mass.; Londres: Harvard University Press, 2005, pp. 49-50.

12 Richard F. Burton, op. cit., pp. 41, 42.

13 Filipa Lowndes Vicente, «O S. Francisco Xavier de Isabel Burton e de Mrs. Guthrie: duas inglesas em Goa na década de 1870», Oriente, n.º 13, 2005, pp. 70-109; Isabel Burton, AEI. Arabia, Egypt, India. A Narrative of Travel. Londres e Belfast: William Mullan and Son, 1879.

14 J. Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in op. cit. vol. II, p. 184.

15 Idem, idem, pp. 184, 185 (Gerson da Cunha não refere como é que teve acesso a este documento).

16 Um periódico inglês dedicado ao tema da bibliografia, com ambições internacionais, deu notícia deste trabalho de levantamento bibliográfico que Gerson da Cunha apresentou no Congresso de Orientalistas: «Notes and news», Bibliographer, 12, Janeiro 1882, p. 63.

17 J. Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in op. cit., vol. II, p. 185.

18 Idem, idem, p. 189.

19 Idem, idem, p. 193.

20 No mesmo pacote postal em que Gerson da Cunha envia a Angelo de Gubernatis a versão final do texto que apresentara no Congresso Internacional de Orientalistas de 1878 em Florença, remete também uma carta onde deixa escrito «se tiver sido muito severo com os jesuítas pelo mal que fizeram à Índia peço-te para suprimir o que achares conveniente» (Biblioteca Nazionale Centrale di Firenze, Carteggio Angelo De Gubernatis, Corresp. José Gerson da Cunha para Angelo De Gubernatis, Cass. 33, n.º 10 [Roma, Hotel Minerva, 29 de Novembro de 1878].

21 J. Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in op.cit., vol. II, p. 191.

22 José Gerson da Cunha, «Exposição Universal de Paris (Impressões e belezas). Fragmento da Minha Viagem pelo Egypto, França, Inglaterra e Escoçia», Ultramar, ano 9, n.º 455, 19 de Dezembro de 1867, pp. 3, 4; n.º 456, 27 de Dezembro 1867, pp. 3, 4.

23 J. Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in op. cit., vol. II, pp. 196, 197.

24 O livro de Michael S. Dodson analisa uma prática semelhante feita num contexto muito diverso e para fins, também, muito distintos – a tradução de livros europeus de diversas áreas do saber para sânscrito como modo de conversão à cultura ocidental no contexto do Benares College durante o século XIX: Orientalism, Empire and National Culture. India, 1770--1880, Basingstoke, Hampshire: Palgrave Macmillan, 2007.

25 J. Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in op. cit., vol. II, pp. 203-210; por exemplo, José Gerson da Cunha, «Notes on the treatment of cholera and on the opium question, with antiquarian and historical references to Bombay», Transactions of the Medical and Physical Society of Bombay, n.º I, new series, Bombaim: Education Society’s Press, 1882, pp. 77-88.

26 José Gerson da Cunha, «Words and Places in and about Bombay» The Indian Antiquary, Part XXXIV, vol. III, September 1874, pp. 247-249; Part XXXV, vol. III, October 1874, pp. 292-295; José Gerson da Cunha, «The Origin of Bombay», The Journal of the Bombay Branch of the Royal Asiatic Society. Extra Number, Bombaim: Society’s Library, 1900; José Gerson da Cunha, The Origin of Bombay, Londres: Kegan Paul, Trench Trübner & Co., 1900. Este livro teve uma edição fac-similada, em 1993, Nova Deli: Asian Educational Services, 1993.

27 J. Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in op. cit, pp. 210-216.

28 Gerson da Cunha, «Materials for the History of Oriental Studies amongst the Portuguese», in op. cit., p. 216, 217.

29 J. Gerson da Cunha, The Konkani Language and Literature, Bombaim: Government Central Press, 1881. Sobre a língua concanim numa perspectiva das relações linguísticas entre Portugal e a Índia ver os trabalhos do goês Monsenhor Sebastião Rodolfo Dalgado, Primeiro plano geral da celebração nacional do quarto centenário da partida de Vasco da Gama para o descobrimento da Índia, traduzido em Konkani (língua vernácula da Índia Portuguesa), Lisboa: Imprensa Nacional, 1897; Idem, Diccionario Komkani-Portuguez philologico-etymologico, composto no alphabeto Devanâgarî com a transliteração segundo o sistema jonesiano, Bombaim: Tip. do «Indu-Prakash», 1893.

30 J. Gerson da Cunha, The Konkani Language and Literature. op. cit., p. 3.

31 «Dr. Gerson da Cunha is about to publish a grammar of Konkani, which has been provisionally classed by me as a dialect of Marathi, subject to correction, if need be, from so good an authority», in Robert Cust, «A Sketch of the Modern Languages of the East Indies», The Journal of the Royal Asiatic Society of London, vol. XI, 1879, p. 63; J. Gerson da Cunha, The Konkani Language and Literature, op. cit., p. 4.

32 José Gerson da Cunha, «A Brief Sketch of the Portuguese and their Language in the East», The Journal of the Bombay Branch of the Royal Asiatic Society.1892, Nº XLIX, Vol. XVIII, Bombaim: Society’s Library, 1893, pp. 168-191.

33 Sousa Viterbo, «O Orientalismo em Portugal no Século XVI», Boletim da Sociedade de Geografia, 12.º Série, nº 78, Julho-Agosto 1893, pp. 317-330.

34 Sousa Viterbo, «O Orientalismo em Portugal no Século XVI», op. cit., p. 330. Sobre os interesses orientalistas de Sousa Viterbo, ver Victor Ribeiro, Sousa Viterbo e a sua obra. Notas bio-bibliográficas, Lisboa: Tip. Castro Irmão, 1913, pp. 85, 86.

35 A biblioteca de Sousa Viterbo, vendida quatro anos após a sua morte, também não contém nenhuma obra de Gerson da Cunha: Catalogo da Curiosíssima Livraria que pertenceu ao inolvidável escritor Dr. Sousa Viterbo que será vendida em leilão no dia 20 e seguintes do mês de Abril às 8 ½ horas da noite sob a direcção de Ernesto Rodrigues, etc., etc., Lisboa: Centro Tip. Colonial, 1914. Jorge Flores afirma que Sousa Viterbo e David Lopes se correspondiam com historiadores europeus radicados no Ceilão, que escreviam sobre a época portuguesa e publicavam em revistas de língua inglesa, in Jorge Flores, «Ceilão: entre a história e a memória», in Rosa Maria Perez, ed., Os Portugueses e o Oriente. História, itinerários, representações, Lisboa: Dom Quixote, 2006, pp. 193-218, p. 214. A única citação de uma obra britânica feita por Sousa Viterbo é a do director do Archaeological Survey of India, James Burgess, que, em 1871, publicara um livro com fotografias sobre as caves de Elephanta: The Rock-Temples of Elephanta or Ghârâpurî...with photographic illustrations by D. H. Sykes, Bombaim: Thacker, 1871, conf. Sousa Viterbo, «O Orientalismo em Portugal no Século XVI», op. cit., p. 321. Esta obra, aliás, faz parte da biblioteca de Sousa Viterbo: Catalogo da Curiosíssima Livraria que pertenceu ao inolvidável escritor Dr. Sousa Viterbo, op. cit., p. 17.

36 Sobre o assunto ver: Victor Ribeiro, op. cit., pp. 65-81.

37 Sousa Viterbo, «O Orientalismo em Portugal no Século XVI», op. cit., pp. 325, 327.

38 Sousa Viterbo, «O Orientalismo em Portugal no Século XVI», op. cit., p. 322; José Joaquim Lopes de Lima, Jornal de Viagem de Goa para Lisboa por Bombaim, Suez, Alexandria, e Malta em 1842, incluindo uma descrição de Bombaim, a visita ao célebre pagode da Ilha de Elephanta, rapidas observações do Mar-Roxo, e Egipto, e uma relação do que há de mais notável em Malta, Lisboa: Impressão de Galhardo e Irmãos, 1843; No entanto, à data da sua morte, a sua biblioteca continha obras de autores goeses como José António Ismael Gracias, António Lopes Mendes, Felipe Nery Xavier, e revistas eruditas publicadas em Goa como o Oriente Portuguez. Revista da Comissão Arqueológica da Índia Portuguesa. Possuía também uma obra que tinha directamente a ver com o tema do seu artigo embora, naturalmente, seja impossível saber se Sousa Viterbo já a teria adquirido à data da escrita do artigo, Francisco João da Cunha, Breve notícia da Imprensa Nacional de Goa seguida de um catálogo das obras e escritos publicados pela mesma imprensa desde a sua fundação, Nova Goa: 1876. Ver Catalogo da Curiosíssima Livraria que pertenceu ao inolvidável escritor Dr. Sousa Viterbo, op. cit., pp. 41, 50, 58.

39 George Mark Moraes, «Dr. José Gerson da Cunha 1844-1900», 1925; João B. Amâncio Gracias, «Notícia necrológica e biográfica de Gerson da Cunha», O Instituto, vol. 48, 1, 1901, pp. 47- 49.

40 Tony Ballantyne, «Mr. Peal’s Archive. Mobility and exchange in histories of empire», in Antoinette Burton, ed., Archive Stories. Facts, Fictions, and the Writing of History, Durham e Londres: Duke University Press, 2005, pp. 87-110, p. 95.

41 Mesmo em Goa, Gerson da Cunha não integra o cânone habitual de intelectuais locais: J. A. Ismael Gracias, «Carta-Prefácio» dirigida ao padre Gabriel de Saldanha, escrito em Pangim, 1898, in M. J. Gabriel de Saldanha, História de Goa (política e arqueológica), 2 vols., Nova Deli, Madras, Asian Educational Services, 2002, 1.ª ed. 1898, 2.ª ed. 1925, pp. i-xxviii; Pia de Menezes Rodrigues, «Emergence of a Goan Elite of Intellectuals (1820-1926)», in Charles J. Borges, Oscar G. Pereira, Hannes Stubbe, eds., Goa and Portugal. History and Development, Nova Deli: Concept Publishing Company, 2000, pp. 197-215.

42 Paulo de Medeiros notou o mesmo no seu ensaio sobre os estudos pós-coloniais e o lugar de Portugal nestas abordagens, cf. «Apontamentos para conceptualizar uma Europa pós-colonial», in Manuela Ribeiro Sanches, ed., Portugal não é um país pequeno. Contar o império na pós-colonialidade, Lisboa: Edições Cotovia, 2006, pp. 343-344.

43 Dane K. Kennedy e Durba Ghosh, eds., Decentering Empire. Britain, India and the Transcolonial World, Hyderabad: Orient Longman, 2006.

44 José Gerson da Cunha integrou o mais importante dicionário bibliográfico português, de Inocêncio F. da Silva, publicado em 1884, Dicionário Bibliográfico Português, Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1973, pp. 344-345. Inocêncio, por sua vez, baseou-se no livro de Miguel Vicente de Abreu, Notícias de alguns filhos distintos da Índia Portuguesa que se ilustraram fora da pátria, Nova Goa: Imprensa Nacional, 1874 e no Dizionario Biografico degli Scrittori Contemporanei de Angelo De Gubernatis, Florença: Le Monnier, 1879, 2 vols. Mas o seu nome também não faz parte dos textos sobre o orientalismo em Portugal, escritos no século XX, ou mais recentemente: Moses Bensabat Amzalak, The Oriental Studies in Portugal. Address presented at the General Meeting of the XVIIth International Congress of Orientalists, Lisboa: 1928; Fernando Catroga, «A história começou a Oriente», Orientalismo em Portugal. Séculos XVI-XX. Ciclo de Exposições Memórias do Oriente, Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999, pp. 197-232; Luis Filipe F. R. Thomaz, «Estudos árabo-islâmicos e orientais em Portugal», Povos e Culturas. Portugal e o Oriente: Passado e Presente, n.º 5, Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 1996, pp. 389-414; Rosa Maria Perez, «Introdução: os portugueses e o Oriente», in Rosa Maria Perez, ed., Os Portugueses e o Oriente. História, itinerários, representações, Lisboa: D. Quixote, 2006, pp. 11-36, pp. 24, 25; Rosa Maria Perez, «Portuguese Orientalism. Some problems on sociological classification», in Teotónio de Souza, ed., The Portuguese and the Socio Cultural Changes in India, Nova Deli: Manohar, 2002.

45 Rosa Maria Perez também já notou «a tendência da historiografia nacional para a análise de temas e de contextos marcados pela presença portuguesa no Oriente», bem como a opção por um discurso «eminentemente lusocêntrico», in Rosa Maria Perez, «Introdução: os portugueses e o Oriente», in Rosa Maria Perez, ed., Os Portugueses e o Oriente. História, itinerários, representações, op. cit., pp. 14, 25. Outros trabalhos de vários historiadores e antropólogos têm vindo a questionar e a transformar efectivamente este paradigma, alguns exemplos: Ângela Barreto Xavier, «Tendências da Historiografia da expansão portuguesa nos últimos quinze anos. Os caminhos da História Social», Penélope – Revista de História e Ciências Sociais, 22, 2000; Idem, «David contra Golias na Goa seiscentista e setecentista. Escrita identitária e colonização interna», Ler História, n.º 49; 2005; Idem e Catarina Madeira Santos, eds., «Cultura Intelectual das Elites Coloniais», n.º especial, Cultura-História e Teoria das Ideias, xxv, 2007, pp. 9-33; Francisco Bethencourt, «Desconstrução da memória imperial: literatura, arte e historiografia», in Margarida Calafate Ribeiro e Ana Paula Ferreira, eds., Fantasmas e Fantasias Imperiais no Imaginário Português Contemporâneo, op. cit., pp. 69-81; Diogo Ramada Curto, «Representações de Goa: descrições e relatos de viagem», in Rosa Maria Perez, et al., eds., Histórias de Goa, Lisboa: Instituto Português de Museus, 1997, pp. 45-86; Cristiana Bastos, «Subaltern elites and beyond: Why Goa matters for theory», in C.J. Borges, S.J. and M.N. Pearson (eds.), Metahistory. History questioning History, Lisboa: Nova Veja, 2007, pp. 129-141); Cristiana Bastos, «Goa em 1942: a retórica do império e as ambiguidades do nacionalismo», in Manuela Ribeiro Sanches, ed., Portugal não é um país pequeno. Contar o império na pós-colonialidade, Lisboa: Edições Cotovia, 2006; Manuela Calafate Ribeiro e Ana Paula Ferreira (eds.), Fantasmas e Fantasias Imperiais no imaginário Português Contemporâneo, Porto: Campo das Letras, 2003; Raghuraman S. Trichur, «Politics of Goan Historiography», Lusophonies asiatiques, Asiatiques en lusophonies, n.º da revista Lusotopie, 2000, pp. 637-646; Ricardo Roque, Antropologia e Império: Fonseca e Cardoso e a expedição à Índia em 1895, Lisboa: ICS, 2001; Rochelle Pinto, Between Empires. Print and Politics in Goa, Nova Deli: Oxford University Press, 2007.

46 Jacinto Caetano Barreto de Miranda (Margão: 1842-1879). Advogado, publicou vasta obra no semanário O Ultramar, nas revistas Ilustração Goana, Archivo Pitoresco e Revista Contemporânea e nos Almanaques de Goa. Autor de Quadros Históricos de Goa. Tentativa Histórica, Margão: Tip. De «O Ultramar», 1863, 1864, 1865. Ver Aleixo Manuel da Costa, Dicionário de Literatura Goesa, vol. I, Macau: Instituto Cultural de Macau; Fundação Oriente, s.d., pp. 105-107.

47 Ao publicar um livro sobre Goa, em inglês, An Historical and Archaeological Sketch of the City of Goa, preceded by a short statistical account of the territory of Goa, Bombaim: Thacker &Co., 1878, no ano em que Gerson da Cunha apresentou a sua história do orientalismo português no Congresso internacional de orientalistas de Florença, José Nicolau da Fonseca também se destaca entre os goeses que constroem o seu conhecimento a partir da Índia Britânica; José Nicolau da Fonseca «Goa settlement» The Imperial Gazetteer of India, by W. W. Hunter, vol. III – Dabha to Harduaganj, Londres: Trübner, 1881, pp. 374-396.

48 Gyan Prakash, Another Reason. Science and the Imagination of Modern India, Nova Deli: Oxford University Press, 2000, p. 8.

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Filipa Lowndes Vicente, «Orientalismos periféricos? O historiador goês José Gerson da Cunha (Bombaim, 1878)»Ler História, 58 | 2010, 27-46.

Referência eletrónica

Filipa Lowndes Vicente, «Orientalismos periféricos? O historiador goês José Gerson da Cunha (Bombaim, 1878)»Ler História [Online], 58 | 2010, posto online no dia 01 dezembro 2015, consultado no dia 21 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/1128; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.1128

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Filipa Lowndes Vicente

Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-IUL)

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