1Nosso objetivo com esta apresentação é examinar em que medida os principais conceitos da teoria das imagens operatórias podem dar conta dos diferentes aspetos da atividade coletiva. Essas correspondências serão fáceis de identificar pois nosso trabalho de desenvolvimento teórico foi baseado na teoria da atividade de Leontiev e na teoria da formação por etapas de ações de Galperine que, embora utilizem vocabulário diferente, apresentam muitos pontos de convergência com a teoria de Ochanine. É, portanto, no próprio decorrer da apresentação deste quadro teórico de análise da atividade coletiva que estas correspondências serão caracterizadas.
2O próprio facto de a investigação de tais correspondências poder ser considerada caracteriza a orientação geral de nossa análise da atividade coletiva: estamos interessados no próprio processo de atividade coletiva (no processo de transformações de um objeto realizado por vários sujeitos) e não às condições psicossociológicas desta atividade (relações humanas, processos de influência, etc.). É nesta perspectiva que pretendemos analisar a atividade das equipes de trabalho com a ideia de que o caráter específico desta atividade coletiva é definido pela função de coordenação interindividual que deve ser cumprida em resposta à condição da execução particular da atividade, determinada pelo facto de a tarefa ser realizada por vários sujeitos. A referência às teorias da atividade individual (Leontiev, Galperine ou Ochanine) é então justificada pelo facto de que, embora a atividade coletiva não possa ser reduzida a uma soma de atividades individuais, ela não constitui uma entidade que seria analisável sem referência a estas atividades individuais: a coordenação é caracterizada precisamente ao nível das suas implicações no conteúdo e na implementação de atividades individuais.
3Daremos agora algumas definições características da ação:
4- a ação é definida por seu objetivo, que é a representação pelo sujeito do resultado a ser alcançado (do estado do objeto a ser obtido).
5- o objeto da ação é constituído pelo material de partida a ser transformado.
6- a ação é realizada por operações que são determinadas pelas características do objeto a transformar e pelas condições de execução dessas transformações.
7- o produto da ação é o resultado real obtido pela execução da sequência de operações.
8- a realização de uma ação pressupõe a existência de uma base de orientação no sujeito, que Galperine (1966) define como "um sistema ramificado de representações da ação e do seu produto, das propriedades do material de partida e de suas transformações sucessivas, além de todas as indicações que o sujeito utiliza na prática para realizar a ação.
9- do ponto de vista funcional, as operações que realizam a ação podem ser classificadas de acordo com a função que desempenham: as operações de orientação garantem a análise das condições específicas da ação, a identificação das propriedades do objeto e a conexão destas condições e propriedades com as operações de execução e controle que determinam, bem como o seu processo de realização (sua ordem de realização). As operações de execução garantem transformações efetivas do objeto. As operações de controle são aquelas que garantem o andamento da ação e a comparação do produto da ação com o objetivo pretendido.
10É claro que é entre a base de orientação e as operações de orientação de um lado e a imagem operatória, de outro, que podem ser estabelecidas correspondências.
11- A parte orientação da ação corresponderia ao processo informativo da ação sobre o objeto que Ochaninne define e que se realiza através de imagens operatórias.
12- O reflexo das propriedades do objeto na base de orientação corresponderia ao trabalho da imagem operatória aferente.
13- A determinação da sequência das operações da ação a partir das propriedades do objeto e das condições de execução corresponderia à imagem operatória efetora.
14Uma das características importantes da base de orientação e da ação como um todo é o seu grau de generalização. “A generalização da ação caracteriza a capacidade de distinguir propriedades características do objeto (necessárias ao desempenho da ação) de outras que não o são” (Talizina, 1968); esta diferenciação entre o que é essencial no objeto da ação e o que não o é corresponde bem ao caráter lacônico da imagem operatória. Além disso, é este grau de generalização que explica a possibilidade que a ação tem de realizar não uma tarefa concreta particular, mas um conjunto de tarefas concretas pertencentes a um campo definido; isto parece-nos corresponder de uma forma geral à própria operatividade da imagem, à flexibilidade e plasticidade da imagem operatória que permite a adaptação da ação às mudanças na tarefa ou nas condições de execução (e que, para Ochanine, é traduzida principalmente por uma mudança no caráter ou polaridade da deformação funcional.
15- a base de orientação é ao mesmo tempo um reflexo da ação objetiva e sistema diretor da ação, isto é, representação que deve ser atualizada e que guia a realização das operações de orientação; é portanto a base de orientação em seu conjunto, enquanto representação, que parece corresponder melhor à imagem operatória-de referência que “filtra” de certa forma a informação.
16Voltemos agora às situações de atividade coletiva. Nelas distinguiremos três principais:
17- A ação coletiva: os sujeitos realizam a mesma ação (isto é, eles têm o mesmo objetivo, visam ao mesmo estado final do objeto) e são as operações de execução desta ação que são repartidas entre os sujeitos e que devem portanto ser coordenadas.
18- A situação de direção: os sujeitos têm aqui o mesmo objetivo mas a repartição das operações é feita segundo sua função de orientação ou de execução: um sujeito, responsável pela parte de orientação da ação, dirige por este facto as operações de execução desta ação realizadas em seu conjunto pelo outro sujeito.
19- A co-ação: uma ação global (definida por um objetivo global) é dividida em ações mais elementares (cada uma tendo seu objetivo próprio); são essas ações que são repartidas entre os sujeitos e que devem ser coordenadas, sem que essa coordenação implique a priori a das operações que compõem estas ações.
20Nós caracterizamos a coordenação interindividual (em cada uma das situações) sob três aspectos: formas, condições e meios.
21- As formas da coordenação interindividual: elas devem ser procuradas e caracterizadas na parte execução das ações e definem as relações que podem ser estabelecidas entre os elementos que são coordenados (as operações ou as ações). Para a ação coletiva, identificam-se assim, a partir de duas dimensões (temporal e funcional), seis formas de coordenação das operações de execução da ação: simultaneidade, sincronização, sequencial e alternada. No caso da co-ação, a coordenação abrange a organização global das diferentes ações (correspondentes a formas de coordenação do tipo encadeamento) necessárias para atingir o objetivo global. No que diz respeito à direção, ela será descrita como mais ou menos rigorosa dependendo da parte da orientação que de facto cabe ao sujeito executor.
22- As condições da coordenação interindividual: elas devem ser buscadas na parte de orientação da ação e o que deve ser caracterizado aqui, principalmente, são as bases de orientação de cada sujeito e em particular, nestes casos de situação de atividade coletiva, seus elementos relativos à atividade do outro sujeito necessários para a produção de uma forma de coordenação determinada.
23- Os meios da coordenação interindividual: trata-se de identificar neste nível os elementos que garantem a concretização das formas de coordenação no próprio andamento da ação.
246. É no nível da análise das condições e dos meios da coordenação que podem intervir elementos da teoria das imagens operatórias e é nesta perspectiva que examinaremos agora sucessivamente os três tipos de situações de atividade coletiva.
25- A ação coletiva: daremos aqui apenas alguns elementos gerais relativos às condições da ação coletiva, que não podem ser considerados exaustivos na medida em que foram identificados a partir de uma gama restrita de pesquisas na área (Savoyant, 1977 e pesquisas em andamento) ou experimentais (Lomov, 1978), conduzidas na perspectiva que definimos. É a definição de uma orientação comum dos operadores que parece ser a condição mais importante da ação coletiva: definida no quadro de um processo de comunicação específico, anterior ao desenvolvimento da ação, o seu objetivo é permitir aos sujeitos identificar as condições de execução e as propriedades do objeto pertinentes para a realização coordenada de suas operações de execução. É neste processo de comunicação que se formam nos sujeitos as bases de orientação (imagens de referência) idênticas (em particular do ponto de vista do seu grau de generalização) que podem então ser totalmente internalizadas e levar ao próprio desaparecimento daquelas comunicações que qualificamos como de orientação geral. Um reaparecimento de comunicações deste tipo (semelhante a uma externalização de certos elementos das bases de orientação - ou imagens de referência) pode ser observado quer no caso de uma condição de execução particular e rara, quer no caso de um incidente que encontra a sua origem precisamente na não identidade das bases de orientação. Além desta orientação comum, podemos definir necessidades de orientação que descrevemos como restrita, ligadas ao próprio desenvolvimento da ação e que têm origem principalmente no facto de os estados sucessivos do objeto serem produzidos pelos dois sujeitos. Comunicações relativas a este tipo de orientação foram identificadas, tais como a exteriorização por um sujeito de elementos da sua atividade (operações ou produtos dessas operações) necessários à orientação do outro, o início das operações do outro sujeito ou a sua orientação sobre esse início. A existência de comunicações deste tipo sublinha que o sujeito deve refletir nas suas imagens operatórias aferentes e efetoras não apenas as suas próprias operações e os estados do objeto que produz, mas também as operações e os seus produtos do outro sujeito. Deverá notar-se que estas comunicações são em pequeno número quando cada operador tem uma percepção visual direta tanto do objeto transformado como do outro operador.
26- A direção: nestas situações definidas por uma repartição orientação-execução, o que será interessante é a transmissão pelo sujeito que dirige dos elementos de orientação necessários ao sujeito que executa. Qualificamos a direção como estrita quando o sujeito que dirige define os detalhes da sequência das operações de execução e orienta gradativamente a realização destas pelo sujeito que executa; este caso corresponderia à extereorização pelo sujeito que dirige da imagem operativa efetora. A direção será menos rigorosa quando o sujeito que dirige transmitir o resultado das operações de orientação ou o próprio estado do objeto e das condições de execução (os elementos da imagem-aferente) deixando ao sujeito que executa o cuidado da determinação da sequência de operações de execução; nestes casos, a parte de orientação assumida pelo sujeito que executa será maior e implicará na constituição de imagens operatórias completas e compatíveis com as do sujeito que dirige. Estas são apenas indicações que devem orientar a investigação aprofundada deste tipo de situação, que tem a vantagem, com a extereorização verbal dos elementos das imagens operatórias que implica, de permitir a análise da formação pelo menos do conteúdo destas imagens.
27- A co-ação: na medida em que aqui são as ações (definidas pelo seu objetivo) que são coordenadas e não as operações que compõem tais ações, não deveria haver a priori nenhum problema quanto às imagens operatórias que, sendo específicas de cada ação, são independentes umas das outras na medida em que as ações também o são do ponto de vista do seu conteúdo operacional. Contudo, para que esta situação de co-ação seja uma ação coletiva, permanece a necessidade de que cada sujeito tenha uma representação do objetivo global a atingir e do facto de que este objetivo é uma “composição” dos objetivos parciais que ele mesmo alcança e que alcançam os outros. Tal representação parece relacionar-se mais com a imagem cognitiva. No entanto, é preciso assinalar que numerosos estudos sobre o trabalho em linha de montagem, que parece corresponder bem à situação de co-ação, tendem a mostrar que são também elementos relativos ao conteúdo operacional das ações de outros operadores que são levados em conta conta por alguns deles.
28Se neste resumo fica claro que a atividade coletiva coloca alguns problemas específicos à análise das imagens operatórias (em termos do seu conteúdo e da sua compatibilidade), verifica-se também que a referência às situações deste tipo, por exemplo as extereorizações (geralmente verbais) dos elementos da atividade que elas implicam, deveria permitir aprofundar e compreender melhor as imagens operatórias tanto no seu conteúdo como na sua formação e implementação.