1O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foi criado em 1983, porém teve origem em 1955, no governo de Getúlio Vargas, com a Campanha da Merenda Escolar (Paraná, 2017). Em 2001, por meio da Medida Provisória nº 2.178, tornou-se obrigatório que 70% dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) fossem destinados à aquisição de gêneros alimentícios básicos, de modo a respeitar os hábitos alimentares regionais. Para Gregolin et al. (2018), embora se estabelecesse a prioridade para aquisição de alimentos básicos e de produção regional em detrimento dos alimentos industrializados e globalizados, ainda não havia o real interesse de promover o desenvolvimento sustentável; visava-se reduzir os custos com transporte, conforme apresenta a redação da medida provisória, ou seja, a visão ainda estava pautada no aspecto econômico.
2A partir de 2009, com a regulamentação da Lei nº 11.947, relacionou-se o Programa com a promoção do desenvolvimento sustentável, estabelecendo que no mínimo 30% da verba repassada pelo governo federal para o PNAE, obrigatoriamente, fossem gastos com a agricultura familiar (Brasil, 2009). A agricultura familiar é uma forma de produção agrícola praticada em muitos municípios brasileiros e constitui uma estratégia de desenvolvimento sustentável, social, econômico e cultural. A agricultura familiar ajuda a reduzir a fome, o desemprego e a desnutrição, além de fornecer à população alimentos saudáveis e regionais (Souza et al., 2015).
3Nesse contexto, almejando avanços no desenvolvimento socioeconômico sustentável, na Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e na saúde dos estudantes, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) publicou, em 8 de maio de 2020, a Resolução nº 6/2020 do Conselho Deliberativo/FNDE, a qual dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos no âmbito do PNAE, apresentando alterações no cardápio da alimentação escolar, de modo a reforçar a presença de alimentos in natura e minimamente processados, em especial de origem agroecológica, orgânica e da agricultura familiar; a presença de alimentos da sociobiodiversidade e que respeitem os hábitos alimentares, a cultura e a sustentabilidade do local (Brasil, 2020).
4Assim, a Resolução n° 06/2020 apresenta algumas ferramentas e ações para o enfrentamento da alimentação e seus impactos na saúde e no meio ambiente, mais conhecida como Sindemia Global de Obesidade, Desnutrição e Mudanças Climáticas, por meio das alterações nos cardápios, além da valorização da dimensão sustentável ao longo dos sistemas alimentares escolares (Dutra; Dala-Paula, 2022; Swinburn et al., 2019).
5As diretrizes e normas do PNAE configuram o programa como instrumento para a promoção da saúde, da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e do desenvolvimento sustentável, e foram elaboradas com base no Guia Alimentar da População Brasileira. Além disso, ressalta-se o processo de educação alimentar e nutricional, que deve ser considerado fundamental para o alcance dos objetivos e deve tomar como base as diretrizes estabelecidas no Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional. Desta forma, qualquer ação referente ao PNAE no ambiente escolar deve estar pautada na sustentabilidade em todos as suas dimensões (social, ambiental e econômica), na abordagem do sistema alimentar na sua integralidade e nas questões relacionadas ao ensino do autocuidado, para que, de forma autônoma, os alunos possam buscar uma mudança nos hábitos alimentares e compreender a relação da alimentação com a saúde integral (Brasil, 2012).
6Considerando as dimensões da sustentabilidade no PNAE, mais especificamente a dimensão ambiental, em virtude de a escola ser um ambiente educativo, com potencial de trabalhar a conscientização e criar contornos mais amplos, podem-se citar como abordagens fundamentais, por exemplo, o controle do desperdício e o uso irracional dos alimentos, assim como sua relação com a geração de resíduos orgânicos e até mesmo inorgânicos (representados por embalagens plásticas) para o meio ambiente e os impactos nos gastos públicos (Boschini et al., 2018).
7Em face do exposto, o Conselho de Alimentação Escolar (CAE) contempla um fundamento da Constituição da República Federativa do Brasil, que visa à participação do poder público e sociedade civil na formulação, implementação e controle/fiscalização das políticas públicas. Os CAE têm, dentre as suas funções, a garantia da SAN nas escolas e, para isso, fiscalizam os recursos públicos que são repassados pelo FNDE às entidades executoras, bem como o complemento dos recursos realizados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios (Da Rocha Santos et al., 2022).
8Conforme a resolução CD/FNDE n° 6/2020 (alterada pela Resolução CD/ FNDE n°20/2020), que revogou as Resoluções CD/FNDE n° 26, de 17 de junho de 2013, e n°4, de 23 de abril de 2015, fazem parte da composição do CAE: 2 representantes da sociedade civil; trabalhadores da educação e discentes; representantes pais de alunos e 1 representante do poder executivo, sendo ao todo 7 integrantes. A renovação é a cada 4 anos. Ainda conforme previsto na Resolução, mesmo as atividades desenvolvidas pelos conselheiros do CAE sendo de forma voluntária, é dever da Entidade Executora (municípios e estados) garantir infraestrutura adequada para o pleno funcionamento das atividades do Conselho (Brasil, 2020).
9Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi compreender a atuação de CAE municipais do estado de Minas Gerais no controle social e na dimensão da sustentabilidade do PNAE, além de avaliar o efeito de uma intervenção educativa na intenção de atuação dos conselheiros.
10Trata-se de uma pesquisa-ação, a qual é definida como um modelo de pesquisa social com base empírica, que é desenvolvida associada a uma ação ou com a resolução de um problema coletivo onde participantes e pesquisadores estão envolvidos na situação de modo participativo ou cooperativo (Thiollent, 2022).
11No presente trabalho a pesquisa-ação foi orientada para elaboração de diagnósticos, identificação de problemas e busca de soluções, com a utilização de métodos e técnicas qualitativas, como o grupo de discussão e a análise de conteúdo. Para a caracterização da amostra, análises quantitativas de média, mediana e desvio padrão também foram realizadas.
12A pesquisa foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) sob o CAAE: nº 53194421.0.0000.5142, Número do parecer: 5.460.401. Os participantes tiveram ciência do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual foi assinado após leitura e concordância em participar da pesquisa.
13Foram convidados cerca de 1.200 indivíduos, representando 400 municípios do estado de Minas Gerais, por meio eletrônico, através de e-mail, conforme cadastro na plataforma do e-PNAE, aplicativo associado ao PNAE. Os critérios de inclusão foram: indivíduos que fizessem parte do Conselho de Alimentação Escolar de algum município de Minas Gerais e que tivessem disponibilidade para participar dos encontros virtuais que aconteceriam conforme data e horário pré-programados.
14A intervenção educativa realizada foi um workshop composto por dois encontros virtuais e síncronos, por meio da plataforma Zoom, cujo link de acesso foi disponibilizado via e-mail aos participantes inscritos. O objetivo do workshop foi a formação de uma rede de apoio para o desenvolvimento de ações relativas ao controle social do PNAE, que incluíssem a dimensão da sustentabilidade. Os encontros aconteceram nos dias 8 e 11 de agosto de 2022, com duração de 2 horas cada um. Os workshops foram moderados por um pesquisador com experiência em grupos de discussão, e a participação de dois nutricionistas relatores. Além das atividades síncronas, o workshop contou com a realização de atividades assíncronas no Ambiente Virtual de Aprendizagem, Moodle, com a disponibilização de materiais pedagógicos (Dala-Paula; Lourenção, 2022a, 2022b, 2022c e 2022d), grupos de discussão, apresentações e vídeos de curta duração no canal do YouTube do projeto ReFoRSSe (Rede de Formação para o Preparo de Refeições Saudáveis e Sustentáveis nas Escolas), vinculado a esta pesquisa (https://www.youtube. com/@projetoreforsse5163).
15O primeiro dia do encontro síncrono teve como estrutura: a) preenchimento do formulário de « Caracterização da atuação do CAE na fiscalização do PNAE no município participante »; b) apresentação da equipe organizadora e dos objetivos e formato workshop; c) apresentação da temática « Mudanças Climáticas e Sustentabilidade Ambiental Associadas à Produção de Alimentos e Hábitos Alimentares »; d) grupo de discussão; e) apresentação do Ambiente Virtual de Aprendizagem (Moodle) e dos materiais disponibilizados; f) encerramento. No segundo dia, foram abordados: a) introdução ao workshop; b) relatos de experiências de atuação do CAE e iniciativas visando à produção sustentável de refeições no PNAE; c) grupo de discussão sobre os relatos e trocas de experiências entre os CAE participantes; d) encerramento.
16Os grupos de discussão se nortearam a partir das seguintes perguntas: « Quais atividades, no âmbito do PNAE, o CAE em que faço parte realiza? »; « Como posso contribuir para a garantia da sustentabilidade e saudabilidade por meio do controle social realizado pelo CAE? ». As seguintes probes: « desafios, estratégias e oportunidades » foram incluídas a fim de estimular e conduzir a discussão, para compreender adequadamente a atuação de CAE municipais do estado de Minas Gerais no controle social e da dimensão de sustentabilidade do PNAE. Como prevê a técnica, o grupo de discussão buscou a participação ativa do sujeito na pesquisa, concedendo a liberdade para expressar sua opinião sobre o sentido de suas ações relacionadas à sua vida cotidiana (Manrique; Pineda, 2009).
17Para cada participante, foi aplicado um questionário semiestruturado, a fim de caracterizar a organização, as condições de trabalho e as ações desenvolvidas no âmbito do controle social do PNAE, com destaque para aquelas que perpassam a dimensão da sustentabilidade (material suplementar 1).
18O grupo de discussão compreende uma prática aproximada ao discurso social, informal e espontâneo em que os conflitos ideológicos sociais têm lugar. Nele, pretende-se interpretar melhor os valores motivacionais afetivos, suas expectativas e crenças, igualmente, a projeção de seus desejos, temores e resistências, conscientes e inconscientes, em torno do problema investigado (Godoi et al., 2018). Sendo assim, os dois encontros anteriores foram gravados, sendo as falas transcritas e os vícios de linguagem corrigidos, conforme descrito por Fletcher (2017).
19Ao final do segundo dia do workshop, os conselheiros participantes responderam a um questionário estruturado (material suplementar 2), cujas perguntas visavam identificar a intenção de mudanças no exercício do controle fiscal do PNAE. As mudanças pesquisadas foram aquelas com reflexo no controle da alimentação escolar visando a uma alimentação saudável e adequada, cuja produção seja focada na sustentabilidade.
20Para a análise dos dados qualitativos, foi utilizado o método de análise temática de conteúdo, proposto por Bardin (1997), o qual procura identificar as atitudes dos sujeitos em relação ao objeto de que falam, quando manifestam opiniões de um conteúdo. Essa análise possui três etapas, que são: (i) pré-análise; (ii) exploração do material; e (iii) tratamento dos resultados, inferência e interpretação. A pré-análise consistiu na organização do material e, para isso, 5 passos foram fundamentais, sendo eles: 1) exaustividade; 2) representatividade; 3) homogeneidade; 4) pertinência; 5) exclusividade. A exploração do material consistiu na codificação dos dados, sendo o momento em que os dados foram transformados sistematicamente e agregados em unidades. No tratamento dos resultados, inferência e interpretação, o embasamento das análises foi realizado de acordo com o referencial teórico, o qual forneceu sentido à interpretação (Bardin, 1997). Para tanto, o conteúdo foi organizado em « categoria », caracterizada por um conjunto de « elementos » que juntos contemplam um determinado tema. Trecho das falas dos conselheiros, definidos como « citação » que ilustra o elemento abordado e « grau de intensidade », que compreende a ocorrência em que o elemento veio à tona entre os participantes durante o grupo de discussão, sendo: + utilizado para uma ocorrência do elemento; ++ para duas, e +++ para três ou mais ocorrências.
21O nome dos participantes, assim como a cidade de que faz parte o CAE municipal, foram mantidos no anonimato.
22Estima-se que a população de Minas Gerais seja de 20.538.718 habitantes, segundo dados do IBGE (2022). O estado é composto por 13 Regiões Geográficas Intermediárias (RGI), sendo elas: Belo Horizonte, Montes Claros, Teófilo Otoni, Governador Valadares, Ipatinga, Juiz de Fora, Barbacena, Varginha, Pouso Alegre, Uberaba, Uberlândia, Patos de Minas e Divinópolis (IBGE, 2017).
23Dos municípios participantes desta pesquisa, foi observada a presença de integrantes das Regiões Geográficas Intermediárias de Belo Horizonte, Uberaba e Governador Valadares. Os municípios participantes desta pesquisa possuem características sociodemográficas de educação e economia diferentes entre si, conforme apresentado na Tabela 1. Isso pode ser notado através do desvio padrão de cada uma das características, bem como pela amplitude dos valores. Desse modo, evidenciam-se diversos cenários de atuação dos CAE, o que deve ser relevante para a interpretação e análise dos dados apanhados nesta pesquisa.
TABELA 1 – Caracterização sociodemográfica de educação dos municípios participantes da pesquisa
Legenda: *referente ao ano de 2021; ** referente ao ano de 2022.
Fonte: IBGE (2021;2022).
24Os workshops tiveram a participação de 25 membros de CAE de 10 municípios do estado de Minas Gerais. Em relação aos membros dos CAE participantes desta pesquisa, 61% eram titulares, enquanto 25% suplentes e 14% preferiram não responder. Sobre a categoria de representação no CAE, 47% eram representantes de sociedade civil; 43% representantes do poder e 11% que preferiram não responder. Na metade dos CAE participantes, não havia conselheiro oriundo do segmento de « discentes », e 96% estavam devidamente compostos com os representantes dos segmentos previstos. Os outros 4% preferiram não responder.
25Tratando-se das condições de trabalho dos CAE municipais, cerca de 68% dos respondentes contam com disponibilidade de recursos humanos suficientes para desenvolver adequadamente suas atividades; 75% contam com equipamentos de informática e 79% contam com local apropriado, com condições adequadas para as reuniões e com transporte para deslocamento para os locais relativos ao exercício de sua competência. Dos respondentes, 64% relataram que não há escolas em áreas indígenas ou em remanescentes de quilombolas em seu município.
26Em relação aos serviços prestados pelo CAE, 68% são consultados e emitem parecer sobre substituição de gêneros alimentícios em chamada pública e recebem capacitação para a fiscalização do PNAE. Cerca de 79% estão atentos à aplicação do teste de aceitabilidade dos cardápios oferecidos; 89% dos respondentes relataram solicitar à Secretaria de Educação todos os documentos e informações referentes à execução do PNAE, assim como supervisionar o serviço de alimentação nas escolas e monitorar o desperdício de alimentos relacionados à produção das refeições no âmbito escolar e em relação ao consumo dos estudantes. Além disso, cerca de 90% relataram realizar reunião específica para apreciação da prestação de contas da entidade executora municipal, respeitando o quórum mínimo para esta atividade, além de analisá-la para a emissão de parecer conclusivo no SIGECON. Quase todos os respondentes (93%) relataram comunicar ao FNDE ou outro órgão competente quando identificam alguma irregularidade na execução do PNAE e (96%) fornecer informações e apresentar relatórios acerca do acompanhamento da execução do PNAE sempre que solicitado. Todos os respondentes afirmaram verificar a qualidade dos alimentos, em especial quanto às condições higiênicas.
27Já em relação ao cardápio, a maioria dos respondentes (93%) relatou receber os cardápios da Secretaria de Educação. Cerca de 82% verificam os aspectos culturais das preparações inseridas nos cardápios; 96% verificam a introdução de alimentos provenientes da agricultura familiar local; 86% verificam a capacidade de promoção da saúde nos cardápios e relatam receber assessoria do nutricionista atuante no PNAE. No entanto, apenas um pouco mais da metade dos entrevistados (61%) mencionou não verificar o impacto do cardápio na sustentabilidade ambiental.
28Nas questões referentes à rede de parceria dos CAE, 18% dos respondentes relataram não possuir contato com CAE de outros municípios; no entanto, 75% estabelecem outras parcerias em regime de cooperação.
29A partir da análise da transcrição das falas apresentadas no grupo de discussão referente à pergunta norteadora: « Quais atividades, no âmbito do PNAE, o CAE em que faço parte realiza? », foi possível agrupá-las nas seguintes categorias de respostas (Quadro 1).
QUADRO 1 – Atividades desenvolvidas pelos membros dos CAE participantes no âmbito do PNAE
Fonte: elaborado pelos autores.
30Quando o grupo foi questionado sobre: « Como podem contribuir para a garantia da sustentabilidade e saudabilidade por meio do controle social realizado pelo CAE? », foi possível identificar o seguinte desafio: adesão dos agentes envolvidos para a saudabilidade do cardápio. No entanto, os participantes também apresentaram estratégias e oportunidades para a realização do controle social que garanta a saudabilidade e sustentabilidade da alimentação escolar, sendo elas: o cultivo da horta escolar, parcerias com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (EMATER) e a realização de chamadas públicas, conforme Quadro 2.
QUADRO 2 – Estratégias, Oportunidades e Desafios das ações dos CAE na sustentabilidade e saudabilidade da alimentação escolar
Fonte: elaborado pelos autores.
31Ao final da participação dos dois dias de workshop, os participantes responderam a um questionário de intenção de mudança na realização do exercício do controle social. Esse questionário teve como objetivo avaliar o impacto da intervenção educativa, como um projeto piloto para outros cenários mais amplos.
32Nesta dimensão, tivemos a participação de 12 conselheiros, representando 7 municípios. Do total, 100% dos respondentes relataram pretender questionar os nutricionistas sobre: a capacidade de promoção da saúde dos cardápios elaborados no PNAE; aspectos culturais das preparações inseridas nos cardápios elaborados pelo nutricionista; introdução de alimentos provenientes da agricultura familiar local nos cardápios elaborados pelo nutricionista; impacto dos cardápios elaborados pelo nutricionista em relação à sustentabilidade ambiental; os CAE pretendem se atentar/questionar sobre o desperdício de alimentos nas escolas durante a produção das refeições e nas sobras das refeições dos estudantes.
33Através dos encontros foi possível favorecer parcerias entre metade dos CAE presentes e possibilitar a troca de experiências para o desenvolvimento de ações futuras.
34Tendo em vista que o CAE exerce função primordial no controle social, a qual envolve assessorar e fiscalizar todo o processo referente à alimentação escolar desde a aquisição dos alimentos, preparo e distribuição até a prestação de contas (Sperandio; Morais, 2021), a maioria dos CAE presentes possui composição adequada, assim como estrutura adequada para o desenvolvimento de suas ações.
35Ainda sobre a caracterização dos CAE participantes, a maioria relatou realizar reunião específica para apreciação da prestação de contas da entidade executora municipal, além da solicitação à Secretaria de Educação de todos os documentos e informações referentes à execução do PNAE, e a fiscalização da execução do PNAE nas unidades escolares. É função do CAE fazer denúncias sobre a má utilização dos recursos públicos ao FNDE, Ministério Público e outros órgãos competentes, como Tribunal de Contas da União (Araújo; Diniz, 2013; Teixeira et al., 2009). Além disso, os conselheiros devem se atentar para a qualidade das refeições ofertadas e analisar a prestação de contas da entidade executora (Araújo; Diniz, 2013; Teixeira et al., 2009).
36Um outro aspecto observado foram os treinamentos, os quais podem ser um fator crítico para o sucesso de atuação do CAE. Afinal, se o conselheiro não tiver conhecimento suficiente, tampouco será capaz de identificar as irregularidades e atuar de forma satisfatória (De Castro et al., 2020). Em uma pesquisa realizada por Ferreira et al. (2019), em 38 municípios do Rio de Janeiro, sobre a percepção de agentes operadores do Programa Nacional de Alimentação Escolar, verificou-se que, entre as dificuldades relatadas, destacou-se a falta de oferta de capacitação de seus membros.
37Nesse enfoque, um dos meios de se obter apoio técnico-operacional é através do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar (CECANE), que tem como finalidade prestar serviço técnico e operacional aos municípios e estados, voltados à execução da alimentação saudável nas escolas, abrangendo a capacitação dos profissionais inseridos no sistema, dentre eles: merendeiros, cantineiros, conselheiros de alimentação escolar e demais profissionais interessados (Almeida, 2021).
38Os processos de capacitação são importantes porque é por meio do conhecimento e entendimento das leis que os conselheiros conseguem acompanhar e buscar melhorias no cardápio, dentre elas a saudabilidade. Considerando que em 2020 houve alterações na elaboração de cardápios, destacam-se entre as principais mudanças a delimitação para alimentos em conserva, que só podem ser ofertados uma vez ao mês; restrição do açúcar adicionado nos alimentos e bebidas durante a fabricação ou preparações realizadas em casa; a oferta de biscoitos, bolacha, pão ou bolo varia de duas vezes por semana a três vezes na semana ou no máximo sete vezes por semana, dependendo do número de refeições realizadas pelo aluno e o período escolar; o uso de margarina ou creme vegetal variando de uma vez por semana ou duas vezes ao mês, dependendo do período escolar (Brasil, 2020).
39As ações desenvolvidas pelos nutricionistas e pelo CAE devem contar com o apoio de professores, monitores e quem mais auxiliar nas refeições dos escolares. A alimentação escolar deve ser um meio de promoção de hábitos alimentares saudáveis, refletindo positivamente o processo de crescimento e desenvolvimento dos escolares (Silva et al., 2023). Assim, a implementação adequada do PNAE é uma estratégia para reduzir a prevalência da insegurança alimentar e nutricional e da fome (Amorim et al., 2020). Essas ações contribuem diretamente para o aumento da renda familiar dos moradores menores de dezoito anos e dos trabalhadores rurais (Salgado & Delgrossi, 2022).
40Além disso, conforme relatado por Ferreira et al., (2019), outro desafio dos CAE é a escassez de visitas às escolas por dificuldade de acesso. Conforme a legislação (Brasil, 2020), a Entidade Executora deve oferecer a infraestrutura necessária para o deslocamento dos membros do conselho, e, na ausência desse cumprimento, o monitoramento das diretrizes do programa fica comprometido (Ferreira et al., 2019). Souza (2015) constatou, em sua pesquisa, um funcionamento precário dos CAE de Minas Gerais e Espírito Santo, salientando as condições inadequadas de trabalho dos conselheiros, juntamente com o desconhecimento das normas e regimentos do programa.
41Todos esses aspectos fazem parte de uma complexa relação multidimensional do PNAE com a saúde e a sustentabilidade. Não há como ofertar uma alimentação saudável com alimentos produzidos a partir de um sistema alimentar insustentável. Para tanto, deve-se contemplar a saudabilidade da alimentação sem limitá-la ao valor nutricional dos cardápios, e sim sob o viés da sustentabilidade (Martinelli; Cavalli, 2019).
42Considerando as temáticas relacionadas como sinônimas, sustentabilidade e desenvolvimento sustentável, foram definidas em 1987, no relatório de Brundtlant, como aquele que é capaz de atender às demandas atuais sem comprometer as futuras gerações em atender suas próprias necessidades (Brundtland et al., 1987). Porém, a aplicação desse conceito acarreta dificuldades reais, uma vez que, para atender as necessidades atuais, os níveis de degradação ambiental estão cada vez maiores (Bedin; Faria, 2021).
43Para Boff (2012), esse conceito possui limitações por ser antropocêntrico e não incluir outros seres vivos que também precisam da biosfera e da sustentabilidade. Para o autor, o conceito de sustentabilidade deve ultrapassar ações de preservação dos recursos naturais, e levar os indivíduos a pensarem como sujeitos integrados à natureza. A sustentabilidade envolve diretamente questões como justiça social e valores e atitudes frente ao modelo de desenvolvimento a que estamos sujeitos. Propõe a construção de um novo paradigma civilizatório no qual a ecologia não se restringe ao ambientalismo puro e simples. Gadotti (2008) afirma que a sustentabilidade « refere-se ao próprio sentido do que somos, de onde viemos e para onde vamos, como seres humanos ». Portanto, todas as ações devem ser construídas para a consciência de uma cidadania planetária, com a efetiva cidadania na esfera local e nacional, e que gerem transformações nas áreas econômicas, políticas, culturais e institucionais, dos direitos sociais, dos direitos econômicos.
44Em consonância a visão integrada e mais ampla do conceito, destaca-se a necessidade de discussões mais aprofundadas no ambiente escolar, abrangendo várias dimensões da vida e não apenas as relações com a natureza.
45Sobre a importância de se perceber a complexidade da sustentabilidade e da saudabilidade da alimentação precisa-se reforçar entre a comunidade escolar que uma alimentação saudável é aquela que vai causar um baixo impacto ambiental. Triches (2020) alerta para o fato de que a escolha dos alimentos que compõem a dieta sustentável não se limita ao aspecto nutricional, mas envolve uma análise sobre impactos gerados para a saúde e para o ambiente. Envolve pelo menos cinco dimensões: saúde, econômica, cultural, ambiental e de agricultura, considerando o sistema agroalimentar. Desta forma, a autora afirma que nem sempre uma dieta saudável, que atende as necessidades nutricionais, será composta por alimentos que produzem menos gases de efeito estufa, ou que fazem adequado uso do solo, de água e de energia. Além disso, chama atenção para o entendimento que em todos os grupos de alimentos, haverá alguns mais sustentáveis do que outros, porque deve-se considerar como e onde foram produzidos, fabricados, transportados, preparados e consumidos.
46Na pesquisa realizada, para o alcance da sustentabilidade na alimentação escolar, foram citadas como estratégias e oportunidades, a agricultura familiar e as ações que reduzem impactos ambientais, como o combate ao desperdício com o aproveitamento integral de alimentos e a implementação de hortas escolares. A agricultura familiar está presente na alimentação escolar por meio da obrigatoriedade da porcentagem mínima de aquisição de alimentos oriundos da agricultura familiar na alimentação escolar, que se tornou obrigatória, a partir de janeiro de 2010 (Brasil, 2009), contribuindo para a sustentabilidade, diminuição do êxodo rural e aumento na oferta de empregos com desenvolvimento local (Saraiva et al., 2013). Nesta pesquisa, 96% dos conselheiros verificam a introdução de alimentos provenientes da agricultura familiar local, resultado maior do que os dados encontrados por Ferigollo et al. (2017) no Rio Grande do Sul (71,2%), que se destaca na produção da agricultura familiar e no abastecimento interno de alimentos e, consequentemente, no fornecimento de alimentos através da agricultura familiar (Saraiva et al., 2013). Tal resultado pode ser explicado devido ao reconhecimento e favorecimento da agricultura local por parte da entidade executora.
47Além disso, cabe ressaltar que tanto a sustentabilidade quanto o incentivo à agricultura familiar, podem ser obtidos através de parcerias. A EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais), por exemplo, possibilita o auxílio na inclusão dos agricultores quando há uma articulação exitosa, tendo em vista que eles possuem conhecimento da produção local, assim como dos agricultores (Alves et al., 2023).
48Quanto às hortas escolares e seu impacto na sustentabilidade, considerou-se o que Targino e Tabosa (2024) afirmam apresentando-as como uma das estratégias de ensino da Educação Ambiental que permite, por meio da experiência prática, uma aprendizagem centrada na participação ativa dos alunos, colocando-o em lugar de destaque no processo ensino-aprendizagem e não como mero espectador do conhecimento. Os autores declaram que a horta possibilita a conscientização sobre a importância de desenvolver a agricultura sustentável e de cuidar do meio ambiente, o fortalecimento das interações interpessoais e do senso de responsabilidade. Diante disso, pode-se enfatizar o que afirma Carniatto (2007) que toda a Educação é Ambiental e, portanto, faz-se necessário que seja intencionalmente proposta, ao mesmo tempo como Educação para o Ambiente, Educação no Ambiente, e Educação sobre o Ambiente e que proporcione uma nova maneira de olhar, viver, encarar, estar e se relacionar no mundo. E nesse processo educativo, é fundamental que haja ações para integração da Educação Alimentar e Nutricional com a Educação Ambiental, com a inserção da comunidade escolar.
49Outro fator importante citado como promotor de sustentabilidade foram ações que devem ser desenvolvidas para a redução do desperdício de alimentos. Tomando como base a informações da Organização das Nações Unidas (ONU), por volta de um terço dos alimentos produzidos no mundo não são consumidos pela população, sendo esse alimento perdido em alguma etapa da cadeia de produção ou até mesmo sendo desperdiçado (Bedin; Faria, 2021), é fundamental que os membros do CAE compreendam também seu papel de monitoramento das ações promotoras de sustentabilidade.
50Por fim, quando avaliados sobre a intenção de mudança na atuação do CAE, os membros participantes relataram questionar o nutricionista sobre ações voltadas à sustentabilidade e à saudabilidade. Essa mudança é extremamente importante, tendo em vista que o desperdício de alimentos deve ser mensurado e controlado nas Unidades de Alimentação e Nutrição. Essa ação não se refere apenas a uma questão ética, mas igualmente à economia e com reflexos políticos e sociais, considerando que o Brasil é um país em que a fome e a miséria são classificadas como problemas de saúde pública (Nonino-Borges; Rabito; Silva 2006).
51Com a realização deste trabalho, foi possível identificar os principais facilitadores e dificultadores para a execução das atribuições dos CAEs, previstas na Lei nº 11.947, de 16 de julho de 2009. Ainda, a participação na intervenção educativa parece ter contribuído com a sensibilização dos participantes para o adequado exercício do CAE e intenções de ações de controle social mais efetivas. Destaca-se como limites deste estudo, inerentes ao método qualitativo, a não representatividade total dos municípios mineiros, tampouco a totalidade de perspectivas dos CAEs. Percebeu-se ainda a necessidade intensificar as iniciativas de formação (cursos, treinamentos) que contribuam para os conselheiros desenvolverem habilidades e competências, considerando a amplitude e a complexidade do tema da sustentabilidade na alimentação escolar, com foco na melhoria da qualidade de vida e bem-estar dos produtores, consumidores e também do planeta.