1A partir de meados do século XX, o espaço rural do Espírito Santo vivenciou mudanças que fundaram as bases do atual cenário do campo capixaba. Uma das transformações que mais teve impacto sobre sua estrutura fundiária e sobre as condições de vida dos habitantes de sua zona rural foi o amplo crescimento da pecuária extensiva e consequentemente, da área destinada às pastagens, que aumentou exponencialmente a partir da década de 1940, fenômeno cuja análise foi o foco da pesquisa a partir da qual esse artigo foi produzido (BERNARDO NETO, 2012).
2Como constatamos nesse mencionado trabalho, os efeitos dessas transformações sobre o espaço rural capixaba foram regionalmente bastante desiguais e apesar de se ter verificado um aumento das áreas de pastagens em praticamente todo o Espírito Santo, os impactos da ascensão da pecuária mostraram-se muito mais fortes em seu Extremo Norte, onde essa atividade tem ocupado, desde então, a maior parte da área agropecuária dos municípios.
3Sendo uma atividade que requer pouca mão de obra e que gera uma renda média por unidade de área extremamente baixa comparativamente a outras atividades que eram mais tradicionais no Espírito Santo (como a cafeicultura e a produção de hortifrutigranjeiros), sobretudo quando voltada para o corte, como foi predominantemente o caso do Extremo Norte capixaba, essa expansão da pecuária extensiva gerou um intenso movimento de concentração fundiária e o esvaziamento demográfico da zona rural dos municípios dessa porção do Estado, cujo incremento da área dedicada às pastagens foi bem mais amplo que a média estadual.
4Em geral, atividades que apresentam baixo rendimento por unidade de área somente são economicamente viáveis em propriedades de grandes dimensões. É por tal razão que a pecuária extensiva voltada ao corte, assim como os monocultivos de eucalipto, de cana-de-açúcar ou de soja, por exemplo, são recorrentemente praticados em grandes propriedades, uma vez que apenas unidades de produção de maiores dimensões podem se dar ao luxo de dedicar seu espaço a tais atividades e ainda assim obter rendimentos significativos.
5Os pequenos proprietários, ao contrário, não obteriam por tais fins os rendimentos financeiros necessários à sua reprodução social. Para eles, adotar essas atividades como carro chefe de sua produção agropecuária significaria dar um passo significativo em direção à insustentabilidade econômica. E parece ter sido o que aconteceu no Extremo Norte capixaba com a expansão da pecuária extensiva, pois não apenas os latifundiários se inseriram nessa atividade, mas igualmente o fizeram os pequenos e médios proprietários.
- 1 Por conta do litígio entre os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo ocorrido entre as décadas de (...)
- 2 Esse quadro prévio de concentração da propriedade da terra, como procuramos demonstrar no trabalho (...)
6Os reflexos dessa inserção foram imediatos. Ano após ano, pequenas e médias propriedades foram absorvidas pelas propriedades de maior dimensão, intensificando a concentração fundiária que já era notória desde a década de 1970 (ver Figura 1), quando pela primeira vez foram recenseados todos os municípios do estado1, fazendo com que as densidades demográficas da zona rural desses municípios, que já eram baixas, apresentassem contínua redução, estando hoje entre as mais reduzidas do Estado (Figura 2)2.
- 3 Tendo em vista o município de Ponto Belo somente ter se emancipado do município de Mucurici na déca (...)
FIGURA 01: Percentual da área agropecuária total ocupado pelos estabelecimentos em Montanha, Ponto Belo e Mucurici conforme grupos de tamanho (em ha) - Comparação 1970 x 20061.3
FIGURA 02: Densidades demográficas da zona rural dos municípios capixabas em 2010
7É claro que muitas vezes esse abandono do campo não tem relação direta com a dinâmica econômica inerente aos peque-nos produtores rurais, e sim com a violência dos conflitos fundiários que, diga-se, foram notórios em praticamente todo o Norte do Espírito Santo entre as décadas de 1940 e 1960, quando uma grande massa formada por famílias de trabalhadores rurais oriundas de outras partes do Espírito Santo (onde já escasseavam terras ainda não apropriadas, como era o caso de quase todos os municípios situados ao sul do Rio Doce) e de áreas vizinhas ao Extremo Norte Capixaba nos estados de Minas Gerais (notadamente os vales dos rios Doce, Mucuri e Jequitinhonha) e da Bahia (sobretudo o sul deste estado), migrou para aquela região na esperança de se apropriar de terras devolutas, mas teve que disputá-las com madeireiros, pecuaristas e especuladores (BERNARDO NETO, 2012).
8Todavia, a intensidade da absorção de pequenos e médios estabelecimentos rurais no Extremo Norte Capixaba ao longo da segunda metade do século XX, sobretudo na década de 1970, quando o processo de apropriação de terras já havia praticamente se consolidado, indica que parte significativa dessas famílias que, não obstante toda adversidade, conseguiram apropriar-se de terras nessa última fronteira colonial do Espírito Santo, posteriormente se viu forçada a deixar o campo em virtude da insustentabilidade da lógica econômica em se viram imersas ao adotar a pecuária extensiva como principal atividade econômica, sobretudo quando as condições para comercialização do leite eram precárias (como era o caso no Extremo Norte Capixaba até a década de 1970) e a finalidade do rebanho era fundamentalmente o corte, que gera ínfimo rendimento financeiro por unidade utilizada, sendo por isso insustentável para a maior parte dos pequenos produtores rurais.
9Mas por que tantos pequenos agricultores se inseriram e se especializaram nessa atividade, o que praticamente lhes condenou a ter que se desfazerem de suas terras e buscar outra fonte de renda? Por que esses agricultores não optaram por outra atividade que lhes proporcionasse melhores rendimentos e lhes permitisse assim permanecer no campo? Conforme se constatou nas pesquisas que originaram essa reflexão, o rumo das vidas de milhares de famílias da zona rural dessa região foi antes fruto da falta de escolhas, consequência típica da disseminação da lógica do capitalismo no campo, que frequentemente resulta no que Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1999) conceitua como monopolização do território.
10Segundo ressaltam diversos autores, como o próprio Oliveira (1986 e 1999), a agricultura com emprego de trabalho familiar, embora não se baseie no trabalho assalariado, não está propriamente alheia à lógica do capitalismo, que tende a se expandir no campo também por meio de relações não capitalistas de produção, cujos valores produzidos se inserem na lógica do capital por outros mecanismos que não pela expropriação das propriedades fundiárias de seus produtores e pela exploração de sua força de trabalho por meio do assalariamento.
11Uma significativa contribuição à compreensão desses processos contraditórios vivenciados no espaço agrário sob o capitalismo foi feita por Ariovaldo Umbelino de Oliveira mediante a formulação de dois conceitos: territorialização do capital e monopolização do território (OLIVERIA, 1999). Segundo o autor, a territorialização do capital é o processo pelo qual o capital adquire o controle da terra, seja por meio da compra ou do arrendamento, e faz uso de trabalhadores assalariados para realizar sua produção, consistindo, portanto, em uma relação de produção tipicamente capitalista. Na monopolização do território, por sua vez, o capital se apropria da renda da terra e do excedente gerado pelos produtores rurais por meio da monopolização de toda a cadeia logística e comercial das mercadorias a serem geradas a partir da produção agropecuária. Neste caso, o capital não se torna proprietário da terra, mas tem a capacidade de praticamente ditar o que os agricultores devem produzir.
12A fim de entendermos concretamente como esse processo de monopolização do território se manifestou no Extremo Norte capixaba ao longo das últimas décadas e contribuiu para a configuração de seu atual cenário, faremos primeiramente um breve histórico dessa expansão da pecuária sobre o espaço agrário capixaba, expondo as causas que desencadearam esse fenômeno. Em seguida, exporemos as conclusões de nossas análises, que pensamos ser um caso ilustrativo de como funciona concretamente a lógica da monopolização do território e como ela vem se manifestando sobre as vidas dos habitantes dessa região do Espírito Santo.
- 4 A Carta Régia de 1701, por exemplo, proibia que a criação de gado se situasse a menos de 10 léguas (...)
13A criação de bovinos foi uma atividade praticada no território brasileiro desde os primórdios da colonização. Não obstante a crescente importância de derivados da pecuária no montante total das exportações brasileiras verificadas nas últimas quatro décadas, a criação de bovinos historicamente esteve voltada primordialmente ao atendimento das demandas internas, atuando de forma complementar às principais atividades econômicas, geralmente voltadas à exportação, às quais sempre foram reservadas as melhores áreas4.
14Ao término do período colonial e mesmo durante o século XIX, essa atividade destacava-se, em termos de sua importância para a economia de mercado, como se constata em Furtado (2007), Moreira (1990), Gancho e Toledo (1990), Szmrecsányi (1990), apenas no Sertão Nordestino – onde era voltada ao abastecimento das plantations canavieiras e dos centros urbanos que cresciam em decorrência do comércio da atividade açucareira, sendo posteriormente também destinada ao abastecimento das cidades mineiras – e a oeste da região das minas (nos atuais Estados de Minas Gerais e Goiás) e no Sul do país – que supriam inicialmente os centos urbanos mineiros e, posteriormente, também passaram a abastecer a nova capital (Rio de Janeiro) e a zona cafeeira que se formou a partir do Vale do Paraíba do Sul.
15Segundo Gancho e Toledo (1990), essa situação começou a mudar significativamente a partir das primeiras décadas do século XX e a pecuária extensiva se expandiu de forma quase generalizada pelo território brasileiro, em virtude de dois fatores mais amplos: (1) a intensificação da urbanização e da integração territorial do Brasil que ocorre a partir da década de 1930; e (2) o desenvolvimento e a disseminação das tecnologias de refrigeração, inicialmente disponíveis apenas aos intermediários da cadeia comercial (frigoríficos e mercados), mas que gradativamente chegaram também às residências dos consumidores, o que ampliou significativamente a capacidade de transferência e comercialização dos principais produtos derivados da pecuária (carne e leite, ambos altamente perecíveis) e paulatinamente alterou os hábitos alimentares da população.
16Percebe-se pelos dados representados na Figura 3 que a urbanização que se intensificou no Brasil a partir das primeiras décadas do século XX foi seguida por um crescimento expressivo do número de cabeças de gado presentes no território brasileiro, notadamente a partir da década de 1940.
FIGURA 03: Total de cabeças de gado bovino em território brasileiro (1912 a 1975).
Fonte: Ipeadata (2011).
17Posteriormente a essa mesma data (década de 1940), verifica-se um crescimento absoluto muito grande, por consequência, das áreas dedicadas às pastagens, que quase dobraram de extensão entre 1940 e 1970 (Tabela 1).
TABELA 01: Área com pastagens no Brasil – 1940 x 1970
Fonte: IBGE. Censos Agropecuários 1940 e 1970.
18Sob o prisma da realidade atual, pode-se indagar se esse intenso crescimento da pecuária não seria antes resultado de uma política de incentivos à exportação do que do processo de urbanização do território brasileiro, tendo em vista que a carne bovina tem sido, nas últimas décadas, uma das principais commodities. Todavia, analisando as exportações brasileiras dos derivados da pecuária ao longo do século XX (conforme figuras 4 e 5), verifica-se que essas somente cresceram significativamente a partir da década de 1970, o que indica que, anteriormente aos anos setenta, a criação de bovinos para corte praticada no Brasil destinava-se principalmente ao abastecimento do mercado interno, cuja demanda aumenta significativamente com o processo de urbanização que ocorre no país a partir da década de 1930.
FIGURA 04: Exportações brasileiras de carne bovina (em toneladas) entre 1934 e 1999.
Fonte: Ipeadata (2011).
FIGURA 05: Valor das exportações brasileiras de laticínios de 1953 a 1999.
Fonte: Ipeadata (2011).
- 5 De acordo com os dados sobre as exportações brasileiras de carne e laticínios expostas nas Figuras (...)
19O crescimento de pecuária bovina no Brasil entre as décadas de 1940 e 1960 foi, portanto, antes consequência da demanda interna (fruto do crescimento da população urbana, da integração territorial e dos diversos avanços técnicos) do que de políticas de exportação, cuja influência sobre essa realidade passaria a ser visível apenas a partir da década de 19705.
- 6 Nos trabalhos sobre agricultura e urbanização no Espírito Santo, existe uma tradição em explicar a (...)
20O fato é que a partir da década de 1940, pelas razões já mencionadas, outras porções do território brasileiro sem tradição na pecuária vão inserir-se significativamente nessa atividade, como foi o caso de grande parte do Espírito Santo6, que até as primeiras décadas do século XX não era uma área onde se verificava grande relevância econômica da criação de bovinos. Pelo contrário, ao longo de praticamente todo o século XIX, o Espírito Santo teve necessidade de importar carne bovina de outras províncias ou mesmo de fora do país. Na obra de Vasconcelos (1978), por exemplo, constata-se que o valor das importações de carne bovina do Espírito Santo era bastante elevado nas primeiras décadas do século XIX, indicando que muito provavelmente a produção desse gênero na província capixaba era bem pequena ou ao menos bem aquém da demanda de seu mercado interno.
21E não faria mesmo muito sentido que existisse no Espírito Santo um grande rebanho bovino e extensas áreas dedicadas à pecuária até então, visto que a demanda por carne poderia ser atendida mediante a pesca (uma vez que a maioria das vilas e cidades existentes até então estendia-se pela faixa litorânea), pela criação de animais de menor porte ou mesmo por meio da caça a espécies animais nativas da Mata Atlântica. E tal situação parece não ter mudado ao longo de todo o século XIX, já que a partir da obra de Marques (1878) constata-se que, não obstante a expansão das fronteiras coloniais e da prática agropecuária de mercado que vinha ocorrendo na província do Espírito Santo nas últimas décadas do século XIX, ainda havia a necessidade de importação de carne nesse período.
22É somente a partir da década de 1940 que ocorre uma mudança significativa a esse respeito no território capixaba, com crescimento vertiginoso do rebanho bovino e consequentemente, da área dedicada às pastagens (conforme Tabela 2 e Figura 6, respectivamente). A área absoluta ocupada por pastagens, no Espírito Santo, sofreu um aumento de cerca de 450% ao longo do período 1940-1970, e o percentual da área agropecuária total do Estado ocupado por pastagens salta de pouco mais de 20% para quase metade da área total. Fato semelhante ocorreu quanto ao número de cabeças de gado em seu território, que cresceu exponencialmente a partir da década de 1940, saltando de pouco mais de 200 mil cabeças em 1946 para mais de 2 milhões e duzentas mil na década de 1970.
FIGURA 06: Total de cabeças de gado no território do Espírito Santo.
Fonte: Ipeadata (2011). Elaborada pelo autor.
TABELA 02: Área dedicada a pastagens no Espírito Santo – 1940 x 1970.
Fonte: IBGE. Censos Agropecuários 1940 e 1970. Elaborado pelo autor.
23Esses reflexos, entretanto, foram bastante diferenciados qualitativa e quantitativamente entre as diversas partes do território capixaba, fato que está relacionado ao processo de especialização espacial da produção agropecuária estadual que ocorre concomitantemente ao crescimento dessa atividade.
24Conforme enfatiza Santos (2002), a tendência à especialização produtiva e à divisão espacial do trabalho é intrínseca à lógica capitalista de produção, uma vez que à medida que as tecnologias de transporte e comunicação se desenvolvem e há um aumento da fluidez, o capital tende a buscar a máxima rentabilidade aproveitando-se das vantagens comparativas de cada porção do espaço. Assim, nesse momento de diminuição virtual das distâncias, as políticas agrícolas estaduais não tardaram a estimular a especialização produtiva, sobretudo por meio do crédito orientado e dos incentivos fiscais, como constata-se nos trabalhos de Rocha e Morandi (1990) e Daré (2010), por exemplo.
25As áreas ao redor da Região Metropolitana, tendo melhores possibilidades de atender a demanda dos nascentes núcleos urbanos, em virtude de sua proximidade e maior integração com a capital e seus arredores, onde foi maior o crescimento da população urbana, passou cada vez mais a se dedicar, paralelamente à produção de café (atividade que era tradicional em praticamente todo o Estado), à produção de alimentos diversos e à criação de pequenos animais. De certa forma, pode se dizer que a partir de algum momento entre as décadas de 1940 e 1970, se configurou um cinturão verdenos arredores da Grande Vitória, o qual, com o passar do tempo, além de abastecer a Região Metropolitana, passou a atuar também no abastecimento de outros centros urbanos do Espírito Santo e até de estados vizinhos.
- 7 Segundo a autora (DARÉ, 2010), esses estudos tinham como propósito fornecer supostos subsídios para (...)
- 8 Hoje, a economia agropecuária de municípios dessa região do Espírito Santo, como São Gabriel da Pal (...)
- 9 Essa porção do Espírito Santo apresenta um relevo extremamente acidentado, com altitudes elevadas e (...)
26A partir da década de 1960, nas áreas em que os estudos que visavam a « modernização » da economia capixaba elaborados pelo Governo do Estado e/ou entidades civis a ele relacionados (conforme discorre Daré [2010])7 julgaram mais propícias à cafeicultura, a alternativa incentivada para que os agricultores obtivessem maior renda financeira foi deixar de lado a produção de gêneros alimentícios e especializar-se cada vez mais no cultivo do café. Souza et al (2005), por exemplo, ressalta os fortes incentivos governamentais para a consolidação de um polo produtor de café conilon no Centro – norte do Estado8. Também foi o que ocorreu em grande parte dos municípios da Serra do Caparaó, no Sudoeste do Estado, que se consolidaram como os maiores produtores de café arábica do Espírito Santo9.
27Houve áreas no litoral capixaba (sobretudo no Norte) que, por sua vez, se inseriram nos cultivos voltados para a agroindústria, como a cana-de-açúcar e os monocultivos de eucalipto, atividades que se tornaram a « menina dos olhos » do discurso desenvolvimentista que marcou a Ditadura Militar, como demonstra Daré (2010).
28Nas demais porções do território do Espírito Santo, notadamente os extremos Norte e Sul, a pecuária mostrou-se a muitos produtores rurais como a única atividade viável para a produção de um valor de troca de fácil realização no mercado, fator de grande relevância nesse momento de crescente monetarização da vida social no meio rural, decorrente principalmente da emergência de novas necessidades de consumo (eletrodomésticos, roupas e alimentos de fabricação industrial, automóveis, etc.), como bem salienta Lacoste (1978). Mas, em que pese a inserção de municípios do Extremo Sul do estado nessa atividade econômica, foi notadamente a porção continental do Extremo Norte capixaba que apresentou maior inserção nessa atividade, chegando a haver ali municípios cuja área agropecuária já era praticamente toda ocupada por pastagens no início da década de 1970 (Figura 7).
FIGURA 07: Percentual da área agropecuária dos municípios do Espírito Santo ocupada por pastagens – comparação 1940 x 1970.
FIGURA 08: Localização dos municípios de Montanha, Mucurici e Ponto Belo.
29A partir dos dados censitários do IBGE, constata-se que os municípios de Montanha, Mucuri e Ponto Belo, nos quais realizamos nossa pesquisa, situam-se numa região onde o crescimento da pecuária bovina e das áreas dedicadas a pastagens foi muito intenso entre as décadas de 1940 e 1970, e onde, ainda hoje, essa prática apresenta-se como a atividade econômica mais expressiva em sua zona rural.
30Conforme é possível observar na Tabela 3, não há dúvidas de que esse crescimento da pecuária tenha resultado em desemprego no campo, tendo em vista que tanto a cafeicultura quanto as « lavouras brancas » (alimentos diversos, como feijão, milho, mandioca, etc.) e a criação de pequenos animais, atividades predominantes até então, exigiam muitíssimo mais força de trabalho que a pecuária extensiva, atividade que demanda apenas uma pessoa para gerenciar centenas de hectares, principalmente se a finalidade do rebanho for apenas o corte (Tabela 3), como foi historicamente o caso no Extremo Norte capixaba.
TABELA 03: Empregos diretos nas atividades agropecuárias brasileiras (equivalente homem/ano para cada 100 hectares).
Fonte: Fundação Seade/Sensor Rural, 2000 (apud Schlesinger, 2010). Organizado pelo autor.
31Como seria de se esperar, a parca demanda de mão de obra dessa atividade tornou dispensáveis os agregados, meeiros, parceiros e diaristas. Os dados censitários sobre a população e a estrutura fundiária da região entre 1970 e 2007, entretanto, indicam que não foram apenas os não-proprietários de terras que deixaram a zona rural desses municípios, uma vez que ali ocorreu também o « desaparecimento » de muitos pequenos estabelecimentos rurais nesse período.
32Em grande medida, esse desaparecimento de pequenos estabelecimentos também parece dever-se à especialização produtiva na pecuária extensiva, uma vez que nessa atividade o valor gerado pela produção em proporção à área utilizada é muito menor que em praticamente qualquer outra atividade rural, como se pode perceber nos próprios recenseamentos do IBGE. Em 1970, por exemplo, o valor médio gerado por unidade de área dedicada à cafeicultura era mais de 14 vezes superior ao verificado na pecuária, enquanto o das olericulturas ultrapassava 20 vezes esse valor.
33E se a renda média da pecuária extensiva (em função da área a ela dedicada) já é extremamente baixa se comparada com praticamente qualquer cultivo, as pesquisas em campo demonstraram que a situação dos pequenos produtores do Extremo Norte capixaba era ainda mais precária do que no restante do Estado. Em virtude das circunstâncias adversas para a comercialização do leite na região, que perduraram até o início da década de 1970, a proporção do rebanho da região destinado exclusivamente ao corte era bem maior que o verificado em outras partes do Estado (Figura 9), o que tendia a tornar a geração de renda por unidade de área ainda mais parca.
FIGURA 09: Pecuária de corte e leiteira no Espírito Santo em 1970.
- 10 Situação em há poucos compradores em potencial para determinado(s) produto(s).
- 11 Situação em que há apenas um comprador em potencial para determinado(s) produto(s).
34Nos municípios de Mucurici, Montanha e Ponto Belo, a produção leiteira, que tende a gerar rendimentos por unidade de área um pouco melhores que a criação de bovinos para o corte, sempre foi caracterizada pelo regime de oligopsônio10 típico do mercado de compra de leite dos produtores por parte de empresas do ramo de laticínios. Ao que as informações obtidas indicaram, a última década foi o momento que apresentou maior concorrência por parte dos laticínios (no que se refere à compra de leite para beneficiamento) dentro do recorte espacial desses três municípios, com três compradores em potencial. Mas ao longo de praticamente toda a recente história da colonização dessa área (que se inicia entre as décadas de 1930 e 1940), esse número foi menor, chegando a se configurar um monopsônio11 no início dos anos 1990.
35Ao longo das décadas de 1950 e 1960, quando se intensifica a expansão das fronteiras coloniais sobre esses municípios do Extremo Norte Capixaba, a sua produção leiteira era comercializada principalmente com empresas da porção mineira do Vale do Mucuri. O primeiro laticínio a comprar a produção de leite da região, tanto segundo Claret (1996, p.79) quanto segundo os depoimentos dos entrevistados, surge na década de 1950. Tratava-se de uma cooperativa com sede no município mineiro de Carlos Chagas, vizinho ao Extremo Norte capixaba. Nessa mesma década, ocorria também a fundação do Laticínio Bossi, no município mineiro de Nanuque, também vizinho a essa região, para o qual grande parte da produção leiteira desses municípios capixabas era vendida.
36Nesse período, diferentemente do que se verificou a partir dos anos 70, não havia entrepostos para a coleta do leite, que deveria ser todo enviado diretamente das propriedades para a sede desses laticínios. As entrevistas com antigos moradores e produtores rurais da região deixam entender que nem todos os produtores tinham a possibilidade de escoar sua produção com a utilização do transporte fornecido por essas empresas. Segundo os entrevistados, era comum que elas deslocassem seus veículos para buscar o leite das propriedades com volume de produção diária mais significativa. Mas no caso das propriedades que não tinham uma produção grande o suficiente para compensar os custos com transporte e cuja produção leiteira, portanto, não era coletada pelos veículos das empresas, o jeito era levar o leite por conta própria até a sede das empresas, sendo o produto geralmente transportado no lombo de animais de carga por dezenas de quilômetros.
37Por isso, contraditoriamente, os agricultores com menores propriedades, que eram os que mais necessitavam da renda obtida com o leite, tinham sérias dificuldades para comercializar esse produto, uma vez que sem a coleta in loco pelos veículos dos laticínios, havia a demanda de disponibilidade de uma pessoa da família para diariamente percorrer dezenas de quilômetros a cavalo ou de carroça para entregar o produto a essas empresas nos municípios mineiros vizinhos (Nanuque e Carlos Chagas).
38Ao longo dos anos 1970 e 1980, entretanto, as condições para a venda da produção de leite da região melhoram. As empresas mais atuantes na área dos municípios de Mucurici, Montanha e Ponto Belo nesse momento foram a Cooperativa Central dos Produtores de Leite (CCPL), que em 1975 comprou a antiga sede do laticínio Bossi em Nanuque, e a Sociedade Produtora de Alimentos Manhuaçu (SPAM), que também possuía um laticínio nesse município mineiro.
39Apesar de se localizarem fora da área dos referidos municípios capixabas, essas empresas instalaram entrepostos para o armazenamento do leite em praticamente todos eles. Conforme se consta na obra de Claret (1996) e fora ratificado pelos entrevistados, essa novidade, somada à melhoria dos meios de transporte rodoviários, contribuiu para ampliar a área de coleta diária de leite pelos veículos dos laticínios, atendendo assim a um número maior de produtores. E mesmo para os produtores situados em áreas nas quais esse serviço de coleta não era providenciado pelas empresas, a situação se tornou menos adversa, uma vez que eles passaram a ter que percorrer diariamente uma distância bem menor para a venda do leite, deslocando-se apenas até os entrepostos de seu município e não mais até a sede do laticínio, como ocorria nas décadas anteriores.
40Essas circunstâncias parecem ter contribuído para que os pequenos produtores rurais desses municípios gradativamente se inserissem mais no ramo leiteiro. Os dados dos censos agropecuários do IBGE ratificam essa constatação, evidenciando que essa melhoria nas condições de comercialização da produção local de leite ocorreu entre a segunda metade da década de 1970 e o início dos anos 1980, quando se verifica uma elevação significativa tanto da produção total de leite da região quanto da média de leite obtido por cabeça de gado, diminuindo assim a disparidade que outrora existia em relação à média estadual (a qual pode ser constatada pela comparação entre os dados dos censos agropecuários de 1985 e 2006 e os dados do censo de 1970 – ver Tabela 4).
TABELA 04: Comparação da produção leiteira entre Montanha, Mucuri, Ponto Belo e média do estado do Espírito Santo (em mil litros totais e litros/cabeça de gado) - 1970, 1985 e 2006.
Fonte: IBGE. Censos Agropecuários 1970, 1985 e 2006.
41Cruzando essas informações com os dados das cadeias dominiais de imóveis locais que foram analisadas em nossa pesquisa, percebe-se uma coincidência temporal entre as adversidades para a comercialização do leite e o desaparecimento de pequenas propriedades rurais, sendo o primeiro fenômeno, muito provavelmente, uma das causas do desencadeamento do segundo. Nesse mesmo sentido, ratificando esse raciocínio, constata-se que a partir da segunda metade da década de 1970, quando as possibilidades de comercialização da produção leiteira melhoraram bastante, houve uma maior estabilidade na estrutura fundiária da região, diminuindo a intensidade dessa absorção de propriedades de menor extensão por parte das maiores propriedades.
42Nos anos 1990, entretanto, surgiram novas adversidades para os peque-nos produtores de leite. A transnacional Nestlé, que cresceu muito no mercado nacional em decorrência das políticas neoliberais iniciadas na gestão do presidente Fernando Collor de Mello (e às quais foi dada continuidade pelos governos posteriores), comprou praticamente toda a estrutura que outrora fora da SPAM e da CCPL. E não se tratou apenas da consolidação de um regime de monopsônio da compra do leite. Posteriormente, a referida transnacional fechou todos os entrepostos desses municípios (outrora pertencentes às referidas empresas) e passou a concentrar o armazenamento e beneficiamento do leite em sua filial, no município mineiro de Teófilo Otoni.
43Somando-se a essa adversidade estava o fato de que a Nestlé só tinha interesse em comprar leite daqueles produtores que tivessem maior produção e melhor qualidade, o que compensaria o gasto com transporte da área de produção até esse município mineiro, que se localiza a mais de duzentos quilômetros da região. Esses fatores acabaram por excluir praticamente todos os pequenos produtores regionais do comércio formal de leite.
44Todavia, na virada da década de 1990 para a de 2000, após quase um decênio de contínua exclusão dos pequenos produtores do mercado formal de leite, surgiram novas empresas que se aproveitaram desse vácuo deixado pela Nestlé, os quais viram grandes possibilidades de lucro com a compra da produção de leite dos pequenos proprietários rurais, que por conta dessas circunstâncias estavam praticamente à margem do mercado formal. Tais foram os casos da empresa Laticínios Damare, situada em Montanha, e da Veneza Laticínios, situada em Nova Venécia, a qual apesar de ter sido fundada na década de 1950, somente a partir de então expandiu significativamente sua área de abrangência para a compra de leite, chegando então aos municípios de Montanha, Mucurici e Ponto Belo.
45A partir dos anos 2000, portanto, três empresas passaram a atuar na compra da produção de leite da região. A Nestlé, segundo as entrevistas com vários produtores, era aquela que costumava pagar o melhor preço (sendo inclusive estabelecido a priori, algo raro no setor leiteiro). Todavia, como já mencionado, ela era muito seletiva na escolha dos produtores cujo leite seria comprado, exigindo tanto uma alta qualidade do produto quanto uma produção diária de grande volume, o que excluiu os pequenos produtores (tanto pelo baixo volume de produção quanto pela falta de capital para investimento e obtenção da qualidade demanda pela empresa). Além disso, as evidências indicam que, em virtude de questões logísticas, a Nestlé gradativamente excluiu os municípios de Montanha, Mucurici e Ponto Belo de sua área de atuação para compra de leite, tendo em vista o alto custo com o transporte até Teófilo Otoni. Na prática, portanto, as atuais empresas compradoras em potencial são apenas as empresas Damare Laticínios e Laticínios Veneza.
46Existem também alguns compradores « avulsos », os quais geralmente trabalham com a produção caseira de derivados de leite, como queijos e doces, e que por isso compram diariamente um volume grande de leite. Aproveitando-se do fato de que a vigilância sanitária praticamente não tem como fiscalizar sua atuação, predominantemente informal, esses compradores não exigem que o produto seja armazenado nos refrigeradores até o momento da coleta, como determina a Instrução Normativa 51/2002, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o que acaba por favorecer a inclusão de produtores com pouco capital e sem vínculos com cooperativas e/ou associações (as quais geralmente dispõem do equipamento necessário para atender a tais requisitos sanitários). Seus preços, entretanto, são significativamente inferiores àqueles pagos por qualquer uma das três empresas mencionadas, além de sua capacidade de absorção ser bem mais limitada.
47De sua parte, o circuito regional de produção de carne bovina também se constitui num oligopsônio. À medida que as leis de controle sanitário sobre o abate de animais tornaram-se mais rigorosas, os abates fora dos frigoríficos caíram na clandestinidade, restringindo muito as possibilidades dos produtores comercializarem a carne diretamente com os consumidores. Hoje, praticamente todos os abates são feitos em frigoríficos e existem apenas três compradores em potencial da produção para corte nos municípios de Montanha, Mucuri e Ponto Belo.
48Um desses compradores, a Frisa (Frigoríficos Rio Doce), é possivelmente a rede de frigoríficos mais antiga do Espírito Santo. Sua matriz está sediada em Colatina, onde atua desde o fim dos anos 1960, com filiais também em outros municípios relativamente próximos a essa região do Espírito Santo, como Nanuque/MG e Teixeira de Freitas/BA. Outro comprador da produção bovina voltada ao corte, a empresa Frinorsa, que atualmente usa o nome fantasia de « Frigorífico Paloma », também é uma empresa com atuação há bastante tempo na região. Inicialmente sediada em Montanha, essa empresa recentemente transferiu sua sede para o município de Cariacica, na Região Metropolitana da Grande Vitória. O Frimonte (Frigorífico Montanha), por sua vez, parece ser a menor (em termos de capital) das três empresas, tendo sua sede no próprio município de Montanha.
49No ramo da carne, a questão do transporte parece ser um determinante ainda mais forte para a cadeia comercial do que o verificado no setor leiteiro. Os frigoríficos em geral dispõem da logística necessária para transportar os animais comprados até suas sedes. Todavia, as evidências indicam que eles só deslocam seus veículos para a aquisição das cabeças de gado se o número destas for suficiente para preencher toda a capacidade (ou próximo disso) dos veículos que fazem o translado, reduzindo assim os custos com o deslocamento. Os grandes proprietários, portanto, geralmente mantém uma relação mais estreita com os frigoríficos, já que o montante de suas vendas em geral atende a esse requisito.
50Atualmente, os pequenos produtores têm maior dedicação à pecuária leiteira, mas isso não significa que eles não atuem também no mercado de carne. É muito comum que eles vendam os bezerros, sobretudo os machos, findo o período de amamentação, por não terem como mantê-los em suas propriedades, as quais normalmente estão sempre com o número de cabeças de gado próximo ao limite que elas podem suportar mediante criação extensiva. Eventualmente, algumas vacas adultas também são vendidas, seja porque sua produtividade declinou em função da idade ou mesmo por alguma necessidade financeira do produtor.
51Todavia, essa venda em pequeno volume inviabiliza uma relação direta com os frigoríficos, que não deslocam seus veículos por uma pequena quantidade de cabeças de gado. Por isso, os compradores do gado para corte dos pequenos produtores acabam sendo os produtores de maior porte, sobretudo no caso da venda de filhotes, tendo em vista que eles possuem área de pasto suficiente para fazer a engorda do animal e posteriormente vendê-lo aos frigoríficos ou aos atravessadores. Esses últimos são pessoas com capital de giro suficiente para comprar diversas cabeças de gado de vários pequenos produtores, de forma a preencher a capacidade dos veículos dos frigoríficos e assim criar um canal para a negociação direta com essas empresas.
52Tem-se verificado, nas últimas décadas, uma crescente demanda de alimentos diversos no mercado local desses municípios do Extremo Norte Capixaba, tanto por conta da urbanização, como também em decorrência da especialização produtiva, uma vez que muitos produtores rurais se inseriram na economia da pecuária a ponto de, em muitos casos, não se dedicarem a mais nenhuma outra atividade, incluindo aquelas outrora voltadas ao seu próprio consumo. Todavia, praticamente não há canais para a comercialização direta entre consumidores e produtores locais desses gêneros alimentícios fundamentais, que são obtidos pela população predominantemente através da compra nos supermercados e mercearias, que por sua vez são abastecidos diretamente por fornecedores do CEASA da região metropolitana, e não por agricultores locais.
53As feiras livres municipais são a melhor possibilidade para a comercialização da produção local de outros gêneros além daqueles derivados da pecuária, mas elas ocorrem apenas uma vez por semana, ao passo que os supermercados e mercearias estão abertos praticamente todos os dias. Além disso, mesmo nas feiras há a presença de muitos comerciantes que também se abastecem a partir do CEASA, fazendo com que o fornecimento de frutas e olericulturas diversas, principalmente, seja praticamente monopólio dessa cadeia fundamentada nos Centros de Abastecimento, da qual os produtores locais de Montanha, Mucurici e Ponto Belo estão excluídos.
- 12 As exceções a esse respeito são algumas poucas áreas do município de Montanha que apresentam condiç (...)
54O leque de opções dos pequenos agricultores (no que diz respeito ao que vão produzir em suas propriedades) continua, portanto, diminuto. Dedicar-se a outras atividades que não a pecuária ainda é, para grande parte deles, um investimento ousado, já que para muitos gêneros agrícolas, as possibilidades de comercialização ainda são muito limitadas, e para a produção de outros gêneros como o café, por exemplo, que apresenta melhores possibilidades de venda, as condições naturais da região são pouco favoráveis e tendem a tornar os produtores desses municípios menos competitivos que os de outras regiões do estado12.
55Constatamos em nossa pesquisa, portanto, que ao longo das últimas décadas, os pequenos produtores rurais dos municípios de Montanha, Mucurici e Ponto Belo se viram praticamente sem opções para a venda de sua produção. Ao longo das décadas de 1950 e 1960, grande parte deles não tinha outra escolha para a obtenção de renda monetária além de se dedicar à criação de bovinos para o corte, atividade insustentável quando praticada em pequenas propriedades, o que levou muitos desses moradores da zona rural a se desfazer de suas terras e procurar outros meios de vida, desencadeando, por consequência, um significativo êxodo rural e o aumento da concentração fundiária.
56Em virtude da melhoria das condições para a comercialização do leite no Extremo Norte capixaba, verificada a partir de meados da década de 1970 e, sobretudo, a partir dos anos 1980, que proporcionou um maior rendimento aos criadores que se dedicavam a essa atividade (os quais são, sobretudo, os pequenos e médios proprietários), o processo de abandono do campo e a intensificação da concentração fundiária, que foi muito latente até a década de 1970, parece ter diminuído bastante nas décadas seguintes. Todavia, os reflexos desse longo período de especialização produtiva na pecuária extensiva voltada para o corte ainda são latentes nos municípios dessa porção do estado, os quais estão entre aqueles que apresentam a maior concentração fundiária e as menores densidades demográficas do meio rural de todo o Espírito Santo.
57A única perspectiva de que se venha a atenuar essa ampla dependência da pecuária num futuro próximo, tanto por parte de autoridades quanto de líderes sindicais e produtores rurais desses municípios, reside na expectativa da abertura de uma unidade do CEASA no norte do Estado, no município de São Mateus, na esperança de que os pequenos produtores desses municípios também possam se tornar seus abastecedores. Neste caso, eles teriam a opção de migrar para uma outra cadeia produtiva, que embora igualmente monopolizada pelo capital comercial, lhes proporcionaria maiores rendimentos por unidade de área utilizada.
58Aparentemente, portanto, a única alternativa real para esses produtores rurais escaparem da monopolização de seu território reside na implementação de programas como o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), os quais criaram mecanismos para incentivar a aquisição de gêneros agrícolas (in natura ou beneficiados) de pequenos produtores locais para o abastecimento de escolas públicas e entidades filantrópicas, respectivamente.
59Todavia, essas novas políticas ainda não haviam fornecido resultados muito significativos até o fim de 2011 (época de realização dessa pesquisa) e a maioria dos pequenos produtores rurais da região ainda via-se praticamente sem opções para a venda de sua produção, sendo impelidos a persistir em ter a pecuária como principal atividade econômica de suas propriedades.