- 1 Parte deste estudo foi financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado (...)
- 2 Ver, por exemplo, os trabalhos de Dantas (2020); Lima e Prates (2019); Pereira (2012); Pinto (2019) (...)
- 3 No momento de redação deste artigo, as URLs correspondentes as respectivas plataformas são https:// (...)
1Este artigo trata de mudanças no serviço doméstico remunerado decorrentes da utilização de plataformas de redes sociais em uma sociedade capitalista periférica. Se, por um lado, tratar das transformações no serviço doméstico remunerado brasileiro não é projeto propriamente inédito na academia,2 são ainda escassas as reflexões sobre essa que é uma das maiores categorias de trabalhadoras no Brasil (Ávila, 2009) no contexto do capitalismo de plataformas (Srnicek, 2017). Embora nos últimos anos tenham surgido algumas contribuições neste sentido, esses novos trabalhos acadêmicos tendem a se concentrar, exclusivamente, nas transformações acarretadas pela expansão de plataformas que envolvem uma relação de contrato triangular entre trabalhadores, empresas e clientes (Cirino, 2022; Coutinho; Ferreira, 2021; Pellegrini; Costa, 2022), como as plataformas Parafuzo ou GetNinjas.3
- 4 Neste artigo optei por mudar o nome, bem como detalhes pontuais da biografia de minha interlocutora (...)
2Os dados da pesquisa que servem de base para este artigo demonstram que, para além das plataformas especializadas nesse tipo de serviço, também as redes sociais produzem efeitos consideráveis no trabalho doméstico brasileiro. Por essa razão, lido aqui com uma noção expandida da noção de “plataformização do trabalho” tipificado pela Organização Internacional do Trabalho (ILO, 2022) e focalizo nessa pesquisa trabalhadoras que fazem uso intensivo das plataformas de redes sociais ligado ao trabalho. Para tratar dessa transformação recente e explorar algumas de suas implicações políticas, neste texto, tomo como fio condutor o relato autobiográfico de uma trabalhadora. Atentando para a capacidade que tem o itinerário de uma vida pessoal de elucidar a construção de identidades sociais, éthos, visões de mundo e a cultura de um grupo (Rocha; Eckert, 2013), argumento que a trajetória da mulher que, neste artigo, chamarei de Aline,4 quando apreendida em relação ao grupo mais amplo de trabalhadoras ouvidas no contexto da pesquisa, é reveladora de um processo de mudanças ligadas à ubiquidade das plataformas de redes sociais na vida social (Dwivedi et al., 2018) e dos algoritmos que as moldam (Olhede; Wolfe, 2018). O artigo contribui, ainda, para atualizar reflexões etnográficas que, buscando compreender o trabalho a partir de suas dimensões material, simbólica e cultural, registraram a existência, no Brasil, de formas de valorização do trabalho não subordinado à figura de um patrão (Carriço, 2016; Espírito Santo, 2020; Garcia Jr., 1988; Lima, 2007; Lopes et al., 1979; Souza, 2012).
- 5 Como chamam atenção outros autores que tratam do tema, definir o que são plataformas de redes socia (...)
- 6 Não estou dizendo com isso que o investimento acadêmico dirigido a esses trabalhadores é equivocado (...)
- 7 Um levantamento da consultoria App Annie entre usuários brasileiros indica ainda que a população é (...)
3Voltar as atenções para o efeito das plataformas de redes sociais5 sobre o trabalho doméstico no Brasil é tarefa importante, ao menos, por duas razões. Primeiro, porque isso contribui para diminuir o desequilíbrio de gênero verificado hoje na literatura que enfoca o tema da plataformização do trabalho. Ao observarmos a reconfiguração do mundo do trabalho focalizando, predominantemente, plataformas especializadas em transporte de passageiros e entregas,6 corremos o risco de negligenciar as transformações que atingem o imenso contingente de mulheres que exercem formas de trabalho não assalariadas por intermédio de plataformas que não são imediatamente associadas ao tema do trabalho na academia. Em segundo lugar, olhar para os efeitos das redes sociais sobre o trabalho é fundamental devido à ampla disseminação desse tipo de plataforma no país. Formamos, atualmente, um dos maiores mercados consumidores de plataformas digitais de redes sociais do mundo, sendo a audiência da plataforma focalizada em nossa pesquisa, o Instagram, posicionada em terceiro lugar (em números absolutos perdemos apenas para os Estados Unidos e Índia) com quase 115 milhões de usuários no Brasil em 2021.7 Embora não seja possível delimitar com precisão a parcela do uso de redes sociais voltada para o trabalho, a pesquisa que origina este artigo indica que o uso de plataformas de redes sociais e o trabalho não assalariado são intimamente relacionados.
4O material empírico apresentado ao longo deste texto indica certa discrepância entre a visão hegemônica nos estudos acadêmicos que pensam os efeitos da plataformização do trabalho e a percepção das próprias trabalhadoras sobre a evolução de suas condições laborais. Com o propósito de compreender esse descompasso, procuro explorar os aspectos contraditórios do trabalho doméstico contemporâneo, atentando para os impactos dos usos de plataformas sobre o aprendizado e a inserção na profissão, sobre as dinâmicas de construção de reputação profissional e sobre a criação de novas redes de relações. Minha análise revela que as redes sociais ajudam a moldar uma nova forma de subjetividade política das trabalhadoras. Nesse sentido, se a literatura dedicada à reflexão sobre o serviço doméstico no contexto brasileiro expõe as consequências de uma sociedade colonial escravagista sobre cotidiano do trabalho doméstico remunerado (Mori; Fleischer; Figueiredo, 2011), os dados da pesquisa aqui apresentados indicam uma postura de resistência das profissionais que lançam mão de estratégias para minar e enfraquecer a autoridade anteriormente estabelecida entre patrões e trabalhadoras ainda que isso não elimine por completo as dificuldades historicamente associadas ao trabalho doméstico, como a dificuldade de acesso a direitos trabalhistas (Pinto, 2019). Além disso, a pesquisa indica um aumento da carga de trabalho das trabalhadoras acompanhado de maior competição entre elas a valorização de virtudes individuais como principal instrumento de ascensão social.
5O texto foi dividido em cinco seções, além da introdutória e de breves considerações finais. A primeira delas trata do contexto de realização da pesquisa e de seus aspectos metodológicos. As três seções seguintes apresentam a trajetória narrada por minha interlocutora explorando, em especial, sua inserção na profissão, o modo como experimenta e percebe as condições de trabalho, bem como suas aspirações. O(a) leitor(a) notará que, ali, os aspectos negativos do trabalho de plataformas ficam em segundo plano e prevalece um certo tom de valorização positiva dos usos das redes para o trabalho doméstico. Isso reflete minha opção por destacar, nessa parte do texto, o modo como minha interlocutora narra, ela própria, sua trajetória. Por outro lado, um viés mais crítico, que explora as contradições e ambiguidades em um cenário de desestruturação do assalariamento (Silva, 2018), é apresentado na seção dedicada a discussão e análise, quando procuro estabelecer um diálogo entre o material empírico, textos acadêmicos que abordam o tema trabalho doméstico e a literatura que trata dos impactos sociais decorrentes da expansão vertiginosa de plataformas digitais de redes sociais.
- 8 Intitulado “Economia de plataformas, transformações do trabalho e suas implicações políticas no séc (...)
6Os dados empíricos que dão origem a este artigo estão inseridos em um projeto de pesquisa mais amplo8 que busca examinar práticas e percepções de uma parcela da população que vive em periferias do Rio de Janeiro e exerce formas de trabalho não assalariadas, incluindo trabalho por conta própria, informal e autônomo. Focalizando os impactos de novas tecnologias digitais na vida social desses trabalhadores e trabalhadoras, o projeto busca compreender como eles percebem a evolução das condições de trabalho e de vida nos últimos anos, como forjam suas percepções políticas, como a internet e as redes sociais colaboram para moldar suas experiências e visões de mundo, as suas perspectivas em relação ao futuro, suas estratégias individuais de sobrevivência e as novas formas de organização coletiva que emergem no contexto atual.
7Já nos primeiros meses de pesquisa de campo desse projeto mais amplo, na etapa de mapeamento dos usos de plataformas de redes digitais por trabalhadores não assalariados, foi verificado que o Instagram era uma plataforma vastamente utilizada por trabalhadoras do setor de limpeza doméstica, autoidentificadas ali como faxineiras, diaristas, profissionais em limpeza, personal cleaners, house cleaners ou empreendedoras. Embora o uso das plataformas não fosse homogêneo, nem em termos de frequência ou de modo de utilização, alguns padrões podiam ser rapidamente observados nas redes.
8Atentando para o conteúdo produzido pelas trabalhadoras e, em especial, para as seções de comentários, era possível notar que o Instagram funcionava, a um só tempo, como espaço de socialização profissional (no qual as trabalhadoras se apoiavam mutuamente, faziam desabafos e se divertiam), de aprendizado de técnicas de limpeza e de conexão com uma clientela regular, eventual ou potencial. Mais adiante, também chamaria minha atenção a intensidade do uso do Instagram ligado ao trabalho doméstico remunerado. Observando diariamente as postagens das trabalhadoras, eu acompanhava o dia a dia laboral muitas vezes começando pelo café consumido ainda em casa, incluindo o trajeto percorrido até o local de trabalho, as curtas pausas para o descanso ou almoço. Em especial, me impressionava a destreza com que as trabalhadoras muitas vezes realizavam as tarefas de faxina e de produção de conteúdo simultaneamente: a mão esquerda equilibrando o celular enquanto a direita finalizava a limpeza do espelho de um banheiro ou a forma como o aparelho era apoiado no armário para filmar a trabalhadora que cuidava da louça na cozinha enquanto conversava com a audiência são dois exemplos dentre inúmeras cenas do trabalho registradas a cada e dia e publicizada nas redes.
- 9 Algumas das limitações e potencialidades desse tipo de observação em pesquisas etnográficas foram r (...)
9Ao longo de aproximadamente 12 meses, observei de forma sistemática as atividades de trabalhadoras online,9 estabelecendo com algumas delas uma interlocução mediada pelas plataformas – em especial pelo Instagram e, em menor grau, também o WhatsApp. Especificamente para a escrita deste artigo, analisei dados construídos a partir da observação e interação com 12 trabalhadoras domésticas que não possuem vínculo empregatício, bem como o conteúdo de cinco entrevistas em profundidade. O conteúdo das entrevistas foi transcrito e o cotidiano da pesquisa nas redes, registrado em “caderno de campo digital” – tema, aliás, já problematizado por mim em artigo anterior (Marins, 2020b). Além de exercer formas de trabalho não assalariado, essas mulheres têm em comum o fato de residirem em bairros populares da cidade do Rio de Janeiro ou da Baixada Fluminense. Com idades entre 22 e 44 anos, com exceção de duas trabalhadoras, todas são mães e sete delas são casadas. O tempo de serviço como diarista varia entre três e dez anos, sendo que três entrevistadas declararam ter trabalhado antes como empregada doméstica.
10O foco na trajetória de uma interlocutora de pesquisa inscreve o trabalho em uma tradição de estudos que evocam as peculiaridades das trajetórias individuais, ao mesmo tempo que observam a forma como estas expressam pertencimentos sociais (Lopes; Cioccari; Gutterres, 2013). Mais precisamente, procuro seguir aqui a abordagem de Bertaux, que trata os relatos de vida baseados nas narrativas dos próprios interlocutores sobre suas experiências como vias de acesso para um universo social (Bertaux; Kohli, 1984). Como ocorreu com outras trabalhadoras com quem interagi ao longo dos meses de pesquisa de campo, Aline foi encontrada através da utilização da ferramenta de buscas da plataforma Instagram.
11Levando em conta a facilidade com que pude identificar mulheres que trabalharam no setor de serviços domésticos na região metropolitana do Rio de Janeiro e a abundância de conteúdo vinculado por elas naquela rede social, um aspecto, em especial, capturou minha atenção de imediato nas postagens de Aline. Em várias das fotografias veiculadas por ela, Aline vestia peças de roupa mais diretamente identificadas com o trabalho em “empresas formais” (Libretti; Amorim; Moreira, 2018) do que com o serviço de limpeza. Saia e blazer com corte de alfaiataria eram combinados ora com camisas sociais, ora com camisetas que, mais tarde eu entenderia, eram utilizadas como uniforme. Examinando o histórico de postagens de Aline, logo se tornou claro que a escolha das roupas não era acidental. Os ternos usados por ela, em conjunto com a maquiagem e os cabelos bem alinhados, remetiam a uma atividade profissional que ela exerceu previamente, experiência que trazia à tona com frequência e que mobilizava em mim um tipo de curiosidade própria da pesquisa etnográfica (Peirano, 2009). Entrei então em contato com Aline na tentativa de agendar uma entrevista. O pedido feito através da ferramenta de troca de mensagens embutida no aplicativo Instagram foi prontamente acolhido por ela, que demonstrou boa vontade em encontrar em meio a sua rotina atribulada um horário para um primeiro encontro entre nós. Nossa primeira conversa aconteceu por uma chamada de vídeo e durou aproximadamente duas horas, a maior parte delas registrada por mim com o auxílio de um gravador de áudio.
12Aline tem 36 anos de idade, nasceu e cresceu na cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Seu pai trabalhava como mecânico em uma empresa alimentícia, enquanto sua mãe “foi diarista a vida toda”, como Aline pontuou algumas vezes em nossas conversas:
A minha mãe trabalhou a vida inteira como diarista. E eu me lembro bem desde que era pequena de acompanhar minha mãe no trabalho […]. A minha mãe que segurou a barra em casa quando meu pai ficou desempregado. Nessa época ela trabalhava todos os dias, sem parar. […] Pra mim, era mesmo um trabalho como todos os outros.
13À época da realização da pesquisa, minha interlocutora vivia em Paciência, na Zona Oeste da cidade, junto com o marido e suas duas filhas mais novas (o filho mais velho já havia deixado a casa da mãe). O marido de Aline ganhava pouco mais de um salário mínimo trabalhando como segurança em um depósito de bebidas no bairro vizinho.
14Antes de trabalhar como faxineira, Aline havia acumulado duas breves passagens em estabelecimentos comerciais nos quais atuara, primeiro, como caixa e, em seguida, como vendedora. Deixou o trabalho no comércio no início dos anos 2000 por tê-lo considerado “muito puxado”. Aline então passou a combinar os estudos técnicos em contabilidade com o emprego de auxiliar administrativa em um escritório, onde mais tarde passaria a trabalhar como analista fiscal. Desempenhou a função nessa e numa segunda empresa similar por aproximadamente sete anos. Dizia gostar do trabalho e dos colegas, mas se viu impelida a sair durante um processo de reestruturação do escritório que aumentara sua carga de trabalho ao mesmo tempo que reduzira suas perspectivas de crescimento ali. Apontando como principal razão a necessidade de preservação de sua saúde mental, Aline disse ter pedido as contas para se dedicar exclusivamente ao cuidado das filhas – plano que levou a cabo durante cinco meses.
15Sentindo-se, por um lado, contente pela maior presença na rotina das filhas e, por outro, preocupada com as finanças da casa que agora ficavam sob a inteira responsabilidade do marido, Aline passou a planejar sua volta ao mercado de trabalho. O período junto das filhas, contudo, fez com que minha interlocutora buscasse alternativas que a permitissem “ajudar nas contas da casa” sem que ela precisasse abrir mão de certa flexibilidade que o trabalho de cuidado das crianças exigia. Passou a considerar a possibilidade de fazer faxinas pensado na mãe, que, tendo sido diarista por muitos anos, complementou a renda da casa, garantiu sozinha o sustento da família durante o período de desemprego do marido, pagou os estudos de Aline em colégio particular e ajudou a financiar consecutivas reformas da casa onde morava. Evangélica, Aline me contou como foi buscar a resposta para sua decisão na oração:
Cheguei no meu quarto e falei com Deus, eu falei: “Meu Deus, o que que eu vou fazer se eu nunca trabalhei na casa de ninguém e só cuido na minha casa?” E comecei a pesquisar no Google profissões em que eu podia investir sem muito dinheiro, e o que apareceu? Diarista! [Risos]. Daí ei falei: “É isso! Diarista!” [mais risos].
16A utilização do motor de buscas para confirmar sua escolha ocupacional foi apenas o primeiro de uma série de usos de ferramentas digitais que desempenhariam papel crucial na trajetória de Aline. Uma vez decidida a trabalhar como faxineira, a primeira providência de minha interlocutora foi baixar um aplicativo de design gráfico (o Canva) para criar um anúncio que seria publicado em sua conta de Instagram que, naquela altura, era utilizada por ela para postar selfies, fotos da família, registros das férias e momentos de lazer. Não tardaria para que Aline adquirisse competência para lidar com essa plataforma de modo a converter suas atividades ali em ganhos materiais e simbólicos, numa conta exclusivamente dedicada ao trabalho. Por ora, cabe sublinhar que, nesse estágio inicial do uso do Instagram para fins profissionais, seu objetivo era ganhar visibilidade na rede e, conforme ela descrevia, “construir autoridade, mostrar que sabia o que estava fazendo”. Para isso, Aline lançava mão de certas artimanhas, como postar vídeos de si mesma arrumando a própria casa, dando a entender que se tratava de casas de clientes: “E as pessoas pensando ‘Aline tá bombando, tá fazendo várias faxinas’ [risos].”
17Duas situações narradas por Aline parecem reveladoras do modo como sua reputação profissional foi meticulosamente construída no trânsito online e offline. A primeira ocorreu no mês seguinte ao primeiro anúncio publicado no Instagram, quando foi indicada por alguém de sua rede de contatos para limpar as dependências de um clube frequentado por segmentos da elite carioca. Aline identificou ali a oportunidade de produzir vídeos que demonstrassem, primeiro, que era gabaritada a atender uma clientela com disponibilidade financeira para remunerá-la bem por seus serviços. Compartilhando o aprendizado de técnicas de limpeza adquiridos assistindo a vídeos no YouTube, Aline também comunicava ao seu público que possuía conhecimentos técnicos, por exemplo, para realizar limpeza de pratas ou de diferentes tipos de janelas e pisos. Os vídeos que capturavam a atenção nas redes, pouco a pouco, eram convertidos em clientes que preenchiam sua agenda. Segundo contou, conforme ia compartilhando seu aprendizado, recebia mensagens perguntando sobre as técnicas e produtos e também solicitando seus serviços.
18A segunda situação que elucida bem a dinâmica de construção de reputação num universo laboral transformado pelas plataformas digitais foi apresentado por Aline como marco importante em sua trajetória. No momento em que os primeiros infectados com a Covid-19 eram identificados no país, Aline sentiu, ela própria, os sintomas da doença. Permaneceu em casa durante 15 dias e, supondo a partir das notícias que via na TV que estaria imunizada, apostou na divulgação do serviço de faxina, com especial atenção às medidas de higienização para evitar o contágio. Aline passou então a usar sua conta do Instagram para divulgar dicas de desinfecção, exibindo imagens de sapatos deixados na porta de casa e uso do álcool em gel. Segundo narrou, os resultados vieram rápido: “Eu achei que fosse ficar parada, mas foi aí que eu passei a massacrar no Instagram.” Não demorou até que potenciais clientes a consultassem sobre prestação de serviço durante o período de isolamento. Aline respondia descrevendo os procedimentos que adotava (desinfeção dos sapatos na porta, banho e troca de roupa, uso de máscaras descartáveis trocadas a cada duas horas, por exemplo).
- 10 Para um balanço dos impactos da pandemia sobre o mercado de trabalho brasileiro, ver Bridi (2020).
19Ao converter suas experiências em stories, curtidas e visualizações (ou o que se convencionou chamar simplesmente, na linguagem das redes, de engajamento), Aline viu crescer a demanda por seus serviços. Com uma lista de clientes fixos com quem mantinha contratos informais de limpeza com periodicidade semanal, quinzenal ou mensal e ainda uma lista de espera de clientes com quem entrava em contato na ocasião de cancelamentos, Aline identificava um espaço para dar novo passo em sua trajetória profissional. Subcontratou duas mulheres de sua rede de relações familiares e vicinais – ambas inseridas no imenso contingente de trabalhadores que perderam seus empregos durante a pandemia da Covid-1910 – para atender os clientes que não paravam de surgir e avaliar a possibilidade de ampliar seus ganhos.
20Os convites dirigidos à prima e à vizinha “que estavam precisando de serviço” indicavam que Aline faria um período de testes antes de mudar a forma como se apresentava aos clientes e conduzia suas faxinas. Com a agenda que não comportava mais clientes, combinou com “as meninas” que não cobraria nada delas de início, mas que, passado um tempo, pensaria num novo arranjo “que fosse bom para todas”. Já com um perfil no Instagram dedicado às faxinas, Aline ganhara confiança na sua habilidade de lidar com a rede e investiu no negócio. Contratou um fotógrafo para se apresentar de modo “mais profissional”, mandou fazer camisetas de uniforme, balinhas com sua logomarca para ofertar de brinde aos clientes. Entendendo que a captação destes era consequência desse trabalho de concepção e execução de sua marca no Instagram, Aline achava justo que suas ajudantes, quando trabalhando para clientes que ela havia conquistado, lhe repassassem um percentual dos valores recebidos. Na ocasião de nossa primeira conversa, Aline demonstrava satisfação com o arranjo: “A gente conseguiu uma relação muito boa, tem muita verdade e eu acho que essa forma que eu encontrei de trabalhar tá dando certo.”
21Para além de render um percentual das indicações, a incorporação das duas novas trabalhadoras ao time de limpeza facultou outras mudanças na forma de operação do empreendimento de Aline. Primeiro porque, com uma das mulheres residindo numa região estratégica da cidade, estava ampliada a área de cobertura do serviço de faxina. Isso somado à experiência que Aline havia adquirido àquela altura, acarretou mudanças na forma de prestação e cobrança pelos serviços “sempre ficando mais profissional”. Segundo me explicou:
Eu não sei se você já viu outros perfis de diaristas, mas tem uma galera que tem um roteiro muito pronto: diz que atende oito horas e que por oito horas cobra xis. Eu não, porque aí você chega na casa, vê que oito horas não dá pra fazer o que o cliente espera… então quando eu pego cliente novo, eu peço vídeos da casa para analisar a necessidade de ir em dupla. Ou fotos. Mas eu preciso ver. Porque se você tem uma casa grande que é clean eu demoro menos do que uma casa pequena cheia de bibelôs, de vidros, espelhos, livros que você tem que limpar um por um. E eu tenho uma estratégia, eu digo: “Olha, pra sua casa é melhor fazer em dupla, mas a primeira vez eu não vou cobrar nada a mais por isso. Você vê se gosta.” O trabalho em dupla é um diferencial muito grande porque você consegue fazer detalhes, então eu sempre ofereço em dupla pra encantar o cliente.
- 11 A sigla MEI corresponde ao termo “microempreendedor individual”. Segundo informações acessadas no s (...)
22Conforme aumentava a confiança junto a sua equipe e em si mesma como “líder” (“Hoje graças a Deus eu já consigo… eu falo que eu sou líder, né? Porque ser chefe é muito ruim. Mas eu consigo liderar”), Aline seguiu adiante num processo ao qual se referiu seguidas vezes como “profissionalização”. Conta que aprendeu a cobrar e que se começou “pedindo R$ 120,00 pela faxina”, agora sua diária custava até 150% a mais. Passou a atuar como MEI,11 registrou também as ajudantes, preocupou-se em instruí-las a respeito da sazonalidade das faxinas (“Janeiro e fevereiro são meses mais fracos, então quem trabalha por conta própria tem que se organizar”) e fez um contrato com o auxílio de uma amiga advogada, com cláusulas registrando os termos da “parceria”. Depois de meses de trabalho conjunto, passou a exibir sua equipe no Instagram.
- 12 Sobre a estreita relação entre mobilidade urbana, cidadania e valores políticos no Brasil, vale a p (...)
23Na época da realização da primeira entrevista, contando o percentual repassado por suas ajudantes, Aline ganhava, em média, quase três vezes o valor do salário do marido. Satisfeita, fazia novos planos que incluíam tirar carteira de habilitação para se ver livre do transporte público lotado12 onde passava cerca de quatro horas diárias e também o aprendizado de novas técnicas de limpeza. Mostrava-se particularmente entusiasmada com os conhecimentos recém-adquiridos num curso realizado em São Paulo de “faxina pós-obra”. Aline planejava investir em equipamentos para entrar nesse segmento que, segundo calculava, lhe permitiria aumentar mais uma vez seu rendimento. Ela pretendia também mudar de categoria como empresária, para deixar de ser microempreendedora e se tornar, formalmente, proprietária de uma empresa de pequeno porte.
24Ouvindo Aline falar de suas ambições, eu tinha o sentimento de que estas não eram improvisadas, mas, ao contrário, fruto de planejamento cuidadoso. Essa observação se relacionava, por exemplo, com o fato de minha interlocutora ter viajado para São Paulo para fazer um curso de limpeza pós-obra oferecido por uma profissional que conhecera pela internet (“Quando eu comecei a seguir, eu falei: ‘Eu quero chegar nesse nível. Quero sair um pouco da limpeza residencial’”). Aline também tinha observado bem os edifícios que terminavam de ser erguidos no seu bairro e nos vizinhos. Ela tratava ainda da possibilidade de adquirir conhecimentos mais especializados, como de restauração de pisos, já que, para Aline, existia “um leque de oportunidades pra quem quer estudar e buscar mais conhecimento”. A despeito da atitude otimista, Aline eventualmente mencionava obstáculos que precisava superar cotidianamente. Pontuando sua fala com frases como “empreender é muito difícil” ou “todo dia é um desafio muito grande”, mostrava-se particularmente preocupada com a fragilidade de sua reputação nas redes:
Eu tô nisso há dois anos e todo esse esforço pode acabar se um dia você fizer algo que a pessoa não goste. Todo esse caminho que eu percorri, se eu for numa casa amanhã ou depois e manchar um piso, a pessoa vai lá na internet e fala: “Essa faxineira veio aqui em casa e acabou com meu piso.” Aí você acaba com tudo o que construiu. Empreender é muito difícil!
25Ainda assim, Aline se mostrava orgulhosa de suas escolhas e avaliava que seus negócios cresciam num ritmo satisfatório. Sentia-se recompensada pela flexibilidade de sua agenda e liberdade, a tal ponto que abandonara de vez o projeto cogitado de fazer concurso público (“Cheguei a baixar o aplicativo pra estudar e tudo”) para “focar mais na parte administrativa de captação de clientes”. Portanto, foi com certa surpresa que, numa conversa que entabulamos pouco tempo depois, ouvi sobre os novos planos de Aline.
Então. Tudo mudou. Aconteceram várias coisas em dezembro que você nem imagina.
- 13 A prática de pedir ajuda aos patrões é comum entre empregadas domésticas assalariadas, conforme já (...)
26Apenas 35 dias separaram a primeira da segunda conversa que tive com Aline. O pouco tempo foi suficiente, contudo, para que seus planos tivessem mudado consideravelmente durante o período. O estopim parece ter sido um problema de relacionamento com “uma das meninas” de sua equipe que, em situação de aperto financeiro, teria dirigido um pedido de ajuda a clientes13 que Aline havia indicado. Minha interlocutora relatou que o episódio fez com que perdesse a confiança no negócio por ter percebido que sua reputação, que já julgava frágil, estava seriamente ameaçada. A situação coincidiu com um momento que chegavam na caixa de mensagens de Aline propostas que ela considerava promissoras.
27A primeira delas, segundo relato de Aline, partiu de um representante de vendas de produtos de limpeza de uso profissional que havia entrado em contato propondo uma “parceria”. Em termos concretos, Aline receberia um cupom de desconto para divulgar entre seus seguidores e, quando utilizado, o tal cupom renderia a ela um percentual do valor das vendas dos produtos. Segundo minha interlocutora, o vendedor argumentou que Aline continuaria agindo normalmente, “só que agora divulgando e recebendo por quem comprar”. A segunda proposta que teria feito Aline alterar seus planos partiu do representante de uma marca de loja física que também vendia online para todo o país. Nesse acordo, também batizado de “parceria”, Aline escolheria produtos no catálogo da loja, para então divulgá-los em stories, lives ou do modo que julgasse mais conveniente. A contrapartida, nesse caso, assumia forma um pouco mais vaga: a loja poderia repostar o conteúdo produzido em suas redes, convidá-la para participar de lives ao lado de “influenciadores” com número de seguidores substancialmente maior que o dela, incluindo “um influencer que tem até uma prateleira com a foto dele” na loja-sede, na cidade de São Paulo.
28Diante de minha declarada confusão, Aline tratou de detalhar a situação que entendia como oportunidade:
Tudo depende da minha criatividade. Eu posso criar vídeos, posso fazer stories… no futuro posso até criar um canal no YouTube ensinando sobre a utilização dos produtos, fazer antes e depois. […] [fazendo referência ao canal de YouTube da loja de produtos de limpeza] Eu vou estar no meio de pessoas grandes, eu tenho que pegar essa oportunidade [referindo-se ao canal do YouTube]. Eu preciso investir nisso. A princípio é visibilidade apenas, mas futuramente, quem sabe? […] Com certeza eles vão estar me divulgando. É uma troca: eu ajudo e eles me ajudam.
29Ouvindo sobre os novos planos de Aline eu tinha a impressão de que um investimento substancial estava sendo realizado por parte dela. Afinal, pensando nas possibilidades que as propostas de trabalho ofereciam, minha interlocutora tinha comprado um novo smartphone com uma câmera de qualidade superior. Estava prestes a viajar até São Paulo para depor, diante de uma turma de limpeza especializada, sobre como o conhecimento adquirido meses antes naquele mesmo curso a ajudara a trilhar um caminho bem-sucedido (muito embora, àquela altura, minha interlocutora não desse mais sinal de pretender seguir no ramo de limpeza pós-obra). Aline passou ainda a dedicar dois dias inteiros ao seu trabalho no Instagram, deixando para fazer faxina apenas nos outros três dias da semana. Ela contou também que tinha contratado uma “especialista em marketing responsável por um perfil grande” para “dar uma arrumada no feed”, analisar os horários que seus seguidores estão mais online, os momentos do dia em que estão mais propensos a interagir, os vídeos com mais curtidas e mais visualizações para, assim, traçar novas estratégias e fazer testes de seu trabalho online. E mostrava-se arrependida por não ter feito o investimento mais cedo:
Teve um período que eu tava tão saturada de Instagram que eu não queria. Eu acho que se eu tivesse me dedicado, eu já teria alcançado voos mais altos. Hoje eu entendi que o Instagram é uma ferramenta de trabalho.
30Ao longo de nossa conversa, Aline deixava transparecer que se sentia privilegiada pelas propostas que havia recebido. Disse-me que ser patrocinada para produzir conteúdo era o mais alto degrau a ocupar nas redes sociais. No seu entender, esse era o desejo de muita gente, posto que “é bem mais tranquilo você criar um conteúdo do que pegar sua mochila e enfrentar um ônibus cheio pra ir trabalhar”. Constatando que estava diante de uma oportunidade almejada por muita gente e confiante em sua capacidade de trabalho, sua criatividade e persistência, testou o terreno lançando uma enquete no Instagram. Os resultados foram recebidos com entusiasmo (“A pesquisa bombou”). Descobriu que, das cerca de 300 pessoas que responderam à enquete, metade do público era composto por donas de casa em busca de dicas de limpeza, enquanto a outra metade era de diaristas – sendo este último o público que pretendia atingir com a divulgação de produtos. E se ser procurada pelas marcas ela já tinha sido, agora o objetivo era produzir conteúdo para ser patrocinada pelas empresas.
31Passaram-se meses desde a última conversa com Aline e ainda que um encontro pessoal tenha sido planejado por nós duas, consecutivas remarcações o adiaram indefinidamente. Continuei, contudo, trocando mensagens esporádicas com minha interlocutora e acompanhando com regularidade seus passos através da mesma plataforma de redes social que nos conectou. No momento que este artigo é redigido, cerca de um ano depois que comecei a observar as atividades de Aline no Instagram, ela se apresenta ali como “faxineira”, “palestrante” e “criadora de conteúdo digital”. Segue realizando faxinas residenciais e, ocasionalmente, divulga produtos e exibe imagens de “limpeza pós-obra”. Participa de lives e de alguns eventos presenciais para “ajudar mulheres que querem investir no setor de limpeza”. Ganhou espaço no perfil de Aline um conteúdo dedicado a desvendar o funcionamento da plataforma. É saudada por suas seguidoras como “rainha do reels” – funcionalidade do Instagram que, conforme argumenta, “não é só dancinha, é estratégia”. Recentemente, Aline divulgou sua entrada no ramo de “consultoria digital”. Agora busca prestar serviço a outras trabalhadoras (faxineiras, mas não só) que, em busca de oportunidades de trabalho, seguem um caminho que, para Aline, é incontornável. “Se posicionar nas redes, divulgar o trabalho e fidelizar clientes”, atividades que minha interlocutora agora se propõe a ensinar, teriam se tornado, segunda ela, imperativos para qualquer trabalhadora que almeje atuar no segmento de limpeza doméstica.
- 14 Julgo representativo, a propósito, que, na ocasião de meus primeiros contatos com Aline, ela sinali (...)
32No Brasil, os estudos recentes que abordam o tema do trabalho no contexto do capitalismo de plataformas têm relacionado o avanço do trabalho mediado por aplicativos ao processo crescente de degradação das condições laborais (Abílio et al., 2020; Abílio; Grohmann; Weiss, 2021; Amorim; Moda, 2020; Antunes, 2018; Coutinho; Ferreira, 2021; Manzano; Krein, 2020). Os dados da pesquisa aqui apresentados não invalidam essas constatações. Com efeito, numerosas foram as situações da pesquisa que confirmam a vulnerabilidade a que estão sujeitas as trabalhadoras sem acesso às proteções conquistadas no curso do século XX.14 Por outro lado, a observação e a interação com as trabalhadoras que atuam no segmento de limpeza doméstica e fazem uso regular de plataformas de redes sociais revelaram aspectos ainda inexplorados pelas pesquisas acadêmicas. Mais precisamente, os dados da pesquisa qualitativa apontaram para a existência de um certo descompasso entre uma visão consensual na literatura e a percepção das próprias trabalhadoras sobre a evolução de suas condições de trabalho.
33Se os estudos que pensam o trabalho no contexto da economia de plataformas constatam, de forma hegemônica, que as novas tecnologias digitais intensificam a exploração do trabalho, rebaixam a remuneração dos trabalhadores e desestruturam vínculos de solidariedade entre eles, a pesquisa ilumina aspectos contraditórios no modo como Aline experimenta e percebe o trabalho doméstico. Para Aline, assim como para outras trabalhadoras ouvidas no contexto da pesquisa, em lugar de produzir uma deterioração das condições de trabalho, as novas plataformas digitais parecem ter acarretado mudanças frequentemente consideradas positivas ou promissoras. Isso a tal ponto que, quando questionadas, diversas trabalhadoras rejeitam a possibilidade de (re)ingresso no mundo de trabalho assalariado. Podemos começar a entender a dissonância entre a observação acadêmica hegemônica de piora nas condições laborais e a percepção positiva das trabalhadoras domésticas que fazem uso regular das plataformas de redes sociais a partir de uma vertente de natureza simbólica já bastante explorada na literatura sobre o serviço doméstico remunerado: a frequente desvalorização social do trabalho de limpeza.
34Acompanhando as atividades das trabalhadoras domésticas nas redes e ouvindo suas falas, testemunhei como elas se opunham consistentemente a uma escala convencional de prestígio que situa diaristas e faxineiras no nível mais baixo da hierarquia social. Nesse sentido, ainda que sejam evidentes os dados da biografia de Aline que fazem dela um caso singular no universo das trabalhadoras pesquisadas, o modo como esta narrava os passos de sua trajetória, enfatizando repetidas vezes sua escolha improvável de abrir mão voluntariamente do acesso que os diplomas conquistados lhe dariam no mercado de trabalho para atuar como faxineira, indicava que minha interlocutora tinha plena consciência que, do ponto de vista simbólico, sua decisão implicava um custo considerável. Não por acaso, a trabalhadora relatou com eloquência o modo como sua mãe e seu marido se opuseram enfaticamente à sua escolha, sinalizando reconhecer nos passos da filha e esposa um movimento descendente.
35“Uma profissão como qualquer outra” e variações da expressão apareceram repetidas vezes na fala de Aline. A recorrência não era acidental, mas indicativa do reconhecimento do lugar de desvalorização social reservado ao trabalho de limpeza no imaginário coletivo. Com efeito, reivindicar a legitimidade de sua escolha era algo que minha interlocutora se via instada a fazer com frequência, a começar dentro sua família. Segundo relatou Aline, quando soube que trabalharia como faxineira, seu esposo imediatamente reprovou sua escolha, procurando dissuadi-la de seguir em frente. Mobilizando a noção de honra familiar que fundamenta a identidade social do homem como provedor da casa (Fonseca, 2004), Aline explicava que a preocupação do marido era de que a nova atividade profissional sinalizasse publicamente que a família estivesse “passando alguma dificuldade”.
36Aline também relatou que tampouco sua mãe, “faxineira a vida toda”, aprovava seus planos, embora por razões diferentes. Justamente por ter experimentado na pele as agruras da profissão, a mãe de Aline argumentava que a filha, ao contrário dela própria, poderia escapar daquele tipo de sujeição (Garcia Jr., 1988). Já os ex-colegas do escritório, segundo minha interlocutora, sentiam pena – a ponto de o proprietário ter enviado recado por uma funcionária, oferecendo o antigo emprego de volta. Perguntei como Aline reagiu à oferta e a resposta veio em meio a risos: “Mandei dizer que se o escritório estivesse precisando de uma faxina, eu voltaria.”
37Se, por um lado, Aline demonstrava plena consciência do estigma da faxineira ao explicitar as interações e os conflitos com as pessoas próximas (“Ele [o marido] achava que era só lavar privada, como todo mundo acha que é só lavar privada”), ela também fornecia pistas de que, ao contrário de seus críticos, entendia que ocuparia no trabalho doméstico uma posição muito distinta daquela um dia ocupada por sua mãe. Segundo indicava seu relato, isso seria possibilitado por um trabalho cuidadoso de construção de reputação através das novas mídias sociais, em especial do Instagram.
38Aline afirmava que seu marido e mãe não sabiam, mas desde o início ela teria clientes em lugar de patrões. Refletindo, a meu pedido, sobre a diferença entre as duas categorias, Aline explicou que tratar as pessoas como cliente era uma forma de “demonstrar autoridade” e de não se submeter a eventuais ordens sobre sua forma de trabalhar. Dessa maneira, poderia definir limites de horas trabalhadas, solicitar que seus clientes definissem prioridades, apontando serviços que não poderiam ser feitos (“Foi difícil construir autoridade na internet, mas a galera foi se alinhando ao meu jeito de trabalhar”).
39Os esforços de Aline de reposicionar a limpeza doméstica em termos de respeitabilidade e prestígio não eram isolados, mas algo recorrentemente observado por mim ao longo de toda a realização da pesquisa. A reivindicação do valor social do serviço doméstico se fazia de formas variadas, incluindo longas legendas sobre o tema, mas também piadas e hashtags (são exemplos de hashtags e frases veiculadas nas redes rotineiramente: “amo o que faço”, “não é só limpar privada”, “#diaristaporamor”, “#diaristaporescolha”). Como modo de afirmação política, tanto nas redes quanto nas conversas individuais comigo, minhas interlocutoras conceituavam o trabalho de limpeza como forma de cuidado (Brites; Fonseca, 2014). Uma dessas trabalhadoras, Grazielle, diarista há cerca de oito anos, disse: “De um tempo pra cá eu entendi que o que eu faço não é só limpeza, mas oferecer bem-estar.” Outro indicativo de que as trabalhadoras buscavam operar nas redes um processo de valorização da profissão era a forma como, publicamente, elas estabeleciam limites para os serviços que prestavam. Era o que estava em jogo, por exemplo, na forma como as trabalhadoras lançavam mão de “prioridade” – aqui tratada como categoria êmica. Segundo minhas interlocutoras, a negociação de serviços de faxina passaria necessariamente por entender as prioridades de clientes para que, a partir daí, elas determinassem a viabilidade e o valor monetário do atendimento.
40Mais uma categoria ligada à valorização da profissão bastante acionada pelas trabalhadoras em posts, comentários veiculados no Instagram e entrevistas era o que as trabalhadoras domésticas chamavam de “demitir clientes”. Sinalizando seguidamente que possuíam (ou, na pior das hipóteses, desejavam obter) certo poder de barganha na relação com os consumidores do serviço doméstico, as trabalhadoras afirmavam seguidamente a necessidade de interromper a prestação de serviço ou recusar clientes que cruzassem os limites estabelecidos por elas ou lhes dirigisse tratamento que considerassem indigno.
41Ao levar em conta os relatos de Aline, bem como de outras trabalhadoras, esse esforço de reposicionar os serviços de limpeza doméstica através das redes parece ter sido bem-sucedido. No caso específico de Aline, com o passar do tempo, tanto o marido quanto a mãe reconheceram a legitimidade de suas escolhas profissionais e “passaram a acreditar mais” em seu projeto. Os clientes que surgiam (com o tempo, em número suficiente para lotar sua agenda) dispensavam a Aline um tratamento consideravelmente diferente daquele dos patrões de sua mãe:
Eu tenho cliente que me recebe dizendo que me acompanha tanto que tava doida pra me conhecer… vários sabem que eu gosto de café, já deixam separado pra mim. É a melhor parte do trabalho, esse reconhecimento…
42Os dados da pesquisa indicam que o deslocamento no valor social do trabalho doméstico remunerado era associado à ideia de que a utilização das redes sociais como meio de relacionamento com clientes facultou um incremento substantivo nos ganhos materiais das trabalhadoras. No caso do relato de Aline, a gradativa mudança na forma como familiares encaravam seu trabalho ocorreu pari passu com o crescimento de seus rendimentos financeiros: “Eu comecei a pagar mais contas em casa, reformei a cozinha, fiz meus [móveis] planejados, aí meu marido e minha mãe entenderam”, contou. De modo semelhante, outras diaristas ouvidas no curso da pesquisa argumentaram que as atividades nas mídias sociais renderam o acesso a novos clientes, lhes permitiram cobrar mais por faxina e estabelecer regras de trabalho mais vantajosas.
43Também nas redes pude testemunhar a criação e manutenção de laços de solidariedade e ajuda mútua entre as trabalhadoras. Pelo Instagram e através de grupos no WhatsApp, minhas interlocutoras trocavam experiências com outras trabalhadoras domésticas, faziam parcerias de trabalho (não era raro que elas realizassem serviço de limpeza residencial em dupla, e as relações nutridas via redes sociais eram veículos primordiais para oportunidades desse tipo), se aconselhavam mutuamente, encontravam apoio quando se viam diante de impasses.
44Mas se as redes podem gerar vantagens simbólicas e materiais para as trabalhadoras e se elas criam relações de solidariedade e fortalecem reivindicações coletivas de valorização da profissão, é importante não perder de vista que as plataformas são também espaços de intensa competição – por clientes, mas também por posições numa nova hierarquia estabelecida entre as trabalhadoras. A arquitetura das plataformas de redes sociais, em especial do Instagram, insere as trabalhadoras numa lógica de validação digital hiperindividualista, na qual são travadas disputas diárias por curtidas, visualizações, compartilhamentos. Não por acaso, conforme avançava a realização do trabalho de campo, identifiquei a existência (e intensidade!) de redes de fofoca – que, como já sabemos ao menos desde os escritos de Elias e Scotson (1994), desempenham papel decisivo na relação de forças entre coletivos, produzindo coesão e também fragmentação de grupos sociais.
45Além disso, a dinâmica de construção de reputação nas redes (Marins, 2020a) impunha uma carga de trabalho adicional considerável. A interlocução de Aline com outras trabalhadoras que encontram nas redes sociais um instrumento de trabalho deixa evidente que as plataformas demandam delas um esforço contínuo e intenso para conciliar a dura rotina de limpeza com a produção de conteúdo. São vídeos, fotografias, legendas, gerenciamento de comentários, apenas para citar alguns exemplos de atividades que requerem tempo, criatividade e conhecimentos técnicos específicos. Converter todo esse esforço em rendimentos depende, entre outros aspectos, da habilidade que as trabalhadoras adquirem de compreender o funcionamento das plataformas e de disputar a atenção de outros usuários – o que passa pelo opaco controle algorítmico das mídias sociais (Christin, 2020; Etter; Albu, 2021).
46Cabe ainda mencionar que, ao fim e ao cabo, as plataformas instauram uma dinâmica de trabalho entre as mulheres que mescla o “trabalho por esperança” – chamado na literatura em língua inglesa de hope labour, designando formas de trabalho não remuneradas ou insuficientemente remuneradas realizadas com a esperança de oportunidades profissionais futuras (Mackenzie; McKinlay, 2021) – e o “trabalho aspiracional” (aspirational labour) – formas de trabalho compensadas por “visibilidade”, na esperança de que rendam oportunidades junto a marcas estabelecidas no mercado (Duffy, 2017).
- 15 Esses rendimentos podem vir de atores externos ao universo de trabalhadoras (como é o caso do fabri (...)
47Dois componentes da dinâmica do trabalho aspiracional e de esperança forjados pelos usos das plataformas digitais de redes sociais foram nitidamente observados na pesquisa. O primeiro dizia respeito ao modo como as trabalhadoras competiam pela atenção de potenciais clientes com a esperança de que estes contratassem seus serviços em condições de trabalho que as profissionais julgassem satisfatórias tanto em termos materiais quanto simbólicos. O segundo componente diz respeito ao modo como as trabalhadoras competem por conseguir um destaque nas redes que as coloque em condições de obter rendimento a partir de sua posição em relação a outras trabalhadoras.15 Para entender melhor esses dois componentes, é importante que atentemos também para outros atores que participam das redes de relações das trabalhadoras forjadas pelo uso das plataformas digitais de redes sociais.
- 16 A categoria analítica “circuito”, originada no campo dos estudos urbanos (Magnani, 2014), também aj (...)
48Observando e interagindo com as trabalhadoras que integram o universo da pesquisa aqui apresentada, ficou evidente a existência de um “circuito”16 que incluía, além delas próprias, também outros atores que reconfiguram o trabalho que elas exercem. Nesse sentido, dois conceitos oriundos da literatura que enfoca o tema do trabalho na economia de plataformas são cruciais para a compreensão do que podemos chamar de aqui de “circuito de trabalhadoras domésticas”. O primeiro conceito é o de “influenciadores digitais” (digital influencers) – usuários de redes sociais que, em um cenário de profunda instabilidade econômica e profissional, veiculam nas redes conteúdos selecionados visando audiências específicas e obtêm rendimentos de marcas interessadas nessas audiências (Hund, 2023). Já o segundo conceito, o de criadores de habilidades (skill makers), diz respeito a trabalhadores que ganharam notoriedade entre os pares com narrativas de trajetórias bem-sucedidas e são financeiramente recompensados por ajudar na formação de novos trabalhadores (Soriano; Panaligan, 2019).
49Ao longo do trabalho de investigação junto a trabalhadoras domésticas, ao menos três atores que poderiam ser enquadrados nas categorias de “influenciadores” e “criadores de habilidades” eram frequentemente mencionados por minhas interlocutoras. Um deles, aliás, foi mencionado por Aline na passagem reproduzida neste artigo, quando minha interlocutora explicava suas motivações para ampliar seu investimento na criação de conteúdo para as redes sociais fazendo menção a “um influencer que tem até uma prateleira com a foto dele” em uma loja de produtos de limpeza. Com milhares de seguidores em diversas redes sociais, cursos e programas de treinamento destinados a trabalhadoras domésticas e contratos com marcas de produtos de limpeza, esses atores, que correspondem tanto à categoria dos “influenciadores digitais” quanto à dos “criadores de habilidades”, são espécie de pontos de referência para as trabalhadoras que aderem às plataformas de redes sociais com a esperança de impulsionar suas carreiras.
50Atentando para a existência de um circuito de trabalhadoras domésticas que opera nas redes e fora delas, podemos compreender melhor o contexto no qual se inserem as escolhas de Aline e de tantas outras trabalhadoras que enxergam nas redes sociais um instrumento de ascensão social. Resistindo (ao menos por enquanto) à tentação de conjecturar sobre a viabilidade dos projetos das trabalhadoras que almejam a conquista de melhores condições de trabalho individuais a partir de um esforço intenso de construção de reputações nas redes, gostaria de finalizar este artigo chamando atenção para outras implicações políticas que o uso dessas plataformas por trabalhadoras não assalariadas pode acarretar.
51Quando questionadas a respeito da ausência de direitos trabalhistas ou ainda, de maneira mais direta, se trocariam o trabalho autônomo pelo trabalho registrado em carteira, minhas interlocutoras recorrentemente respondiam – e, não raro, sem qualquer sinal de hesitação – que a CLT estava fora de seus planos e que tornar-se assalariadas representava para elas uma regressão em termos profissionais. Conforme se desenrolavam as interações de pesquisa com as trabalhadoras, ficava claro que a recusa ao trabalho formal nada tinha a ver com desconhecimento a respeito das proteções trabalhistas que o acompanhavam. Ao contrário, minhas interlocutoras deixavam claro que tinham ciência a seu respeito, muitas vezes nomeando os direitos dos quais abriam mão (em especial, a garantia de recebimento de salário mínimo, férias e descanso semanal remunerados, o 13° salário e as garantias previdenciárias) em nome do trabalho autônomo.
- 17 Cabe ressaltar, a propósito, que em diversos casos minhas interlocutoras faziam menção a experiênci (...)
52Segundo minhas interlocutoras, as vantagens de trabalhar por conta própria superavam aquelas atreladas ao trabalho formal.17 Dentre as justificativas arroladas por elas, descavavam-se a liberdade (ainda que relativa) de gerir/negociar os horários de trabalho com os clientes de acordo com compromissos pessoais ou familiares, a possibilidade de escapar do tédio de trabalhar todos os dias em um só lugar, a possibilidade de estabelecer/negociar as próprias regras que organizam o trabalho de limpeza junto a clientes, bem como a possibilidade de ganhos superiores aos salários que, segundo elas, lhes seriam acessíveis no mercado de trabalho formal. Ao invés disso, as trabalhadoras apostavam no caminho do empreendedorismo (termo, aliás, recorrentemente empregado por minhas interlocutoras), demonstrando confiança de que, através do próprio esforço e do apoio de familiares, suas condições de vida melhorariam.
- 18 A utilização desse conceito aqui está ligada ao emprego feito por Kunreuther (2018), para quem as d (...)
- 19 Discuti o tema da construção de reputação nas redes sociais em Marins (2018).
53É importante enfatizar algo já registrado na produção antropológica brasileira, a saber: a preferência pelo trabalho por conta própria não é propriamente nova no Brasil, muito menos foi inaugurada pelo uso das plataformas digitais de redes sociais. É isso que demonstram, por exemplo, pesquisas etnográficas realizadas entre trabalhadores por conta própria (Espírito Santo, 2020; Souza, 2012), entre trabalhadores rurais (Garcia Jr., 1983) ou mesmo entre trabalhadores assalariados (Carriço, 2016). Por outro lado, o material empírico que deu origem a este artigo sugere que os usos de plataformas digitais de redes sociais ajudam a moldar uma nova forma de subjetividade política18 baseada na dinâmica própria de construção de reputação nas redes.19
54Cabe lembrar que Aline, assim como outras interlocutoras da pesquisa, reconhece as duras condições de garantir sua subsistência. Em conversas particulares comigo, surgem referências ao desgaste físico que as tarefas domésticas causam (“É um trabalho pesado”), certas formas de violência simbólica ainda presentes no cotidiano do trabalho (“Ainda tem muita gente que trata faxineira como ser inferior”) e a vulnerabilidade diante de imprevistos que impossibilitam o trabalho e anulam suas possibilidades de obter remuneração. Entretanto, no espaço público das redes, buscando projetar imagens de carreiras bem-sucedidas, essas mulheres enfatizavam suas conquistas, inclusive, registrando o cotidiano a partir de ângulos que delineavam uma realidade mais favorável do que aquela de fato vivenciada, como demonstra o exemplo de Aline divulgando vídeos de sua própria casa para passar a impressão de ter uma agenda lotada quando não era o caso. Se as conquistas individuais ganham destaque nas redes enquanto as dificuldades vivenciadas coletivamente tendem a ser ocultadas, algo semelhante ocorre com as desigualdades entre as trabalhadoras. Nesse sentido, os dados biográficos de Aline contrastam com os de outras trabalhadoras, em especial no que diz respeito a sua escolaridade (que inclui dois cursos de nível técnico) e a sua experiência profissional em escritórios de contabilidade. Apesar de esse contraste poder ter potencializado as vantagens obtidas pela trabalhadora nas redes sociais, o reconhecimento das desiguais condições de disputa de mercado nas redes por trabalhadoras com diferentes perfis socioeducacionais jamais veio à tona em conversas privadas que mantivemos e, menos ainda, no conteúdo veiculado no Instagram, onde a trabalhadora continuamente sugere que o sucesso profissional está ao alcance de qualquer pessoa.
55Para além de produzir uma dinâmica que, por um lado, silencia as dificuldades laborais cotidianas e, por outro, acentua conquistas individuais e as vantagens da profissão, a arquitetura das redes produz uma nova organização do trabalho do tipo piramidal – isto é, dependente da entrada de novas trabalhadoras-usuárias das redes para que outras trabalhadoras como Aline partam da posição de faxineira para serem alçadas à posição de “influenciadora digital” e/ou “criadora de habilidades”. Considerando a insustentabilidade de estruturas desse tipo, pode-se aventar que as chances de as incontáveis trabalhadoras que investem nas plataformas de redes sociais receberem o retorno por elas esperado são remotas. Enquanto buscam a subsistência e a sonhada ascensão social nas plataformas, elas consomem e produzem conteúdo que, diariamente, sinalizam que a superação de duras condições de vida não se dá a partir da luta coletiva, mas é, antes, produto do trabalho e de virtudes individuais.
56Neste artigo, procurei recuperar e organizar elementos da trajetória de uma trabalhadora doméstica que apontam caminhos para entendermos melhor as formas como as plataformas de redes sociais vêm engendrando transformações no segmento do trabalho doméstico remunerado no Brasil. O material empírico aqui analisado apontou para um uso intenso das plataformas de redes sociais pelas trabalhadoras e para a existência de uma divergência entre a visão hegemônica nos estudos acadêmicos que pensam os efeitos da plataformização do trabalho e a percepção das próprias trabalhadoras sobre a evolução de suas condições laborais. A fim de compreender esse descompasso, examinei os “efeitos contraditórios em termos de precarização” (Sorj, 2014, p. 124) no trabalho doméstico a partir do diálogo com um referencial teórico sobre o uso de redes sociais ligados a outros contextos laborais. Verifiquei, assim, que os usos de plataformas digitais de redes sociais ajudam a moldar uma nova forma de subjetividade política baseada numa dinâmica própria de construção de reputação nas redes – algo que procurei descrever aqui.
57A imbricação entre formas de trabalho não assalariadas e a utilização de plataformas de redes sociais permanece ainda sub-representada na literatura que investiga as mudanças recentes no mundo do trabalho – ainda mais se levarmos em conta suas consideráveis repercussões políticas. Compreender em que medida os desdobramentos do capitalismo de plataformas impactam o trabalho e a organização política de trabalhadoras e trabalhadores, em especial aqueles historicamente desprovidos de acesso a proteções trabalhistas, demanda ainda muitos outros estudos qualitativos e também quantitativos. Observar, assim, outros contextos, bem como outros setores de atividades informais e periféricas é tarefa urgente e fundamental, não apenas para o avanço do conhecimento acadêmico, como também para formulação de políticas voltadas a essa camada da população.