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Editorial

A Educação pelas Imagens e suas Geografias : Editorial

Gisele Girardi

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1Observa-se no período atual uma marcante ampliação de investigações e práticas acerca das linguagens que atuam na produção de conhecimentos geográficos. Destacam-se neste conjunto as linguagens imagéticas, não só aquelas convencionalmente entendidas como « geográficas » (os mapas, as fotografias aéreas, as imagens de satélite), como também aquelas cujas produções carregam menos a marca da tradição geográfica acadêmica enquanto linguagem, mas se inserem nas práticas geográficas como produções humanas que provocam pensar espacialidades (fotografia, audiovisual, desenho, pinturas, etc.).

2Em muitos simpósios e congressos na área de Educação, Geografia e Ensino de Geografia na contemporaneidade, em que tais linguagens imagéticas estão cada vez mais incorporadas e tornam-se cada vez mais recorrentes, assistem-se discussões que colocam as imagens não apenas como partícipes da criatividade e eficiência das ações didáticas, mas também tendo em si mesmas uma dimensão pedagógica, uma potência subjetivadora e de pensamento acerca do espaço geográfico.

  • 1 O I Colóquio Internacional «A Educação pelas Imagens e suas Geografias» foi realizado em novembro d (...)

3Esta segunda dimensão dos estudos de imagens tem sido a linha mestra, ou, mais precisamente, a aposta política dos Colóquios Internacionais « A educação pelas imagens e suas geografias », que teve sua primeira edição em 20091. Estes colóquios têm se constituído em momentos ímpares para a troca de experiências entre pesquisadores da temática, das mais variadas modalidades de investigação e como momento de aprofundamento e elaboração de caráter teórico e metodológico que tanto se expressam nas atividades intrínsecas ao evento, como nos desdobramentos em novos projetos e novas articulações.

  • 2 Fazem parte da Rede de Pesquisa «Imagens, Geografias e Educação» as seguintes instituições: Univers (...)

4Os Colóquios Internacionais « A educação pelas imagens e suas geografias » são promovidos pela Rede de Pesquisa « Imagens, Geografias e Educação ». Esta Rede articula pesquisadores de diversas universidades brasileiras e do exterior2 e tem por objetivo perscrutar novos caminhos teóricos, temáticos e educacionais em que a linguagem imagética assume um papel destacado no processo de produção e reprodução do conhecimento científico de modo a fazer deslizar as imagens do lugar estável de participante de uma política instrumentalizadora para o lugar instável e aberto de múltiplas poéticas que potencializem novas perspectivas, sensações e pensamentos. A abordagem da imagem no interior da Rede possui trilhas diferenciadas que mutuamente se enriquecem a partir da crítica e da resistência ao usual : a) inovar a metodologia de abordagem da imagem, ou seja, fazer uso de novas ferramentas técnicas e metodológicas para interpretar o que a imagem quer dizer enquanto informação e representação do real ; b) buscar pensar a imagem através da própria imagem, portanto, instaurar novos sentidos espaciais com a potencialidade das imagens em nos afetar e tensionar o pensamento para outras possibilidades. Assim, as principais contribuições da rede no âmbito da educação geográfica têm sido apontar a participação das imagens na construção e veiculação das políticas (do pensamento) acerca do espaço geográfico bem como abordar obras em imagens que abrem fissuras nestas políticas.

  • 3 Todos os trabalhos apresentados no III Colóquio «A Educação pelas imagens e suas geografias» estão (...)

5Este número especial da revista Geografares traz textos das conferências, de uma oficina e dos dez trabalhos selecionados para apresentações orais3 do III Colóquio Internacional « A educação pelas imagens e suas geografias », realizado em Vitória, na Universidade Federal do Espírito Santo, no período de 26 a 29 de novembro de 2013 (http://3coloquioimagens.wordpress.com).

6O artigo « Cultura visual : as potencialidades da imagem na formação do imaginário espacial do mundo Contemporâneo », de Ana Francisca de Azevedo, da Universidade do Minho (Portugal), derivou da conferência de abertura do III Colóquio, por ela proferida. Ele se inicia com uma problematização sobre como as imagens contemporâneas integram a organização da nossa experiência no mundo, intensificando a noção de cultura visual como parte integrante de uma máquina biopolítica, que se articula e se aperfeiçoa na modernidade, tendo as noções de espaço absoluto e de tempo linear como fundamentos de um determinado regime de visualidade, que fez refém a nossa própria imaginação. A partir daí Ana Francisca Azevedo discute a tensão instaurada entre as excessivas codificações das imagens (superfícies de visualização) e as possibilidades de geografias mais do que humanas, entendida pela autora como geografias capazes de pôr em diálogo os mundos concretos da experiência de indivíduos e grupos, implicados na produção colaborativa dos territórios que habitam e com a criação de suas próprias imagens de auto-representação e as suas políticas identitárias. A autora pauta discussões sobre o caráter das imagens na geografia a partir de uma fotografia de Michael Nasch (1946), apontando elementos de problematização e potencialização.

7Frederico Guilherme Bandeira de Araújo apresentou, na mesa redonda « Nas margens da Geografia maior : imaginação, estranhamento e performance », o texto « manifestações ou sete atos e um desatino », agenciado por membros do Grupo de Pesquisa Modernidade e Cultura do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GPMC/ IPPUR/UFRJ), o qual coordena. O texto foi apresentado de modo performático, contando com a participação de outros membros do colóquio. A temática que inspirou a produção ou o agenciamento do texto foi o conjunto das manifestações de rua ocorridas no Brasil em julho de 2013, inicialmente articuladas por questões de mobilidade urbana, e que depois ganharam imensa complexidade. A pluralidade de vozes e atravessamentos e a impossibilidade de uma linguagem única a dar existência à complexidade das manifestações é o que constitui a matéria-prima para este texto e nos provoca a pensar nas generalizações e limitações que as linguagens existentes nos impõem para falar do espacial.

8O artigo « Desnarrativas » derivou da oficina homônima ministrada no colóquio por Ivânia Marques, coordenadora da equipe educativa do Museu de Arte Contemporânea de Americana-SP e vinculada à Universidade Estadual de Campinas. As oficinas compuseram uma atividade inovadora nos colóquios, que objetivavam articular uma linguagem (ou várias) com um sítio da cidade de Vitória. Elas foram compostas por três momentos : imersão (contato com o sítio escolhido : centro histórico, orla, etc.), produção (de obras em linguagens imagéticas) e exposição. Contudo choveu, e muito, nos dias de realização do evento, o que quase inviabilizou os momentos de imersão das oficinas e obrigaram reinvenções dos oficineiros. « Desnarrativas » relata as proposições, os processos de reinvenção, criação e produção e os resultados da oficina que visava articular as linguagens da fotografia e da monotipia de modo a impedir que uma narrativa única se instalasse sobre a imagem, proliferando sentidos e pensamentos espaciais.

9O texto « (Re)apresentações cartográficas do espaço municipal : mapas artísticos em deriva da cartografia escolar » foi autorado por Cassio Expedito Galdino Pereira e por Jörn Seemann, da Universidade Regional do Cariri-CE. Nele os autores discutem o conceito de paisagem em Geografia e o uso da Cartografia como processo de percepção da paisagem, objetivando analisar como estudantes de escolas de ensino fundamental e médio do município cearense de Barbalha percebem o seu espaço vivido e constituem mapas a partir destas percepções. Os mapas mentais produzidos pelos discentes foram analisados pelos autores tanto no que se refere à linguagem cartográfica como em relação aos conteúdos que expressam, o que os levou à conclusão de que atividades cartográficas podem estimular o desenvolvimento da criticidade do aluno quando trabalhada de modo menos normalizado e mais artístico.

10As preocupações com as interconexões entre geografia, educação, cartografia e arte são também componentes do artigo « Geografia de Encontros Geografias Fictícias », de Karina Rousseng Dal Pont, da Universidade Estadual de Santa Catarina. A autora constitui sua busca no desafio de ultrapassar fronteiras disciplinares entre cartografia, geografia e arte, buscando fissurar o que já está dado como pronto na cartografia escolar, especificamente em suas metodologias de ensino. Para tanto, apresenta caminhos investigativos criados com a obra Geografia de Encontros (2009-2011) de Mayana Redin, apresentado na 8ª Bienal do Mercosul e constituída a partir da linguagem cartográfica e os processos de intervenção realizados no ano de 2013 em dois ambientes de formação regular (nos níveis básico e superior de ensino) em Florianópolis, bem como apresenta algumas reflexões derivadas das intersecções entre essas duas experiências.

11No artigo « Tatuagens geográficas », de Valéria Cazetta, da Universidade de São Paulo, apresenta-se o deslocamento da linguagem cartográfica, convencionalmente situada no âmbito dos estudos geográficos, para um contexto cultural mais amplo, especificamente no da arte da body modification. Para tanto, a autora apresenta e discute uma primeira aproximação com tatuagens corporais que trazem mapas. O que leva as pessoas a tatuarem mapas na superfície da pele é uma questão que articula um amplo universo de possibilidades e é em meio a este campo de possíveis que a pesquisa da autora se situa, dialogando tanto com a área de antropologia e da saúde, como utilizando as próprias imagens tatuadas como instigadores de pensamentos sobre o espaço (e seus símbolos usuais, como o mapa) como constituidor da corporeidade contemporânea.

12Verónica Hollman, da Universidad de Buenos Aires, em seu artigo « Mapas, imaginarios y memoria ambiental en Argentina » discute como imagens participam da formação e da memória ambiental. Para sua argumentação, apresenta uma experiência realizada com mais de duzentos alunos da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Nacional do Centro da Província de Buenos Aires (Argentina) em 2013. Nesta experiência os alunos foram solicitados a mapear os problemas ambientais da Argentina e estes mapas foram tomados como ponto de partida para identificar as imagens que se tornaram parte da memória ambiental pessoal e coletiva, decantadas e sedimentadas a partir de sua circulação, em especial pelos variados meios de comunicação. O que estas imagens permitem e o que elas limitam, ou, em outras palavras, o modo de olhar para o ambiental que elas propõem constitui a questão-chave discutida neste texto.

13A criação em linguagem audiovisual é o que mobiliza o artigo « Manoel de Barros : poesia intercessora de geografias-menores em vídeo », de Eduardo de Oliveira Belleza, vinculado à Universidade Estadual de Campinas. O autor apresenta o que seriam as geografias menores, com base nos conceitos da filosofia da diferença, e, amparado também neles, opera no cruzamento entre arte e ciência, de modo a fazer com que obras do poeta brasileiro Manoel de Barros funcionem como intercessoras da produção de vídeos que possam dar existência a geografias menores, entendidas como potências de expansão do pensamento espacial. A experimentação apresentada no texto foi realizada com jovens da periferia de Campinas-SP, por meio de oficinas de vídeo que buscavam inaugurar novos modos de ver e habitar aquele espaço.

14No artigo « Percursos poéticos e poéticas geográficas em Viajo porque preciso, volto porque te amo », Maria Helena Braga e Vaz da Costa, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte discute a poética geográfica na linguagem cinematográfica. A autora discute a formação cultural dos espaços geográfico e fílmico e também do imaginário coletivo relacionado a estes. Sua intenção é, também, considerar o discurso fílmico como um agente formatador das conformações e experiências dos e nos espaços geográficos concreto, visualizado, imaginado, e percebido que tomam forma a partir de uma poética relacionada à produção de ambos os espaços : geográfico e fílmico. O filme « Viajo porque preciso, volto porque te amo », de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, de 2009, é tomado pela autora como referência para estas discussões.

15O artigo « Aproximações entre cinema e geografia para pensar a questão ambiental : uma análise geográfica do filme O jardineiro fiel », de Thiago Albano de Sousa Pimenta, vinculado à Universidade Federal da Grande Dourados, versa sobre possibilidades de aproximações entre linguagem científica e linguagem cinematográfica, apostando que esta última faz a Geografia refletir sobre aspectos que a linguagem científica não consegue dizer. O filme « O jardineiro fiel » foi escolhido para análise porque carrega em sua narrativa uma série de questões do temário geográfico, em especial as ambientais. Para a abordagem do filme, o autor discute tanto as ecologias possíveis como os modos de criação da linguagem cinematográfica, buscando articular estas duas esferas numa análise geográfica de modo a legitimar espaços de resistência que se criam no movimento da vida.

16Carolina Datria Schulze e Ana Maria Hoepers Preve, da Universidade do Estado de Santa Catarina, no artigo « Cartografando moradas de rua : mapas preliminares de uma cidade que não se vê », apresentam movimentos de uma pesquisa em educação e geografia que se apoia na noção de mapas e de cartografias intensivas, distanciando-se de uma cartografia cartesiana, extensiva, e experimentando com a cartografia analítica de Gilles Deleuze e Félix Guattari. O que interessa às autoras são as invenções de mundo e dos seus territórios, as geografias que estes territórios põem em movimento e como essas invenções se pautam numa lógica não utilitarista de consumo. Iniciam utilizando obras audiovisuais como disparadores e constroem uma primeira aproximação sobre como se inventar um lugar para si na cidade conhecida a partir de entrevistas e produção de mapas com internos de um hospital de custódia que eram andarilhos e moradores de rua.

17Inventar outros modos de olhar para o mundo por meio de rasuras e experimentações com fotografias é o tema do artigo « Entre imagens », de autoria de Ivânia Marques e Alexsandro Sgobin, vinculados à Universidade Estadual de Campinas. São relatadas duas experiências realizadas em escolas públicas nas cidades de Campinas/SP e Americana/SP, utilizando técnicas diferentes : manipulação gráfica sobre fotografias (pós-produção) e pinhole (fotografia artesanal). As experiências, mesmo distintas quanto à técnica e ao público escolar, apostam na criação de ficções com as fotografias como modo de desestabilizar o lugar de registro de real, lugar habitual das fotografias nos materiais escolares. Ao fazê-lo, os autores pautam suas argumentações sobre a política em educação que permeia a experiência, entendendo-a como ampliadora de possibilidades de uma educação pela diferença, de produções disparadoras de vontade ou disponibilidade de pensar.

18No artigo « Imaginação pensante : a cidade de São Paulo e suas geografias », Suianni Macedo, vinculada à Universidade Estadual de Campinas, toma as imagens produzidas pelo artista Faco Hamburguer, que utiliza projeções videográficas através de bolhas de sabão, como ponto de partida para pensar em outras visualidades possíveis para a cidade de São Paulo. A potencialidade de tais imagens reside em sua re-existência ao modo padrão de apresentação de paisagens dos grandes centros urbanos e, portanto, criam outras geografias, geografias menores, apontando para outras espacialidades possíveis. Cada imagem cria outros devires do espaço, espaços pensáveis, pois é no momento em que a imagem põe em desvio o que era habitual que o espaço devém o inesperado. As discussões sobre imagem, imaginação e pensamento são delineadas e defende-se uma educação estética em que o que se pensa é o ato de ver e não o objeto visto.

19Com a edição deste número especial da revista Geografares objetivamos ampliar a disseminação dos debates e de ideias que circularam pelo III Colóquio Internacional « A educação pelas imagens e suas geografias » e que constituem os caminhos de pesquisa da Rede de pesquisa « Imagens, Geografias e Educação ». Que sua leitura instigue pensamentos e imaginações e que seja um convite a novos olhares e produções de geografias em e com imagens.

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Notes

1 O I Colóquio Internacional «A Educação pelas Imagens e suas Geografias» foi realizado em novembro de 2009, na Faculdade de Educação da Unicamp e marcou o início da institucionalização da Rede de pesquisa «Imagens, Geografias e Educação». Deste primeiro colóquio foram publicados dois dossiês: A educação pelas imagens e suas geografias, na Revista Proposições (v.20, n.03), constituído dos artigos apresentados no I Colóquio (https://www.fe.unicamp.br/lancamentos/pro-posicoes-v-20-n-3-60-2009-dossie-a-educacao-pelas-imagens-e-suas-geografias) e Imagens, Geografias e Educação, na Revista Educação Temática Digital, com os trabalhos apresentados também no I Colóquio acrescidos por três artigos encomendados a pesquisadores estrangeiros (https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/issue/view/89). O II Colóquio Internacional «A Educação pelas Imagens e suas Geografias» foi realizado em novembro de 2011, na Escola de Artes e Ciências Humanas da USP e deste se desdobraram as seguintes publicações: número especial da revista Geograficidade (v. 2/2012), com os trabalhos aceitos para o evento (https://periodicos.uff.br/geograficidade/issue/view/780) e o livro «Grafias do Espaço: imagens da educação geográfica contemporânea» (Ed. Alínea, 2013, ISBN 978-85-7516-596-6).

2 Fazem parte da Rede de Pesquisa «Imagens, Geografias e Educação» as seguintes instituições: Universidade Estadual de Campinas, Universidade de São Paulo, Universidade do Estado de São Paulo-Presidente Prudente, Universidade do Estado de Santa Catarina, Universidade Federal da Grande Dourados, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Universidade Federal do Espírito Santo, Universidade Regional do Cariri, Universidad de Buenos Aires (Argentina), Universidad de Cordoba (Colômbia) e Universidade do Minho (Portugal).

3 Todos os trabalhos apresentados no III Colóquio «A Educação pelas imagens e suas geografias» estão publicados nos Anais do evento, disponível em http://www.geoimagens.net/#!__anaiscieig.

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References

Electronic reference

Gisele Girardi, “A Educação pelas Imagens e suas Geografias : Editorial”Geografares [Online], 17 | 2014, Online since 08 August 2014, connection on 04 December 2024. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/geografares/14766

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Gisele Girardi

Departamento de Geografia - Universidade Federal do Espírito Santo
e-mail : gisele.girardi@ufes.br

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