Luis Carlos Tosta dos Reis; Josimar Monteiro Santos. Geografia e Fenomenologia: o extravio da assimilação humanista de Martin Heidegger
REIS, Luis Carlos Tosta dos; SANTOS, Josimar Monteiro. Geografia e Fenomenologia: o extravio da assimilação humanista de Martin Heidegger. Curitiba: Appris, 2024. 141 p
Resumos
Resenha do livro de Luis Carlos Tosta dos Reis e Josimar Monteiro Santos. Geografia e Fenomenologia: o extravio da assimilação humanista de Martin Heidegger. Curitiba: Editora Appris, 2024.
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Artigo recebido em: 22/08/2024
Artigo aprovado em: 19/09/2024
Artigo publicado em: 25/09/2024
Texto integral
1O livro « Geografia e Fenomenologia: o extravio da assimilação humanista de Martin Heidegger » (2024) é resultado de mais de uma década de pesquisa realizada por Luis Carlos Tosta dos Reis e Josimar Monteiro Santos. A trajetória conjunta dos autores que deu origem a obra passa pela realização de projetos de iniciação científica e pelo desenvolvimento de uma dissertação de mestrado em que o professor Luis Carlos orientou Josimar Santos, cujo tema – o problema da assimilação humanista do pensamento de Heidegger –, forneceu a base para a elaboração do livro. Mais recentemente, essa linha de investigação culminou na defesa de uma tese de doutorado desenvolvida por Santos sob a orientação de Reis. Dessa forma, a publicação reflete mais de dez anos de dedicação dos autores ao estudo da relação entre a Fenomenologia e a Geografia, bem como ao pensamento do filósofo alemão Martin Heidegger.
2A ideia central do livro articula dois pontos principais. Ao mesmo tempo em que contestam o modo como Heidegger foi, via de regra, assimilado na ciência geográfica, denunciando o caráter anacrônico da interpretação humanista de seu pensamento, Reis e Santos propõem simultaneamente um outro perfil de diálogo com a obra do fenomenólogo alemão. A proposta de mudança de perspectiva em relação a leitura do pensamento de Heidegger empreendida pelos autores torna-se evidente, por um lado, já ao notarmos a capa do livro, que apresenta num tom provocativo uma fotografia na qual o filósofo está invertido de ponta-cabeça; e por outro, no próprio título da obra, que desde o início destaca o extravio da assimilação humanista do pensamento de Heidegger como elemento central. Nesse sentido, trata-se de um livro polêmico, pois destoa do modo como Heidegger correntemente é interpretado na Geografia brasileira, sobretudo, sob os auspícios dos geógrafos humanistas.
3O livro é, nesse contexto, uma leitura obrigatória para todos aqueles que se dedicam ao estudo do pensamento de Heidegger dentro da Geografia e, também, uma leitura recomendada para aqueles que se preocupam com a compatibilização coerente de uma matriz filosófica específica com um campo particular do conhecimento científico – no caso, a Geografia. Em suma, o livro fornece uma crítica ao modo como o Heidegger vem sendo interpretado usualmente na ciência geográfica, no mínimo desde a década de 1970, considerando-se o marco institucional da geografia humanista anglófona, e no Brasil de forma específica, desde a década de 1980, no contexto da geografia humanista brasileira em sua vertente fenomenológica.
4No capítulo um os autores antecipam elementos que serão desenvolvidos no decorrer do livro. O capítulo fornece ao leitor não somente um entendimento da proveniência da crítica à leitura humanista da obra de Heidegger, mas também viabiliza um primeiro contato com aspectos do pensamento do filósofo que possibilitam a crítica, trazendo à tona, de forma patente, os equívocos da interpretação humanista de seu pensamento. Para elucidar a incompatibilidade entre o pensamento do fenomenólogo alemão e qualquer perspectiva de humanismo, os autores recorrem ao escrito « Carta sobre o humanismo » publicado por Heidegger em 1947, apresentando trechos dessa obra nos quais o filósofo tematiza diretamente o humanismo, bem como critica de forma enfática uma possível interpretação humanista de seu pensamento.
5Dado o tom contundente com que Heidegger se manifesta sobre o assunto, e considerando a data de publicação do livro « Carta sobre o humanismo » (1947), surpreende que essas ressalvas tenham passado tanto tempo despercebidas aos geógrafos que requisitam a fenomenologia heideggeriana como aporte filosófico para fundamentar uma geografia humanista.
6O segundo capítulo do livro empreende uma análise de cunho historiográfico, retomando em linhas gerais a gênese da geografia humanista e evidenciando sua formação histórica e consolidação institucional na ciência geográfica. É interessante observar que os autores segmentam o capítulo em duas partes, onde em um primeiro momento é apresentada uma síntese sobre a história da formação e desenvolvimento inicial da geografia humanista anglófona, dando destaque a sua vertente fenomenológica, e, no item subsequente, as repercussões desse movimento na pesquisa brasileira em Geografia.
7Por um lado esse gesto deixa claro que a proposta do livro não é problematizar a geografia humanista em sua integralidade, mas uma vertente específica desse movimento que requisita Heidegger como matriz filosófico-fenomenológica para fundamentar um horizonte humanista na Geografia; e, por outro lado, permite apreender a influência decisiva que a geografia humanista anglófona, em sua vertente fenomenológica, exerceu da gênese ao desenvolvimento posterior da corrente humanista na pesquisa brasileira em Geografia, como núcleo a partir do qual se difundiu na ciência geográfica uma leitura humanista do pensamento de Heidegger.
8Nesse sentido, o capítulo três se conecta diretamente com o capítulo dois, constituindo o cerne da obra. Neste capítulo os autores realizam uma crítica à leitura humanista do pensamento de Heidegger vigente nas contribuições recentes de geógrafos brasileiros filiados ao coletivo humanista, apontando as principais consequências da requisição da fenomenologia heideggeriana como aporte filosófico para fundamentar um horizonte humanista na Geografia. Entre essas consequências destacam-se a desconsideração do elemento propriamente fenomenológico do pensamento heideggeriano, e a limitação do significado e alcance que a fenomenologia-hermenêutica poderia ter na ciência geográfica enquanto um método de investigação da fundamentação ontológica dessa ciência.
9Nesse sentido é possível dizer que o livro « Geografia e fenomenologia: o extravio do assimilação humanista de Martin Heidegger » (2024) realiza uma atualização da crítica que John Pickles desenvolveu em 1985 na obra « Phenomenology, Science and Geography: spatiality and the human sciences » acerca da recepção e difusão do pensamento de Heidegger na Geografia. Reis e Santos estendem ao caso da Geografia humanista brasileira a crítica que Pickles direcionou ao horizonte humanista anglófono, utilizando os termos fenomenologia geográfica e geografia fenomenológica presentes da obra de Pickles (1985) para se referir a duas possibilidades distintas de relação entre a fenomenologia e a ciência geográfica.
10A distinção entre os dois termos não é meramente semântica, mas representa, ao contrário, o ponto central da crítica desenvolvida pelos autores. A fenomenologia geográfica refere-se à uma adaptação livre da filosofia fenomenológica às estruturas conceituais da ciência geográfica. Em contraste, Geografia fenomenológica indica uma possibilidade de relação com a fenomenologia em geral e, mais especificamente com a fenomenologia-hermenêutica de Heidegger, que diverge do perfil de diálogo estabelecido via de regra em publicações de geógrafos filiados ao horizonte humanista. Dessa forma, geografia fenomenológica designa um projeto amplo iniciado por Pickles e atualizado pelos autores, cuja meta tem em vista realizar uma crítica e subsequente superação da interpretação humanista do pensamento de Heidegger. Ao mesmo tempo, propõe-se rearticular a relação entre a fenomenologia e a Geografia numa perspectiva alternativa e radicalmente distinta do que foi realizado pelo Horizonte Humanista, a partir da qual, objetiva-se encampar uma investigação dedicada à ontologia da espacialidade humana.
11O capítulo quatro, por sua vez, estabelece uma conexão direta com o capítulo cinco, ambos buscam fomentar uma via de diálogo renovado entre a Geografia e a Filosofia Fenomenológica. Preliminarmente, no capítulo quatro, os autores explicitam a interpretação peculiar que Heidegger imprime na Filosofia Fenomenológica, que se distingue tanto do significado original do termo nas obras de Edmund Husserl, quanto das modulações ao qual foi submetido em obras de pensadores como Jean Paul Sartre, Edith Stein, Merleau-ponty, etc. Em seguida, Reis e Santos apresentam a relação entre fenomenologia, ontologia e analítica do ser-aí, indissociáveis ao caminho de Heidegger na Fenomenologia.
12A fenomenologia é interpretada pelos autores, em consonância com Heidegger, como um método de investigação, e a ontologia como assunto ao qual o método fenomenológico incide. A analítica do ser-aí, por fim, caracteriza-se como fonte de acesso a retomada da elaboração concreta da questão do sentido de Ser em geral, sendo – a referida analítica - apreendida como primeiro passo através do qual o diálogo com o pensamento de Heidegger pode subsidiar uma investigação da fundamentação ontológica dentro de uma ciência particular.
13O capítulo cinco, por sua vez, oferece uma exposição sintética da analítica do ser-aí, destacando-a como condição essencial para a reabilitação da investigação da fundamentação ontológica na ciência geográfica a partir da fenomenologia-hermenêutica de Heidegger. Neste capítulo os autores concentram-se nos elementos considerados como indispensáveis à compreensão básica do significado da analítica do ser-aí enquanto fonte de acesso à questão do sentido de ser em geral. Assim, a exposição se desenvolve, simultaneamente, considerando tanto o contexto original para o qual a referida analítica foi concebida por Heidegger na obra « Ser e Tempo » (1927), quanto, em igual medida, o significado que ela possuí tendo em vista fomentar a investigação das bases ontológico-existenciais de uma ciência específica.
14Tanto o capítulo quatro quanto o capítulo cinco deixam claro que a ideia dos autores ao publicar a obra « Geografia e fenomenologia: o extravio da assimilação humanista de Martin Heidegger » (2024) não é requisitar a fenomenologia-hermenêutica para subsidiar, na ciência geográfica, o desenvolvimento de pesquisas empíricas, ratificando que incorrer nesse erro seria desconsiderar o elemento propriamente fenomenológico do pensamento de Heidegger.
15À guisa de encerramento, é oportuno destacar um trabalho publicado anteriormente pelos autores que aborda a mesma temática do capítulo cinco, especialmente no que tange ao objetivo de liberar uma via de diálogo entre a Geografia e a fenomenologia heideggeriana divergente da perspectiva humanista. Em 2021, Reis, Santos e Silva publicaram na Revista Geografares um artigo intitulado « Geografia em bases ontológico-existenciais através da fenomenologia-hermenêutica de Heidegger: o significado do existencial ser-em ». Embora tenha sido publicado antes do livro « Geografia e fenomenologia: o extravio do assimilação humanista de Martin Heidegger » (2024), em comparação com o capítulo cinco do livro, esse artigo apresenta um aprofundamento maior no debate, além de possuir um grau elevado de clareza argumentativa, sendo uma leitura recomendada para aqueles que porventura se interessem em aprofundar seus estudos sobre o tema.
Para citar este artigo
Referência eletrónica
Akylla Cozer Chiabai Silva, «Luis Carlos Tosta dos Reis; Josimar Monteiro Santos. Geografia e Fenomenologia: o extravio da assimilação humanista de Martin Heidegger», Geografares [Online], 39 | 2024, posto online no dia 20 dezembro 2024, consultado o 22 março 2025. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/geografares/16242
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