1O racismo, enquanto construção ideológica e conjunto de práticas no contexto brasileiro, tem sua perpetuação e reforço explicados pelo benefício e manutenção de interesses de determinados grupos. Portanto, os arquétipos calcados no sistema opressor que o racismo estrutural impõe à sociedade brasileira vêm produzindo desigualdades que atravessam os séculos, reeditando as bases coloniais (Gonzalez, 2020). Mas esse cenário não é recebido de forma apática por pretos, pardos e indígenas, sendo percebidas diversificadas formas de resistência.
2No espaço virtual, a luta antirracista tem ganhado tônus. Para Roshani (2020), o ativismo digital antirracista tem sido uma importante ferramenta para que a juventude dissemine as suas construções perante a sociedade, fomentando a inclusão e o crescimento desses jovens. No caso de adolescentes pretas, pardas, periféricas e pobres, ao compartilhar de si nas redes, os discursos contidos nas postagens são atravessados por opressões interseccionais (Akotirene, 2019) em um espaço que tem negado às mulheres negras a oportunidade de contar as suas experiências.
3Diante disso, este artigo tem a proposta de analisar as contribuições do Instagram na construção das performances identitárias das adolescentes escolares autodeclaradas pretas e pardas da cidade do Recife, evidenciando-se os aparatos da interface entre o mundo real e digital, no qual essa rede social funciona como um espaço de representações diversas, a exemplo de gênero, etnia e estética. Para tanto, é imprescindível ancorar e disparar esse debate a partir da perspectiva da cidadania comunicativa. Isso significa que as narrativas das participantes dessa pesquisa precisam ser discutidas sob a perspectiva do lugar que essas jovens ocupam em uma sociedade que, estruturalmente, busca apagar as suas histórias de vida (Matta, 2006).
4Em relação às vivências em rede, Rajagopal e Bojin (2002) mostraram que, há 20 anos, já havia evidências de que a discriminação, arquitetada estruturalmente pela mídia tradicional, estava sendo transportada para a tecnologia digital. A web se tornara, portanto, um mecanismo de disseminação de ódio, diferentemente do que se difundia nos primórdios da internet, quando os artifícios digitais eram considerados, por muitos, como um espaço colour-blind, ou seja, um ambiente onde as questões raciais não teriam relevância (Trindade, 2020).
5Atravessadas quase duas décadas, Trindade (2018), ao analisar dados do Facebook no Brasil, entre 2012 e 2016, identificou que 81% de todas as vítimas de racismo na plataforma eram mulheres em ascensão social com idades entre 20 e 35 anos, sendo essa violência perpetrada por uma maioria de homens jovens. Portanto, para os defensores da supremacia branca no Brasil, o Facebook se tornou uma espécie de “pelourinho moderno” (Trindade, 2018).
6Com a pós-modernidade, os indivíduos, constituídos por múltiplas identidades permeadas por contradição e ausência de resolução, têm conferido uma nova roupagem às suas identidades sociais, alterando a maneira de ser e de estar no mundo (Hall, 2011). No mundo globalizado há um rompimento das fronteiras comunicacionais e, com as distâncias encurtadas, surgem inúmeras possibilidades para os sujeitos repensarem essas identidades (Sousa; Sousa, 2015). Não se pode, dessa forma, negar que as inovações tecnológicas têm contribuído efetivamente na configuração das interações pessoais, as quais são intermediadas por smartphones, computadores, além das mais variadas redes comunicacionais.
7Quando se discute sobre o processo de globalização, que é cultural e transgeracional, torna-se necessário compreender qual o lugar que os adolescentes estão ocupando na sociedade atual, considerando que eles são os nativos digitais, nascidos em um mundo já dominando pela internet das coisas (Hall, 2011; Magrani, 2018; Viens, 2019). Os jovens da geração Z, ou seja, aqueles que nasceram após o ano de 1995, são os usuários mais ativos e em maior número nas redes sociais, dentre estas, o Instagram, recebendo ainda densas informações midiáticas de todos os lados e todas as telas e, estando em uma fase de transformações biológicas, psicológicas e sociais, vivenciam, além de tudo, a intensidade da construção da identidade perante um mundo conectado (Frota, 2007; Hall, 2011; Papalia; Feldman, 2013; Viens, 2019).
8Dentro do contexto educacional, Pierre Bourdieu, através da sociologia reflexiva, defende que os meios escolares são espaços de reprodução de desigualdades e constituição de subjetividades socializadas que podem atuar para a manutenção da violência simbólica (Bourdieu, 1994; Bourdieu; Passeron, 1992), a qual, por sua vez, é fomentada com base no privilegiamento das classes sociais dominantes (Bourdieu; Passeron, 1992).
9É com esse panorama que o Instagram tem entrado em evidência, expondo consigo o ponto de vista da intimidade, das relações de consumo e das experiências do sujeito, o que implica a espera ou convicção de ser visto ou não ser esquecido, compondo uma nova dimensão na história de vida para as narrativas contemporâneas (Silva, 2012). Nesse sentido, Brzozowski e Melim (2021) consideram que o modo como a rede vem sendo utilizada denota um vínculo relativamente forte com a vida subjetiva dos seus usuários. A respeito desse debate, Santaella (2007) afirma que a cibercultura promove o indivíduo com uma identidade instável, em um processo contínuo de formação de múltiplas identidades, instaurando formações sociais explicáveis pelas teorias pós-estruturalistas e desconstrucionistas que enfatizam o papel da linguagem no processo de constituição dos sujeitos.
10Em um mundo regido pela alienação e lógica neoliberal do consumo (Mendes, 2021), é nas áreas periféricas que os abismos econômicos e sociais se aprofundam, uma vez que a globalização, que permite a socialização de uma mesma propaganda para qualquer usuário, não é capaz de distribuir riquezas ou possibilitar o acesso aos bens de consumo (Santos, 2001).
11Para os corpos negros, a inferioridade tem sido perpetuada por meio de conteúdos históricos que em nada contribuem para uma construção positiva de identidade nos sujeitos em formação (Damascena; Miranda, 2018). Mesmo em um contexto de sobreposição de opressões, as mulheres negras, entre elas as adolescentes, recorrem à internet para expandir seus discursos e criar redes sociais, tendo a compreensão de que, apesar de adverso, o ambiente é necessário (Santos, 2018).
12Assim, há necessidade de uma compreensão das conexões estabelecidas nas redes on-line e de como estas participam da estruturação de uma rede virtual constituída por uma sequência de raciocínios e algoritmos racistas (Silva, 2020). Não por acaso, o autor extrapola a leitura superficial sobre a propagação do racismo nas redes por meio dos discursos presentes, estando atento ao fenômeno do “racismo algorítmico”, em que as buscas e indexações on-line atuam em desfavor das populações negras com a adoção de duas lógicas perversas: reforço do comportamento racista por meio das “descobertas” on-line e camuflagem das contendas disseminadas.
13As usuárias têm construído as suas trajetórias em rede guiadas pela ideia de que os mundos on-line e off-line seriam de ordens distintas, acreditando que as tramas virtuais não trariam repercussões à vida presencial, mas paradoxalmente cada passo dado no mundo virtual é definitivamente marcado pelas histórias particulares e experiências individuais (Trindade, 2018). Assim, raça, cor e etnia também se tornam marcadores importantes no mundo digital.
14Entendendo que o processo de construção das identidades se estabelece a partir da disponibilização dos bens sociais e que se estrutura em um território dotado de relações de poder (Silva; Hall; Woodward, 2000), é importante ressaltar que no estado de Pernambuco são os smartphones que registram as trajetórias virtuais. Isso ocorre porque 99,2% dos lares do estado, com acesso à internet, utilizam os celulares como equipamento de conexão (Pernambuco […], 2020).
15Desse modo, o presente artigo tem a intenção de contribuir para o debate a respeito das representações étnico-raciais construídas no ambiente digital do Instagram, procurando visibilizar as vozes das jovens pretas e pardas da periferia do Recife, pois, se as redes informacionais são efêmeras e sem memória, a literatura e o conhecimento científico podem atuar contra o apagamento da história dessas meninas no mundo dos metadados. Somando-se a isso, é urgente relembrar e combater o epistemicídio da negritude, visto que a branquitude tem lido e reeditado a história das pessoas negras como sendo única, sob uma leitura hegemônica e colonial (Adichie, 2019).
16Para tanto, adotamos o conceito de negro segundo a convenção do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2012), ou seja, como aquele que se autodeclara enquanto preto ou pardo. Apesar das limitações, esse conceito permite revelar o sentimento de pertencimento a um grupo racial ou étnico, decorrente de construção social, cultural e política, vinculado à história de vida e à consciência adquirida diante das prescrições sociais de uma dada cultura (Oliveira, 2004). Corroborando essa perspectiva, Munanga (1994) entende que a construção das identidades negras não pode se restringir ao critério racial, ou seja, há uma série de condições históricas, psicológicas, sociais e políticas que permeiam o modo de ser das pessoas. Assim, a autodeclaração de raça/cor das adolescentes envolvidas no estudo funcionou como pano de fundo para a compreensão do contexto, do habitus estabelecido e do interdiscurso emergente.
17Vital, também, é a noção de interseccionalidade; para Davis (2011), nas categorias raça e gênero existem relações mútuas e outras que se cruzam, o que não permite que uma assuma primazia sobre a outra. Endossando esse pensamento, Akotirene (2019) defende que a posicionalidade da experiência da mulher que é modulada por interações dos marcadores sociais, dentre eles raça, gênero e sexo, tem valor histórico e prático, uma vez que esse panorama se constitui como cenário onde se organizam as identidades.
18Assim, pensamos o lugar das adolescentes estudadas a partir de suas identidades de jovens negras periféricas, sendo esses aspectos sobrepostos, intercambiáveis e relevantes. Por fim, é necessário citar que pesquisas que convergem para análises sobre as construções identitárias dessas jovens, na interface com o ciberespaço, são escassas, necessitando de aprofundamento e, principalmente, entendimento que as redes sociais, não sendo únicas, podem ter reflexos diferentes para quem delas usa (Instagram […], 2017).
19Trata-se de uma pesquisa de campo com abordagem qualitativa e de natureza interdisciplinar, a partir da interlocução entre antropologia, história, linguística, psicologia social e sociologia.
20A adoção da abordagem qualitativa justifica-se pela intenção de se compreender a realidade social, a qual demanda uma relação dotada de racionalidade, intencionalidade e sentimentos, características estas que ressaltam o humano e objetivam apreender as experiências complexas e singulares constituídas em um determinado contexto histórico (Minayo, 2021).
21Para delimitar o campo de pesquisa foram realizados levantamentos de dados sociodemográficos correlacionados ao objetivo da pesquisa. Assim sendo, a cidade do Recife foi selecionada pelo fato de ser considerada a segunda capital mais conectada à internet (Pernambuco […], 2020). Isso faz referência ao conceito de habitus bourdieusiano, em que há a hipótese de que o grupo estudado socialize de forma mais ativa as suas subjetividades nas redes sociais. Além disso, Recife é a capital mais desigual do Brasil (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020), sendo necessário desvelar que é nesse contexto em que as desigualdades sociais e raciais estruturam e fomentam a interseccionalidade (Akotirene, 2019).
22Sobre o público-alvo desse estudo, a população de negros, ou seja, pessoas pretas e pardas, corresponde a 62% da população da cidade do Recife (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2012). Os mesmos dados mostram que os bairros localizados nas áreas de morros da zona norte da cidade, especificamente os localizados na Região Político-Administrativa II (RPA 2), apresentam uma maior concentração de moradores autodeclarados negros.
23Fernandes, Cardoso e Martins (2017) verificaram que o aumento de renda das classes populares que vivem na cidade do Recife teve um impacto significativo na ampliação da compra de bens de consumo, em especial os que compõem as tecnologias de informação e comunicação (TICs), como smartphones e tablets. Desse modo, o bairro do Alto Santa Terezinha foi selecionado por apresentar um rendimento nominal médio mensal no valor de R$ 921,74 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2012), o maior da região, o que por sua vez tende a se traduzir em um maior uso dos smartphones por parte das adolescentes.
24Ao pesquisar por escolas públicas de ensino médio localizadas no bairro selecionado, foi verificada a inexistência desse tipo de estabelecimento. Dessa forma, foram realizadas buscas por escolas mais próximas à localidade. Assim, foi identificada a Escola de Referência em Ensino Médio Professor Mardônio Coelho como a que ficava mais próxima do centro geográfico da comunidade (Mapa […], 2021), sendo então selecionada como local de estudo.
25Sobre a instituição, na década de 1980, um grupo de moradores, sob orientação do arcebispo emérito de Olinda e Recife, fundou uma aliança denominada Movimento de Reinvindicação, a qual se propunha a batalhar por melhorias para a localidade. Mobilizados, os populares foram em busca do governador da época, Roberto Magalhães, para angariar recursos para a construção de uma escola para o bairro. Logo, houve a concessão para a construção, com a sucessiva desapropriação de um terreno. Desse modo, em 1985, a escola supracitada foi aberta para a comunidade (Walmart, 2015). Ressalta-se que, de acordo com o último censo do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2020), o estabelecimento selecionado possuía 775 alunos matriculados no ano de 2020, e 71% desses estudantes se autodeclaravam pretos ou pardos, porcentagem que se aproxima à verificada na população total do bairro Alto Santa Terezinha.
26As adolescentes pretas ou pardas, matriculadas na escola selecionada e com perfil na rede social Instagram e entre 14 e 19 anos, compuseram o grupo de participantes do estudo. As jovens foram selecionadas por amostragem não probabilística por conveniência e amostragem em bola de neve, totalizando nove adolescentes. A amostra foi finalizada por meio do critério de saturação. De acordo com Fontanella, Ricas e Turato (2008), o fechamento amostral por saturação teórica é caracterizado pela suspensão de inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passam a expor redundância ou repetição.
27A execução da coleta de dados exigiu o aporte da observação participante, da etnografia digital e o acesso às produções da história oral temática, por meio de entrevistas semiestruturadas individuais e realizadas presencialmente.
28Entendendo que os contextos socioculturais das participantes são plurais e que o campo de pesquisa constituído se apresentava diverso daquele da vivência dos pesquisadores, se fez necessário a aproximação com o grupo por meio da técnica da observação participante, a qual foi ancorada em um método próprio da antropologia, a etnografia. Para tanto, a presença sistemática dos pesquisadores nas salas de aula se constituiu como o principal elemento para o desenvolvimento da observação participante.
29As aulas, as interações, os intervalos entre as atividades, os diálogos, as impressões dos pesquisadores, a relação das adolescentes com os seus smartphones, as próprias adolescentes, professores, profissionais, dentre tantas outras situações, também se constituíram como artefatos do cenário da observação participante, registrados em diário de campo.
30Sobre o diário de campo, Kroeff, Gavillon e Ramm (2020) o consideram como um instrumento de caráter inacabado, pois há possibilidades de transformações contínuas, ao mesmo tempo que ele permite ao pesquisador notar as situações cotidianas, sem que necessariamente recorra a uma compreensão imediata no campo das explicações e teorias. Todavia, são essas mesmas situações percebidas que possibilitam a apreensão de outros movimentos que se desvencilham no campo-tema. Ressalta-se que o diário de campo não se encerrou para descrição dos dados da observação participante, sendo essencial, também, para registrar os conteúdos postados por cada participante nos perfis do Instagram, em que tais registros se constituíram como produto da etnografia digital. Nesse sentido, Soares e Stengel (2021) reforçam que os movimentos mediados pela internet se caracterizam como práticas discursivas essenciais à produção dos dados.
31O período da observação participante, no espaço físico da escola, ocorreu entre os meses de agosto de 2021 e maio de 2022. Além da coleta de dados, esta permitiu a construção de relações de confiança com as adolescentes antes da etnografia digital, sendo encerrada no momento em que os pesquisadores perceberam as relações estabelecidas e os dados que se relacionavam ao objeto de estudo alcançaram a saturação teórica (Queiroz et al., 2007).
32Concluído o processo inicial de observação, foi construído um anúncio com imagem e texto lúdicos, divulgando e convidando as alunas pretas e pardas da escola para participar do estudo pelo aplicativo de mensagem WhatsApp. Após a concordância em participar e, com todos os termos da pesquisa assinados, os pesquisadores começaram a seguir o perfil do Instagram de cada adolescente por meio do perfil criado para este fim: @idrecife. Esse perfil foi imprescindível para o desenvolvimento da pesquisa, tanto pelo fato lógico de que a etnografia digital ocorreu com o uso do mesmo, mas também em relação à comunicação dos pesquisadores com as participantes por meio de mensagens no direct message.
33Nessa etapa da coleta, as postagens foram capturadas por meio de prints e gravação de tela de todo o conteúdo do aplicativo disponível ao público. O processo de coleta de dados por meio da etnografia digital durou entre oito e 29 dias, variando conforme a complexidade do perfil da participante, o nível de atividade na rede e a sua disponibilidade para conceder a entrevista, sendo finalizado pelo critério de saturação (Soares; Stengel, 2021). Sobre essa técnica, Ferraz (2019) afirma que o campo on-line é ativo em tempo integral para coleta de dados, havendo também a constante interferência da vida pessoal sem relação ao contexto analisado. Todavia, neste estudo, considera-se imprescindível que a vida pessoal é parte integrante e fundamental para o empreendimento das análises, pois o interdiscurso, como um conjunto de formações discursivas, é carregado de memória (Orlandi, 1990).
34A qualidade da técnica é reafirmada por possuir um método bastante definido. Dessa maneira, foram adotados os seguintes passos: definição das questões da pesquisa (identificação dos conteúdos que dialogavam com as performances identitárias); identificação e seleção da comunidade (adolescentes escolares pretas ou pardas); coleta de dados (catalogação e arquivamento dos conteúdos dos perfis das adolescentes); análise e interpretação interativa de resultados (por meio da significação que as participantes atribuíram ao conteúdo presente nos seus perfis do Instagram) e, por fim, a apresentação e relatos dos resultados da pesquisa (resultados dialogados na entrevista semiestruturada) (Kozinets, 2014).
35Em relação aos passos supracitados, para a análise e interpretação dos dados em uma plataforma em que as pessoas se descrevem com emojis, em que a comunicação é mediada por reações próprias do aplicativo e a imagem de si, por vezes, omitida, foi indispensável discutir com as próprias adolescentes sobre os significados que elas mesmas atribuíam aos diversos conteúdos postados no Instagram. Desse modo, as imagens captadas não foram o principal objeto de análise dos pesquisadores, pois a intenção era compreender os significados atribuídos pela própria adolescente entrevistada sobre o conteúdo postado em seu Instagram.
36Dessa forma, a etnografia digital ofereceu recursos para as análises das interações sociais mediadas pelas tecnologias de comunicação on-line em sua interlocução com o discurso das próprias adolescentes. Ou seja, tornou-se possível considerar como as ferramentas de uso do Instagram (curtidas, filtros, postagens, comentários nas fotos, stories, reels, dentre outros) funcionavam como elementos para a sociabilidade nos espaços virtual e real. Sobre esse percurso, Boyd (2017) discorre que a aproximação do pesquisador com os pesquisados, no mundo presencial, fornece a possibilidade de se compreender em profundidade os movimentos captados na internet.
37Entendendo o objetivo da pesquisa e que apenas essas jovens eram capazes de manifestar as significações e vivências correspondentes, a entrevista semiestruturada se mostrou como um recurso imprescindível, devido ao seu potencial de deter os diversos aspectos que ultrapassassem a semântica textual. Assim sendo, essa etapa foi consubstanciada na observação participante, nos registros procedentes dos diários de campo e na coleta dos dados obtidos por meio da etnografia digital. Esta última permitiu inserir questões personalizadas no roteiro de entrevista, de acordo com as informações mais relevantes do perfil da adolescente no Instagram. Nove entrevistas foram realizadas em ambiente escolar privado com duração média de 32 minutos, sendo gravadas e posteriormente transcritas para análise. Com o intuito de preservar a identidade das participantes, foram atribuídos codinomes, em acordo com elas próprias, utilizando nomes de digital influencers brasileiras autodeclaradas negras.
38Atentando aos preceitos aqui descritos, as entrevistas foram desenvolvidas com suporte do método da história oral temática, em que as participantes da pesquisa puderam apresentar narrativas sobre as suas performances identitárias no Instagram. Ressalta-se que a história oral se alicerça nas memórias dos indivíduos, onde se destacam “os ajeites, contornos, derivações, imprecisões e até das contradições naturais da fala” (Meihy, Holanda, 2015, p. 35).
39O corpus documental obtido foi analisado à luz da análise do discurso, seguindo o debate desenvolvido por Eni Orlandi (2002) em conexão com a teoria das representações sociais (TRS), apresentada por Denise Jodelet (2001).
40A análise do discurso compreende uma ampla interlocução com as disciplinas de cunho social, ou seja, a capacidade dialógica desse método permite ao pesquisador trazer à superfície do objeto aqueles conteúdos que revisam o contexto sócio-histórico-cultural. Orlandi (1984) ainda pondera que a frase ou texto necessitam de análises estabelecidas entre si, o que, em última fase, significa compreender as relações internas.
41A TRS tem sua estrutura originária da psicologia social, constituindo-se como uma forma de conhecimento que é elaborada e compartilhada no meio social, objetivando equipar uma população com uma realidade construída coletivamente. A interação entre os elementos de uma experiência com os quadros sociais da sua apreensão, ou seja, da memorização, caracterizam as representações sociais. É necessário citar que esse conhecimento se diferencia do conhecimento científico, visto que as suas características essenciais são a naturalidade e a ingenuidade (Jodelet, 2001).
42Com esse embasamento teórico foi possível conjugar as duas técnicas de análise, pois ao mesmo tempo que havia o interesse em apreender esses discursos on-line e off-line, também não foi menos necessário entender que eles emergem não de uma figura individual, mas de um sujeito coletivo, no caso, as adolescentes aqui referenciadas.
43Por fim, esclarecemos que o determinado estudo teve sua execução autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos da Universidade de Pernambuco, por meio do CAEE n° 73567617.9.0000.5207, regido pela resolução n° 466/2012 CNS/MS.
44Em “Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro”, Collins (2016) aponta que o ativismo não é um fenômeno recente na vida das mulheres negras (nem tampouco surgido com as redes sociais), mas, ao contrário, é datado e está constituído a partir de uma estrutura de opressão que limita as suas vidas. Desse modo, o ativismo possibilita que essas mulheres percebam o sistema que as ataca e, ao mesmo tempo, se sensibilizem a compreender as refrações desse aparelhamento de opressões para os homens afro, pessoas não brancas, outras mulheres a até mesmo o grupo dominante.
45Collins (2016) também entende que, para minar as estruturas interseccionais, é necessário recorrer às categorias teóricas de análise de “autodefinição”, o que significa desafiar o establishment que define imagens estereotipadas da condição feminina negra, e “autoavaliação”, que condiz aos conteúdos construídos sobre a autodefinição como estratégia que subsidia a permuta de imagens externamente definidas por imagens autênticas. Tem-se, portanto, o embate direto às imagens de controle (Collins, 2019), em que as artes expressas por meio da dança, da música, da poesia, dentre tantas outras formas, tornam-se um potente recurso de contestação.
46Essa avaliação também foi tecida por Evaristo (2009) para o contexto brasileiro, quando essa autora afirmou que a violência que os corpos negros têm sofrido durante os séculos levou os afro-brasileiros a inventarem formas de resistência nas quais os produtos culturais como a música, a dança, o jogo de capoeira, a culinária e as expressões de vivência religiosa propiciaram a reinvenção de uma certa africanidade do Brasil. Nessa mesma perspectiva é possível pensar que as redes estabelecidas na internet têm funcionado como um mecanismo que estrutura um espaço livre de comunicação em que “as pessoas só podem desafiar a dominação conectando-se entre si, compartilhando sua indignação, sentindo o companheirismo e construindo projetos alternativos para si próprias e para a sociedade como um todo” (Castells, 2013, p. 166). Desse modo, quando se pensa em ativismo feminino negro (Collins, 2016) e desestabilização das imagens de controle (Collins, 2019) por meio da arte e cultura (Collins, 2019; Evaristo, 2009), as narrativas construídas em rede por grupos de jovens são de extrema importância para a reflexão de temas que envolvam a identidade étnico-racial.
47Portanto, neste trabalho quem falam são essas jovens que, ao se autodeclararem pretas ou pardas, também fazem questão de expor nas postagens do Instagram os seus traços estéticos demarcados pela ancestralidade africana. Não apenas a cor da pele faz compor esse quadro imagético, mas o modo de pentear seus cabelos crespos ou cacheados, de se maquiar, de se comunicar, entre tantos outros aparatos e atitudes, as inserem em uma cultura específica, de uma população definida social, étnica e geograficamente. Desse modo, e a partir de agora, as nove adolescentes com os codinomes de Bela Gil, Camilla de Lucas, Gabi Oliveira, Iza, Ludmilla, Magá Moura, Maju Coutinho, Taís Araújo e Thelma de Assis se pronunciarão sobre as suas experiências em rede.
48Inicialmente, já é possível alertar que o debate apresentado anteriormente não tem se refletido necessariamente de forma proativa em suas vidas, pois os discursos construídos demostraram que a rede social Instagram, em vez de se constituir como um espaço de evidência das imagens autênticas, tem servido como mais um estruturador do sistema de opressões interseccionais, o que pode ser evidenciado nas formações discursivas reveladas.
Eu tiro foto. Aí eu fico me olhando. Aí eu vejo que… se eu não me engano, eu tenho um olho maior que o outro. Ah… eu fico feia, aí eu: “Tá feia.” Aí eu não posto, senão boto o efeito […] Porque assim… pra mim na foto eu fico feia, mas se for bumerangue ou vídeo eu fico bonita… eu não gosto da minha fisionomia, mas meu cabelo, eu amo meu cabelo […] ele é bonito e é muito cacheado […] Porque tem vezes que eu me sinto feia. Vou falar a verdade. Então uso filtro pra poder minha autoestima subir. Então sobe. Tem vez que eu tô bonita assim… que eu vou tá bonita, então eu não uso (Iza).
49Nesse discurso, Iza, autodeclarada preta e de cabelos cacheados, volumosos e bem cuidados, demonstra, intertextualmente, como os recursos tecnológicos do Instagram vêm modulando a sua forma de se autorrepresentar na rede. A adolescente evidencia como a busca por uma imagem perfeita se reflete, primeiramente, na sua autopercepção corporal e, de segundo modo, em sua autoestima. O discurso de Iza ainda alude ao observado por Mizrahi (2019, p. 468), que entende que os cabelos, tendo um caráter público e social, carregam uma carga emocional por trás da estética e, ainda, “permitem desvendar o que pode haver de distintivamente negro em estéticas adjetivadas como tais”, ou seja, os cabelos negros ocupam um lugar na cultura negra que não deve ser subestimado.
50A fala da adolescente sobre os efeitos da rede social em sua autoestima não se encerra em si, mas é replicada por outras jovens, com nuances e discursividades bastante semelhantes, como pode ser notado nas falas de Thelma, Magá e Ludmilla:
A maioria das vezes eu uso [filtro] quando eu estou me sentindo muito feia e tal, aí eu boto um filtro, tem vez que eu desisto até de tirar foto, mas é normal […] alguns eu gosto, alguns não gosto. Eu não gosto daquele negócio exagerado, entendeu? Tem algumas coisas que tipo o sol, ele queima literalmente a foto. Aí eu fico: “Que é isso? Meu Deus.” Aí é estranho. É completamente diferente […] [posto fotos] com e sem [filtro]. Dependendo da… de como eu tô, como está meu emocional (Thelma de Assis).
[…] [me acho] o básico, tipo nem feia e nem bonita. Tipo está ali no meio-termo (Magá Moura).
Uso bastante [filtro]… Sei lá… acho que é uma forma de se sentir mais bonita… É só pra esconder a feiura mesmo […] [Me acho] um pouco [feia], mesmo com todos os comentários [positivos] […] tem dias que eu me acho linda, bonita, mas tem dias que eu me acho meio feia, não tenho tanta autoestima… enfim… (Ludmilla).
51Outra vez, nos três discursos, a questão da fragilidade da autoestima se destaca em sua relação estreita com as representações de beleza que circulam e são estabelecidas na plataforma digital. Mesmo considerando essas questões particulares, é possível conectar as falas ao fenômeno identificado, genericamente, na Inglaterra pela Royal Society For Public Health (Instagram […], 2017), que aponta o Instagram como a rede social mais prejudicial à percepção da autoimagem por parte dos adolescentes e jovens. Ainda é possível correlacionar esses discursos com os dados de uma pesquisa realizada na Austrália, em que Tiggemann e Slater (2014) identificaram que o uso das redes sociais, independentemente do tempo de acesso à internet, teve relação significativa com a vigilância corporal, redução da autoestima e internalização do ideal de magreza para meninas entre 10 e 12 anos.
52Em um contraponto, é necessário expor os discursos das adolescentes que fizeram a crítica ao falseamento que os recursos dos filtros provocam em suas imagens:
Não [uso] muito [filtro]. Assim, eu uso porque Samsung deixa a pessoa branca, né? E… às vezes eu edito pra dar uma saturação, dar uma cor a mais, mas acho que só… Às vezes fico mais escura, às vezes fico mais branca, mas… né? (Bela Gil).
Filtro?… Eu antes gostava muito, mas agora eu até já pensei sobre isso, que tipo não mostra a minha realidade, tipo então eu não gosto muito de usar filtro. Eu acho que recentemente eu até postei uma foto que estava com filtro, mas é raramente, é raro. Não gosto muito, não (Maju Coutinho).
53Bela denuncia que as tecnologias, no caso de um smartphone de uma fabricante específica, não favorecem a expressão da cor da pele das pessoas pretas nas redes sociais. Dessa forma, a utilização de filtros pode ser uma estratégia para evitar um possível embranquecimento da sua imagem, enquanto Maju pondera que os filtros têm a intenção significativa de ocultar a realidade, desse modo, rechaça o uso dos efeitos de câmera.
54Ainda sobre esse aspecto, Ludmilla não apenas critica a artificialidade de postagens dos influenciadores sobre imagens corporais, mas também admite que ela mesma altera as fotos, construindo representações “perfeitas”, que inclusive distingue de imagens que considera “reais”.
[…] Tipo… “Ah, aquilo é uma imagem perfeita.” Eu acho que também eu construí isso no meu Instagram, porque tipo eu posto uma foto que tem que ser perfeita e tals e não posto aquilo mais real. Também neles eu sinto isso, que eles postam assim tudo perfeitinho, com efeito e tals, aí causa um pouco de aflição… eu acho… (Ludmilla).
55A sua fala ainda reflete o pensamento de Beiguelman e La Ferla (2008) ao afirmarem que as construções estéticas moduladas na era das redes sociais estão em constante interlocução com os discursos visuais construídos nesses espaços pelos usuários e, ainda, que o modo como eles percebem as imagens expostas tem sido alterado substancialmente. Antes a imagem era objeto de contemplação, agora é exigido que eles leiam e interpretem os conteúdos. Desse modo, evidencia-se que a imagem que a jovem constrói de si, na rede, tem sido modulada por outros usuários em uma constante retroalimentação.
56A interlocução desses discursos visuais com os enunciadores nas redes sociais e seus interlocutores significa que são estabelecidas relações dialógicas entre as autoras e seus seguidores por meio do compartilhamento das imagens de si, que são, em seu cerne, essencialmente hedonistas. Mas, além da vaidade na superfície da busca de likes nas próprias fotos, as meninas entrevistadas afirmam que ao postarem fotos de si buscam não apenas a corroboração pública para sua beleza, mas a autoafirmação e o amor-próprio.
É de mim mesmo. Eu gosto de bater mais foto minhas (Iza).
Assim… foto com os amigos eu gosto de postar nos stories, aí menciona e tal. Eu até pensei em já fazer naquela bolinha do Instagram nos destaques, sabe? Mas aí nunca fiz e… não sei. Eu acho que porque eu posto muita foto minha também. Porque já teve um tempo que eu não me achava bonita, nem gostava de mim […] eu acho quando eu não gostava do meu cabelo… não gostava do meu sorriso, essas coisas. Às vezes, algumas pessoas falavam do meu cabelo também […] então agora sim. Sempre que eu tiro uma foto boa aí eu mostro… (Gabi Oliveira).
57Com a contribuição da etnografia digital, foi possível apreender alguns movimentos adotados por Gabi em seu perfil, sendo significativo que em dezenas de stories e nas postagens do feed havia apenas fotos de si mesma. Como justificativa para tal comportamento, a adolescente expõe em sua discursividade os danos provocados pelo racismo estrutural em sua autoestima, mas não passivamente, pois insiste em afrontar o movimento opressor da rede com a exaltação da sua imagem e estética. Assim, o Instagram abre a possibilidade para a construção de autorrepresentações positivas de si, como a reconstrução da imagem do cabelo crespo como inerentemente bonito em um país no qual esses mesmos cabelos são apresentados como sinônimo de “cabelo ruim”. Para reforçar a autoestima, Gabi associa, em uma mesma formação discursiva, o ato de não se achar bonita com o de não gostar de si própria. E a resposta para ambas as situações foi a construção de uma performance digital.
58Com o contexto sendo essencial para a análise do discurso, é necessário resgatar que este trabalho fala com e de adolescentes periféricas. Para tanto, Carneiro (2011) desvenda que o Brasil é apartado racialmente e que, apesar de haver um razoável conhecimento sobre essa problemática, os danos psíquicos e o golpe na autoestima das vítimas do racismo são amplamente desacreditados.
59Ao procurar descrever os seus itinerários no Instagram, as adolescentes desse estudo sinalizam que são impedidas de performarem da maneira que lhes convêm, seja pelo machismo, sexismo, racismo ou misoginia, pois outra vez o julgamento externo passa a atuar vigorosamente contra os seus modos de expressão, ceifando e oprimindo as possibilidades de empoderamento. Desse modo, os discursos explicam o porquê do Instagram não se caracterizar como um espaço de resistência para essas jovens, como pode ser verificado nas falas seguintes:
Até teve uma foto que eu tirei em Fortaleza e uma pessoa que estava comigo do meu lado disse que ia achar um pouco vulgar, mas eu quis postar… aí quando eu olhei a foto… aí eu repensei. De tanto a pessoa falar que achou um pouco vulgar, eu nem postei. Escanteei ela […] muita gente diz que meu perfil é vulgar. porque eu acho… que por conta do biquíni, né? Que eu uso bastante. É isso (Ludmilla).
60Em Ludmilla, vemos o peso da pressão social misógina e conservadora abalando a convicção da adolescente em suas opções estéticas. Quando seu interlocutor afirma que suas fotos eram “vulgares”, ele estava fazendo um julgamento de valor estético, pois o “vulgar” se oporia ao “elegante”, conceitos altamente subjetivos e carregados de estereótipos e imagens de controle (Collins, 2019) que buscam adjetivar desfavoravelmente as mulheres, em particular as negras:
As fotos que eu produzi e não postei… porque estava um pouco vulgar… Tipo no olhar do povo geral… Mostrando muito. Aí eu estava com medo tipo do comentário e do povo. Aí eu preferi não postar, ou tipo coisar um pouco assim. Só pra aparecer daqui pra cima [apontando para o colo]… Na minha mente eu não acho vulgar, porque tipo quando a pessoa gosta muito da foto, mesmo que esteja mostrando muito, é porque a pessoa se sentiu bem… vulgar é isso que a sociedade criou na mente da… delas. Que aí “está mostrando muito, é isso, é aquilo”. Mas não, acho que é porque a pessoa gostou da foto e quer postar, e mesmo que tipo o povo fale, “num” coisa de nada, depende da mente da pessoa e como a pessoa obser… ob, o… coisar aquele comentário… (Magá Moura).
61No discurso de Magá, assim como no de Ludmilla, emerge novamente a opinião dos interlocutores, estabelecidos aqui como “o povo geral”, dando a impressão de maioria daqueles que opinaram, o que, por sua vez, fez pressão social sobre a adolescente, tentando lhe impor visões estéticas de elegante e vulgar com as quais ela não concorda e, por outro lado, isso diz apenas sobre “o tribunal digital”, em que muitas das vezes, sob o escudo do anonimato, alguns usuários usam do espaço virtual para atacar deliberadamente as mulheres e seus corpos. E, apesar de discordar do julgamento estético de suas fotos, ela terminou por omiti-las de seu Instagram por temor das repercussões e da repressão que acreditava que se seguiria.
Quando eu posto muita foto de biquíni, eu estou mostrando o corpo todo, o povo me chamando pra ir pra casa, “Ai, como eu queria tananan”… Chegou ao ponto de tipo um cara ficar ligando pra mim e tipo mandando foto, tipo foto das partes íntimas dele e postando foto de dinheiro. Tipo mandando foto de dinheiro. “Ah, eu tenho dinheiro e tal”. Aí eu mostrei pra mainha, ela foi e bloqueou. Mas tipo ele estava ligando, ligando mesmo… Tipo das partes íntimas só foi esse cara mesmo, mas tem… eu recebo muita foto tipo os velhos lá, tipo falando e mandando foto de dinheiro pra mostrar que tem dinheiro, mostrar que tem moto e carro… essas coisas, porque acha que vai é… como se fala? Levar-se a pessoa a tipo abrir tipo o olho, “Ah, tem moto”… essas coisas, vou conversar e tal (Magá Moura).
62Para Magá, performar como bem deseja nas redes tem sido problemático para si, a partir do momento em que os homens interpretam que a exposição de uma imagem garante a eles livre acesso para cometer abuso, importunação, ou violência sexual. Ainda expõe que os usuários entendem que a mínima exposição que faz do seu corpo nas telas pode ser interpretada como uma abertura ou um “convite” para um possível encontro sexual. Como bem esclarece Gonzalez (2020), esse tipo de exploração sexual da mulher negra se articula a todo um processo de distorção, folclorização e comercialização da cultura negra brasileira.
Eu deixei de postar foto de tipo… exemplo… do meu corpo. Sobre… só tem foto do meu rosto. Eu não gosto de postar foto do meu corpo porque… pros homens é completamente diferente. Ele pode olhar de outro jeito, entendeu? Pra mim hoje é muito desconfortável. Como eu já também sofri abuso sexual, é desconfortável pra mim. Por isso que eu não posto esse tipo de coisa e os comentários sempre vai além do que… tipo, do que eu queria que fosse um comentário. Exemplo: “Lindo e tal”, mas tipo falar coisas obscenas, pra mim não dá certo, não […] Teve alguns cara que já tentaram me abusar pelas redes sociais, mas como eu também já sofri muito com isso, eu já meio que bloqueei, já desisti desses negócios redes sociais. Por isso que eu já meio que tirei as fotos que tinha, tirei as coisas que tinha sobre minha vida. Só botei mais… exemplo, secretamente, entendeu? Por isso que eu botei mais assim (Thelma de Assis).
63Nessa cadência de experiências negativas com a rede, Thelma, tendo a sua história de vida demarcada por um contexto de violência sexual, se coloca mais reticente do que as demais adolescentes para expor a imagem do seu corpo no Instagram. Em outras palavras, os atravessamentos em sua vida a impedem que se expresse livremente na rede, por saber, empiricamente, os riscos envolvidos de querer ser livre em uma sociedade organizada em um sistema discriminatório e violento.
64Desse modo, todos os discursos confluem para um ponto principal: de que os corpos dessas adolescentes têm sido hipersexualizados ainda na adolescência, ou, quando pior, na infância, e, em um ato fiscalizatório, esses homens constroem paulatinamente o estereótipo de “vulgaridade” e objeto sexual, diferenciando-as definitivamente da estética branca. Assim, cada fala é visualizada contextualmente e, intertextualmente, os seus conteúdos ganham uma espécie de complementariedade, como se cada adolescente tivesse sido atravessada pelas mesmas opressões da outra enunciante.
65E, de forma consecutiva, esse tipo de opressão ainda obriga essas jovens a dependerem de parceiros homens como escudo social de proteção contra abusos masculinos, como bem exemplifica Taís:
Rapaz… tem pessoas que dá em cima de mim, aí eu não gosto. Aí eu preferi colocar o nome dele [namorado] na minha bio e o povo ver que eu namoro (Taís Araújo).
66Davis (2016) chama atenção para o fato que o abuso sexual contra mulheres negras nem sempre se manifesta pública e abertamente, e que essas mesmas mulheres ainda vivem um drama diário de enfrentar esses violentadores que entendem que seus atos são absolutamente naturais, da mesma forma que estão convencidos de que ser uma mulher negra é sinônimo de promiscuidade e imoralidade. Esse contexto perverso mostra que estar em rede para essas adolescentes tem sido uma tarefa bastante desafiadora, visto que, além de serem assediadas sexualmente, também são assediadas moralmente por outros inúmeros motivos, como pode ser percebido nos trechos dos discursos a seguir:
Fiz a transição capilar e meu cabelo tava começando a pegar jeito, tava mais volumoso, tava começando ficar com mais volume… Eu postava uma foto, mas eu tinha muito medo do que as pessoas iam falar, por mais que algumas elogiavam, né, e tals… assim, mas eu nunca recebi crítica na internet do meu cabelo, era mais na vida real. Mas eu já postei uma foto com muito medo do que as pessoas iam falar, mas não teve nada de comentário, não (Bela Gil).
Às vezes bem ofensivos [comentários em fotos que expõem o corpo], que às vezes magoam um pouco. E tem pessoas também que maneiram… meio ofensivos, mas também… meio a meio… enfim… Tipo, é que ele me magoa um pouco e eu não gosto muito de falar alguns… [e chegam] por meio de direct… acho que alguns comentários machucam. Aí a pessoa, por mais que ela não queira dizer “Eu sou isso”, mas na cabeça fica (Ludmilla).
67Na primeira dessas duas sequências discursivas, Bela sinaliza o seu temor de uma possível violência racista direcionada a seu cabelo crespo, apesar de afirmar que as opressões do “mundo real” podem ultrapassar a interface on-line/off-line, ou seja, essas opressões também ganharam o “dom” da ubiquidade, conseguindo estar em dois lugares ao mesmo tempo (Santaella, 2010). E mesmo que não tenha sido atacada pelas fotos (on-line) de seu cabelo crespo, o trauma dos ataques na “vida real” a fizeram temer por sua segurança emocional e duvidar de sua liberdade de expressão. Já na fala de Ludmilla, que antes havia sinalizado sobre o receio de ser julgada quando postava sobre si, ficam evidentes os danos emocionais causados pelos discursos de ódio que emergem na plataforma, apesar da adolescente racionalizar que essas falas racistas nada mais são do que uma expressão de violência gratuita. Situação que se repete na afirmação de Camilla, que deixa transparecer não apenas o medo de sofrer violências digitais, mas também de ter a autoestima abalada:
No tempo assim que eu tava perdendo tempo de postar reels. Eu ficava: “Meu Deus, será que o povo vai falar mal? Será que vai acontecer isso?” Aí eu postava, dava dez segundos, eu apagava… […] porque… sei lá. Eu me afeto muito com as coisas que as pessoas dizem. Levo isso muito para o coração, por mais que eu não deva levar, né? Aí eu apago logo, pra não dar motivo, pra o povo não falar, pra nada… era um videozinho meu me mostrando e passando, assim… vídeo meu… aí eu coloquei a frase: “Ame-se, cuide-se”… alguma coisa assim. De amar o seu corpo, essas coisas assim, aí depois eu fiquei falando: “O que será que o povo vai pensar agora? Meu Deus. Por que eu postei isso?” Aí acabei apagando (Camilla de Lucas).
68Na próxima fala, de Taís, que é uma pessoa com deficiência, além dos ataques sexuais e racistas, as agressões capacitistas neutralizam qualquer possibilidade de performatividade dessa adolescente no Instagram. Considerando a particularidade da sua condição e que a descrição do tipo de deficiência poderia facilmente expor a identidade da jovem, optamos, na transcrição, por omitir os trechos que permitam tal associação.
É porque vê, eu tenho um problema [trecho omitido]. Aí acaba que eu posto as coisas, aí o povo percebe. E teve muita gente que já falou sobre [trecho omitido]. Até hoje na escola o povo fala sobre [trecho omitido], só que eu ignoro, né? Não vou ligar porque o povo fala, e eu não ligo. Aí basicamente eu deixo de postar algumas coisas pra mim… pro povo não falar mal… Aí eu fiquei meio chateada, sabe? Aí eu não posto. Por isso que eu só tenho duas fotos só. Posto, não (Taís Araújo).
69O discurso de Taís, ao mesmo tempo que se aproxima do que é expresso pelas demais adolescentes, também traz uma questão adicional ao sistema de opressões interseccionais já pontuado: ser pessoa com deficiência física. Não é coincidência que, dentre todo o grupo investigado, a etnografia digital do perfil de Taís foi a que apresentou menos elementos de discussão, justamente pelo fato dessa jovem evitar a exposição de si diante das agressões sistemáticas.
70Desse modo, a essas adolescentes é vedada a liberdade de expressão nas redes sociais, sendo perseguidas pelo racismo estrutural e recreativo que estabelecem padrões estéticos não apenas irreais, mas francamente baseados em imagens caucasianas e de culto a excelência da imagem; consequentemente, rejeita-se tudo aquilo que não seja considerado “belo” e “positivo” pelo “tribunal da internet”. Portanto, há um entendimento por parte dessas jovens de que o Instagram é um espaço de performance que não traduz necessariamente o que se vivencia no mundo off-line. Isso pode ser inferido a partir das respostas obtidas com a última questão da entrevista: “A [nome da adolescente] do Instagram é a mesma que está aqui comigo?”
Rapaz… Difícil mesmo essa, viu? Não. Com certeza não. Tanto pelo fato das pessoas serem uma coisa na vida… é… na rede social e na vida pessoal ser outra, né? Porque na rede social eu posso postar que estou bem, posso postar que estou bem, né? Saindo e tal. Mas na vida real eu posso tá ruim, posso tá triste, posso… ter acontecido alguma coisa em casa, posso tá triste, mas na rede social eu vou mostrar que eu tô bem, sabe?… Pelo fato de eu ter falado, né… essa questão… que assim, na rede social eu posso postar que estou bem e tal, aí na vida real eu posso estar triste, entendeu? Mas eu sou bem assim. Eu na internet, eu tento ser o máximo eu na internet. Eu não gosto de fingir ser uma pessoa na rede social e na vida real ser outra, sabe? Eu sempre tento mostrar o meu eu no Instagram (Bela Gil).
71Nessa sequência discursiva de Bela, a jovem afirma que a sua representação identitária em rede é diferente da sua representação off-line, contudo, já busca justificar a sua atitude a partir da representação social de que os usuários das redes têm posturas diferentes nessa interface. A adolescente identifica uma performatividade digital que nem sempre é possível na “vida real”, apesar de, um pouco na defensiva, afirmar que tenta ser a mesma, não querer “fingir” ser quem não é. Uma afirmação que implicaria que as redes sociais são o local do fingimento por excelência, da recriação de identidades “falsas” a partir de performances apoiadas por filtros e aplicativos.
72Uma crença que tenta criar uma distinção entre a realidade e a vida on-line, e logo entre diferentes identidades, uma real e uma digital. Na sequência, a enunciante explora que as problemáticas emocionais são ocultadas no compartilhar de si na rede, inclusive, expondo repetitivamente os sentimentos negativos. Todavia, ao fim da sequência discursiva, relata que busca se apresentar de uma forma fidedigna, se contradizendo com a discursividade produzida até então.
73Em seguida, Camilla justifica a alteridade de comportamento na interface a partir dos conflitos vivenciados na vida real. Note-se que, mais uma vez, igualmente a Bela, há repetição semântica do adjetivo “triste”, ou seja, a paráfrase se exacerba como dispositivo para compreender o cerne dessa questão, que de forma sucessiva é replicada por outras adolescentes, como pode ser observado nos dois discursos subsequentes ao de Camilla.
É nada! Hoje eu tô só Deus na causa, um caco. A “Camilla” no Insta tá alegre e feliz… e a daqui tem vez que ela tem um momento de tristeza também… Leva uma vida complicada, mas tenta ser feliz… A do Insta, porque lá ela não encara a realidade que a Camilla que tá fora do insta encara (Camilla de Lucas).
Não. Porque lá eu só posto coisas… é tipo sorrindo, não sei aquilo outro, mas pessoalmente eu não tô assim, sabe? Estou muito chateada com algumas coisas que vêm acontecendo aqui na escola e eu queria muito mudar de turma […] então a pessoa que tá aqui não é a mesma que está no Instagram […] aquela pessoa divertida que gosta de rir, postar reels, e os vídeo lá… não é (Iza).
Eu acho que sim [sou a mesma pessoa do Instagram]. Talvez seja… um pouco. Eu acho que eu só demonstro as partes boas (Ludmilla).
74Apesar de ser bastante resoluta, a sequência discursiva de Ludmilla tem grande importância, pois concatena a sua opinião ao dispositivo da negação de que a sua performance seja semelhante nos dois espaços. Assim sendo, nas últimas sequências discursivas, conclui-se que existe uma performatividade em rede que camufla as emoções vivenciadas na práxis.
75Para a compreensão de um aspecto adicional é necessário realizar um aporte no conceito de corpo social de Bourdieu (2002), o qual entende o corpo enquanto produto construído continuadamente a partir das relações que o indivíduo estabelece, o que, por sua vez, conflui em dimensões que vão desde a sua apresentação visível até os modos de se comportar e portar perante o mundo. Em outras palavras, o corpo se constitui como experiências práticas em processo de retroalimentação e incorporação social com outros corpos. Desse modo, houve a emersão de discursos que não tinham como essência a emocionalidade (apesar de ainda presente):
A única diferença, porque a Thelma pessoalmente é diferente… isso porque… mais secreta, é só isso. Porque no Instagram eu sou mais fechada e pessoalmente eu sou mais aberta, entendeu? Porque eu não gosto de postar muitas coisas sobre mim, não… Só mais aleatória de tal coisa, tal coisa, tal coisa. Nada sobre mim, não (Thelma de Assis).
76Para compreender a performatividade de Thelma é necessário entender o contexto de vida dessa adolescente, demarcado pela pobreza, violência e questões de saúde mental. Rememore-se o momento em que a jovem denunciou a violência sexual sofrida, o que se reflete totalmente no modo como se expressa perante o mundo, inclusive na interface digital. A adoção de uma postura “secreta”, ao mesmo tempo que é resultado dos atravessamentos da sua vida, também é estratégia para evitar o corrompimento da sua intimidade.
77Para Magá, a rede tem funcionado como um espaço que lhe possibilita a criação de um personagem diverso (blogueira) da sua identidade no mundo off-line. Contudo, apesar de estar buscando uma profissionalização com a plataforma, ela aponta que, mesmo não adotando comportamentos considerados socialmente positivos no mundo off-line, ainda assim faz a crítica e demonstra predileção pelo seu modo de vida desvinculado do ciberespaço, como se evidencia abaixo.
Sim e não. Porque a Magá do Instagram é tipo mais uma Magá blogueira, e a Magá que tá aqui contigo é mais Magá real, tipo, eu me mostrando atrás do Instagram, não a Magá blogueira. Entendeu? Lá eu procuro tipo ser uma Magá tipo mais legal e tipo que interage mais. E na vida real não, sou tipo chata, insuportável e que não gosta muito conversar… não tem muita gente pra, tipo me julgar essas coisas… aí eu prefiro mais a Magá da vida real do que a Magá blogueira (Magá Moura).
78O último trecho, de Maju, congrega as duas análises do Instagram na interface com o real. De início, fazendo a crítica aos movimentos performáticos que a plataforma proporciona, sendo coerente com a formação discursiva anterior. E, finalizando, a adolescente expõe a forma descontraída com que lida com a rede, demonstrando que o seu uso não provoca rebates negativos às suas relações emocionais.
Tipo lá… a gente tipo, aqui está sem filtro, sem nada, né? Aí e lá tem essa opção de filtro que tal, pra quem usa, e tipo… é posições… tipo pra fazer foto e tals […] e aqui, não. Aqui você vê bem real e tals… nessa… em aparência no caso, né? Agora como pessoa… Como pessoa? […] é lá é mais uma forma mais, tipo divertida eu acho, sei lá, não sei […] Aí tipo eu não levo muito a sério, não, assim não, então eu acho que sim é a mesma pessoa (Maju Coutinho).
79Desse modo, visualiza-se que as adolescentes dessa investigação têm representado a plataforma a partir de dois pontos de vista. De um lado, as relações são operadas no campo da afetividade e emocionalidade; do outro, há uma perspectiva de entender o Instagram como espaço de expressão do corpo social. É importante citar que esses dois modos de operar não são necessariamente distintos ou antagônicos, podendo, sim, ter um caráter de complementariedade. Ainda não pode ser desconsiderado que os meios digitais de comunicação têm moldado a forma como essas jovens se vestem, andam, se maquiam e arrumam seus cabelos, ou seja, essa composição da aparência física é constituída no jogo entre o que se busca comunicar e aquilo que é interpretado (Gomes, 2020).
80Quando se analisa o Instagram, é notório que a rede tem se apresentado como uma plataforma com diversos recursos tecnológicos voltados à produção de um “eu” narcisista e hedonista. Isso ocorre seja pelo consumo incessante de conteúdo de influenciadores de “vida perfeita”, seja oferecendo estratégias para o “embelezamento” com os filtros. E, no território em tela, aspectos como esses têm sido marcantes na autoestima das adolescentes, visto que, em muitas das vezes, constroem uma imagem negativa de si em torno das suas estéticas e identidades pretas e pardas, como consequência direta do modelo hegemônico branco que circula nas mídias.
81Sendo o aplicativo uma rede essencialmente direcionada ao compartilhamento de imagens, essas jovens demonstram que a tecnologia presente no Instagram tem modulado as suas performatividades digitais, referindo ainda que no ciberespaço impera a constante busca por representações perfeitas daquilo que é vivenciado no “mundo real”. Cabe citar que esse processo tem se construído de forma dialógica, ou seja, ao mesmo tempo que essas adolescentes moldam as suas representações a partir do conteúdo produzido por outros usuários, também passam a oferecer novas possibilidades que serão consumidas na rede. O processo é cíclico e sem fim.
82E, apesar de o Instagram ter a capacidade de se constituir como um espaço estratégico para a disseminação de representações positivas do grupo estudado, o racismo estrutural e recreativo têm atuado implacavelmente contra a performatividade dessas jovens periféricas e suas condições e opções estéticas. Somando-se a isso, há o rechaço das suas expressões corporais, que têm sido avaliadas e julgadas como vulgares e hipersexualizadas, indicando que as questões de gênero, raça e classe estão cruzadas no mesmo patamar.
83No que diz respeito às performances no mundo on-line, há um duplo caminho interpretativo, pois se parte das autoanálises se correlaciona diretamente às suas emocionalidades (autoestima e afeto), onde a diferença dos espaços reais e simbólicos são demarcados pelos sentimentos atribuídos, de outro modo, há o entendimento de que essa rede social permite a construção de uma “identidade fingida”, mas ainda paramentada por elementos do “real”.
84Nesse sentido, é preciso ainda reforçar que as “identidades são construídas dentro, e não fora do discurso, e que ainda nós precisamos compreendê-las como produzidas em locais históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas específicas” (Silva; Hall; Woodward, 2000, p. 133).
85Por fim, e diante desse amplo quadro de discursos revelados pelas adolescentes, entende-se que o Instagram tem se estabelecido na sua relação com os meios sociais “reais” como um espaço desigual de embate, onde as jovens são atacadas diariamente, na verdade, desde as suas existências. Assim sendo, é possível afirmar que o ambiente digital tem sido mais um palco de estruturação das interseccionalidades, ao passo que dificulta as possibilidades de performatividade.