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O teatro popular Tchiloli em São Tomé: origem quinhentista ou oitocentista?

The Popular Theatre Tchiloli in São Tomé: Sixteenth or Nineteenth-Century Origin?
Le théâtre populaire Tchiloli à Sao Tomé: une origine du XVIe ou du XIXe siècle ?
Gerhard Seibert
p. 93-111

Resumos

Tchiloli é um teatro popular emblemático são-tomense, baseado na peça quinhentista Tragédia do Marquês de Mântua e do Imperador Carlos Magno, escrita por volta de 1540 por Baltasar Dias (c.1515 – c.1580), um dramaturgo madeirense da escola de Gil Vicente (1465-1536). Este artigo discute a questão da data de introdução do Tchiloli pelos colonizadores portugueses em São Tomé. Inspirados pela ideologia do lusotropicalismo, nos anos de 1960, alguns autores portugueses afirmaram que esta peça teatral existia na ilha desde o início da sua colonização no século XVI, apesar da ausência de qualquer documento histórico comprovativo desta ideia. Em 1985 foi publicado um artigo de pesquisa que argumenta de forma plausível que a peça não chegou a São Tomé antes de 1880. Ignorando este e outros artigos subsequentes sobre o assunto, vários autores e instituições continuam a divulgar a ideia infundamentada da literatura colonial sobre a origem quinhentista deste teatro em São Tomé.

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Notas do autor

Este artigo é uma versão completamente revista, ampliada e atualizada do artigo “Carlos Magno no Equador”, inicialmente publicado em Latitudes. Cahiers Lusophones, 36 (2009), pp. 16-20, e depois republicado, em 2010, no site Buala.org. O autor agradece os comentários construtivos dos avaliadores e editores da Ler História, assim como as sugestões dos participantes na reunião da linha de pesquisa Estudos Africanos do Pós-Afro da UFBA (Salvador, Brasil, 14 maio 2021) onde uma primeira versão do texto foi apresentada.

Texto integral

  • 1 Ver Mangerona (2019, 36).

1Em São Tomé e Príncipe (1001 km²), pequeno arquipélago de origem vulcânica situado no Golfo da Guiné, existem dois teatros populares com conteúdos originários da Idade Média europeia, o Auto de Floripes, no Príncipe, e o Tchiloli, em São Tomé. As duas peças foram trazidas provavelmente por colonos portugueses para as ilhas, onde foram aculturadas pela cultura afro-crioula local. Este artigo foca-se na questão da época do início do Tchiloli. Em forro, a língua crioula maioritária de São Tomé, Tchiloli é o nome do teatro popular baseado na peça quinhentista Tragédia do Marquês de Mântua e do Imperador Carlos Magno, escrita por volta de 1540 por Baltasar Dias (c.1515-c.1580), um dramaturgo cego madeirense que Gomes (1961, XXI) considerava um dos três autores mais antigos da escola de Gil Vicente (1465-1536). Baltasar Dias construiu o seu texto a partir de um ciclo de três romances castelhanos do Marquês de Mântua.1 A etimologia mais provável de Tchiloli é do português tiroliro, uma referência às flautas transversais de bambu que desempenham um papel predominante na música deste espetáculo (Beja 1994; Pereira 2003). A primeira impressão conhecida da obra original de Dias é de 1665, em Lisboa, e teve várias reedições posteriores.

  • 2 Ver a bibliografia e filmografia no site https://tchiloli.com/.

2Em São Tomé chamam-se “tragédias” os grupos de intérpretes das localidades que apresentam a peça quinhentista. O Tchiloli é a manifestação cultural internacionalmente mais conhecida e mais bem documentada desta antiga colónia portuguesa. Existem várias publicações e filmes documentários sobre esse teatro popular emblemático que, desde os anos de 1960, apareceram não só em português, mas também em inglês, francês e alemão.2 Enquanto a relevância deste teatro singular para a cultura são-tomense é largamente consensual, existe alguma discórdia quanto ao período da sua introdução em São Tomé. Há quem afirme que esta peça existe na ilha desde o início da sua colonização no século XVI, embora não exista nenhuma prova sustentando esta afirmação que tem origem na literatura colonial da década de 1960. A primeira parte do artigo resume brevemente, para efeitos de contextualização, a história colonial de São Tomé, a segunda parte (secções 2 e 3) apresenta o Tchiloli e as suas características, e a terceira parte aborda a questão da sua introdução na ilha.

1. História colonial

  • 3 Sobre o período colonial de São Tomé, ver Henriques (2000) e Seibert (2002).

3As ilhas de São Tomé e Príncipe têm uma história colonial de quase 500 anos, um dos períodos mais longos do colonialismo europeu.3 Durante este longo período, o arquipélago foi colonizado por Portugal duas vezes, em contextos históricos e económicos distintos. A primeira colonização começou em 1493, com a ocupação efetiva da anteriormente desabitada ilha de São Tomé por colonos portugueses e escravizados africanos e terminou no século XVII. A primeira colonização foi marcada pelo tráfico dos escravizados, o estabelecimento da economia de plantação baseada no trabalho escravo e na monocultura de cana-de-açúcar para a exportação. Nesta fase, a emergência de uma categoria de negros livres através da alforria, associada à coexistência de europeus e africanos com as suas diversas culturas, levou a uma mestiçagem e aculturação mútua, um processo de crioulização que resultou no desenvolvimento de uma sociedade crioula com a sua cultura e línguas próprias. Além disso, fugas constantes de escravizados para o, então inacessível, sul de São Tomé deram origem a uma comunidade de fugitivos que existe ainda hoje, conhecida por angolares.

4O fim da primeira colonização no século XVII foi resultado do declínio da indústria do açúcar, a qual se deve principalmente à sua substituição pelo açúcar do Brasil, cuja qualidade era muito melhor. Depois seguiu-se um período intermediário de quase 200 anos em que a economia de plantação deu lugar a uma produção agrícola diversificada de subsistência, cujo excedente servia para abastecer os navios negreiros que passavam pelas ilhas. Este período foi também marcado por uma quase ausência de brancos e um controlo de facto do arquipélago pela elite dos forros, como se chamam os crioulos de São Tomé. A sociedade e cultura crioulas são-tomenses consolidaram-se nesta época. Mesmo assim, a percentagem dos escravizados manteve-se elevada, visto que em 1758 representavam 70% da população total das duas ilhas.

5A segunda colonização foi incentivada pela introdução de novas culturas de rendimento do Brasil, nomeadamente o café (1787) e o cacau (c.1820). Contudo, a sua produção efetiva começou apenas depois de 1850, ano da abolição do tráfico de escravizados no Brasil, um desinvestimento forçado que estimulou um maior investimento na agricultura de exportação, também marcado pelo regresso de colonos portugueses. Em 1875, foi abolida a escravatura em São Tomé e Príncipe. Os escravizados nas roças, na altura 27% da população, foram logo substituídos por trabalhadores contratados de Angola, Cabo Verde (desde 1903) e Moçambique (1908), que constituíam uma nova categoria social na sociedade colonial. De 1900 a 1940, os contratados ultrapassaram em número os são-tomenses. Apesar do regime legal diferente, de facto, as condições de trabalho e de vida destes contratados, conhecidos por serviçais, não eram muito diferentes das da escravidão, particularmente no início. A permanência dos serviçais era restrita às roças, espacialmente separados dos são-tomenses que, regra geral, se recusavam a aceitar o “trabalho escravo” nas roças dos portugueses. No fim do século XIX, já mais de 90% das terras estavam ocupadas pelas roças dos portugueses. Neste processo, os antigos proprietários forros tinham sido sucessivamente expropriados e politicamente marginalizados.

6Além da segregação espacial, os forros distinguiram-se dos serviçais pela posse de pequenas terras, pela língua e a cultura. Dominados pelos portugueses, mas, no âmbito da hierarquia civilizacional da época, por estes considerados mais “civilizados” do que os contratados africanos, os forros mantiveram atitudes de superioridade relativamente a estes e aos angolares. Na altura da independência, em 1975, os portugueses saíram do arquipélago, enquanto a maioria dos moçambicanos e angolanos foi repatriada. Apenas os cabo-verdianos ficaram, pois na altura o seu país não tinha condições para os repatriar, enquanto o governo são-tomense dependia desta mão de obra nas plantações. Depois da independência, o novo estado concedeu a todos os habitantes direitos iguais, porém, algumas barreiras coloniais têm persistido até ao presente na sociedade são-tomense. Este é o caso dos grupos do Tchiloli que são exclusivamente constituídos por são-tomenses de origem forra.

2. O espetáculo

  • 4 Sobre o Auto de Floripes no Príncipe ver Baptista (2001) e Dumas (2015). O Auto de Floripes é tam (...)

7Ao contrário do Auto de Floripes na ilha irmã do Príncipe e outros do ciclo carolíngio, o drama Tragédia do Marquês de Mântua e do Imperador Carlos Magno, ou Tchiloli, não é sobre as lutas entre mouros e cristãos.4 O Tchiloli conta a história de Dom Carloto, filho e herdeiro do imperador Carlos Magno (742-814) que assassina o seu melhor amigo, Valdevinos, sobrinho e herdeiro do marquês de Mântua, durante uma caçada, por ciúmes, porque se apaixonou secretamente por Sibila, a esposa de Valdevinos. O autor intelectual do crime é o conde Ganalão, o irmão da imperatriz que, pela pretensão de usurpar o trono imperial, incitou Dom Carloto a matar Valdevinos. Ganalão esperava que o crime provocasse o afastamento do herdeiro legítimo do trono. A apresentação da peça começa sempre com a cena da caça e o assassinato de Valdevinos. Outras personagens da peça são a marquesa, o duque Amão, Reinaldos de Montalvão, o irmão do imperador, Ermelinda, Dom Beltrão, damas de honor, o ministro da Justiça, o notário e o pajem Moço Cata, assim como os advogados Anderson e Bertrand.

8O crime leva as duas famílias e os seus representantes a debaterem questões de lei, de justiça e de governação. Os temas-chave desse drama fortemente moralizador são a traição, a morte e a igualdade perante a lei. Um tema central da peça é a carta enviada por D. Carloto ao seu tio Roldão com a confissão do crime, levada pelo pajem Moço Cata que é intercetado por Reinaldo de Montalvão, o que leva ao pedido de fazer justiça, proferido pelo marquês de Mântua (Kalewska 2005b, 3). O imperador é confrontado com o dilema de escolher entre a raison d’État, o interesse nacional, e o seu amor paternal. Ele escolhe fazer justiça com imparcialidade, embora o réu seja o seu próprio filho. Finalmente, o seu filho é condenado à morte e executado na fortaleza imperial, pelo menos conforme a peça original de Dias. Contudo, já existem atuações que optaram por uma versão modificada em que o príncipe D. Carloto consegue fugir (Valverde 1998, 237).

9A maior parte dos versos de sete sílabas de Baltasar Dias é utilizada sem quaisquer alterações. Todas as tragédias utilizam o texto publicado por Fernando Reis, no seu livro Povo Flogá. O Povo Brinca. Folclore de São Tomé e Príncipe, em São Tomé, em 1969. O texto de Reis (1969, 51) baseia-se numa apresentação do grupo Formiguinha da Boa Morte. Por sua vez, a versão deste grupo inclui textos adicionais de prosa em português moderno de autoria desconhecida que foram integrados na representação em cinco passagens distintas, entre as partes originais da peça. As novas passagens dominam as partes relativas à investigação criminal e aos procedimentos legais, com diálogos cheios de terminologia jurídica, com parágrafos e artigos do código criminal. Foram também acrescentadas novas personagens relacionadas com os assuntos jurídicos, nomeadamente os advogados Anderson, defensor de D. Carloto, e Bertrand, o seu acusador, assim como os ministros do imperador e o secretário.

10Enquanto os versos do texto original de Baltasar Dias são declamados meticulosamente, relevando os sentimentos e os dramas íntimos, o texto acrescentado em prosa caracteriza-se por uma linguagem contemporânea, burocrática e judicial, frequentemente com um tom doutoral. Em contraste com o texto original, estes textos modernos são constantemente adaptados e improvisados pelos atores. Dentro de certos limites dramatúrgicos, cada grupo do Tchiloli representa uma versão própria do espetáculo. Consequentemente nenhuma representação do Tchiloli é igual, mas cada uma é diferente da outra, inclusive as da mesma tragédia. O Tchiloli é uma síntese do teatro medieval europeu e influências performativas e rituais de origem africana. Kalewska (2005b, 7) acredita que “à medida que a realidade social se vai africanizando, o tchiloli deixa de ter uma estrutura fixa e começa a responder às veleidades sociais reprimidas pelo código moral europeu”.

11Valverde rejeita uma sobreinterpretação política do Tchiloli que lhe atribui o papel de uma manifestação anticolonial ou antigovernamental (Valbert 1984, 40; Seibert 1991, 72). Ele acha que para os são-tomenses, “além de poder ser um lugar e um tempo para o divertimento e para ativar e reativar sociabilidades, o Tchiloli opera como um pretexto para refletir sobre o mundo e as suas vicissitudes” (Valverde 1998, 230). Opina que “a crítica que a Tragédia pode estimular se localiza sobretudo num plano moral fracamente politizado – pelo menos no sentido da política mais imediata – embora seja fulcral a sua reflexão sobre a práxis do poder” (Valverde 1998, 239). Enquanto o argumento da peça assume a sua importância, a dança, a pantomima e a música não são menos relevantes no contexto do espetáculo. Todo o Tchiloli é uma mistura de dança e pantomima que dominam a maior parte da sua apresentação. É particularmente aqui que o espetáculo se revela como uma representação são-tomense. Uma orquestra composta de tambores de diferentes tamanhos, um sino, os pítus, como se chamam as flautas de bambu, e sucalos (corruptela de chocalhos) – instrumento local feito por um pequeno cesto contendo sementes – fornece a música que acompanha os atores dançando de um lado para o outro. O pítu que define a melodia é o principal instrumento do espetáculo, enquanto os tambores formam o ritmo. A música é caracterizada por uma única melodia que é retomada. Regra geral, os tocadores das tragédias vestem uniformes.

12Geralmente um espetáculo pode ter a duração de até cerca de seis horas e é apresentado em terra batida num quintal, no terreiro de um bairro ou numa praça pública, ao ar livre, durante a gravana (estação seca), sobretudo por ocasião das tradicionais festas anuais dos santos católicos das vilas. A influência africana, em termos da noção de tempo, estendeu as poucas páginas do texto original para representações bem mais longas. Contudo, o espetáculo é frequentemente interrompido para que os figurantes tomem uma bebida e as suas refeições, que conversem com outras pessoas ou se ausentem para a festa católica. Quanto à duração, em certas ocasiões, como visitas turísticas, celebrações oficiais do estado, o Dia da Independência e festas privadas, as tragédias também realizam atuações abreviadas que levam apenas 10 a 90 minutos.

13O espaço cénico é uma área retangular aberta, de proporções variáveis conforme a apresentação, sem limites definidos e visível de todos os lados. Os espectadores participam ativamente no espetáculo através de comentários durante as várias cenas do teatro. Frequentemente estes comentários estão relacionados com juízos de valor em relação ao comportamento das personagens. Todas as personagens podem ser associadas a diferentes valores morais relevantes para a vida das pessoas na sociedade contemporânea. Devido à duração, muitos espectadores estão apenas presentes durante partes do espetáculo. A um lado do palco ergue-se a Corte Alta sobre estacas de madeira, coberta com ramos de palmeira, representando o palácio imperial. No lado oposto, no chão, a palhota feita de ramos de palmeira representa a corte baixa da família enlutada dos Mântua. Os membros da família do marquês de Mântua são vestidos de trajes pretos de luto, enquanto as outras personagens usam roupas de cores exuberantes.

14Durante o espetáculo, um pequeno caixão colocado numa cadeira no meio do palco simboliza o Valdevinos morto. Pereira (2003) sugere que este artefacto é de origem africana, visto que diversos povos da África ocidental utilizam nas suas cerimónias fúnebres um pequeno caixão representando a ligação entre o mundo dos vivos e o mundo dos antepassados. Também o pó branco de talco nos rostos dos figurantes tem esta origem, pois na África ocidental e central a cor branca está associada à morte e aos espíritos ancestrais. As máscaras brancas de rede de arame, parecidas com as de esgrima, que antigamente eram utilizados por todos os figurantes, atualmente são usadas sobretudo pela família do marquês de Mântua. Outra caraterística do Tchiloli são os anacronismos no contexto medieval do drama, como o telefone e a máquina de escrever na corte imperial, os uniformes militares de algumas personagens, óculos escuros, relógios de pulso, a bandeira são-tomense, as mochilas e pistolas de plástico e os advogados com fatos, gravatas e pastas.

3. Os grupos teatrais

  • 5 Ver na internet em https://www.facebook.com/pages/category/Cause/Txiloli-Feminino-De-Cachoeira-ST (...)

15As tragédias do Tchiloli são constituídas por um presidente e demais dirigentes e têm cerca de vinte a cinquenta elementos cada uma. Todos os membros devem manter um bom comportamento dentro da sua comunidade. Tradicionalmente, cada tragédia pertence a uma determinada localidade de forros. Estes grupos também mantêm uma função de associação de solidariedade mútua prestando auxílio aos seus membros em caso de doença ou morte. No último caso, os elementos da tragédia também costumam participar no funeral de um falecido colega vestidos com os trajes de figurante. Mesmo depois da época colonial, os forros excluíram os contratados africanos das plantações e os seus descendentes das suas associações culturais, incluindo o Tchiloli. Contudo, ultimamente nem todas as tragédias têm mantido esta exclusividade de origem. Regra geral, conforme a tradição europeia medieval, exclusivamente os homens representam todos os papéis, inclusivamente os de mulheres. Apenas muito recentemente, mulheres teriam participado em alguns grupos, particularmente como tocadores de instrumentos, sobretudo de chocalho e sino. Desde 2018, existe até uma tragédia exclusivamente constituída por jovens mulheres, o Txiloli Feminino de Cachoeira, no distrito de Mé-Zochí.5 Outra caraterística das tragédias é que, geralmente, como adulto, o mesmo intérprete representa sempre a mesma personagem. Os papéis, o guarda-roupa e os textos transmitem-se no seio das famílias.

  • 6 Tragédia Florentina de Caixão Grande; Tragédia Formiguinha de Boa Morte, Tragédia Mini Boa Ventur (...)
  • 7 Tragédia Florentina de Caixão Grande, Tragédia Formiguinha de Boa Morte, Tragédia Desejada de San (...)

16Apesar do seu significado para a cultura são-tomense e da sua instrumentalização para o crescente turismo no país, nos últimos anos o número dos grupos do Tchiloli tem diminuído. Em 2021 havia somente quatro grupos do Tchiloli no ativo.6 Em dezembro de 2019 foi criada uma Rede Tchiloli que então incluía sete grupos. Em 2017 existiam apenas cinco tragédias que estavam em pleno funcionamento,7 tantas como em 1969, pouco antes da independência (Reis 1969, 235; Valverde 2000, 16). O grupo mais antigo era a Tragédia da Desejada, de Santo Amaro, fundado em 1935 (Pereira 2002, 17). Também a Tragédia Formiguinha de Boa Morte, constituída em 1956, é um dos grupos mais duráveis e o único que, desde 1973, saiu várias vezes de São Tomé para o estrangeiro, a última das quais em maio de 2017 quando atuou em Lisboa. Em 1990, quando a Formiguinha esteve em Paris e Lisboa dando espetáculos na Maison des Cultures du Monde e na Gulbenkian, respetivamente, havia apenas quatro tragédias (Neves 1990). Em 1991 havia nove grupos (Neves 1998, 11), enquanto entre 1995 e 1998 teriam existido até 15 grupos, porém, nem todos atuaram naquele período (Valverde 1998, 226; 2000, 16).

  • 8 Segundo os últimos dados conhecidos (Direção Nacional da Cultura), em 2022 existem em São Tomé 45 (...)

17Esta redução acentuada das tragédias nos últimos anos não é apenas preocupante, mas também está em contradição com o papel emblemático que é atribuído ao Tchiloli como uma das manifestações culturais mais relevantes do país. Por outro lado, já em 1998, Valverde (1998, 228) constatava que o Tchiloli era objeto de avaliações diferentes entre os são-tomenses, especificando: “Em particular, insinuando uma fratura geracional incipiente, um setor da geração jovem prefere outros géneros performativos, por exemplo, os ritmos excitantes das discotecas, considerando entediante uma performance tão longa e tão diferente das performances contemporâneas que valorizam a velocidade do tempo”. Pelos vistos, parte dos outros géneros performativos são também os grupos do Bulaué, uma dança são-tomense muito popular que surgiu depois da independência numa síntese do Sócópé, uma dança dos forros, com a dança Puíta dos contratados angolanos, que, desde há muitos anos, tem ultrapassado de longe as tragédias do Tchiloli.8

4. A questão da origem do Tchiloli em São Tomé

  • 9   Ver https://gulbenkian.pt/noticias/tchiloli-o-papel-das-mulheres/ (acedido em 15 abril 2021). Os (...)
  • 10 “São Tomé e Príncipe: Tchiloli – A Tragédia do Imperador Carloto Magno e do Marquês de Mântua, pe (...)
  • 11 Tchiloli. Uma breve história. Ver em https://gulbenkian.pt/noticias/tchiloli-tragedia-europeia-pa (...)
  • 12 “Tchiloli é candidato ao património cultural da UNESCO”, O Parvo, 16 março 2009.

18Em novembro de 2020, no seu site, a Fundação Calouste Gulbenkian, na apresentação do segundo de uma série de quatro vídeos dedicados ao Tchiloli, afirmou que “com mais de 500 anos de tradição, o Tchiloli é a encenação de uma história de morte e traição, paixões e conflitos morais que entusiasma público e atores, onde a música, o movimento e o corpo se fundem numa surpreendente expressão da arte e cultura africanas”.9 Em 2017, numa notícia sobre uma apresentação do Tchiloli em Lisboa, o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua (Camões I. P.) confirmou sobre a sua origem na ilha que “julga-se que o Auto do Tchiloli e o hábito do representar terão sido trazidos para São Tomé pelos mestres dos engenhos de açúcar para aqui deslocados”.10 Também em São Tomé esta tese da introdução no século XVI é muito difundida. Num dos recentes vídeos da Gulbenkian, logo no início, o narrador diz: “O texto chegou cá, dizem, no século XVI, na altura em que São Tomé por causa da plantação de açúcar era um entreposto de escravos”.11 Em março de 2009, por ocasião da candidatura do Tchiloli a património cultural imaterial da UNESCO, Amâncio Carvalho, responsável da tragédia Formiguinha de Boa Morte, um bairro da cidade de São Tomé, assegurou que “essa cultura veio para aqui devido aos escravos da cana-de-açúcar, nós os são-tomenses pegámos nisto e demos o nosso jeito…”.12 A antropóloga são-tomense Maria Ceita (2000, 3) afirma num pequeno artigo sobre expressões culturais em São Tomé que o Tchiloli teria sido introduzido no século XVI através da literatura de cordel.

19Paulo Valverde (1998, 223), antropólogo português, considera a afirmação da introdução do Tchiloli no século XVI “uma metamorfose local do mito dos Descobrimentos Portugueses”. De facto, não existe nenhuma prova documental que possa confirmar a existência deste teatro em São Tomé no século XVI quando a indústria do açúcar, introduzida da Madeira, conheceu o seu apogeu no arquipélago. Esta hipótese também parece pouco credível, visto que provavelmente esta peça de Baltasar Dias foi impressa pela primeira vez em Lisboa apenas em 1665 (Kalewska 2005a, 143). Naquela altura, a produção de açúcar em São Tomé praticamente já tinha desaparecido devido à emergência dos engenhos de açúcar no Brasil. A ideia de que o teatro Tragédia do Marquês de Mântua teria sido levado a São Tomé por mestres dos engenhos de açúcar madeirenses no século XVI alimenta-se apenas pela coincidência temporal, visto que o seu autor era um dramaturgo quinhentista originário da Madeira. Dali, Dias foi para Lisboa, onde produziu a maior parte das suas 11 obras conhecidas, entre as quais quatro estão desaparecidas (Gomes 1961, LXI; Kalewska 2005a, 99). Portanto, nem sequer a afirmação de que Dias compôs o auto ainda na Madeira está comprovada.

  • 13 Tenreiro (1961, 187), poeta e geógrafo luso-são-tomense também influenciado pelo luso-tropicalism (...)

20Na literatura sobre o Tchiloli, a tese da existência centenária da peça em São Tomé foi divulgada amplamente pela primeira vez há relativamente pouco tempo, na década de 1960. O encenador e etnólogo Tomaz Ribas (1918-1999) e o escritor e jornalista Fernando Reis (1917-1992), que o seguiu, foram os primeiros autores conhecidos que afirmaram que a peça de Baltasar Dias teria sido levada para São Tomé por colonos madeirenses no século XVI (Ribas 1965; 1967a; 1967b, 26; Reis 1967, 46; 1969, 54).13 Contudo, mais cauteloso, Ribas (1965, 71 e 75), que então admite que o Tchiloli e o Auto de Floripes são “até hoje tão mal e ligeiramente estudadas e tão pouco divulgadas”, considera uma incógnita o momento desde quando o auto de Dias tomou a forma do Tchiloli. Ao mesmo tempo confessa que “resta ainda averiguar e que, até hoje, a investigação dos documentos ainda não nos esclareceu” desde quando se representa a peça em São Tomé (Ribas 1967a). Também admite como hipótese plausível que o Tchiloli tenha baseado a sua estrutura espetacular no Danço Congo, uma dança pantomímica de São Tomé geralmente considerada de origem africana, visto que este é anterior (Ribas 1965, 75).

21Sobretudo Fernando Reis, que viveu em São Tomé, onde foi ecónomo do hospital local e funcionário da Agência-Geral do Ultramar, foi inspirado pelos conceitos do luso-tropicalismo do sociólogo Gilberto Freyre (1900-
-1987), que reivindicou uma singularidade civilizacional dos portugueses nos trópicos e justificou cientificamente a política colonial anacrónica da ditadura salazarista. Na sua obra sobre o folclore de São Tomé e Príncipe, ele reivindica explicitamente que o Tchiloli “é testemunho vivo da aculturação centenária deste povo crioulo… e constitui prova evidente da vitória do luso-tropicalismo nestas ilhas” (Reis 1969, 17). Noutra passagem afirma-se convencido de que

o luso-tropicalismo que está bem patente nas características psicossomáticas deste povo crioulo, no sangue que lhe corre nas veias, na língua, na religião católica que professa, tem neste auto, trazido da Metrópole – e que subiste vigorosamente quando já não se fala dele na Metrópole nem no resto da Europa – um outro testemunho vivo da validade e perenidade de uma aculturação cujas raízes mergulham nos séculos. (Reis 1969, 58)

22Num comentário sobre o seu livro, Reis alega relativamente ao Tchiloli que:

  • 14 O depoimento de Reis aparece no quarto vídeo da Gulkenkian sobre o Tchiloli: https://gulbenkian.p (...)

este auto tem um interesse extraordinário quer como teatro de uma época distante que se perde na bruma dos séculos quer porque representa uma aculturação que se processou durante cinco séculos... No tempo de D. Manuel I foram para São Tomé vários mestres madeirenses de cana-de-açúcar. Ora se este auto foi escrito por Baltazar Dias, um escritor madeirense contemporâneo de Gil Vicente, é lógico que tenha sido levado por esses mesmos madeirenses para São Tomé.14

  • 15 Na década de 1960, a apresentação do Tchiloli fazia parte da comemoração anual oficial da chegada (...)
  • 16 Em agosto daquele ano, a tragédia Formiguinha da Boa Morte participou num Ciclo de Teatro Popular (...)
  • 17 Editor Maximiano Lopes, S. Tomé, 1907.
  • 18 Editor António Joaquim Braz, S. Tomé, c.1910.

23As publicações de Ribas e Reis na década de 1960 coincidiram com alguma valorização e promoção da cultura são-tomense pelo colonialismo português, que antes aparentemente não existia.15 Neste contexto, também não parece coincidência que o primeiro convite da Gulbenkian para a Tragédia Formiguinha é de 1973, numa altura em que o luso-tropicalismo era a legitimação ideológica dominante da política colonial portuguesa.16 Em contraste, antes dos anos de 1960, o Tchiloli era mencionado apenas esporadicamente. Personagens do Tchiloli eram mostradas num postal ilustrado “Costumes de S. Thomé na Villa da Trindade”, de 1907.17 De cerca de 1910 é outro postal ilustrado intitulado “O danço Chiboli n’um dia de festa na villa da Trindade”.18 Em 1934, o botânico Arnaldo Rozeira (1934, 303) apresenta um pequeno trabalho sobre o folclore são-tomense no 1º Congresso Nacional de Antropologia, no Porto, classificando-o como reisada: “Os xiroli são também festas em que se dança e em que se representa num palco, quási sempre improvisado, as tão populares reisadas. Dançam com máscaras.”

  • 19 O Mundo Português, Vol. III, junho de 1936, p. 290.

24Em 1936, a revista colonial O Mundo Português refere-se indiretamente ao Tchiloli. Nesse ano, esta revista da então Agência-Geral das Colónias publica sete reproduções de pinturas do artista são-tomense Pascoal Viana Vilhete (1894-1980), entre as quais uma com cenas do Tchiloli intitulada “Comédia Original de S. Tomé”. Contudo, a legenda da pintura informa apenas os nomes das personagens, sem qualquer outra informação.19 Pelos vistos, no início do século XX a designação Tchiloli com a ortografia atual ainda não era muito divulgada. Uma primeira informação mais detalhada sobre o Tchiloli é publicada em 1946 no Boletim Geral das Colónias. O seu autor foi ao Príncipe para assistir a uma representação anual do Auto de Floripes, em agosto. Contudo, este não se realizou naquele ano devido à falta de condições da população local. Em vez disso, naturais de São Tomé residentes no Príncipe “resolveram representar a Tragédia do Marquês de Mântua, o não menos famoso Tchilôli”. O autor atribui o original a Baltasar Dias e descreve resumidamente a trama com as suas personagens, afirmando que “trazido de certo pelos primeiros colonos de S. Tomé, ainda hoje é lida e piamente acreditada, mormente por velhos e mulheres” (Gomes 1946, 141-142).

  • 20 Ver Valbert (1984), Nordlund (1990), Henriques (2000), Cruz (2006), Comité Português de A Rota do (...)
  • 21 Aparentemente, a suposta representação anual é uma confusão com o Auto de Floripes do Príncipe.

25Apesar da inexistência de qualquer documento histórico comprovativo desta suposição da época colonial, desde os anos de 1990 vários autores e as instituições acima referidas repetiram cegamente a tese da introdução da peça no século XVI.20 Por exemplo, Perkins (1990, 134) acha a hipótese de Ribas e Reis “a mais plausível”. A historiadora Isabel Castro Henriques (2000) utiliza sugestivamente para imagem de capa do seu livro sobre a formação da sociedade são-tomense no século XVI uma fotografia do Tchiloli tirada no princípio do século XX. Neste livro, sem indicação de qualquer fonte, a historiadora afirma: “O Tchiloli assenta na representação anual de uma peça do século XVI, possivelmente importada pelos mestres do açúcar madeirenses, pois é de autoria do também madeirense cego Baltasar Dias” (Henriques 2000, 109).21 Por sua vez, Gründ (2006, 55), especialista francesa em etno-cenografia, alega que o Tchiloli teria sido levado para São Tomé por atores ambulantes da Madeira, que teriam encenado a peça a convite dos plantadores de açúcar na ilha, no século XVI. Baseando-se exclusivamente em Reis, Lúcio Amado (2011, 167), professor do ensino secundário são-tomense, acredita que “a introdução do Tchiloli em São Tomé está intimamente relacionada com o ciclo da introdução da cana-de-açúcar, dirigido por mestres açucareiros madeirenses”. Mais recentemente ainda, Éboli (2018, 181), professora brasileira de artes cénicas, também alega que o auto de Dias “chega a São Tomé no ciclo da cana-de-açúcar e da emigração/colonização madeirense”. Também Gallet (2019, 111), jornalista francesa, repete, 50 anos depois, a tese de Reis com uma nuance temporal sugerindo que a peça de Baltasar Dias “teria sido introduzida em São Tomé no final do século XVI pelos mestres açucareiros que aí vieram estabelecer a cultura da cana”.

26Além de simplesmente desconsiderarem a falta de provas documentais, estes autores também ignoram completamente um artigo publicado já em 1985, na revista História, por António Ambrósio (1925-2004), padre português que esteve em São Tomé de 1964 a 1973. Neste artigo sobre a história do folclore são-tomense, Ambrósio, que também foi estudioso de São Tomé, argumenta de forma plausível que o Tchiloli foi introduzido na ilha apenas no final do século XIX, por Estanislau Augusto Pinto, um português que desde 1864 e durante cerca de vinte anos foi tabelião e escrivão do tribunal em São Tomé. Foi Pinto que, em junho de 1880, fundou em São Tomé a associação recreativa, dramática e musical Sociedade Africana 23 de Setembro. Este grupo teatral teria sido o primeiro a encenar o Tchiloli em São Tomé (Ambrósio 1985, 64). O mesmo autor defende ainda que Pinto também foi o autor dos textos adicionais em prosa e português moderno e das novas personagens, acrescentando-os aos versos de Dias, argumentando que como funcionário do tribunal estava familiarizado com a linguagem jurídica (Ambrósio 1985, 66). Não obstante, Valverde (1998, 224) cita depoimentos de alguns responsáveis de tragédias em São Tomé segundo os quais os fragmentos em prosa teriam sido acrescentados apenas ao longo dos anos 1950.

  • 22 Rosa baseia-se em Massa (1990), sem conhecer o original do artigo de Ambrósio (1985).

27Entre os estudiosos do Tchiloli que não ignoram a hipótese de Ambrósio, há os que a aceitam – como Shaw (1996), Valverde (1997; 1998; 2000), Pereira (2002; 2003; 2008) e Kalewska (2005b) – e aqueles que, como Massa (1990, 212), Neves (1990) e Rosa (1994, 101), a consideram pouco plausível.22 Em contraste, depois de ter conhecido a pesquisa de Ambrósio, quase trinta anos depois de ter defendido a tese da origem quinhentista, num artigo publicado numa revista cultural austríaca, Ribas (1996, 51) muda de posição acreditando na introdução por volta de 1880. Por sua vez, também a etnomusicóloga Rosa Clara Neves (1995; 1998, 8-9) considera “pouco provável” a hipótese da introdução na época do açúcar, “uma vez que não é sustentada por nenhuma das fontes da época ou mesmo posteriores”, enquanto Cruz (2006, 29) considera “obviamente discutível” a tese da transposição da peça no séc. XVI.

  • 23 Ribas (1967b, 26) alega que autores do princípio do século passado [XIX] já se tinham referido a (...)

28O facto de na literatura colonial sobre São Tomé o Tchiloli ser mencionado pela primeira vez somente em 1895 por António Lobo Almada Negreiros (1868-1939), no seu livro História Ethnographica da Ilha de S. Thomé, também sustenta a tese de Ambrósio. Neste livro, Negreiros (1895, 167 e 343), que foi administrador do concelho em São Tomé (1890-1899), refere-se apenas duas vezes brevemente ao “tchilóli”, informando apenas que é “a reprezentação avariada [sic] da vida e feitos de Carlos Magno”, assunto que “é exibido com uma graça infinita”. Contudo, não diz nada sobre a sua origem em São Tomé. Apenas seis anos mais tarde, Castro e Morais (1901), professor jubilado da escola principal em São Tomé, publica Um Breve Esboço dos Costumes de S. Tomé e Príncipe onde descreve, com alguns detalhes, o Auto de Floripes do Príncipe e o Danço Congo, mas curiosamente nada diz sobre o Tchiloli. Os livros anteriores sobre São Tomé, publicados no século XIX, também não se referem a esse teatro popular. O militar Raimundo José da Cunha Matos (1776-1839), governador das ilhas em 1816 e 1817, não menciona a peça na sua obra Corografia Histórica. Ilhas de S. Tomé e Príncipe (Matos 1916). Também o livro A Província de S. Thomé e Príncipe e Suas Dependências (1877), do médico Manuel Ferreira Ribeiro (1839-1917), onde o autor escreve sobre “usos e costumes dos habitantes”, não se refere ao Tchiloli com uma única palavra. Além disso, não existe qualquer outro documento histórico conhecido que se refira à existência da peça de Baltasar Dias em São Tomé antes dos fins do século XIX.23

  • 24 As outras edições anteriores conhecidas são de 1885, 1868, 1827, 1816, 1789, 1782, 1750, 1737, 16 (...)

29Além da inexistência de documentos comprovativos da introdução da peça anterior ao fim do século XIX, existem outros indícios que apoiam a tese de Ambrósio. No seu referido livro, Reis (1969, 59) escreve que “num folheto da chamada ’literatura de cordel’, esgotado há muito, em edição da Livraria Lello & Irmão do Porto, se acha o auto Tragédia do Marquês… sendo o nome do autor, Baltasar Dias, o escritor cego madeirense contemporâneo de Gil Vicente”; e acrescenta: “Este opúsculo, amarelecido e a desfazer-se pelos anos, foi-nos oferecido por um ilustre filho de São Tomé, o senhor Aureliano Aragão (…) A data da impressão, infelizmente, não nos foi possível identificá-la”. Há anos, consegui comprar numa livraria alfarrabista portuguesa um exemplar bem conservado desse opúsculo mencionado por Reis que, de facto, foi publicado em 1907, o que, pelo menos, indica que essa peça tinha alguma circulação em Portugal no início do século XX e também antes, visto que a peça já havia sido impressa em 1886 e noutras datas anteriores (Perkins 1990, 135).24

30Outra indicação para a difusão da obra de Dias em Portugal naquela época é que, em 1870, Teófilo Braga (1843-1924), escritor e político, afirma: “De todos os poetas dramáticos portugueses, é Baltasar Dias o mais conhecido e ainda hoje amado pelo povo: possui o dom de saber falar e ser compreendido pela alma ingénua da multidão” (cit. por Gomes 1961, XXIII). Mais ainda, o texto original da peça reproduzido por Reis é uma versão ligeiramente diferente do original de Dias, publicada pelo escritor e dramaturgo Almeida Garrett (1799-1854), no terceiro volume do Romanceiro, em 1851 (Pereira 2002, 185; 2008, 73; Kalewska 2005a, 91-93). Daí que não pareça possível que este texto tenha sido introduzido em São Tomé antes desta data. Finalmente, é ilustrativo que nenhuma tragédia existente recentemente pode reivindicar uma formação anterior a 1935, facto estranho para um teatro popular que supostamente teria “mais de 500 anos de tradição” em São Tomé.

5. Conclusões

31Apesar da ausência de qualquer documento comprovativo, e ignorando a pesquisa importante de António Ambrósio de 1985 sobre a introdução do Tchiloli em São Tomé por volta de 1880, nos últimos 30 anos vários autores e instituições portuguesas insistiram na introdução da peça original no remoto século XVI – uma afirmação que procede de autores de inspiração luso-tropicalista da década de 1960. Além disso, aqueles autores também ignoram os consecutivos trabalhos de vários estudiosos que aceitaram e corroboram a tese de Ambrósio. Numa perspetiva luso-tropicalista, a afirmação de Fernando Reis baseia-se exclusivamente na mera coincidência de que Baltasar Dias era um madeirense do século XVI, a época em que ocorreu a primeira colonização de São Tomé com a introdução da cana-de-açúcar da Madeira. A persistência e longevidade desta invenção de Reis devem-se em parte à falta de rigor na pesquisa bibliográfica de alguns autores que simplesmente ignoraram o artigo de pesquisa de Ambrósio e outras publicações pós-coloniais sobre o tema. Mas a persistência da tese de Reis também se deve aos fortes rastos que a ideologia do luso-tropicalismo deixou até ao presente, tanto na sociedade como na academia, e não apenas em Portugal.

32Daí que a afirmação da ancestralidade de cinco séculos do Tchiloli em São Tomé seja também um exemplo de como ideias lusocêntricas de autores coloniais, no caso concreto particularmente através da difusão do livro de Reis, se tornaram localmente em tradição oral. Valverde (1997, 5) acha que para os são-tomenses “é desinteressante a questão peregrina e virtualmente irrespondível […] de saber se o Tchiloli começou no século XVI […] ou se se iniciou, como parece ser mais verosímil, na segunda metade do século XIX”. Enquanto para a importância cultural, singularidade e beleza coreográfica deste teatro popular são-tomense a data da sua introdução pode ser pouco relevante, para a historiografia científica a questão da época da introdução do Tchiloli em São Tomé nunca pode ser indiferente. Nesta perspetiva, não restam dúvidas que não existe nenhuma evidência da introdução da peça de Dias no século XVI. Ao contrário, todos os dados disponíveis corroboram a tese de Ambrósio que, de facto, o Tchiloli era desconhecido em São Tomé antes dos fins do século XIX.

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Notas

1 Ver Mangerona (2019, 36).

2 Ver a bibliografia e filmografia no site https://tchiloli.com/.

3 Sobre o período colonial de São Tomé, ver Henriques (2000) e Seibert (2002).

4 Sobre o Auto de Floripes no Príncipe ver Baptista (2001) e Dumas (2015). O Auto de Floripes é também anualmente representado em Neves, Viana de Castelo, Portugal.

5 Ver na internet em https://www.facebook.com/pages/category/Cause/Txiloli-Feminino-De-Cachoeira-STom%C3%A9-e-Pr%C3%ADncipe-1521882191275340/.

6 Tragédia Florentina de Caixão Grande; Tragédia Formiguinha de Boa Morte, Tragédia Mini Boa Ventura de Boa Morte, Txiloli Feminino de Cachoeira. Informação pessoal de Maria Nazaré de Ceita, professora da Universidade de São Tomé e Príncipe (USTP), 3 maio 2021.

7 Tragédia Florentina de Caixão Grande, Tragédia Formiguinha de Boa Morte, Tragédia Desejada de Santo Amaro, Tragédia Os Africanos de Cova Barro e Tragédia Mini Boa Ventura de Boa Morte, conforme informação de Luís Morais, Direção Nacional da Cultura, julho de 2017.

8 Segundo os últimos dados conhecidos (Direção Nacional da Cultura), em 2022 existem em São Tomé 45 grupos de Bulaué.

9   Ver https://gulbenkian.pt/noticias/tchiloli-o-papel-das-mulheres/ (acedido em 15 abril 2021). Os três outros vídeos da série estão disponíveis nestes links: https://gulbenkian.pt/noticias/tchiloli-tragedia-europeia-patrimonio-cultural-em-sao-tome/; https://gulbenkian.pt/noticias/tchiloli-familia-e-dinastia/; https://gulbenkian.pt/noticias/parcerias-para-o-desenvolvimento/tchiloli-viagem-a-europa/.

10 “São Tomé e Príncipe: Tchiloli – A Tragédia do Imperador Carloto Magno e do Marquês de Mântua, pelo grupo A Formiguinha da Boa Morte”, 25 maio 2017. Acessível em http://www.instituto-camoes.pt/sobre/comunicacao/noticias/18135-sao-tome-e-principe-tchiloli.

11 Tchiloli. Uma breve história. Ver em https://gulbenkian.pt/noticias/tchiloli-tragedia-europeia-patrimonio-cultural-em-sao-tome/.

12 “Tchiloli é candidato ao património cultural da UNESCO”, O Parvo, 16 março 2009.

13 Tenreiro (1961, 187), poeta e geógrafo luso-são-tomense também influenciado pelo luso-tropicalismo da época, menciona o Tchiloli entre os elementos demonstrativos da aculturação das populações que chegaram a São Tomé, porém, sem indicar qualquer data.

14 O depoimento de Reis aparece no quarto vídeo da Gulkenkian sobre o Tchiloli: https://gulbenkian.pt/noticias/parcerias-para-o-desenvolvimento/tchiloli-viagem-a-europa/.

15 Na década de 1960, a apresentação do Tchiloli fazia parte da comemoração anual oficial da chegada dos primeiros portugueses, em 21 de dezembro de 1470.

16 Em agosto daquele ano, a tragédia Formiguinha da Boa Morte participou num Ciclo de Teatro Popular Tradicional, organizado pela Gulbenkian. Os dois outros participantes foram Auto de Floripes (Neves, Viana de Castelo) e Os Sete Infantes de Lara (Parada, Bragança).

17 Editor Maximiano Lopes, S. Tomé, 1907.

18 Editor António Joaquim Braz, S. Tomé, c.1910.

19 O Mundo Português, Vol. III, junho de 1936, p. 290.

20 Ver Valbert (1984), Nordlund (1990), Henriques (2000), Cruz (2006), Comité Português de A Rota do Escravo (s.d.), Gründ (1993 e 2006), Amado (2011), Éboli (2018) e Gallet (2019).

21 Aparentemente, a suposta representação anual é uma confusão com o Auto de Floripes do Príncipe.

22 Rosa baseia-se em Massa (1990), sem conhecer o original do artigo de Ambrósio (1985).

23 Ribas (1967b, 26) alega que autores do princípio do século passado [XIX] já se tinham referido a tais representações em São Tomé, mas não indica os nomes destes supostos autores.

24 As outras edições anteriores conhecidas são de 1885, 1868, 1827, 1816, 1789, 1782, 1750, 1737, 1692 e 1665 (Mangerona 2019, 34).

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Referência do documento impresso

Gerhard Seibert, «O teatro popular Tchiloli em São Tomé: origem quinhentista ou oitocentista?»Ler História, 80 | 2022, 93-111.

Referência eletrónica

Gerhard Seibert, «O teatro popular Tchiloli em São Tomé: origem quinhentista ou oitocentista?»Ler História [Online], 80 | 2022, posto online no dia 14 junho 2022, consultado no dia 19 janeiro 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/10264; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.10264

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Gerhard Seibert

Centro de Estudos Internacionais, ISCTE-IUL, Portugal; Pós-Afro/UFBA, Brasil

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