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Virtudes do corpo e da alma: um itinerário crítico pela memória de D. Pedro V

Virtues of Body and Soul: A Critical Itinerary through the Memory of Pedro V of Portugal
Vertus du corps et de l’âme: un itinéraire critique à travers la Mémoire de Pedro V du Portugal
Isabel Corrêa da Silva
p. 185-206

Resumos

Ao longo de 160 anos, em milhares de páginas que combinam testemunho, investigação, especulação e ficção, a memória do rei D. Pedro V tem vindo a ser construída, num processo que se revela ainda em curso. Neste artigo faz-se um apanhado diacrónico do corpus bibliográfico, com o propósito de analisar as dimensões emocional, sexual e de género que nele estão presentes de forma mais ou menos explícita. Este itinerário é um exercício de história da História. Tendo por objectivos, por um lado, sistematizar criticamente o conjunto documental, tentando sintetizar os respectivos contextos de produção; e, por outro, retirar da síntese elementos que permitam extrapolar para uma análise dos enquadramentos mentais e culturais em que temas como casamento, conjugalidade, sexualidade, masculinidade e feminilidade foram sendo, ao longo do percurso, evocados e debatidos. Assim como dos repertórios emotivos que foram intermediando estas percepções.

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Notas do autor

Este trabalho é suportado por fundos nacionais da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia), no âmbito dos contratos da Norma Transitória DL 57/2016/CP1441/CT0009. Agradeço a Pierangelo Gentile, David San Narciso, Raquel Sánchez, Miguel Metelo de Seixas e Filipa Lowndes Vicente os comentários críticos a este trabalho.

Texto integral

1Todos sabemos que a história dos reis, rainhas e outros governantes nunca recorreu apenas à historiografia para se escrever. Sabemos também que houve tempos em que o género historiográfico nem existia e que a fixação escrita da memória se fazia em narrativas de estilos muito variados e com ténues fronteiras entre a crónica e o conto. Tendemos, por vezes, também a acreditar que conforme o tempo histórico se aproxima de nós, mais objetivas são as suas fontes e menos vulneráveis aos efeitos das promiscuidades disciplinares. Também sabemos que a extraordinária multiplicação de agentes e meios de comunicação trazida pela modernidade trouxe consigo novos problemas de validação de verdade diferentes dos de épocas anteriores, mas não menos complexos. A crónica do rei D. Pedro V de Portugal é um caso particularmente interessante de combinação de uma série desses problemas.

2A conjuntura moral e a prematuridade em que a sua morte ocorreu, assim como a da rainha sua mulher, tiveram como consequência uma inusitada proliferação de registos testemunhais e de opinião que deram forma a um corpus bibliográfico extraordinário tanto pela sua dimensão e variedade como por particularidades do seu conteúdo. Este artigo foca-se nalgumas dessas particularidades. Em primeiro lugar na forte dimensão emocional – religiosa, nacionalista, romântica ou apenas sentimental – que desde cedo envolveu a construção da memória de D. Pedro. Em segundo lugar numa certa obsessão, adaptada e mitigada ao sabor dos tempos, mas sempre continuada, em descortinar a personalidade do homem por detrás do rei. Dentro desta última particularidade encontra-se outra que será um dos principais objetos de reflexão neste texto: o facto de essa vontade em decifrar D. Pedro ter quase sempre passado também por desvendar a sua sexualidade.

3A aura de mistério que década após década nunca se despegou da figura do rei, e que continua nos dias de hoje a inspirar literatura, alimentou-se da memória enigmática do seu carácter, mas também sobretudo das especulações acerca da sua masculinidade. Para melhor compreender estas características da memória de D. Pedro, intentou-se fazer uma genealogia dessa imagem, delineando um trilho pelo qual se pudesse seguir a produção bibliográfica sobre o rei com uma lente direcionada para questões de género, emoção e sexualidade. Questões centrais à vasta documentação que ao longo do tempo tem servido de objeto ou mesmo de meio de consideração, mais ou menos crítica, de D. Pedro V e seu reinado. O facto de a intimidade física, sexual e psicológica deste rei e rainha terem sido, durante quase dois séculos, alvo de escrutínio público (cronístico, historiográfico, médico, literário) é em si mesmo um fenómeno historicizável. Com efeito, o objectivo deste artigo é, por um lado, sistematizar o conjunto da bibliografia sobre o tema, tentando sintetizar os respectivos contextos de produção; por outro, extrapolar desse itinerário para uma análise dos enquadramentos mentais e culturais em que temas como casamento, conjugalidade, sexualidade, masculinidade e feminilidade foram sendo, ao longo do percurso, evocados e debatidos. Assim como dos repertórios emotivos que foram intermediando estas percepções.

4A natureza altamente sexista da cultura política moderna tem sido tendencialmente estudada do ponto de vista feminista e da exclusão das mulheres da vida política (Dudink et al. 2012, xi-xii; Offen 2000), representando uma subalternização da masculinidade nos estudos que aplicam lentes de género àquele período histórico. Segundo Pateman (1988), o “sexual contract” que teria sido implicitamente firmado na Revolução Francesa, excluindo as mulheres da vida política e conferindo à sociedade pós-revolucionária o seu carácter eminentemente patriarcal, teria resultado numa aparente naturalização da ideia de cidadania masculina (Clark 2012, 3-22; Dudink e Hagerman 2004) conformada, ao longo do século XIX, por um paradigma de “masculinidade hegemónica” (Connell 1995) definidor dos papéis políticos, sociais e familiares do cidadão/chefe de família modelo próprio da ordem moderna de separação entre as esferas pública e privada (Fraisse 2000). Sobre tudo isto, os estudos de género e de história da família ou da vida privada já escreveram muito e bem (ver por todos Perrott 1997). Caminho menos percorrido é o que associa os diferentes e conjunturais topoi hegemónicos de masculinidade aos processos de legitimação, afirmação e integração da monarquia e, em épocas mais contemporâneas, à ideia de identidade nacional. Tal como o de queenship, o conceito de kingship é também um conceito de género que tem vindo a ser beneficamente dissecado por muita historiografia europeia sobre a dimensão performativa da realeza ou a imagem pública dos monarcas contemporâneos (por exemplo, San Narciso 2022; Rico 1997; Lok e Scholz 2012).

5O que de mais interessante sobressai desta historiografia é algo de específico da cultura política liberal e que se prende com o desafio que é colocado aos monarcas europeus oitocentistas de imperativa articulação entre um modelo de “masculinidade hegemónica” e a ideia de “diferença” ou “superioridade” tradicionalmente inerente ao conceito de kingship (Woodacre 2019, 5). A solução parece ter sido encontrada algures na fímbria entre o metafísico e o emocional, através da subtil substituição da “sacralidade” dos velhos tempos pela virtude cristã dos tempos modernos. Os monarcas contemporâneos atrasaram assim por mais algum tempo a descida do seu pedestal, graças a uma necessária conformação com o cânone moral da civilidade liberal, ontologicamente embebida numa cultura de masculinidade hegemónica, onde a distinção entre rei e súbditos/demais cidadãos se devia operacionalizar pela exemplaridade do monarca em valores intelectuais e morais tais como a castidade, a caridade, a sobriedade, a temperança, a erudição (diligência) ou a benevolência. Tudo virtudes tão cristãs como próprias de um modelar pater-familias (Brice 2012), já apenas remotamente associado à ideia de virilidade, força e honra da “masculinidade hegemónica” de outrora (vejam-se perspectivas conflituantes de Mosse 1996 e Sohn 2009).

6Pouco se sabe sobre a história da masculinidade em Portugal e menos ainda sobre os condicionantes de género da matriz liberal da cultura política portuguesa contemporânea. Temos, no entanto, acesso a muitas vozes do tempo, como a de Garrett, por exemplo, que dizia não saber como “se possa educar um homem senão para ser pae, uma mulher para ser mãe” (1829, 196). Neste seu livro, Da Educação, dedicado à formação do cidadão exemplar (mas, na verdade, provavelmente destinado à tutora da futura rainha D. Maria II), Garrett perspectiva um homem que transita entre a esfera pública e a esfera privada, mas que não é coisas diferentes em cada uma delas. Na origem e no fim, o homem é pai, diz Garrett (194-197), condição que é tanto do domínio do privado como do público. Porque mães e pais fazem ambos parte da engrenagem de produção de cidadãos, matéria-prima base para a confecção de uma nação.

7É mais ou menos intuitivo que estes processos de implementação de filosofias políticas, como as das sociedades pós-revolucionárias do século XIX, têm subjacentes intuitos de dominação dos indivíduos que, para chegarem à alma, passam necessariamente pelo corpo. E só assim se compreende a articulação de fenómenos e tendências subtis e parcialmente concomitantes como a moralização sexual da sociedade burguesa, a gradual autoridade intelectual e social dos médicos ou o crescendo predomínio de lentes psiquiátricas para a explicação do comportamento humano. E tudo isto transpira diferenciação de género, porque aos homens e às mulheres são expectáveis distintos papéis e performances no âmbito desta cultura de domesticação do corpo (Foucault 1976, 184-189). E tudo isto se relaciona também diretamente com as práticas de representação da realeza e de construção da sua memória. Iconografia, narrativa e outras formas de imagética dos reis são formas de comunicação política que visam ensaiar a ficção da presença. Já não apelando à crença em qualquer fenómeno de consubstanciação, mas à mera evocação simbólica e aos dispositivos de representatividade modernos próprios da mediatização e da ritualização essenciais para a criação de laços afectivos e emocionais entre soberano e cidadãos (Deploige 2006). E, por sua vez, essenciais para a própria legitimação da monarquia como instituição moderna.

8A figura de D. Pedro revela muitos dos contornos que tornam indissociáveis os fenómenos acima mencionados de secularização da coroa, nacionalização da monarquia e conformação de uma masculinidade hegemónica identificável na própria complexidade que a imagem do rei assume ao longo do século XIX e até meados do XX. Nas quatro partes deste artigo, que correspondem a distintos recortes cronológicos, acompanharemos diacronicamente a construção dessa imagem. A primeira e segunda partes concentram-se em analisar as iniciativas e as expressões públicas com as quais, ao longo da sua vida, D. Pedro concorreu para a autoconstrução da sua imagem pública. Reflete-se sobre a articulação entre o peso das expectativas externas e da própria exigência moral e intelectual de D. Pedro nesse processo, dando-se particular atenção ao repertório de valores e emoções veiculado pelo evento do seu casamento com D. Estefânia e à promoção pública da imagem de perfeição e virtude do casal régio. A terceira parte analisa a construção da memória de D. Pedro após a sua morte, focando-se nas expressões do trauma nacional ao longo do período de dilatado luto em que o mito do rei virtuoso é produzido, na sua maioria, por autores coevos de D. Pedro. A quarta e última parte procura compreender como a emotividade narrativa do período anterior foi intersectada pelo enquadramento mental de finais do século XIX e inícios do XX que, ao introduzir a semântica patológica na lente de observação crítica de D. Pedro, encaixou definitiva e explicitamente a dimensão sexual no escrutínio da sua memória.

1. O rei “esperançoso” e o seu sacerdócio

9Foi num ambiente de relativa paz e expectativa política que D. Pedro subiu ao trono. Após décadas de conflito, intriga e desgaste, a ascensão de um herdeiro masculino, nascido em território nacional e de indiscutível legitimidade, reconciliou as esperanças e anseios de todos. Por esta razão, mesmo antes de ser aclamado, Pedro já foi apelidado de “o desejado” ou “o esperançoso” (Silva 1856). A sua cerimónia de aclamação, a primeira a ter lugar dentro da normalidade constitucional, testemunhou este amplo sentimento através do empenho da elite política e do entusiasmo da população. O longo e complexo programa oficial das celebrações foi preparado com um cuidado sem precedentes, uma vez que não se tratava de um mero cumprimento formal da tradição; tratava-se de dar significados e formas modernas a um antigo cerimonial (Silva e Seixas 2020).

10D. Pedro parecia ser um jovem cheio de certezas e certificava-se de que estas eram ouvidas e seguidas, escrevendo os seus próprios discursos, apresentando frequentemente propostas de leis aos seus ministros. Escrupuloso e metódico, mantinha um diário no qual relatava em pormenor todos os acontecimentos em que participava, assim como impressões de viagem, pensamentos e reflexões de leitura (Escritos… 1923-1926; Peres 1945). Era igualmente prolixo na sua correspondência com família, amigos e funcionários (Leitão 1945, 1954a, 1961, 1968; Queirós 1983). Ao contrário da sua mãe, tinha tido uma educação rigorosa e uma cuidada preparação para os assuntos da administração do estado. Durante a regência de seu pai D. Fernando, fez duas longas viagens pela Europa, durante as quais teve a oportunidade de contactar com outros soberanos e observar os seus modos de intervenção política (Vicente 2003). O modelo inglês impressionou-o. Particularmente no que considerou ser a eficácia da engenharia de conciliação entre os princípios monárquico e democrático baseada no papel do soberano constitucional. A 3 de julho de 1854, escreveu no seu caderno de viagem:

O rei em Inglaterra, apesar da difusão de ideias filosóficas, continua a ser uma pessoa sagrada que não é nada quando não quer ser e é tudo quando quer [...]. Quando se coloca na linha da frente dos interesses públicos, assume uma força extraordinária, uma força moral que quase o diviniza. (Escritos... v. I, 178)

11D. Pedro queria ser esse poder moral, e não seria estranho que aspirasse secretamente a essa aura de sacralidade. Ambicionava fazer do trono o seu sacerdócio, não só na observância da predestinação dinástica, mas também no cumprimento do que acreditava ser a responsabilidade cívica dos monarcas modernos. Neste sentido, não veria a veneração da figura do soberano como um atavismo, mas como uma exigência da política moderna, na qual os reis, afastados da governação comum, deveriam assumir uma autoridade quase crística, apresentando-se como uma referência moral, afetiva e espiritual para os cidadãos. A sua obsessão em ser um modelo fez dele um missionário tanto do trono como da virtude: a converter pelo exemplo, a promover a instituição real através da publicidade da sua boa conduta e da sua exímia preparação para o cargo que lhe estava destinado. Durante os dois grandes surtos de febre-amarela em 1857 e 1861 em Lisboa, visitou vários hospitais e asilos. Os jornais descreveram-no encorajando os doentes com a sua presença, apoiando-lhes a testa moribunda e os rostos com a sua própria mão (Martins 1907, 21). A mesma mão que, por decreto de 5 de maio de 1858, deixou de dar aos súbditos para beijar. Ao abolir o rito ancestral do beija-mão real, extinguia um dos mais tradicionais dispositivos de sustento do corpo místico dos reis, porque acreditava que nas sociedades modernas a “divinização” dos monarcas tinha de passar pela virtude cristã (Silva 2018).

2. O casamento perfeito

  • 1 O Português, 18 e 22 maio de 1858.

12A preocupação em ser um espelho de exemplaridade parece ter marcado todas as dimensões da vida de D. Pedro. Desse modo, terá pensado no seu casamento com o mesmo espírito de missão com que visitou os doentes da cólera no leito de morte. O desejo de criar um consórcio modelo explica o atraso e a hesitação na escolha da futura esposa. Nesta escolha pesou certamente a reputação piedosa e devota da princesa Estefânia de Hohenzollern-Sigmaringen do ramo católico dos reis da Prússia, nascida e educada em Düsseldorf até à data do seu casamento, em 1858, quando veio viver para Lisboa, aos vinte anos de idade (Viale 1859; Lopes 2013). O casamento teve primeiramente lugar em Berlim, por procuração. E alguns meses mais tarde em Lisboa, presencialmente, numa cerimónia com toda a pompa e circunstância.1 A imagem do casal perfeito e virtuoso surgiu como epítome de todas as celebrações e a opinião pública viu em Estefânia e Pedro uma espécie de émulos ibéricos de Victoria e Alberto no Reino Unido. Na verdade, desde muito cedo que D. Pedro tinha no seu tio Alberto um confidente, com quem mantinha uma correspondência assídua e prolífica, através da qual pedia e recebia conselhos sobre as mais variadas questões (Leitão 1954a). O casamento não foi exceção (Mónica 2005, 125). E Alberto salientou abertamente as vantagens de uma princesa católica para noiva, sublinhando que ser católico deveria ser condição sine qua non para a escolha, ser alemã e liberal seria uma vantagem extra (e lembre-se que Pedro era, ele próprio, filho de um príncipe alemão).

  • 2 Carta de 21 de dezembro de 1858 (apud Leitão 1968, 63-71).
  • 3 O mau exemplo espanhol voltaria a ser evocado depois de D. Pedro enviuvar e se pensar na infanta (...)

13É interessante notar que nestas considerações de Alberto de teor essencialmente dinástico – “[...] sangue completamente novo, não conspurcado com misturas de Bourbons ou Habsburgueses” – há também algum estereótipo de confronto entre Norte e Sul que acabaria por ecoar, mais ou menos implicitamente, nas imagens públicas da futura rainha veiculadas pela imprensa da época que sublinhavam a reputação de honra e compromisso das mulheres alemãs (Vilhena 1922, 10-22). O próprio D. Pedro, em carta ao seu tio homónimo, imperador do Brasil, confessa que sonhara “com uma mulher com hábitos de domesticidade e com os instintos de amizade conjugal que distinguem a raça alemã”.2 O comprometedor exemplo de Isabel II de Espanha seria muito certamente o elefante na sala, a partir do qual extrapolações ilimitadas sobre a conduta moral das mulheres latinas ganhavam margem para ser feitas e, em contraste, todo o tipo de idealizações sobre a exemplar integridade da ética protestante podiam ser inferidas.3 Os meses que antecederam e que se seguiram ao casamento real foram particularmente férteis na edição de gravuras, litografias, cartes de visite, odes, poemas, canções, e outros tipos variados de escritos e imagens comemorativos onde estes apanágios – carregados de preconceitos étnicos e de género – em torno da austeridade e da virtude do casal foram sendo reiterados (e.g. Gusmão 1858, 9).

14Foi no contexto do seu casamento que se começou, de forma mais evidente, a formar uma imagem mediática de D. Pedro. Uma imagem indissociavelmente ligada à da sua mulher e ao conjunto virtuoso que os dois formavam. No século XIX, talvez mais do que em qualquer outro período anterior, os reis das monarquias constitucionais estiveram reféns dos cânones socioculturais da sua época e, nesse sentido, a imagem pública de D. Pedro estaria inevitavelmente conformada com a triunfante convenção burguesa que estipulava a virtude, a ponderação e a fé como códigos de exemplaridade do bom chefe de família (Wienfort 2016; Martin-Fugier 2012). Depois de meio século de conflitos fratricidas, depois de um turbulento período de guerra civil intermitente sob a coroa de uma mulher, a D. Pedro era pedido que assumisse esse papel de chefe morigerador e pacificador da família portuguesa. E para tal missão, o seu género não era um pormenor insignificante: ele era um filho varão de indisputável legitimidade dinástica, à qual se esperava que desse continuidade. Mas por outro lado, como, a partir de certa altura, a imagem pública de D. Pedro se foi construindo concomitantemente com o seu noivado e casamento, ela vai-se construir em associação com alguns dos estereótipos de género que caracterizavam a sua mulher.

  • 4 Entre muitos exemplos: Blanco (1859), Auto da vida... (1861), Díez (1873) e Pimentel (1873). A ra (...)

15Uma das expressões mais recorrentemente utilizadas na mediatização, em vida e póstuma, de Estefânia e Pedro é a de “anjos”. E é interessante notar como a imagem se aplica indistintamente aos dois membros do casal: enfatizando-se tanto para o rei como para a rainha atributos por tradição tendencialmente associados ao feminino, tais como a pureza, a gentileza, a beleza física e a caridade.4 D. Pedro é, além do mais, amiúde descrito como o exemplar rei civil que esgrima somente com a sua caneta, corporizando o modelo oitocentista do rei-cidadão, que cuida e não apenas manda no seu povo (Gusmão 1858; Coelho 1858). E, ao contrário do que se passou pela mesma altura noutras monarquias da Europa, por exemplo na Prússia (Hagemann 2012), D. Pedro fá-lo em contexto de paz, tendo por única missão garantir a união e o ânimo da família portuguesa sob o quadro político, mas também moral, da Regeneração. Num ambiente ainda de crepúsculo do Antigo Regime e de paulatina substituição da honra pela virtude (Nye 1993), os traços próprios das personalidades de D. Pedro e D. Estefânia adequavam-nos com particular precisão ao papel dos grandes virtuosos.

3. O véu fúnebre e o culto de D. Pedro

16Em 1859, quando o país vivia ainda encantado com a exemplaridade e mediatismo dos “anjos da caridade”, uma desgraça veio destruir o conto de fadas: numa plácida manhã de verão do dia 17 de julho foi anunciada ao país a súbita morte da rainha. Estefânia morreu de difteria após um passeio pelo campo, a sul de Lisboa. Reinara apenas por 14 meses. O rei ficou devastado. Toda a nação ficou em choque, e deu-se início a uma espécie de “canonização” da rainha defunta. O discurso sobre os atributos religiosos e virtuosos da rainha emergiu nas mais variadas formas: poemas, desenhos, odes, pregações fúnebres, etc. A retórica em torno da imagem do “anjo” e da “pomba branca” explodiu e mais uma vez regressaram os estereótipos étnicos e de género para a qualificar como a esposa perfeita: austera, modesta, totalmente dedicada ao marido, características de uma verdadeira princesa alemã (e.g. Blanco 1859; Corrêa 1859). A juntar aos seus 22 tenros anos de idade que tornavam natural a metáfora da pureza, o currículo de piedade cristã de Estefânia contribuiu para colar à sua imagem póstuma a imagem de uma santa mártir. O sentimento religioso assume-se como tónica de base em todo o processo de luto.

  • 5 Infantes Fernando, João, Augusto e Pedro ficam muito doentes. Fernando morre a 6 de novembro (com (...)

17Vinte e oito meses depois, o inimaginável acontece: a morte do jovem rei. Surtos de febre tifoide ou cólera no outono de 1861 levaram às portas da morte quatro dos sete filhos de D. Maria II. Três acabaram por falecer, entre eles Pedro.5 Foi uma verdadeira hecatombe nacional. O país estava ainda de luto pelo infante D. Fernando, irmão do rei, que tinha morrido cinco dias antes com apenas 15 anos de idade, quando, a 11 de novembro, foi anunciada a morte de D. Pedro. De imediato, funebremente se associou o trágico acontecimento ao rol de desgraças que havia marcado o seu reinado, sugerindo-se que este teria estado predestinado a ser coberto pelo véu da morte: cólera e febre-amarela em 1853, 1856 e 1857; grande terramoto em 1858; a morte de Estefânia; a perda do jovem D. Fernando poucos dias antes da morte do rei.

18A corte empenhou-se em prestar justa homenagem a tão injusta fatalidade e o programa das cerimónias fúnebres foi redigido e publicitado de modo a ser do conhecimento da maioria da população da cidade. Houve mesmo um requerimento por parte da Sociedade dos Artistas de Lisboa pedindo que “em nome do grande sentimento público, [...] o caixão que encerra o augusto cadáver de S. M. [fosse] levado por todas as classes da sociedade desde o Paço das Necessidades até S. Vicente de Fora”. Mas o governo não acedeu ao pedido. Descrições da imprensa e de testemunhos falam de uma multidão em redor do Palácio das Necessidades nos dias 14 e 15 de dezembro e de uma cidade parada com milhares de pessoas a acompanharem a procissão fúnebre até à igreja de S. Vicente de Fora, onde o rei foi sepultado. Algumas crónicas dizem que até mendigos (“rotinhos”) foram vistos a velar o corpo do rei. No dia 16, a procissão demorou cinco horas e meia a fazer os cinco quilómetros que separam o palácio real da igreja de S. Vicente de Fora (Ferreira 1862, 73-76). Pouco mais de um mês depois, morria o infante D. João, a 27 de dezembro. A morte dos três príncipes em menos de dois meses foi traumática e submergiu o país num véu de profundo luto e angústia. Uma aura fúnebre tomou conta de toda a opinião pública e rumores sobre complot e crime começaram a levantar-se, dando lugar a alguma agitação social (Mónica 2005, 198-200).

19O luto por Pedro foi um processo de pesar, mas também de aceitação, que se prolongou por toda a segunda metade do século XIX e se expressou, na verdade, pela própria vontade de perceber o rei, de tentar enquadrar a sua fugaz passagem pelo trono português para, de certa forma, conferir algum tipo de sentido à sua inesperada morte. Porque qualquer psicologia coletiva é obviamente um exercício ousado e escorregadio, nunca se analisou com a devida atenção o trauma nacional que foram, por certo, os trágicos acontecimentos de 1858-61. Para a geração que ainda experienciara o ambiente de guerra-civil e toda a querela da legitimidade que marcara a primeira metade do século, a morte de D. Pedro deve ter talhado fundo a esperança e o ânimo para o futuro: uma espécie de anticlímax, exacerbado pelo sentimento de injustiça dada a juventude do rei. E não seria só o projecto da Regeneração política a ser abalado, mas a própria fé na monarquia que se poderá bem ter começado a comprometer. O que pensar perante a morte súbita e injustificável de dois infantes, da rainha e do rei, todos na flor da idade? É óbvio que já ninguém acreditaria na infalibilidade da realeza, mas daí a vê-la ser massacrada pela Providência ia um grande passo. Um passo que, pela perplexidade e pelo ceticismo, tinha tudo para fechar os corações do povo à capacidade redentora da coroa, abrindo simultaneamente as portas à expansão de um decadentismo quase metafísico, tão próprio do romantismo religioso da segunda metade do século.

20Os discursos fúnebres e memórias produzidos nos anos seguintes refletem essa espécie de subtil reconfiguração mental que assume a submissão da condição política/dinástica dos reis à sua condição humana/mortal de filhos de Deus: “Que me importa que o nosso adorado monarca fosse filho de reis, neto de reis? [...] nasceu como nascem todos os outros homens, porem morreu, como bem poucos sabem morrer” (Seabra 1862). Praticamente sem exceção, todos os que evocaram D. Pedro introduziram esse rasgo de humildade metafísica nos seus preitos. Eclesiásticos, em particular, que nos meses a seguir à morte produziram dezenas de orações fúnebres que foram lidas em igrejas por todo o país. Daí em diante, o culto de D. Pedro foi sendo construído ao longo das décadas de 60 e 70, num processo de quase canonização civil em que a palavra “santo” foi sendo recorrentemente encontrada nas suas mais diversas evocações, religiosas ou seculares. Na verdade, deu-se uma espécie de cristianização da sua imagem, despojando-a dos atributos de realeza para a coroar com as qualidades de um mártir cristão. A sua memória como rei exemplar foi sendo preenchida com as recordações que atestavam a sua bondade e proximidade do povo: a Caixa Verde que colocara do lado de fora dos muros do Palácio das Necessidades para que as pessoas comuns com ele pudessem comunicar diretamente; a sua coragem e voluntarismo aquando dos surtos epidémicos em Lisboa; a extinção do ritual do beija-mão real; as suas práticas caritativas e de auxílio dos desfavorecidos; ou todo o apoio que deu a associações humanitárias e artísticas.

21As três virtudes teológicas (fé, esperança e caridade) passam a ocupar um lugar de destaque nas evocações de D. Pedro, cuja memória se perenizava pela herança de amor deixada: “Não era o sangue dos Afonsos, dos Avis e dos Braganças que lhe corria nas veias, mas o afecto entranhado de nossos corações que eram todos seus” (Leite 1863, 13). A esta herança de virtude, desde cedo se juntou a ideia de pureza. A memória do jovem que resistia às tentações e aos vícios próprios do seu tempo e da sua idade: “a soltura, a licença dos costumes parece feição característica da época [...] No vigor da idade, o senhor D. Pedro guardou uma pureza e severidade de costumes que fariam a honra d’um velho noutros tempos” (Azevedo 1862, 14). Mais do que uma capacidade de controlo das paixões, delineava-se de D. Pedro uma personalidade desapaixonada dos prazeres mundanos, a de uma espécie de sacerdote da virtude dotado de características quase sobre-humanas. Estas descrições, por natureza assexuadas, da memória de D. Pedro traziam implicitamente consigo juízos de género: tanto ao distanciarem-no da imagem de masculinidade e virilidade dos seus antecessores (seu avô D. Pedro, e tio D. Miguel, do seu próprio pai, assim como do seu irmão e sucessor, D. Luís) e dos rapazes da sua idade, como destacando a sua moralidade e depreciação por comportamentos boémios, como ainda enfatizando a sua beleza e juventude, por meio de muitas descrições das suas características físicas.

22Este luto teve, ao longo de décadas, uma larga e variada expressão material: estátuas, toponímia, monumentos evocativos, odes, poemas, pregações, panegíricos, livros didáticos, panfletos, memórias, postais, litografias, fotografias, muitos tipos de gravuras, medalhas, objetos-souvenirs como pratos decorativos, pisa-papéis, caixas, pendentes, etc. Cada pessoa que tivesse uma história ou algo particular a recordar sobre o rei aventurou-se a publicar um pequeno livrinho ou a escrever um artigo na imprensa. D. Pedro tornou-se um produto mediático. Algumas destas pequenas histórias foram um tal sucesso de vendas que certos autores sentiram a necessidade de se justificar no prefácio às segundas edições, esclarecendo que não estavam a tirar partido da “febre” de D. Pedro (Freire 1868).

4. Do céu ao consultório: a cientificização da memória de D. Pedro

23O luto de Pedro expressou-se também nas muitas tentativas de o continuar a descortinar. De compreender a sua complexa e misteriosa personalidade, que a morte prematura tornara ainda mais indecifrável. Com efeito, enquanto nas ruas o povo chorava o “santo”, outros tentavam dar sentido ao trágico destino do rei procurando sinais de presságio no decurso da sua vida. A necessidade de tornar D. Pedro inteligível revelou-se imediatamente após a sua morte, quando, em simultâneo com os panegíricos, começaram a vir a lume as primeiras crónicas com descrições minuciosas de vários momentos da sua vida, com a publicação de correspondência e alguns escritos, e sobretudo com testemunhos de quem privara direta e pessoalmente com o rei e tinha por isso legitimidade para tecer considerações aparentemente fidedignas acerca da sua personalidade. Logo no próprio ano de 1861, o jornalista José Maria Andrade Ferreira publicou um livro com o objetivo de traçar um “retrato moral de D. Pedro”. Reinado e últimos momentos de D. Pedro V vendeu mil exemplares no seu primeiro ano de publicação e teve posteriormente mais duas edições. Ferreira traça um sombrio retrato psicológico do rei: descrevendo-o como um homem pessimista e lúgubre, sofrendo de depressão, e deixando no ar a insinuação de que os acontecimentos trágicos do reinado seriam indissociáveis dessa energia sinistra que estava fadada a atrair infelicidade.

24Dois anos depois foi a vez do tutor dos príncipes, Martins Bastos, escrever as suas memórias. Avança também com uma explicação patológica, dizendo explicitamente que o rei sofria de depressão. Tal como Ferreira havia feito, compara D. Pedro ao rei D. Duarte, ambos monarcas eruditos, brilhantes e virtuosos, sendo que o rei medieval reconheceu e assumiu a sua condição clínica e deixou-nos os primeiros escritos sobre a ansiedade e a depressão no seu texto “Da maneira que fui doente do humor menencorico, e del guareci”, do livro O Leal Conselheiro (1438). É ainda nas memórias do seu tutor que se encontram as primeiras alusões mais explícitas à materialização física da suposta pureza de D. Pedro. Martins Bastos descreve a candura do rei, incluindo a sua indiferença para com os aspetos mundanos da vida, como consequência das limitações da sua condição psicológica e escreve: “Com a minha mão na consciência posso dizer que Sua Alteza não tinha a mínima ideia de malícia: que morreu tão inocente como quando deixou as mãos do Criador” (Bastos 1863, 174).

25Ao longo do século XIX, os muitos retratos de D. Pedro que vieram a lume reproduziram e combinaram de forma mais ou menos explícita estes tópicos das crónicas e da hagiografia dos primeiros anos: afirmando a condição psicológica do rei, insinuando o seu carácter assexuado ao mesmo tempo que lhe continuavam a reconhecer as virtudes teológicas e a rememorar a adoração pública de que foi alvo. Ao invés de contribuir para iluminar a história do seu reinado, o avolumar da publicação de crónicas, testemunhos e tributos apenas foi tornando a figura do rei mais difícil de discernir. Finalmente, seria em 1881 que um dos mais influentes historiadores oitocentistas portugueses, Oliveira Martins, fixaria a imagem de D. Pedro que transitou para o século XX. No seu Portugal Contemporâneo traça o mais sinistro e dramático, porque também caricato, retrato do rei, descrevendo-o como uma espécie de louco místico, presságio ambulante, com indisfarçáveis inclinações absolutistas (Martins 1895, 395).

26O historiador reconhece o plano quase metafísico no qual a memória de Pedro havia percorrido o caminho até si e dispõe-se a dissolvê-lo com implacável racionalidade. Pela mão de Oliveira Martins, D. Pedro desce ao mundo dos comuns mortais e as suas excecionalidades são transfiguradas em humanas falhas: o rigor do rei transforma-se em obsessão, o escrúpulo em intolerância, a piedade em superstição, a inquietação psicológica em fatalismo. A carga emocional que a memória de D. Pedro carregava ainda ao cabo de décadas de exaltação deveria ser insuportável para o racionalismo cético de Martins. Embora o impiedoso, e 20 anos póstumo, juízo que fez ao rei também não fosse desprovido de emotividade. No entanto, Martins é provavelmente dos únicos autores que escreveram sobre D. Pedro sem se socorrer de qualquer tipo de explicação patológica para o compreender ou justificar. Para Martins não há diagnósticos nem circunstâncias, apenas traços de personalidade. E o que o preocupava na personalidade de Pedro era o que considerava serem características que o tornavam impróprio para o seu tempo e função: o desprezo pelos políticos, a falta de confiança nas instituições, o excesso de piedade. E nesse sentido, Martins é talvez dos poucos que ajuízam exclusivamente sobre o rei e não sobre o homem.

27Mas o século XX trará consigo uma nova lente a ser aplicada no aparentemente eterno escrutínio de Pedro. Num contexto de progressiva laicização e de consolidação do poder intelectual dos médicos (Garnel 2003), as interpretações metafísicas foram perdendo lugar para as científicas, permitindo que o que até então não passara de um apimentado fait-divers na biografia de Pedro, a dúvida sobre a sua virgindade, assumisse um lugar central na radiografia póstuma do rei. Na verdade, as teorias psicanalíticas freudianas, acarinhadas na época pela comunidade médica e não só, permitiam que a suposta anafrodisia de Pedro deixasse de ser encarada como uma bisbilhotice e passasse à condição de elemento explicativo de uma série de outros elementos do carácter do rei. A primeira menção explícita a este debate encontra-se numa publicação de 1903, Cartas Inéditas d’el Rei D. Pedro seguidas de estudo psicológico, onde os autores aludem aos rumores acerca da frigidez de D. Pedro e da virgindade de D. Estefânia para depois os negarem (Remédios e Loureiro 1903, xv). Não se conhecem anteriores referências escritas a estes rumores, mas o facto de em 1903 Remédios e Loureiro sentirem necessidade de os desmentir é sinal de que eles tinham já alguma expressão.

28Mas a referência que ficou reconhecida pela historiografia como aquela que abriu o debate sobre o tema da virgindade de D. Estefânia é a do prestigiado médico higienista Ricardo Jorge, num artigo sobre a “parthenoplastia” (i.e. simulação física da virgindade ou cirurgia de reconstrução do hímen) publicado na revista Medicina Contemporânea (Jorge 1909). Ricardo Jorge escreve que “a rainha D. Estefânia, esposa de D. Pedro V, morreu, como é conhecido, da difteria: à medida que as falsas membranas se espalhavam pela vulva, os médicos examinaram-na e ficaram surpreendidos por encontrar o hímen intacto.” Acrescentando que a informação que estava a revelar era conhecida “por tradição nunca divulgada até hoje”. Mas, na verdade, sabemos hoje que havia já, pelo menos desde 1903, referências escritas a essa mesma tradição oral.

29A informação, rumor ou especulação que percorreu toda a segunda metade do século XIX em circuito oral encontrava então, e graças à legitimidade que a ciência lhe outorgava, ambiente propício para ser discutida publicamente. E não poderia ter sido de nenhuma outra forma. Se em inícios do século XVII havia sido possível discutir dentro da corte a capacidade sexual do rei D. Afonso VI – o que acabou por levar à anulação do seu casamento com Maria Francisca de Saboia (Xavier e Cardim 2006, 183-203) –, na sociedade purista burguesa oitocentista esse tipo de alusões, mesmo que sobre defuntos, não tinha lugar a discussão escrita e muito menos pública. Por isso é natural que o relatório da autópsia de Estefânia, onde poderia eventualmente estar a dita referência médica à incorruptibilidade do hímen, tenha desaparecido. E é absolutamente expectável que nunca nenhum dos três médicos que teriam estado presentes no exame legista tenha alguma vez deixado qualquer testemunho escrito. Já na década de 1920, quando o tema voltou a ser entusiasticamente retomado por um ex-ministro da monarquia, Júlio Vilhena, o máximo que ele conseguiu obter foi o testemunho oral do filho de um dos ditos médicos.

30Vilhena foi talvez o mais dedicado “pedrista” dos muitos autores que ao longo de mais de 150 anos teceram a crónica de D. Pedro. Para além uma biografia e uma história do seu reinado em dois volumes (1921), Vilhena fez ainda o admirável trabalho de compilação, edição e publicação do conjunto quase exaustivo dos escritos do rei (1922). Mas da sua vontade de descortinar D. Pedro foi sempre indisfarçável a obstinação em tentar decifrar a psique e a sexualidade do rei. Era o ar dos tempos. Tema que fora interdito ao deputado, ministro e chefe do partido conservador, que Vilhena havia sido durante a monarquia, parecia agora natural ao velho académico de 75 anos, a escrever em plenos anos 20 do século XX, num contexto intelectual e social em que a ciência ganhava progressivamente prerrogativas totalitárias. Não espanta, pois, que uma parte importante do segundo volume do livro de Vilhena seja dedicada à suposta frigidez do rei. Vilhena faz uma espécie de patch-work dos escritos de D. Pedro para reunir provas da sua misoginia, da sua indiferença pelos encantos femininos, da sua obsessão pela moralidade e da sua censura em relação a comportamentos boémios e libertinos. Vilhena parece verdadeiramente convencido de que D. Pedro não tinha desejo sexual e procura desesperadamente provar a sua tese. Para tal escreve ao mais famoso psiquiatra português da época, Júlio de Matos, pedindo a sua opinião clínica, e transcreve no seu livro a resposta que recebe do médico:

  • 6 Júlio de Matos para Júlio Vilhena (26 de novembro, 1920), in Vilhena (1921, v. 2, 396).

(D. Pedro) não era ginófobo (aversão às mulheres) nem sequer homossexual, era um frígido constitucional. Casamento realizou-se na juventude e não há notícia de que antes disso tenha tido algum tipo de experiência. São indivíduos em quem o instinto sexual não chegou a constituir-se mercê de uma suspensão evolutiva [...] pode a indiferença sexual dos anafrodisíacos constitucionais ser-lhes penosa pela consciência de que se encontram diminuídos relativamente aos outros homens. E esse é talvez o caso de D. Pedro V que os historiadores nos descrevem como pessoa de um carácter triste e não tendo outras inclinações ou outros interesses que não fossem de ordem puramente intelectual.6

31Ao mesmo tempo, Vilhena escreve também para o príncipe de Hohenzollern pedindo-lhe alguma informação sobre o assunto que pudesse ser encontrada na correspondência de Estefânia guardada no palácio alemão. Das cartas da princesa para a mãe, que o príncipe lhe envia cópia, Vilhena encontra uma passagem acerca da noite de núpcias que adiciona ao puzzle como prova da frigidez do rei:

não preguei olho a noite toda, senti-me bastante incomodada, pouco à vontade, mal disposta e acho, em geral, que este costume dos esposos dormirem juntos não é muito agradável. Mas vejo-o como um dever perante Deus e a extraordinária pureza e delicadeza de Pedro sensibilizam-me e fazem-me feliz, é um grande contentamento para mim, porque de contrário haveria coisas que me seriam muito difíceis. Como vês, mamã, falo-te de coração aberto. (Vilhena 1921, v. 2, 403)

  • 7 Costa terá, de resto, em 1943, o seu livro sobre O rei Dom Carlos I: factos inéditos do seu tempo (...)

32Outras peças mais movediças para o puzzle conjugal de Pedro e Estefânia foram trazidas alguns anos mais tarde por Júlio de Sousa e Costa, em 1941, com a publicação do livro com o sugestivo título O Segredo de D. Pedro. Costa foi um jornalista republicano, historiador autodidata que fez um notável trabalho de compilação de história oral sobre vários momentos e personagens da história do século XIX de Portugal. Construiu o seu livro sobre D. Pedro com base numa recolha de testemunhos de criados e funcionários, em especial a partir dos apontamentos do general Cláudio Chaby, que ainda frequentaram o Paço das Necessidades ou que ouviram relatos na primeira pessoa de quem frequentou. O episódio da morte e autópsia da rainha Estefânia ocupa apenas um dos 24 capítulos que compõem o livro, e, no entanto, o mistério em torno da consumação do casamento e da sexualidade do rei perpassa toda a obra. Mas, ao contrário dos anteriores cronistas, Costa não avança com nenhuma teoria explicativa acerca de D. Pedro – frigidez, impotência, homossexualidade –, deixando os não-ditos do livro fazerem jus ao título. É evidente que Costa tinha uma opinião sobre o assunto, mas tenta que sejam os mortos, a quem dá fala em relatos de episódios do quotidiano, a darem prova dela, uma vez que estaria também limitado pelos ares do seu tempo: em plena ditadura conservadora do Estado Novo não haveria lugar para muita divagação em torno da sexualidade de um rei.7

33Não obstante, é no livro de Costa que aparece pela primeira vez a suposta transcrição (embora parcial) das notas médicas da autópsia de Estefânia que já haveriam sido utilizadas em 1908 para o artigo de Ricardo Jorge. No entanto, não fica nada explícita qual a fonte de Costa, para além dos ditos apontamentos do general Chaby, cujo acesso à intimidade do paço é também incerto. Mas os alegados elementos de prova são, na verdade, irrelevantes para esta análise. O que interessa é que, com alguma incontornável margem de imaginação, o livro de Costa trouxe a lume uma série de testemunhos orais e relatos de pequenas histórias que ajudaram a reconstruir o cenário doméstico e convivial do rei e da rainha e que consequentemente acrescentaram matéria de contexto à tragédia conjugal de Pedro e Estefânia. Durante o Estado Novo, vários intelectuais, de destacar Ruben A. Leitão, deram os seus contributos para o estudo da figura e do reinado de D. Pedro, inclusive com a publicação de muita correspondência (Leitão 1945, 1954a, 1954b, 1961, 1968; Peres 1945). Foi, como seria de esperar, um período de tréguas ao escrutínio da vida íntima do rei. O assunto só voltou à ribalta já no século XXI quando o meio historiográfico retomou o interesse pelo género biográfico e o romance histórico ganhou nova popularidade. Em trabalhos de investigação académica (Mónica 2005; Lopes 2013; Reis 2011), assim como em ficção literária de carácter mais ou menos sensacionalista e sentimental, o segredo de D. Pedro continuou a alimentar páginas de especulação (Leite, Oliveira e Trigueirão 2011; Rodi 2012).

5. Conclusões

34Porque se tratou tendencialmente do juízo do homem mais do que do político, as dimensões emocional e psicológica da genealogia memorial de D. Pedro que aqui acompanhámos foram sempre dominantes. Inicialmente porque condicionada pelos próprios acontecimentos trágicos. Na verdade, a literatura que nos leva a atestar a singular longevidade do luto por D. Pedro V convida a uma reflexão sobre o quão fundo a tragédia deste rei calou no ânimo nacional. E também sobre o quão abalada poderá ter ficado a confiança na instituição dinástica pelas fatalidades da família real e do rei. Será que, como insinuou com escárnio Oliveira Martins, “a morte no Paço” foi encarada como “símbolo da morte no Reino” (Martins 1895, 316)? É impossível avaliar o quanto do ceticismo da opinião pública e do seu distanciamento em relação à monarquia pode ser imputado aos ecos emocionais deste trauma de meados do século. Mas é legítimo reconhecer que o anticlímax de esperança causado pela fugaz e dramática passagem de Pedro pelo trono deixou na sociedade portuguesa marcas de descrença e de desânimo em relação ao futuro. A produção bibliográfica oitocentista sobre D. Pedro corresponde, assim, a uma espécie de catarse que se move em distintas direções: numa primeira fase, na direção do panegírico, dando continuidade à moldura cristã, religiosa e cívica que, de certo modo, sublima a memória do rei numa espécie de santidade. Décadas depois, na direção daqueles que renunciam a planos metafísicos para tentarem descortinar D. Pedro à luz da racionalidade e da ciência, imputando-lhe patologias e condicionamentos psicológicos. Recurso ambivalente que, ao mesmo tempo que faz descer o rei ao plano mundano dos mortais, retira-lhe o ónus das suas fragilidades.

35Este artigo mostrou-nos também como a crescente afirmação da ciência como paradigma explicativo e como enquadramento racional da existência e da ação humanas teve na história de D. Pedro e D. Estefânia um manifesto campo de expressão. Se na segunda metade do século XIX já se avançava com conceitos como “depressão” e “hipocondria” para caracterizar D. Pedro, sem que houvesse ainda lugar a menções explícitas à sua sexualidade, o facto é que sabemos que o tema da hipotética virgindade da rainha percorreu 50 anos na tradição oral até encontrar terreno para ser expresso por escrito já só na primeira década do século XX. A tónica das publicações desta época revelou-se já emocionalmente serenada pelo tempo e pelo distanciamento afetivo de quem escreve, mas tornou-se, por seu lado, profundamente engajada numa retórica de infalibilidade da ciência. É então o pico da medicalização da memória de D. Pedro e D. Estefânia, com a ciência a emprestar legitimidade para a devassa da intimidade dos dois mortos sem qualquer justificação política evidente (aferir a legitimidade de uma anulação de casamento ou de uma abdicação, por exemplo).

36O cânone oitocentista e burguês de masculinidade apenas permitiu sondar a afetividade e a libido de Pedro em torno de expressões como “caritativo”, “piedoso”, “desinteressado das paixões humanas”, “pureza metafísica”, “misógino” no máximo. Em inícios do século XX, no contexto de triunfo das teorias higienistas, psiquiátricas e psicanalíticas, os parâmetros de caracterização assumiram contornos mais objetivos, ganhando estatuto de diagnóstico e um vocabulário científico: D. Pedro não era “ginófobo”, nem sequer “homossexual”, era um “frígido constitucional”, nas palavras de Júlio de Matos que nos demonstram como a hermenêutica clínica não condenava apenas mulheres e as suas supostas “histerias” e “nevroses” (Didi-Huberman 2015). Mas se o género não conseguiu salvar Pedro da devassa, conseguiu de alguma forma poupar Estefânia. Pois note-se que, na dúvida de base acerca da consumação do casamento, o ónus recaiu sempre sobre o rei. Não tendo nunca havido lugar para especulações sobre a sexualidade ou a libido da rainha, que se deram por adquiridas. Os paradigmas da naturalização da potencialidade sexual feminina e da asserção de uma feminilidade passiva ficam aqui bem patentes.

37Em todo o escrutínio que se fez de cada frase, de cada vírgula, de cada suspiro ou desabafo do rei ou da rainha que pudesse servir de indício para decifrar o mistério conjugal, esteve-se sempre à procura da sexualidade do homem e nunca da mulher. Com efeito, a compilação de provas – D. Pedro não ligava às bailarinas do teatro, sentia-se desconfortável junto das mulheres e era amiúde antipático com elas, fazia comentários jocosos sobre a virtude das freiras –, fez-se sempre no confronto destas com um paradigma de masculinidade ativa heterossexual, no qual D. Pedro não parecia encaixar, sendo-lhe por isso negada a sexualidade. O facto de Estefânia não ter sido sujeita a semelhante exame não é inocente. O desagrado em dormir com o marido ou a angústia relativamente à intimidade do casal expressos nas cartas à mãe não serviram de motivo para especular sobre a sexualidade da rainha, simplesmente porque o seu potencial sexual e reprodutor estava naturalizado na sua condição feminina e a única prova deles que era expectável que desse seria uma gravidez. Já a D. Pedro foi sempre exigido um arsenal de provas para atestar a sua masculinidade.

38A proporção entre tempo de reinado e produção bibliográfica sobre D. Pedro V é provavelmente única na história portuguesa, ou, talvez, apenas comparável ao caso do rei D. Sebastião. Mas, ao contrário de outros monarcas, como D. Carlos, D. Pedro IV ou D. Manuel, cuja abundância da produção cronística e historiográfica se justifica pelas circunstâncias políticas excecionais que marcaram os seus reinados, D. Pedro V não tem nenhum evento ou convulsão política particularmente relevantes a destacar no seu tempo enquanto rei, sendo evidente que a origem da sua fama está na pessoa e não na ação política. E a pessoa que ao longo deste século e meio se tem vindo a procurar não é o rei, mas o homem. O homem no seu carácter, compleição e conduta. Tendo-se todos os autores deparado com a impossibilidade de encontrar evidências daquilo que seria passível de ser provado (a eventual virgindade da rainha), e tratando-se qualquer julgamento de carácter de um exercício necessariamente subjetivo e permeável aos seus contextos de produção, década após década o esforço em tentar decifrar o homem D. Pedro revelou-se redundante e naturalmente inconclusivo.

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Notas

1 O Português, 18 e 22 maio de 1858.

2 Carta de 21 de dezembro de 1858 (apud Leitão 1968, 63-71).

3 O mau exemplo espanhol voltaria a ser evocado depois de D. Pedro enviuvar e se pensar na infanta espanhola Maria Isabel Francisca para segunda esposa (Mónica 2005, 135-137). Cf. Burdiel (2004) e Peyrou (2011).

4 Entre muitos exemplos: Blanco (1859), Auto da vida... (1861), Díez (1873) e Pimentel (1873). A rainha que se seguiu a D. Estefânia, D. Maria Pia, mulher de D. Luís, ficou também conhecida por “anjo da caridade”, o que é sintomático das expectativas de uma função e de um tempo, mas o facto de ser ela apenas, mulher-rainha, e não o casal a receber tal epíteto é também revelador do particularismo do caso de D. Pedro.

5 Infantes Fernando, João, Augusto e Pedro ficam muito doentes. Fernando morre a 6 de novembro (com 15 anos), Pedro a 11 de novembro (com 24 anos), João a 27 de dezembro (com 19 anos). Depois de passar muito mal, o infante Augusto sobreviveu.

6 Júlio de Matos para Júlio Vilhena (26 de novembro, 1920), in Vilhena (1921, v. 2, 396).

7 Costa terá, de resto, em 1943, o seu livro sobre O rei Dom Carlos I: factos inéditos do seu tempo (1863-1908), proibido pela censura.

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Isabel Corrêa da Silva, «Virtudes do corpo e da alma: um itinerário crítico pela memória de D. Pedro V»Ler História, 81 | 2022, 185-206.

Referência eletrónica

Isabel Corrêa da Silva, «Virtudes do corpo e da alma: um itinerário crítico pela memória de D. Pedro V»Ler História [Online], 81 | 2022, posto online no dia 12 dezembro 2022, consultado no dia 22 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/11249; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.11249

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Isabel Corrêa da Silva

Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, Portugal

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