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Dossier: A autodeterminação de Timor-Leste

Portugal, as Nações Unidas e a autodeterminação de Timor-Leste, 1974-1982

Portugal, the United Nations and the Self-Determination of Timor-Leste, 1974-1982
Portugal, l’Organisation des Nations Unies et l’autodétermination du Timor-LESTE, 1974-1982
Aurora Almada e Santos e Zélia Pereira
p. 65-89

Resumos

À semelhança das demais colónias portuguesas, Timor-Leste foi considerado pela ONU em 1960 como um território não autónomo. Até 1974, a ONU procedeu à recolha de informações sobre Timor, sem grandes preocupações devido à ausência de um conflito armado. Somente a partir de meados de 1975 se procurou envolver a organização em tentativas de mediação entre associações timorenses, Portugal e Indonésia, numa conjuntura de degradação da situação no terreno. Timor-Leste passaria a ser definitivamente um problema internacional após a queixa portuguesa no Conselho de Segurança contra a invasão indonésia. Todavia, entre 1976 e 1982, registou-se uma progressiva erosão do apoio à autodeterminação timorense. Neste artigo, demonstra-se como a questão de Timor-Leste expôs os limites da ONU e dos seus mecanismos de resolução de conflitos, face ao contexto internacional e aos interesses dos estados membros. Este artigo faz parte do dossier temático A Autodeterminação de Timor-Leste, organizado por Rui Graça Feijó.

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Notas do autor

Este artigo faz parte do projecto ADeTiL – A autodeterminação de Timor-Leste: um estudo de História Transnacional, PTDC/HAR-HIS/30670/2017, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e desenvolvido no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Foi ainda financiado pela mesma Fundação através do IHC, no âmbito dos projectos UIDB/04209/2020 e UIDP/04209/2020, e pelo CEECIND/01588/2017. As autoras agradecem a leitura atenta e os comentários do Doutor Rui Graça Feijó, coordenador deste dossier.

Texto integral

1A admissão de Portugal como estado-membro da Organização das Nações Unidas (ONU) em dezembro de 1955 conduziu a tentativas para instaurar a supervisão internacional sobre a política colonial portuguesa. Embora até 1974 Portugal tivesse rejeitado todas as iniciativas da organização, a ONU procurou desempenhar o papel que segundo a interpretação empírica da Carta adotada pela maioria dos estados lhe estava destinado no que se referia às questões coloniais (Santos 2017). Se inicialmente, ao abrigo do Capítulo XI da Carta, a organização pretendia que Portugal fornecesse informações de natureza técnica e estatística sobre as suas colónias, com o início da guerra em Angola em 1961 as suas decisões orientaram-se no sentido de solicitar a implementação do direito à autodeterminação. Presente nos artigos 1º (§ 2º) e 55º, a autodeterminação adquiriu um enquadramento mais preciso na resolução 1514 (XV), de 14 de dezembro de 1960, passando a significar a obrigação de as potências coloniais permitirem que as suas colónias pudessem determinar o seu destino. Pela resolução 1541 (XV), de 15 de dezembro, além da independência, ficou contemplado que a autodeterminação também poderia ser alcançada através da associação a um estado independente ou aquando da integração num outro país (Santos 2017).

2Portugal resistiu às resoluções da ONU fundamentando-se na revisão constitucional de 1951 que transformara as suas colónias em “províncias ultramarinas” no seio de uma “nação plurirracial e multicontinental”, organizada politicamente como estado unitário. Este entendimento português não encontrou eco no seio da ONU e da comunidade internacional em geral (Reis 2021). Este seria um dos motivos pelos quais Salazar afirmaria que Portugal estava “orgulhosamente só”. Alguns autores sustentam que Portugal se alcandorara ao estatuto de “estado pária” (Reis 2013), embora se deva também ter em conta que, entre as proclamações políticas e as atitudes concretas, existia um amplo território de ambiguidades, como se pode constatar pelo fornecimento de equipamento militar ao regime de Lisboa por países que votavam contra as suas posições na ONU.

3No âmbito das tentativas para que Portugal implementasse o direito à autodeterminação, a ONU multiplicou as suas resoluções estabelecendo o quadro normativo que a descolonização portuguesa, iniciada a partir do 25 de Abril de 1974, haveria de seguir (Santos 2018). Como inicialmente o Movimento das Forças Armadas (MFA) não tinha uma política clara em relação às colónias, devido à influência de múltiplas entidades, entre as quais se destacou a ONU, Portugal acabou por reconhecer, através da Lei 7/74, de 27 de julho, o direito à autodeterminação, interpretado como devendo conduzir à independência. Esse reconhecimento foi acompanhado pela rejeição da possibilidade da realização de referendos e pela aceitação dos movimentos de libertação que estiveram envolvidos na luta armada como únicos interlocutores nas negociações com Portugal (Santos 2018).

  • 1 Relatório do Comité de Descolonização, 1975, doc. A/8723/Rev.1, vol. III, pp. 297-298, disponível (...)
  • 2 Veja-se o artigo de Rui Graça Feijó neste dossier.
  • 3 Discurso de Almeida Santos, 03-12-1974, Divisão de Arquivo e Biblioteca do Ministério dos Negócio (...)

4Timor, como as restantes colónias portuguesas, foi considerado “território não autónomo” pela resolução 1542 (XV), de 15 de dezembro de 1960. Sobre esta colónia portuguesa situada no sudeste asiático e que tinha fronteiras com a província indonésia de Timor Ocidental, os relatórios anuais do Comité de Descolonização – órgão estabelecido pela ONU em finais de 1961 para analisar a situação nos territórios não autónomos –, mencionavam pouca informação. Rumores sobre um alegado movimento independentista foram prontamente desmentidos tanto por Portugal como pela Indonésia.1 Após o 25 de Abril, Timor continuou sem estar no centro das atenções da ONU, que manteve o foco sobre as colónias portuguesas em África. Embora equacionada pelo governo português, a independência de Timor parecia, em 1974, uma hipótese remota, que levaria algum tempo até à sua concretização.2 O próprio ministro da Coordenação Interterritorial, Almeida Santos, afirmou perante as Nações Unidas, em dezembro, ser “fantasista o sonho de uma independência total e imediata” e que a emancipação política do território obrigaria a grandes investimentos.3

5Apesar de a participação da ONU na descolonização portuguesa ser objeto de um crescente interesse académico, o caso de Timor não tem merecido a mesma atenção quando comparado com os territórios africanos (MacQueen 1998; Lloyd-Jones e Pinto 2003; Rosas et al. 2015). O estudo de Carey e Walsh (2008) acerca do Conselho de Segurança (CS) encontra-se entre os poucos que ensaiam uma análise do problema desde as suas origens. A perspetiva jurídica presente nos estudos de Paula Escarameia (1993), Patrícia Galvão Teles (1997) ou Miguel Galvão Teles (1999) discute sobretudo a situação legal decorrente da anexação de Timor-Leste pela Indonésia e as suas consequências sobre o posicionamento português. Em outras obras sobre a autodeterminação de Timor-Leste, como nas de Clinton Fernandes (2011) ou Damien Kingsbury (2009), as referências ao envolvimento da ONU não assumem carácter sistemático. Essa perspetiva está igualmente ausente do volume coletivo editado por ocasião dos 40 anos da invasão indonésia (Smith et al. 2016). Académicos portugueses que se têm debruçado sobre esta questão, entre os quais avulta Moisés Silva Fernandes (2005 e 2007), também não têm dado realce à dimensão que este artigo aborda.

6Existe, isso sim, vasta literatura focada no período pós-1999, realçando o papel da ONU na construção do novo estado de Timor-Leste. Subsistem, no entanto, temas menos estudados, como por exemplo o contexto em que a ONU foi chamada a intervir a partir de 1975 na questão e como na Assembleia-Geral (AG) se assistiu à lenta erosão do interesse da comunidade internacional até 1982, quando se adotou a última resolução sobre Timor-Leste. É sobre o período iniciado com o processo de descolonização por Portugal em 1974 e o envolvimento da ONU na questão de Timor até 1982 que o presente artigo se debruça. O artigo será estruturado em duas partes, sendo que na primeira será abordado o período entre 1974 e 1976, durante o qual a ONU passou a ser parte da equação. Na segunda parte, abarcar-se-ão os acontecimentos entre dezembro de 1976 e 1982, quando a discussão da questão resultou numa progressiva moderação da organização e num crescente isolamento dos apoiantes da causa timorense, entre os quais Portugal, que se viu na paradoxal situação de voltar a estar isolado, desta feita por se manter fiel à Carta da ONU e às resoluções sobre a autodeterminação e a independência dos povos colonizados. Através da análise desses dois momentos, o artigo procurará demonstrar que a ONU evidenciou as suas ambiguidades e os limites dos seus mecanismos de resolução de conflitos, tendo a questão da autodeterminação de Timor-Leste gradualmente deixado de ser considerada no âmbito da paz e segurança internacionais para ser associada a problemas de índole humanitária.

1. Fait accompli

  • 4 Outras pequenas organizações sugiriam: uma efémera Associação Democrática para a Integração de Ti (...)

7Não tendo havido luta armada em Timor, Portugal promoveu, após o 25 de Abril, passos para que se iniciasse o debate quanto ao futuro do território. Em maio de 1974, a partir da pequena elite timorense formaram-se três associações que se assumiram como porta-vozes de projetos distintos. A 11 de maio surgiu a União Democrática de Timor (UDT), que inicialmente defendeu a continuação da ligação com Portugal, inspirando-se nas teses spinolistas de pertença a um espaço federal português, vindo mais tarde a admitir uma independência a longo prazo. Seguiu-se-lhe, a 20 de maio, a Associação Social-Democrata Timorense (ASDT) que postulava a independência do território, após uma transição de vários anos, a qual em setembro de 1974 se reconverteria em Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN). Finalmente, a 27 de maio, um conjunto de defensores da integração na Indonésia agregaram-se na Associação Popular Democrática Timorense (APODETI).4

  • 5 Lei 7/75, de 17 de julho, Diário do Governo n.º 174, 1º Suplemento, Série I, 27-07-1974.
  • 6 As atas da CND, disponíveis no Arquivo Histórico da Presidência da República (AHPR), GB0205/0699, (...)
  • 7 Ata CND, 20-08-1975, AHPR, GB0205/0699.

8Em finais de junho de 1975, Portugal reuniu-se em Macau com representantes da UDT e da APODETI para discutir o processo de descolonização de Timor, sendo que a FRETILIN recusou participar nas conversações, não aceitando um diálogo que incluísse os que defendiam a integração na Indonésia. Após a cimeira de Macau Portugal adotou disposições sobre o território através da Lei 7/75, de 17 de julho, ficando previsto que Timor se tornaria independente em 1978.5 Rapidamente tais disposições foram ultrapassadas, com as organizações timorenses a envolveram-se numa disputa armada em agosto de 1975, o que provocou a retirada de Díli da administração colonial portuguesa, que se mudou para a ilha de Ataúro em precárias condições. Uma vez instalado o clima de guerra civil no território, a sugestão de internacionalização da questão de Timor fez-se ouvir pela voz do governador Lemos Pires (Pires 1981 e 1991). A proposta encontrou reservas junto das autoridades portuguesas, em particular no seio da Comissão Nacional de Descolonização (CND).6 A decisão adotada pela CND em finais de agosto de 1975 e prosseguida nos meses seguintes foi a de tentar uma solução negociada com os movimentos timorenses (Riscado et al. 1981, 199).7

  • 8 Relatório de Almeida Santos, 24-08-1975, Arquivo Fundação Mário Soares (FMS), Fundo Mário Ruivo, (...)

9Foi neste contexto que foram realizados os primeiros contactos em Nova Iorque, em agosto de 1975, por Almeida Santos, encarregado pelo Presidente da República, Costa Gomes, de obter o apoio da ONU e das potências regionais – Indonésia e Austrália – para operações de evacuação e para uma eventual intervenção conjunta destinada a restabelecer a paz e permitir negociações. Da missão de Almeida Santos surgiu inicialmente a ideia de criar uma “comissão de bons ofícios”, com participação de Portugal, Austrália, Indonésia e outro país da região, sob a supervisão do Comité de Descolonização (Santos 2006). Demonstrando uma posição cautelosa, os conselheiros do secretário-geral (SG), Kurt Waldheim, sugeriram que qualquer envolvimento da ONU deveria resultar de um mandato oficial do CS ou da AG, pretendendo que a organização atuasse somente em termos humanitários. As autoridades portuguesas logo verificaram a tendência da ONU para estabelecer uma distinção entre o aspeto humanitário e o político, sendo que para este último não se esperavam soluções e medidas de real significado.8

  • 9   Telegrama 109, Embaixada de Portugal em Camberra, 02-09-1975, DAB/MNE, GPE Timor, pasta 868.
  • 10 Telegramas 111 a 115, MNE para Embaixada de Portugal em Jacarta, 09-09-1975, DAB/MNE, GPE Timor, (...)

10Reservas quanto às atitudes dos governos indonésio e australiano levaram Portugal a suspender o pedido de criação da comissão de bons ofícios, embora se tivesse continuado a procurar, de forma bilateral, envolver as potências regionais na questão de Timor. A Indonésia, que inicialmente afirmara não ter reivindicações territoriais sobre Timor, cedo estabeleceu ligações com os elementos timorenses pró-integracionistas. Com o agravar do conflito entre organizações timorenses, o governo indonésio passou a defender mais claramente a integração do território, caracterizando a FRETILIN como pró-comunista e enfatizando o risco de que a instabilidade em Timor contaminasse o país, que em 1965 fora afetado por uma tentativa de golpe do Partido Comunista da Indonésia (Zhou 2014). A Austrália, dada a inquietação que Timor pudesse constituir um foco de instabilidade no sudoeste asiático e uma base para atividades esquerdistas, era favorável à integração na Indonésia (Job 2021). Considerando que qualquer solução teria de passar por um entendimento com a Indonésia, Portugal chegou a colocar a hipótese de convidar o país a fazer uma intervenção militar de cariz humanitário em Timor9 e equacionou antecipar a independência para 1975 ou o mais tardar 1976.10 Os problemas existentes em Portugal, que procurava consolidar a sua democracia, acrescidos das dificuldades financeiras e económicas, bem como o desejo de que o processo de descolonização não comprometesse as aspirações internacionais do país e o desentendimento entre as organizações timorenses terão motivado o desejo de renegociar a data da independência.

  • 11 Discurso de Melo Antunes, 09-10-1975, em https://undocs.org/en/A/PV.2382 [consult. 29-01-2022].
  • 12 Memorando de entendimento entre Portugal e a Indonésia, Roma, 03-11-1975, AHPR, GB0205/0699.
  • 13 Apontamento do MNE discutido na CND, 09-10-1975, AHPR, GB0205/0699; memorando secreto, 10-10-1975 (...)

11Na CND insistiu-se num acordo negociado com os movimentos timorenses, posição que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Melo Antunes, levaria à AG, em outubro de 1975, onde afirmou que Portugal continuava disponível para uma amplidão de fórmulas políticas que respeitassem os interesses da população, declarando-se também apto a conversar com a Indonésia para uma solução negociada do conflito, em comum acordo com os três partidos.11 Melo Antunes e o homólogo indonésio reuniram-se em Roma, no início de novembro, demostrando concordância com o quadro normativo da descolonização enunciado nas resoluções da ONU (Pinto 2001, 31). Mas também concordarão que era prematuro envolver a organização, embora aceitassem que em determinado momento isso pudesse ser necessário.12 Ao manter a via do diálogo aberta, prosseguiram-se as linhas entretanto traçadas na CND para defesa da posição de Portugal, que se baseavam em aguardar uma oportunidade para colocar a questão na ONU, a partir de um “cenário propício”, que tanto poderia resultar de uma situação de domínio do território por um dos movimentos que declarasse unilateralmente a independência como de uma situação “de facto” criada por uma intervenção da Indonésia.13

  • 14 Carta da Missão Permanente de Portugal ao SG, 29-11-1975, DAB/MNE, S16/A22/P02/91719 e PAA 121.

12Enquanto Portugal desenvolvia esforços para a realização de conversações com as organizações timorenses, conseguindo que a Austrália concordasse que tivessem lugar em Darwin, a FRETILIN proclamou unilateralmente a independência, a 28 de novembro, e solicitou a admissão do território na ONU sob a designação de República Democrática de Timor-Leste. Em reação, o Movimento Anticomunista (MAC), composto pela APODETI, UDT, Klibur Oan Timor Aswain (KOTA) e Partido Trabalhista, declarou a integração na Indonésia. O MAC aprisionou um grupo de militares portugueses, que de facto estavam sob custódia da Indonésia, o que viria a ter um peso significativo nos desenvolvimentos posteriores da questão de Timor. Recusando reconhecer ambas as declarações, Portugal chamou a atenção do SG para os desenvolvimentos no território, considerando que a efetiva cooperação da ONU seria indispensável para alcançar uma solução pacífica e negociada em Timor.14 A gravidade dos acontecimentos, que além de provocar mortes entre civis forçou alguma população a refugiar-se na parte indonésia da ilha, tornou-se no tema central do debate reservado às colónias portuguesas na IV Comissão da AG, e que desde inícios da década de sessenta tinha lugar anualmente.

13O debate decorreu entre 2 e 11 de dezembro, envolvendo um reduzido número de países, demonstrando que a situação de Timor não gerou grande atenção entre os estados-membros. Os intervenientes foram as partes interessadas (Portugal e Indonésia), algumas potências regionais (Austrália, Japão, China), as antigas colónias portuguesas (Moçambique e Guiné-Bissau) e alguns países africanos (República Unida da Tanzânia e Argélia). No seguimento do debate foi proposto um primeiro projeto de resolução, que registava os esforços portugueses para alcançar uma solução pacífica e exortava as organizações timorenses a colaborarem, participando em conversações. Esse projeto tornou-se obsoleto com a invasão de Timor a 7 de dezembro pela Indonésia, que contou com o apoio de grandes potências, nomeadamente dos Estados Unidos da América (EUA), que no rescaldo da intervenção no Vietname continuavam a temer a infiltração comunista no Sudoeste Asiático (Carey e Walsh 2008, 352). Portugal de imediato solicitou a convocação do CS e interveio na IV Comissão acusando a Indonésia de desrespeitar as normas do direito internacional. Manifestou disponibilidade para cumprir as obrigações de potência administrante, mas procurou vincar a ideia de que seria necessária uma intervenção mais intensa da ONU no processo. Em sua defesa, a Indonésia apontou a negligência das autoridades coloniais portuguesas e justificou que atuara a pedido das organizações timorenses pró-integração, com o fim de ajudar a repor a ordem. Acrescentou ainda que não tinha qualquer reivindicação sobre Timor, nem pretendia criar um fait accompli, mas, que se os timorenses optassem pela integração, acolheria favoravelmente a decisão.

14Após novos projetos e sucessivas emendas, o plenário da AG adotou a resolução 3485 (XXX), a 12 de dezembro, por 72 votos favoráveis, 10 contra e 43 abstenções. A resolução exprimia uma profunda preocupação com a situação resultante da intervenção militar indonésia e apresentava, em oito parágrafos, diversas recomendações e propostas. Apelava a todos os estados que respeitassem o direito inalienável do povo timorense à autodeterminação, liberdade e independência; a Portugal para continuar os esforços de negociações com as organizações timorenses para encontrar uma solução; e às partes em Timor para corresponderem positivamente. Quanto à Indonésia, deplorava veementemente a sua intervenção, solicitava que não violasse a integridade territorial de Timor e pedia a retirada sem demora das suas forças militares. Recomendava ainda ao CS a adoção de medidas urgentes, sugerindo o envio de uma missão de visita ao território. Embora Portugal considerasse a resolução 3485 (XXX) favorável aos seus interesses, o documento evidenciou a capacidade da Indonésia em mobilizar apoios e evitar que fosse condenada pela sua ação. O apoio das grandes potências e de alguns países do Sudeste Asiático à integração de Timor, aliado ao peso geoestratégico da Indonésia na região e às dificuldades de Portugal em assegurar o processo de descolonização, explicam em grande medida que a AG apenas tivesse deplorado, sem condenar, a invasão (Carey e Walsh 2008, 352).

  • 15 Sobre as intervenções de Galvão Teles, vide as sessões 1864 e 1867, disponíveis, respetivamente, (...)
  • 16 Vide as atas de reuniões do CS: S/PV.1864, S/PV.1865, S/PV.1867, S/PV.1868 e S/PV.1869, disponíve (...)

15Situação semelhante ocorreu no CS, que iniciou a discussão da situação em Timor a 15 de dezembro. Foram convidados a participar no debate os representantes de Portugal, Indonésia, Malásia, Austrália, Guiné (Conacri) e Guiné-Bissau. Foram também ouvidos José Ramos Horta, pela FRETILIN; Guilherme Maria Gonçalves, da APODETI; Mário Carrascalão, da UDT; e José Martins, do KOTA. O representante português, José Manuel Galvão Teles, atribuiu à ambição de países estrangeiros as dificuldades sentidas na descolonização de Timor-Leste e acusou a Indonésia de agressão. Galvão Teles manifestou a intenção de Portugal de colocar a questão de Timor sob alçada da ONU, apresentando diferentes propostas para o envolvimento da organização.15 O representante indonésio, por seu turno, considerou a convocação do CS uma tentativa portuguesa de se escusar às suas responsabilidades e negou qualquer relação do seu governo com a invasão, indicando que a ação militar partira de voluntários indonésios em resposta a apelos dos próprios timorenses. Quanto às organizações timorenses, os seus relatos dos acontecimentos em Timor não foram coincidentes, evidenciando as suas divergências. Dos restantes intervenientes – fossem membros do CS ou os países que solicitaram para serem ouvidos na questão –, alguns acusaram a Indonésia de agressão, apelando à atuação do CS para o restabelecimento da normalidade em Timor, enquanto outros evitaram reconhecer a existência de uma invasão.16

16Após consultas com vários países para acomodar opiniões divergentes, o CS adotou por unanimidade a resolução 384 (1975), de 22 de dezembro. Contrariamente ao documento aprovado pela AG, a linguagem utilizada foi mais moderada. Em vez de “deplorar veementemente”, o Conselho limitou-se a “deplorar” a intervenção militar indonésia. Como as intervenções no debate tinham antecipado, Portugal também foi visado ao se lamentar que não tivesse desempenhado as suas responsabilidades enquanto potência administrante. Em relação às ações que o CS decidiu encetar, elas não diferiam muito das que tinham sido avançadas pela AG: apelou-se ao respeito pela integridade territorial de Timor-Leste e pelos direitos inalienáveis do seu povo à autodeterminação; solicitou-se ao governo indonésio que retirasse as suas forças sem demora; a Portugal, a todos os estados e às outras partes interessadas pediu-se que colaborassem com a ONU para permitir que os timorenses exercessem o direito à autodeterminação. Deixando a questão em aberto, para posterior tomada de decisão, o Conselho solicitou ao SG para enviar um representante especial a Timor-Leste, mandatado a averiguar a situação no terreno e a contactar com as organizações timorenses e estados envolvidos. Kurt Waldheim foi ainda encarregado de seguir a implementação da resolução 384 (1975) e de submeter recomendações ao CS com base no relatório do seu representante especial.

  • 17 Relatório do SG ao CS, 12-03-1976, doc. S/12011, disponível em https://digitallibrary.un.org/reco (...)

17A resolução do CS não previa mecanismos de sanção à Indonésia caso não retirasse as suas forças. Ao assumir um caráter dilatório, abria caminho à consolidação do status quo no terreno, dando margem de manobra à Indonésia para preparar a visita do representante do SG num quadro favorável de fait accompli. O estabelecimento de um “Governo Provisório” em Díli, formado por organizações pró-integração, foi o primeiro passo nesse sentido, tendo a sua constituição sido comunicada ao SG pelo representante da Indonésia na ONU. Em aplicação da resolução 384 (1975), Kurt Waldheim nomeou Vittorio Winspeare Guicciardi, diretor-geral da representação da ONU em Genebra, como seu representante. Entre janeiro e fevereiro de 1976, Guicciardi desdobrou-se em contactos com a Indonésia e Portugal, em Nova Iorque; deslocou-se por duas vezes a Lisboa; reuniu-se em Genebra com representantes da Indonésia, de Portugal e da Cruz Vermelha Internacional (CVI); visitou a Indonésia; e esteve em Timor-Leste. Todavia, em território timorense apenas percorreu áreas controladas pelo Governo Provisório, sem conseguir visitar as que estavam sob controlo da FRETILIN.17

18No relatório submetido ao SG, Guicciardi indicou que, como não pudera viajar extensamente pelo território de Timor-Leste, a sua compreensão da situação no terreno era insuficiente (Santos 2018). O documento limitava-se a enunciar as opiniões das várias partes, sem apresentar recomendações que o SG pudesse submeter à consideração do CS. Guicciardi evitou tecer considerações críticas sobre as informações que lhe foram transmitidas, referindo, por exemplo, que quanto à implementação do apelo da resolução 384 (1975) para a retirada das forças indonésias, a Indonésia o informara que, como os voluntários estavam em Timor a pedido das organizações integracionistas, somente poderiam retirar-se quando o Governo Provisório assim o entendesse. O que mais se aproximou de uma possível conclusão foi a afirmação de que todas as partes concordavam com a necessidade da realização de uma consulta aos timorenses. Na prática, o relatório não apresentou nenhuma informação que não tivesse sido já veiculada pelos representantes das várias partes nos debates da AG e do CS.

19Kurt Waldheim limitou-se a transmitir o relatório do seu representante ao CS, propondo unicamente que os contactos prosseguissem. O envolvimento pessoal que Portugal pretendia que o SG tivesse não se concretizou, tendo a atuação de Waldheim se caraterizado pela inação. O comportamento do SG em relação a Timor não foi uma exceção, pois também quanto a Angola evitou comprometer-se com os pedidos para ajudar a resolver a situação que acabaria por resultar na guerra civil que se prolongou até 2002 (Santos 2018, 127). No caso angolano, o SG terá sido condicionado pelo receio de que a ONU voltasse a ser envolvida numa situação semelhante à da República Democrática do Congo, a qual, quando se tornou independente em 1960, foi afetada por problemas internos que conduziram à criação da primeira força de manutenção da paz liderada pela organização (Santos 2018, 129). Relativamente a Timor, cuja situação foi muitas vezes debatida em conjunto com a de Angola pelos representantes portugueses e o SG nas conversas de bastidores, a circunstância de ser um pequeno território, a retirada de Portugal, a influência da Indonésia e o desinteresse das grandes potências terão contribuído para o pouco empenho de Waldheim.

  • 18 Vide as atas de reuniões do CS, S/PV.1908 a S/PV.1915, disponíveis em https://digitallibrary.un.o (...)

20Quando debatido no CS, entre 12 e 22 de abril de 1976, o relatório de Guicciardi demonstrou não reunir informação suficiente para ajudar a solucionar a questão de Timor. A discussão evidenciou novamente a capacidade de atração de apoios pela Indonésia e, embora tivesse havido um maior número de participantes em comparação com primeira reunião do Conselho, os intervenientes limitaram-se a reafirmar posições anteriores. A Indonésia pediu que representantes de organizações integracionistas (Guilherme Maria Gonçalves, Mário Carrascalão, José Gonçalves e João Pedro Soares) e Rex Syddell, um agricultor australiano que seria acusado de ser um agente indonésio, estivessem presentes na discussão.18 A Guiné-Bissau intercedeu para que Ramos Horta também fosse ouvido e Moçambique fez o mesmo para Ken Fry, deputado do Partido Trabalhista australiano que visitara Timor.

  • 19 Em 1975, o Japão era o segundo maior investidor estrangeiro na Indonésia (Jardine 1995, 48).

21Após consultas entre os membros do Conselho, a Guiana, a Tanzânia e o Panamá apresentaram um projeto de resolução, mas, ao contrário do sucedido em dezembro, não foi possível alcançar unanimidade. O Japão, um dos principais aliados da Indonésia dadas as relações económicas entre os dois países e os condicionalismos geoestratégicos, procurou emendar o projeto para torná-lo mais próximo das posições de Jacarta e do Governo Provisório (Gorjão 2002; Horta 1994, 207-208).19 No final, o projeto convertido na resolução 389 (1976) foi adotado com 12 votos favoráveis e as abstenções do Japão e dos EUA. Sendo os EUA um membro permanente do CS, a sua abstenção acabou por ser quase equivalente ao veto (Monteiro 2001). O representante norte-americano no CS, Daniel Moynihan, reconheceria mais tarde que “o Departamento de Estado desejava que as Nações Unidas fossem totalmente ineficazes em qualquer medida que viessem a adotar. Essa tarefa foi-me confiada, e desempenhei-a com um sucesso assinalável” (Moynihan 1978, 247).

22Na prática, a resolução 389 (1976) adiou novamente a adoção de uma decisão que contribuísse para solucionar a questão. Nos parágrafos preambulares desapareceram as referências que lamentavam a incapacidade de Portugal como potência administrante e deploravam a intervenção armada da Indonésia. Embora se reafirmasse o direito do povo timorense à autodeterminação e se apelasse à retirada das forças indonésias, o CS continuou a evitar colocar a questão no âmbito do capítulo da Carta que abrangia os atos de agressão e implicava a imposição de sanções (Carey e Walsh 2008, 350-351). O documento voltou a encarregar o SG de instruir o seu representante especial a efetuar consultas com as partes interessadas, sem que houvesse uma melhor definição do seu mandato. Tais provisões confirmaram a inação da ONU, permitindo que, para ratificar a alegada vontade da população timorense, a Indonésia orquestrasse com o Governo Provisório a realização em Díli de uma “Assembleia Popular” constituída por “chefes tradicionais” mobilizados sob coação, que a 31 de maio de 1976 aprovou um pedido de integração submetido ao governo indonésio (Carey e Walsh 2008, 353). Este seria o “ato de autodeterminação” que a Indonésia viria a alegar constituir a ratificação legal da vontade da maioria da população.

  • 20 Relatório do SG ao CS, 22-06-1976, doc. S/12106, disponível em https://digitallibrary.un.org/reco (...)

23Guicciardi, que continuou como representante do SG, reuniu-se em Genebra e Paris com representantes do Governo Provisório de Timor-Leste, da Indonésia e de Portugal. Não teve contactos com representantes da FRETILIN, tendo somente recebido telegramas do Governo da República Democrática de Timor-Leste, maioritariamente remetidos da Austrália. Um novo relatório submetido ao SG a 22 de junho pouco adiantou em relação ao primeiro, voltando a não apresentar qualquer recomendação.20 Quanto à implementação da provisão da resolução 389 (1976) que apelava à retirada das forças indonésias de Timor, Guicciardi limitou-se a citar as afirmações da Indonésia e do Governo Provisório segundo as quais os voluntários estavam a abandonar o território. Abordando a questão do direito inalienável do povo timorense à autodeterminação, Guicciardi anexou um documento que lhe fora entregue pelo Governo Provisório sobre a constituição de Assembleias de Conselho Popular e o reforço da Assembleia Popular Regional. Além disso, o relatório enumerava os passos que estavam a ser dados para a integração de Timor na Indonésia e os convites que Guicciardi recebera do Governo Provisório e da FRETILIN para visitar o território. Tendo recusado os convites, Guicciardi salientava novamente não ter conseguido avaliar de forma precisa a situação em Timor-Leste.

  • 21 Ata CND, 08-07-1976, AHPR, GB0205/0699; Informação de Serviço de Pinto da França, 12-07-1976, ANT (...)
  • 22 Parecer de A. Costa Lobo “As coordenadas da posição de Portugal em relação a Timor”, 18-08-1976, (...)

24Com o relatório de Guicciardi a não constituir uma ameaça às pretensões do governo indonésio, a 17 de julho Suharto declarou oficialmente a integração de Timor-Leste como 27ª província da Indonésia. Em Portugal, para a CND tornou-se evidente que, no futuro, o problema de Timor esbarraria com a relutância de países terceiros em hostilizar a Indonésia, sendo uma questão de tempo até ao “congelamento” do debate na ONU.21 Restava manter uma posição de não reconhecimento da integração de Timor na Indonésia, baseada no argumento de que o processo seguido fora irregular, não assegurando o respeito pela vontade popular. As autoridades portuguesas passaram a considerar o problema como estando exclusivamente sob a competência da ONU, embora Portugal mantivesse o estatuto de potência administrante. Esta foi a posição assumida no Comité de Descolonização em setembro de 1976, onde o delegado português transmitiu que Timor escapava aos modelos habituais de descolonização, exigindo um esforço da comunidade internacional para encontrar soluções adequadas.22

2. A progressiva moderação

25A resolução de 1976 marcou o fim da intervenção do CS no processo de Timor-Leste, o qual só voltaria a ser reapreciado pelo órgão em 1999 (Carey e Walsh 2008). Portugal e os países que se identificavam com a necessidade de proceder à autodeterminação de Timor-Leste viram goradas todas as tentativas de obter uma condenação explícita da Indonésia. Como assistiram ao esfumar das hipóteses de manter o caso na agenda do CS concentraram os seus esforços na AG. Entre 1976 e 1982, as resoluções sobre Timor-Leste aprovadas pela AG perderam apoios, tornando-se progressivamente mais moderadas (Krieger 1997, xxii-xxiv), o que conduziu ao adormecimento da causa timorense e à suspensão do debate em 1982 (Monteiro 2001; Pureza 2001). As resoluções 31/53 (1976), 32/34 (1977) e 33/39 (1978) da AG ainda reafirmaram o direito de Timor-Leste à autodeterminação e independência, referindo a legitimidade da luta do seu povo. Todavia, pequenas alterações foram sendo introduzidas, numa linguagem cada vez menos incisiva.

  • 23 Sinal de que esta atitude não se encontrava respaldada na lei internacional é o facto de apenas a (...)

26A resolução 31/53 (1976) referiu-se à FRETILIN, indicando que se ouvira uma declaração do seu representante, e rejeitou a alegação de que Timor fora integrado na Indonésia. Mas os parágrafos da resolução de 1976, em que se “deplorava fortemente” a recusa do governo indonésio em respeitar as resoluções da ONU e se demonstrava grande preocupação com a situação crítica no território resultante da intervenção militar, foram diluídos num só em 1977. A resolução 32/34 (1977) apenas mencionava a contínua preocupação com a situação em Timor, desaparecendo a referência à presença militar indonésia. Em 1978, abandonou-se o parágrafo que abertamente rejeitava o argumento de que Timor-Leste fora integrado na Indonésia, excluindo-se ainda um apelo feito em 1977 ao governo indonésio e à FRETILIN para facilitarem a entrada no território de organizações humanitárias. Isto sinalizava a diminuição do reconhecimento internacional da FRETILIN, num momento em que integração na Indonésia foi sendo reconhecida pelas potências regionais (Austrália, Nova Zelândia e Japão) e pelos EUA, com o argumento de que era a única alternativa viável para Timor.23

  • 24 Telegrama 26, Embaixada de Portugal em Camberra, 11-09-1978, DAB/MNE, PAA 1458.

27Contando com apoios relevantes, nomeadamente do Movimento dos Não-Alinhados (junto do qual Timor era um tema polémico), da comunidade de países islâmicos, passando pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e pela Associação de Nações do Sudeste Asiático  (ASEAN), bem como pelo bloco ocidental, mormente os EUA, a Indonésia foi desenvolvendo diligências para passar a mensagem de que a integração era plenamente aceite pela população e que a oposição armada da FRETILIN estava praticamente dominada. Suharto e membros do governo indonésio deslocaram-se a Timor-Leste em diversos momentos, fazendo-se acompanhar por representantes de missões acreditadas em Jacarta. Essas visitas permitiram que delegados de vários países interviessem posteriormente na ONU defendendo os pontos de vista indonésios, desviando a atenção do aspeto político e legal para problemas humanitários. Jacarta, ciente que a situação em Timor-Leste poderia ser interpretada numa perspetiva de direitos humanos, apresentava as carências da população como resultado da luta com a FRETILIN e demonstrava abertura à assistência externa.24 Em 1979, embora continuasse a manter a presença militar, declarou Timor-Leste pacificado, minimizando a real situação e permitindo a visita de organizações humanitárias, em particular da CVI (Fernandes 2011, 62).

  • 25 Telegrama A-4, Embaixada em Bona para MNE, 17-09-1982, AHPR, CC0210/3744.

28Mais do que assumir os custos de qualquer iniciativa, Portugal seguia de perto os esforços de outros países apoiantes de Timor-Leste, sobretudo das suas antigas colónias africanas. Na verdade, a situação interna do país, na qual avultava a existência de competências repartidas no tocante a Timor e a Macau entre o Presidente da República secundado pelo Conselho da Revolução e o governo, diminuía a capacidade de elaborar uma estratégia única e sufragada pelo conjunto das suas autoridades políticas. A questão de Timor aparecia aos olhos de países amigos como sendo secundarizada por Lisboa. Por exemplo: um diplomata alemão referiu que, além de não apresentar dados objetivos que substanciassem as acusações de graves violações dos direitos humanos, Portugal parecia só se lembrar deste dossier “uma vez por ano: nas vésperas das Assembleias Gerais”.25

  • 26 Telegrama 165, Missão de Portugal na ONU, 28-03-1978, DAB/MNE, PAA 1456.

29Até 1979, as autoridades portuguesas limitaram-se à salvaguarda de problemas humanitários, como o repatriamento de timorenses e a reunião de famílias através de operações da CVI. Em novembro de 1978, Portugal foi eleito membro não permanente do CS e durante o processo de candidatura, para assegurar que não houvesse objeções, o representante português em Nova Iorque aconselhou o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) a dar informalmente garantias à Indonésia de que não pretendia levantar novamente o problema de Timor na ONU.26 Apesar da queixa contra a Indonésia formulada por Portugal em 1975 não ter sido retirada, e podendo o país utilizar a sua posição de membro do CS para reavivar a questão, foi decidido seguir o compromisso assumido antes da eleição para o órgão. Mesmo nas duas vezes em que o país deteve a presidência do CS outros problemas, como os vividos na África Austral e no Médio Oriente, dominaram as atenções (Mendes 2012).

30Não surpreende, pois, que a resolução 34/40 (1979) demonstrasse ainda maior moderação, desvalorizando o significado das deliberações da ONU. Os problemas humanitários em Timor-Leste foram imputados à “situação prevalecente no território”, sem referência à recusa indonésia em implementar as resoluções da ONU. O facto de se evitarem críticas, mesmo indiretas, à Indonésia ficou patente no desaparecimento dos parágrafos enumerando as resoluções anteriormente aprovadas e da cláusula que chamava a atenção do CS para adotar medidas para implementar as suas determinações. Apenas se manteve a menção ao reconhecimento do direito à autodeterminação e independência, de acordo com a Carta e a resolução 1514 (XV). A moderação do texto foi igualmente notória por não aludir à legitimidade da luta do povo timorense para alcançar aquele direito. O pedido de envio de uma missão de visita ao território para verificar a situação, que figurava em textos anteriores, foi abandonado em prol do enfoque na assistência humanitária com pedidos ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e ao Alto-Comissariado para os Refugiados (ACNUR) para providenciarem auxílio.

  • 27 Sobre os problemas internos da FRETILIN e as dificuldades da luta armada, vejam-se Horta (1994), (...)

31O abandono das referências à luta pela independência e à FRETILIN refletiam a fraqueza política e diplomática do movimento, aliada às dificuldades da resistência armada no território e ao crescente isolamento em que Portugal e o grupo de países que se colocavam ao lado de Timor-Leste se encontravam. A FRETILIN sofreu reveses com a morte em combate do seu líder Nicolau Lobato, em dezembro de 1978, e a perda do chefe de segurança, Alarico Fernandes, que notícias contraditórias indicavam que tinha sido capturado ou se rendera às forças indonésias. Desentendimentos internos levaram ao afastamento em 1978 de Ramos Horta, que fora uma voz ativa em Nova Iorque (Horta 1994). Quando este regressou em 1979, a imagem do movimento tinha-se desgastado e a FRETILIN assumira, entretanto, uma linha mais vincadamente marxista-leninista, o que no plano internacional lhe limitava os apoios.27 A FRETILIN continuou a apresentar-se nos debates da IV Comissão, mas a partir de 1979 a sua relevância no texto das resoluções foi gradualmente dissolvida no parágrafo referente à audição de “peticionários”.

  • 28 “Portugal e a Questão de Timor-Leste”, Informação de Serviço do MNE, 20-12-1979, DAB/MNE, S16/E79 (...)
  • 29 Atas do Conselho da Revolução, 16-01-1980 e 23-01-1980, e estudo de comissão composta pelo comand (...)

32Em finais de 1979, o MNE português elaborou um estudo analisando as alternativas disponíveis em relação à situação em Timor-Leste, desde a continuação de uma postura passiva, ao desenvolvimento de uma ação mais enérgica no plano internacional, até ao reconhecimento da ocupação. Analisados os riscos de cada solução, o estudo aconselhou um desbloqueamento gradual do problema, partindo do âmbito estritamente humanitário, para salvaguardar o governo português de eventuais críticas, mas salientando a importância de “evitar que o fosso entre Portugal e a Indonésia se agrave”.28 Em janeiro de 1980, o VI Governo Constitucional português declarou no seu programa o interesse em resolver a questão de Timor. Um novo estudo, desta vez elaborado pelo Conselho da Revolução, concluiu que, “sem advento de factos políticos novos”, era praticamente impossível a Portugal exercer as responsabilidades de potência administrante.29 A 12 de setembro de 1980, o governo difundiu um comunicado sobre a sua política em relação a Timor-Leste, que, no essencial, se orientava para o apoio humanitário aos refugiados timorenses e para uma ação diplomática visando o diálogo com a Indonésia. A referência a este comunicado foi o aspeto mais distintivo do texto da resolução 35/27 (1980), que acentuou novamente a necessidade de ajuda humanitária por parte de organismos internacionais. Em 1981, a resolução 36/30 relembrou os apelos anteriores, dando ênfase redobrada aos aspetos humanitários, demonstrando que não se pretendia criticar o fait accompli, mesmo se os argumentos da Indonésia não fossem totalmente convincentes para justificar a continuição da presença militar.

  • 30 Além de contactos na ONU, realizou-se, em setembro de 1981, um encontro informal em Haia entre o (...)
  • 31 Ata Conselho da Revolução, 27-01-1982, FMS, JMB/CR, doc. 02975.330.
  • 32 Estudo do Gabinete do Primeiro-Ministro, 1982, DAB/MNE, Fundo GPE Timor, pasta 3.

33Portugal explorou vias diplomáticas para estabelecer o diálogo com a Indonésia, mas Jacarta não correspondeu aos apelos.30 Encerrada a AG de 1981, o primeiro-ministro português, Francisco Pinto Balsemão, comunicou ao Presidente da República, Ramalho Eanes, que o governo dava por encerrado, “sem êxito”, o esforço político e diplomático desencadeado desde setembro de 1980 (Balsemão 2021). O Conselho da Revolução voltou a estudar a questão, mas limitou-se a emitir um conjunto de opiniões sem consequências imediatas.31 A Presidência da República também analisou o problema de Timor-Leste, concluindo pela necessidade de ainda se assegurar na ONU a aprovação de uma nova resolução em 1982. O presidente e o governo desenvolveram então, em setembro e outubro de 1982, intensa campanha diplomática junto de governos estrangeiros. No entanto, a abordagem portuguesa foi de certa forma ambígua, orientando-se essencialmente para a defesa dos direitos do povo timorense, evitando deliberadamente hostilizar a Indonésia porque não se alimentavam esperanças de alteração nas votações ou que o governo indonésio revisse a sua posição.32

  • 33 Idem.
  • 34 Memorando da Presidência da República, 21-10-1982, Centro de Documentação 25 de Abril (CD25A), Fu (...)

34No Comité de Descolonização e na AG, as intervenções portuguesas foram sempre moderadas, deixando a outras delegações o protagonismo na defesa de Timor-Leste, com destaque para os países africanos de expressão portuguesa. No entendimento das autoridades portuguesas a situação não evoluira de forma a justificar uma mudança de posição e havia reservas quanto à postura dos países africanos, pelo apoio que davam à FRETILIN. Portugal entendera não reconhecer a organização como “representante único do povo timorense”, preferindo defender os “interesses da população de Timor enquanto tal”. Assim, Portugal nunca participou na redação de qualquer projeto de resolução que tendesse a consagrar a predominância da FRETILIN.33 Mesmo perante insistências e propostas apresentadas pela FRETILIN (Horta 1994), as autoridades portuguesas só encararam verdadeiramente a possibilidade de se tornarem coautoras de um projeto de resolução depois de diligências diplomáticas junto de vários países indicarem que uma alteração no quadro da ONU somente seria viável perante uma nova fórmula de busca de solução, sem o que se corria o risco de entrar num impasse. A decisão de coautoria do projeto elaborado em 1982 não foi isenta de reservas, tendo o texto sido acertado após negociações informais em Nova Iorque com Ramos Horta e as delegações dos países africanos de expressão portuguesa.34

35No projeto de resolução entregue pela delegação portuguesa à IV Comissão em 4 de novembro de 1982, o elemento central era o desejo de diálogo, evitando-se dar destaque à FRETILIN. A novidade fundamental do projeto era que propunha mandatar o SG, Javier Pérez de Cuéllar, a iniciar consultas com as partes interessadas, colocando em destaque que o apoio da comunidade internacional a esta fórmula correspondia a um passo positivo para encontrar uma solução que fosse definitiva e global. Esta posição significava também que a questão deixaria de recair na alçada da AG, podendo as iniciativas do SG situar-se num horizonte temporal indefinido. A vantagem para a causa timorense advinha do facto de a Indonésia, se aceitasse a mediação do SG – o que lhe seria difícil recusar – estaria ipso facto a admitir que a “questão timorense” se localizava na esfera do direito internacional e não da sua soberania interna. Em contrapartida, Portugal e os demais apoiantes da iniciativa ver-se-iam confrontados com a necessidade de acolher as sugestões que viessem a ser feitas pelo SG.

  • 35 Relato da sessão da IV Comissão, 15-11-1982, doc. A/C.4/37/SR.23, disponível em https://digitalli (...)
  • 36 Telegrama 880, Missão de Portugal na ONU, 22-11-1982, CD25A, MLP, doc. 07079.051.

36Ao longo das sessões da Comissão, vários peticionários defenderam os direitos dos timorenses e denunciaram a atuação da Indonésia, mas esta patrocinou a audição do ex-primeiro-ministro australiano Gough Whitlam, que defendeu a integração, salientando o investimento indonésio no desenvolvimento do território e desvalorizando a resistência armada. A intervenção de Whitlam motivou um acesso debate e a sua presença, conjugada com uma recente visita de Suharto aos EUA em outubro de 1982, foi suficiente para lançar dúvidas entre países eventualmente indecisos (Fernandes 2011, 71). A 15 de novembro, a votação do projeto na IV Comissão demonstrou um equilíbrio precário, que poderia resultar na derrota do texto no plenário. O projeto foi aprovado por uma escassa maioria de 48 votos a favor, 42 contra e 54 abstenções.35 O resultado foi dececionante face aos esforços diplomáticos de Portugal, que encetou nova campanha procurando modificar a posição de alguns países. Todavia, a Indonésia também desencadeou uma ofensiva diplomática, como constataram vários diplomatas portugueses em diversas capitais.36

37A resolução 37/30 votada no plenário da AG a 23 de novembro foi aprovada com a reduzida margem de 4 votos (50 a favor, 46 contra e 50 abstenções), inferior à obtida na IV Comissão. Tornava-se óbvio que a Indonésia continuava a ter maior facilidade para alcançar apoios do que a diplomacia portuguesa, que atuou tardiamente. Por outro lado, segundo o embaixador indonésio Ali Alatas (2006, 28), a resolução aprovada, ao não referir o “direito inalienável do povo de Timor-Leste à autodeterminação e independência e a legitimidade da sua luta”, significava que as decisões do CS tinham sido suplantadas pelas da AG, cada vez mais diluídas de conteúdo, com a anuência passiva de Portugal consciente da dificuldade em obter apoios para textos com disposições mais enérgicas. De facto, a ofensiva diplomática de Portugal e a decisão de copatrocinar uma resolução não mudou substancialmente a tendência para que a situação de Timor-Leste passasse a ser equacionada segundo aspetos humanitários e não tanto na vertente política.

  • 37 Sobre o voto de cada país de 1975 a 1982, veja-se Krieger (1997, 129-133).

38Para além da progressiva moderação da linguagem, a perda de apoio às resoluções sobre Timor-Leste manifestou-se na diminuição dos votos favoráveis, no aumento dos votos contra e num elevado número de abstenções. A margem de votos favoráveis nunca foi superior à soma das abstenções e dos votos contra. Até 1981, 49 países mantiveram sempre o voto favorável, 9 contra e 31 abstiveram-se ou ausentaram-se da sala no momento da votação. No entanto, 60 países modificaram em sentido negativo a sua posição: 10 passaram de favorável para contra; 22 de abstenção ou ausência para contra; e 28 de favorável para abstenção ou ausência. Em sentido positivo, apenas 8 países modificaram a sua posição: 2 passando de voto contra para favorável, 3 de abstenção ou ausência para favorável, e 3 de contra para abstenção ou ausência. Em 1981, a resolução 36/30 foi aprovada por uma escassa maioria de 12 votos.37 Em 1982, bastava alguns países modificarem o voto positivo para abstenção, ou desta para contra, para impedir qualquer iniciativa.

39O resultado da votação em 1982 podia ser considerado pouco satisfatório para a Indonésia, atendendo às pressões que exercera em vários países e ao apoio obtido de potências como os EUA e a Austrália. Embora o decréscimo das votações favoráveis à resolução 37/30 refletisse a fraqueza internacional dos apoios à luta da população timorense, o resultado não retirou Timor da lista dos territórios não autónomos, não se verificando uma legitimação do status quo pela ONU. A votação equivalia ao adiamento sine die do debate, mas não ao arquivamento da questão e obrigava a Indonésia a aceitar conversações com Portugal, sob pena de uma recusa poder ser considerada uma afronta ao SG e à organização. Para a comunidade internacional, a forma como a questão de Timor-Leste foi abordada demonstrou que os princípios consignados na Carta das Nações Unidas eram frágeis, quando confrontados com interesses de estados poderosos. Sob o argumento de manter o equilíbrio numa zona importante do ponto de vista político, económico e geoestratégico, os estados-membros contornaram os princípios da organização, apoiando a Indonésia.

40Para isso confluíram interesses de várias coligações e blocos. Na Europa, países que se proclamavam defensores dos direitos humanos preferiram fechar os olhos às violações do direito internacional e à situação vivida pelos timorenses. Países do bloco comunista estavam também em contradição com as suas proclamações quanto ao apoio à luta dos povos colonizados. As abstenções de ambos os blocos demonstravam a irrelevância de Timor-Leste para os seus interesses. Na América do Norte, os EUA e o Canadá preferiram garantir boas relações com a Indonésia, devido ao contexto da Guerra Fria e aos seus interesses económicos. Na América Latina, Timor-Leste era uma questão longe das preocupações imediatas. Mesmo a atuação do Brasil foi cautelosa, votando favoravelmente as resoluções da AG, mas sem grande empenho em exercer influência junto de países vizinhos. No continente africano, as cinco antigas colónias portuguesas não conseguiram assegurar a estabilidade dos apoios, evidenciando os limites da sua diplomacia. No Médio Oriente e na Ásia, grande parte dos países ficaram do lado da Indonésia. Contudo, a continuação das denúncias da situação vivida no território e o facto de a procura de uma solução se ter mantido sob a égide da ONU constituía um incómodo. Mais do que apreensões quanto às violações de direitos humanos, que vários estados-membros da ONU também experimentavam internamente, a grande preocupação era que Timor pudesse ameaçar a estabilidade regional.

41As votações na AG sobre Timor-Leste colocaram em evidência a prioridade dos interesses de alguns estados sobre o direito à autodeterminação e os direitos humanos. Devido à continuação da ocupação do território pela indonésia, a ONU demonstrou a sua incapacidade para solucionar um problema colocado sob sua responsabilidade. A resolução de 1982 constituiu um expediente para libertar a AG da tarefa de realizar anualmente um debate sobre a questão, transferindo a iniciativa para o SG. A partir de então, o problema de Timor ficaria parcialmente adormecido, sendo presente ao Comité de Descolonização e à IV Comissão somente pela necessidade de sucessivamente se prorrogar o mandato do SG. A violação dos direitos humanos e as questões humanitárias relacionadas com Timor-Leste passariam a ser tratadas em órgãos subsidiários, como a Subcomissão de Minorias Étnicas e a Comissão de Direitos Humanos, onde a solidariedade internacional exploraria o problema nos anos subsequentes.

3. Conclusão

42Portugal viveu, no período entre o 25 de Abril e a sequência imediata da invasão de Timor-Leste pela Indonésia, uma paradoxal mudança de situação no que toca às suas relações com a ONU. De nação atacada pela sua obstinação em fazer letra-morta da Carta da ONU e das suas resoluções sobre a autodeterminação e independência para os povos colonizados, Portugal passou a ser cumpridor desses mesmos instrumentos legislativos. Mas cedo voltou a ver-se numa situação de marginalização, uma vez que na defesa desses princípios se revelou incapaz de contrabalançar os poderosos interesses de uma realpolitik na qual a pequena colónia portuguesa de Timor pouco ou nada contava.

43No âmbito das tentativas para que Portugal implementasse o direito à autodeterminação das suas colónias, a ONU estabeleceu o quadro normativo que a descolonização portuguesa, iniciada em 1974, seguiria. Timor-Leste, como as restantes colónias portuguesas, era considerado “território não autónomo”, com direito à autodeterminação e eventualmente à independência. Procurando atuar em conformidade com as resoluções da ONU, após o 25 de Abril Portugal decidiu negociar bilateralmente com as organizações políticas que entretanto surgiram no território, mantendo a ONU afastada do processo. Todavia, a deterioração da situação e a perda do controlo sobre o território acabaria por colocar nas mãos da ONU a tarefa de assegurar o direito dos timorenses à autodeterminação. Apesar de se ter mantido teoricamente como potência administrante, Portugal, na prática, não conseguiu impedir que a anexação de Timor-Leste pela Indonésia fosse um facto consumado. A margem de manobra portuguesa junto da comunidade internacional foi reduzida na questão de Timor. Grande parte dos países apoiaram a Indonésia ou não quiseram colocar em causa o relacionamento com Jacarta. A generalidade dos apoios provinha de estados com reduzida expressão na cena internacional e pouca influência para modificar a posição das grandes potências no contexto da Guerra Fria. A Indonésia acabou por beneficiar da limitada projeção internacional do problema de Timor, mantendo a ocupação do território.

44A presença na ONU de peticionários que condenavam a Indonésia refletiu-se negativamente na imagem da organização, que não manifestava empenho em encontrar uma solução para Timor-Leste. Mesmo estando num segundo plano das preocupações internacionais, a questão timorense demonstrava que princípios básicos definidos pela Carta e as diversas resoluções dos órgãos da ONU facilmente se ofuscavam através das lentes pelas quais se visionavam divisões e solidariedades entre as nações. Em detrimento da interpretação literal do direito internacional, optou-se pela distorção ou adaptação a necessidades conjunturais. No entanto, as Nações Unidas nunca reconheceram que a população timorense tivesse exercido livre e democraticamente o direito à autodeterminação, por não ser possível comprovar se houvera uma genuína expressão da vontade popular. A passagem para o SG da responsabilidade de encontrar uma solução negociada com as partes envolvidas permitiu, porém, retirar o problema do debate público, colocando-o num foro mais restrito da diplomacia de bastidores. Timor-Leste teria ainda pela frente vários anos de luta pela autodeterminação e independência, apenas alcançada quando, em finais da década de 1990, se reuniu um conjunto de fatores relacionados com a política interna da Indonésia, o contexto internacional e a resistência à ocupação.

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Notas

1 Relatório do Comité de Descolonização, 1975, doc. A/8723/Rev.1, vol. III, pp. 297-298, disponível em https://digitallibrary.un.org/record/731207?ln=en [consult. 15-01-2022]. Sobre o único movimento nacionalista formado antes de 1974, ver Fernandes (2005).

2 Veja-se o artigo de Rui Graça Feijó neste dossier.

3 Discurso de Almeida Santos, 03-12-1974, Divisão de Arquivo e Biblioteca do Ministério dos Negócios Estrangeiros (DAB/MNE), PAA Prov. 10.

4 Outras pequenas organizações sugiriam: uma efémera Associação Democrática para a Integração de Timor-Leste na Austrália, a Klibur Oan Timor Aswain (KOTA) com apoio dos chefes tradicionais, e o Partido Trabalhista. No entanto, seriam a UDT, a ASDT/FRETILIN e a APODETI que polarizariam o debate. Sobre a formação das associações políticas timorenses, veja-se Hicks (2015) e Leach (2017).

5 Lei 7/75, de 17 de julho, Diário do Governo n.º 174, 1º Suplemento, Série I, 27-07-1974.

6 As atas da CND, disponíveis no Arquivo Histórico da Presidência da República (AHPR), GB0205/0699, fornecem numerosa informação sobre o posicionamento do Presidente da República, de membros do governo e chefias militares quando à internacionalização do problema de Timor-Leste na ONU.

7 Ata CND, 20-08-1975, AHPR, GB0205/0699.

8 Relatório de Almeida Santos, 24-08-1975, Arquivo Fundação Mário Soares (FMS), Fundo Mário Ruivo, Pasta 11492; telegrama 538, Missão de Portugal na ONU, 25-08-1975, BAD/MNE, GPE Timor, pasta 868.

9   Telegrama 109, Embaixada de Portugal em Camberra, 02-09-1975, DAB/MNE, GPE Timor, pasta 868.

10 Telegramas 111 a 115, MNE para Embaixada de Portugal em Jacarta, 09-09-1975, DAB/MNE, GPE Timor, pasta 868.

11 Discurso de Melo Antunes, 09-10-1975, em https://undocs.org/en/A/PV.2382 [consult. 29-01-2022].

12 Memorando de entendimento entre Portugal e a Indonésia, Roma, 03-11-1975, AHPR, GB0205/0699.

13 Apontamento do MNE discutido na CND, 09-10-1975, AHPR, GB0205/0699; memorando secreto, 10-10-1975, transcrito em Pires (1981, 347-350).

14 Carta da Missão Permanente de Portugal ao SG, 29-11-1975, DAB/MNE, S16/A22/P02/91719 e PAA 121.

15 Sobre as intervenções de Galvão Teles, vide as sessões 1864 e 1867, disponíveis, respetivamente, em: https://digitallibrary.un.org/record/101096?ln=en e https://digitallibrary.un.org/record/70859?ln=en [consult. 31-01-2022].

16 Vide as atas de reuniões do CS: S/PV.1864, S/PV.1865, S/PV.1867, S/PV.1868 e S/PV.1869, disponíveis em https://digitallibrary.un.org/ [consult. 31-01-2022].

17 Relatório do SG ao CS, 12-03-1976, doc. S/12011, disponível em https://digitallibrary.un.org/record/224948?ln=en [consult. 31-01-2022].

18 Vide as atas de reuniões do CS, S/PV.1908 a S/PV.1915, disponíveis em https://digitallibrary.un.org/ [consult. 31-01-2022].

19 Em 1975, o Japão era o segundo maior investidor estrangeiro na Indonésia (Jardine 1995, 48).

20 Relatório do SG ao CS, 22-06-1976, doc. S/12106, disponível em https://digitallibrary.un.org/record/225042?ln=en [consult. 01-02-2022].

21 Ata CND, 08-07-1976, AHPR, GB0205/0699; Informação de Serviço de Pinto da França, 12-07-1976, ANTT, Fundo Ernesto Melo Antunes, cx. 120, pasta 1.

22 Parecer de A. Costa Lobo “As coordenadas da posição de Portugal em relação a Timor”, 18-08-1976, DAB/MNE, PAA 1456; Telegrama 524, Missão de Portugal na ONU, 08-09-1976, DAB/MNE, PAA 1456.

23 Sinal de que esta atitude não se encontrava respaldada na lei internacional é o facto de apenas a Austrália ter assumido um reconhecimento de jure, todos os outros limitando-se a reconhecimento de facto.

24 Telegrama 26, Embaixada de Portugal em Camberra, 11-09-1978, DAB/MNE, PAA 1458.

25 Telegrama A-4, Embaixada em Bona para MNE, 17-09-1982, AHPR, CC0210/3744.

26 Telegrama 165, Missão de Portugal na ONU, 28-03-1978, DAB/MNE, PAA 1456.

27 Sobre os problemas internos da FRETILIN e as dificuldades da luta armada, vejam-se Horta (1994), Gunn (1997), Carey (2007), Kingsbury (2009) e Fernandes (2011). Na reorganização da guerrilha, a FRETILIN, numa conferência de março de 1981, assumiu-se declaradamente como marxista-leninista. Isso motivou que a Indonésia aumentasse a repressão e multiplicasse apoios exteriores com vista a “combater comunistas” (Fernandes 2011, 65).

28 “Portugal e a Questão de Timor-Leste”, Informação de Serviço do MNE, 20-12-1979, DAB/MNE, S16/E79/P02/90346.

29 Atas do Conselho da Revolução, 16-01-1980 e 23-01-1980, e estudo de comissão composta pelo comandante Almeida e Costa, capitão de fragata Vítor Crespo e tenente-coronel Canto e Castro, debatido na reunião de 23-01-1980, FMS, José Manuel Barroso/Conselho da Revolução (JMB/CR), docs. 02975.234 e 02975.235.

30 Além de contactos na ONU, realizou-se, em setembro de 1981, um encontro informal em Haia entre o embaixador Matos Proença e Wisser Loeis, diplomata indonésio em Paris, que se limitou a ouvir posições, pelo que o MNE deu como esgotados os meios para chegar ao diálogo. Telegramas 118, Embaixada de Portugal em Haia, 22-09-1981, e telegrama 447, Missão de Portugal na ONU, 30-09-1981, AHPR, CC0210/3747.

31 Ata Conselho da Revolução, 27-01-1982, FMS, JMB/CR, doc. 02975.330.

32 Estudo do Gabinete do Primeiro-Ministro, 1982, DAB/MNE, Fundo GPE Timor, pasta 3.

33 Idem.

34 Memorando da Presidência da República, 21-10-1982, Centro de Documentação 25 de Abril (CD25A), Fundo Maria de Lourdes Pintasilgo (MLP), doc. 07813.030.

35 Relato da sessão da IV Comissão, 15-11-1982, doc. A/C.4/37/SR.23, disponível em https://digitallibrary.un.org/record/39740?ln=en [consult. 01-02-2022].

36 Telegrama 880, Missão de Portugal na ONU, 22-11-1982, CD25A, MLP, doc. 07079.051.

37 Sobre o voto de cada país de 1975 a 1982, veja-se Krieger (1997, 129-133).

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Referência do documento impresso

Aurora Almada e Santos e Zélia Pereira, «Portugal, as Nações Unidas e a autodeterminação de Timor-Leste, 1974-1982»Ler História, 80 | 2022, 65-89.

Referência eletrónica

Aurora Almada e Santos e Zélia Pereira, «Portugal, as Nações Unidas e a autodeterminação de Timor-Leste, 1974-1982»Ler História [Online], 80 | 2022, posto online no dia 14 junho 2022, consultado o 16 maio 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/lerhistoria/10233; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/lerhistoria.10233

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