Editorial
Texto integral
1A proclamação do Ipiranga, em 7 de Setembro de 1822, sobre a qual passam agora 200 anos, tem um significado tão importante para a história do Brasil, que ali começava a sua existência enquanto nação independente, quanto para a de Portugal, que assim via consumada a crise de todo um modelo secular de existência, conhecido como Antigo Regime, que tinha no sistema colonial a sua trave-mestra. Não sendo este obviamente o lugar para aprofundar a interpretação ou a contextualização deste acontecimento, registe-se apenas que ele fica para a história como um verdadeiro ponto de viragem. Como tributo à sua relevância, este número sai com o título genérico de História do Brasil. É essencialmente um gesto simbólico, visto que não se trata de um número especial nem mesmo de um dossier temático dedicado ao assunto. No entanto, reúnem-se nesta edição vários trabalhos que se reportam à história do Brasil.
2A problemática da formação do Brasil é revisitada a propósito de um balanço que Luiz Felipe Alencastro faz sobre a escrita e a circulação do seu Trato dos Viventes, já um “clássico”, onde defendeu a tese inovadora de que a matriz do Brasil-colónia se situa no quadro espacial do Atlântico Sul, fruto do tráfico de escravos. É também da sociedade escravista brasileira que se ocupa o artigo de Robson Costa e Suely de Almeida, que explora o curioso processo de Maria de Jesus como base para discutir os tópicos da resistência e da agência dos escravizados perante a sociedade e a justiça colonial. Por seu turno, Renato Marcondes e Lélio Oliveira, a partir da análise de uma massa de dados novos relativos à importação de açúcar pelo Porto na segunda metade do século XVIII, propõem aqui uma revisão cronológica da recomposição agrária da economia brasileira após o ciclo do ouro. A estes três artigos poderíamos ainda juntar o ensaio de José Luís Cardoso dedicado a uma reinterpretação das correntes ou “sensibilidades” políticas do vintismo, onde o Brasil ou a questão brasileira está presente, neste caso a partir da perspectiva portuguesa, pelo papel que ocupou no debate político da época.
3Afora os artigos directa ou indirectamente vinculados à história do Brasil, são variados os temas de que se ocupa a presente edição. Vão desde a inserção dos ingleses nas redes de confiança, vizinhança e comércio do império espanhol no século XVIII, analisada por Silvina Mondragón e Víctor Pereyra, até ao funcionamento da censura na televisão portuguesa no tempo do Estado Novo (artigo de Rita Luís), passando pela sexualidade dos reis, reinterpretada à luz de uma história de género por Isabel Corrêa da Silva. Acrescem, ainda, os trabalhos que compõem o Espelho de Clio, secção que a Ler História reserva para abordagens de natureza historiográfica e que neste número se apresenta particularmente forte, com três artigos. No primeiro deles, Isabel dos Guimarães Sá procede a um balanço crítico da história social modernista produzida nos últimos 40 anos sobre Portugal e o seu império, pondo em relevo as suas principais influências, áreas de interesse, resultados e questões ainda em aberto. Num balanço mais especializado, Isaac Martín Nieto apresenta um levantamento exaustivo dos estudos (e algumas fontes) mais relevantes para a história do anarquismo em Portugal. Numa abordagem diferente, e situada no cruzamento disciplinar entre a história e os estudos literários, o artigo de Ricardo Ledesma analisa a reflexão crítica de Eça de Queirós sobre a história, tal como o escritor a desenvolveu no romance A Ilustre Casa de Ramires (1900).
4O número completa-se com a habitual secção de recensões. Na actividade editorial das revistas académicas, as recensões representam uma componente importante. Permitem uma actualização informada e crítica das novidades editoriais na área de especialidade, favorecem o debate e dinamizam a circulação do conhecimento. Porém, para revistas com uma estrutura pequena e com uma periodicidade de apenas dois números por ano, como é o caso da Ler História, a manutenção de uma secção de recensões forte e actualizada constitui um sério desafio. Ainda assim, e considerando as responsabilidades que a Ler História tem na área, o Conselho de Redacção decidiu reforçar este segmento de publicação, e uma das medidas tomadas foi a de passar as críticas de livros exclusivamente para a edição electrónica a partir deste ano de 2022, com o que se pretende ganhar maior flexibilidade. Os primeiros resultados parecem dar razão a esta aposta: fechamos o ano com um total de 12 recensões publicadas, o que representa um aumento de 60% em relação à média dos últimos cinco anos. Vem a propósito referir que também se regista com satisfação o bom acolhimento dado por leitores e autores a outra medida de política editorial inaugurada este ano – a publicação antecipada (First View) de alguns artigos do número ainda em preparação.
5São pequenos passos como estes, de adaptação a um universo editorial académico em mudança, que permitem à Ler História manter-se como uma revista de referência à beira de completar 40 anos de existência e de publicação ininterrupta.
Para citar este artigo
Referência eletrónica
José Vicente Serrão, «Editorial», Ler História [Online], 81 | 2022, posto online no dia 12 dezembro 2022, consultado no dia 17 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/10998; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.10998
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