1A descrição de um ecossistema, por mais que sejam aperfeiçoados os métodos nela empregados, é passível de deficiências, seja ela feita por meio zoneamentos, seja por outras formas de expressão. A estruturação de informações de ordem ecológica é complexa de ser sistematizada, e os diferentes recursos metodológicos adotados por várias fontes, os quais são usados tanto para a descrição de ecossistemas como para estudos do seu potencial às atividades agrícolas, podem variar muito em qualidade. Ainda que os zoneamentos agrícolas tenham deficiências e grande variação de resultados conforme os métodos empregados, eles são um recurso necessário para facilitar a gestão de políticas de apoio a várias ações em curso no país.
2A importância do problema da imperfeição dos zoneamentos agrava-se quando portarias ou instrumentos similares que regulamentam os zoneamentos agrícolas passam a ser decisivas para se julgar a exclusão de determinadas comunidades do setor rural do acesso ao benefício de políticas públicas quando essas comunidades estão em áreas comprovadamente aptas para receber o benefício.
3Na Portaria Nº 79, de 24 de fevereiro de 2011, foi publicado, em nível federal, o zoneamento agrícola para o cultivo de café conilon, e o município de Vargem Alta não havia sido incluído no mesmo. Em razão disso, as autoridades municipais, representando a reivindicação das lideranças locais, solicitaram à Secretaria da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (SEAG) uma análise que justificasse as decisões contidas naquela Portaria. Em julho de 2011 foi aberto um processo no Governo de Estado visando a atender à Prefeitura de Vargem Alta por meio de uma análise que viesse dirimir as questões que envolviam a exclusão daquele município.
4A SEAG incumbiu o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), órgão a ela vinculado, de desenvolver este trabalho no sentido de averiguar a legitimidade da referida solicitação. O Incaper, cônscio dos problemas que envolvem esta questão, considerou esta reivindicação, originária dos agricultores, como uma oportunidade única para não somente avaliar a legitimidade da solicitação, mas também constatar o mérito e acompanhar o assunto por meio de argumentação em processo até que houvesse a reversão da questão, tendo em vista que o documento técnico produzido seria devidamente apreciado, e a desenvoltura da solução para o problema seria conduzida, documentada e tramitada dentro da estrutura pública das esferas estadual e federal.
5O Incaper usou, como ponto de partida para averiguação da reivindicação em questão, as informações derivadas das Unidades Naturais, trabalho esse apresentado na Conferência Internacional de Geoinformação para o Manejo Sustentável de Terras, realizado na Holanda em agosto de 1997 (FEITOZA et al., 1998) e documentado em detalhe em Feitoza; Stocking; Resende (2001c). As informações das Unidades Naturais em uso neste trabalho foram em nível mais geral denominado Zonas Naturais, tendo como premissa que, com base nelas, seriam detectados os ecossistemas propícios ao cultivo da espécie de café em questão e que também, para dar maior segurança, fosse constatada « in loco » a existência de comunidades de agricultores envolvidos com este tipo específico de lavoura. As informações inerentes às Zonas Naturais usadas neste trabalho levam em conta, além dos fatores topografia e água (número de meses secos), o fator temperatura, cujas três classes a ele correspondentes (Zonas de Terras Quentes, Zonas de Temperaturas Amenas e Zonas de Terras Frias) mantêm relação com maior ou menor incidência de lavouras das espécies de arábica ou conilon.
6Em linhas gerais, foram levantados dados e aproveitadas camadas de informações já existentes referentes à quantificação de áreas de lavouras de café, à averiguação qualitativa de predominância das espécies de café em cultivo, à delimitação das comunidades e à quantificação de habitantes de forma que todos os dados fossem geoespacializados por Zonas Naturais, as quais, por sua vez, dispõem de indicadores que permitem ao observador « viajante » se situar quando em trânsito no campo no que se refere ao tipo de Zona em que esteja localizado. Essas informações foram processadas e trabalhadas para produzirem dados que permitissem a análise de convergência com a reivindicação dos agricultores.
7A título de informação sobre a espécie envolvida neste estudo de caso, que é o café conilon, vale ressaltar que o Espírito Santo destaca-se como o segundo maior produtor nacional de café, com estimativa de produção de grão, em 2014, de 12,2 milhões de sacas, e como o maior produtor de café conilon (9,35 milhões de sacas) e o terceiro maior de café arábica (2,85 milhões de sacas). Esse total é oriundo de um parque cafeeiro em produção de 447.355 hectares e 1,1 milhão de covas. A cafeicultura está presente em todos os municípios do Espírito Santo, exceto Vitória, sendo a principal atividade em 80% dos municípios e representando sozinha 43% do PIB agrícola do Estado. A cadeia produtiva a ela referente é a maior empregadora por intermédio da geração de aproximadamente 400 mil postos de trabalhos por ano. A produção que gera esse grande negócio é obtida prioritariamente por produtores de base familiar, com tamanho médio das lavouras, envolvendo os cafés arábica e conilon de 8,3 hectares (CONAB, 2014; FERRÃO et al., 2011).
8Tem sido frequente, no setor público, o zoneamento de áreas para acesso a benefícios cuja aptidão para a inclusão do beneficiário seja dependente da capacidade de um dado ecossistema produzir um determinado produto, em que se usa, de forma contraditória, no processo de inclusão, ênfase no critério mais fácil e rápido de ser aplicado, baseado na delimitação de limites territoriais municipais, que são de ordem geoadministrativa de caráter sociopolítico. Em alguns casos, mesmo quando essa eleição de municípios é acompanhada por observações de ordem ecológica, a forma de uso desses fatores pode ser de tão baixa relevância para o endereçamento de desses nichos apropriados para a ocorrência da atividade que o seu efeito no zoneamento torna-se generalizado a ponto de perder a efetividade, resultando na exclusão de muitos candidatos a beneficiários. O uso de metodologia escudada sob o jargão de que o trabalho tem o cunho de « visão macro » ainda persiste para muitas situações nas quais ele já não mais se aplica, sendo sua efetividade, na realidade, dependente do empenho na escolha dos fatores-chave e suas classes, que devem estar fortemente relacionadas ao desenvolvimento biológico em questão.
9Critérios que tenham bases em premissas de ordem ecológica, mas que estabelecem percentagem mínima de área ecologicamente apropriada por município, visando à sua elegibilidade para o recebimento de benefícios, incorrem em tratamento desigual entre munícipes do Estado, intitulados ao direito em foco. Nesse caso, uma família que habita em um nicho apropriado para a atividade, mas cujo percentual do ecossistema em que vive é muito diminuto em relação à área total do município, a ela será vedado o direto de receber benefícios que dão suporte à atividade em questão.
10A dificuldade ou complexidade envolvida na caracterização e descrição de ambientes para que sejam geoespacializados todos os nichos onde a atividade já é praticada com êxito por experiências promovidas pelos agricultores, impedem a concretização de zoneamentos que possam fazer justiça na inclusão ao direito de acesso à política pública. As formas como o homem, ao longo do tempo, ajustou de modo exitoso os cultivos aos vários ambientes devem ser apreciadas como uma constatação prática do exercício da experiência com aquelas atividades, quer seja no apoio para a sustentação econômica, quer para a subsistência familiar. Há nessa questão uma necessidade de que os instrumentos que legitimam e institucionalizam os efeitos dos zoneamentos levem em conta a complexidade envolvida e que neles sejam também inseridas aberturas que estendam o acesso aos benefícios para aqueles que labutam em áreas realmente aptas, mas que foram excluídas por uma questão de limitação do método de zoneamento aplicado.
11O ser humano depende do ambiente, que, por sua vez, apresenta variações de um lugar para outro. Essas variações são de tal ordem que o uso do ambiente deve frequentemente ser ajustado. Cada ambiente oferece vantagens e desvantagens. As desvantagens são os problemas e as limitações (RESENDE; LANI; FEITOZA, 1993).
12O homem, no seu processo evolutivo, tem testemunhado muitos problemas ambientais e, diante deles, tem assumido duas atitudes: ou os enfrenta, tentando se possível reduzi-los a zero, desenvolvendo práticas de redução, ou, de uma forma não menos engenhosa, convive com eles por meio de práticas de convivência (RESENDE; LANI; FEITOZA,1993).
13Os problemas têm sido listados de várias formas. Poder-se-ia, por exemplo, representar todo o sistema de problemas na forma de um tetraedro (Figura 1), em que os aspectos bióticos (cultura, pragas, doenças, ervas daninhas e outros), climáticos e de solo (incluindo relevo) constituem a base e os mais fortemente relacionados ao homem, o topo do tetraedro (RESENDE; LANI; FEITOZA,1993; EAMA e UFV, 2008a).
FIGURA 01: Representação do tetraedro ecológico de acordo com Resende, Lani e Feitoza (1993).
14Qualquer um dos vértices do tetraedro é por si mesmo muito complexo, e os especialistas se aprofundam em subsistemas desses vértices, trazendo contribuições que podem ser muito valiosas para o conhecimento. Os próprios especialistas que se situam nos vértices que seus esforços estão inseridos num contexto geral e que os suas descobertas isoladas podem ser mais úteis diretamente para a sociedade; porém, nem todos os especialistas estão nos vértices. Há os que trabalham basicamente ao longo de uma linha, relacionando aspectos dos dois vértices. Um melhorista de gado leiteiro para os trópicos que trabalha ao longo da linha C-O, clima-organismos, pode situar-se em diferentes posições ao longo desta linha, mais provavelmente perto do vértice organismos (RESENDE; LANI; FEITOZA, 1993).
15As interações evidentemente não terminam aí, elas podem ocorrer entre três vértices em vez de ao longo de uma linha entre dois vértices. A seleção de uma cultura tolerante à deficiência de água para os trechos mais secos do Norte do Estado do Espírito Santo, objetivando proporcionar menos riscos ao agricultor, estaria representada pelo triângulo C-O-H, clima-organismo-homem. Os interesses do agricultor, talvez mais do que os de qualquer especialista, envolvem todo o tetraedro. Entretanto, a multiplicidade de aspectos impossibilita que alguém domine completamente todos os detalhes dos vértices. Mesmo inexistindo esse alguém, importantes e boas decisões têm sido tomadas ao longo da história, envolvendo todo o tetraedro (RESENDE; LANI; FEITOZA, 1993).
16Mesmo diante da realidade de que as questões ambientais estão inseridas num sistema em que atuam muitas variáveis simultaneamente, num estado com grande diversidade de ambientes como o Espírito Santo, tem sido frequente a demanda por uma estruturação de informações que seja útil para dar suporte à tomada de decisões e permitir planejar iniciativas.
17As lideranças locais do município de Vargem Alta recorreram à municipalidade para que fosse reconhecido, pela Secretaria de Política Agrícola-SPA/Departamento de Gestão de Riscos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a necessidade de inclusão do município no Zoneamento Agrícola de Café Conilon, tendo em vista que tal decisão conferiria aos cafeicultores a prerrogativa de terem acesso ao crédito para a melhoria das condições de produção do café conilon.
18A Secretaria de Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (SEAG) abriu o Processo nº 54016592/ES, e nele o Incaper assumiu a incumbência de apresentar estudo técnico que permitisse confirmar para o MAPA se o referido município detinha Zonas Naturais adequadas e em uso com plantios de café conilon.
19Um outro fato é que até o presente momento não existe um método para separar por fotointerpretação, nas camadas de dados já mapeadas como café, as lavouras de conilon das de arábica, a não ser que se vá a campo para identificar cada lavoura in loco, o que é atualmente de relação custo-benefício inviável. Diante disso, há a necessidade de se desenvolver um método que permita avaliar o quantitativo de cada espécie, marcadamente na faixa de transição situada entre as terras quentes e as terras frias do Estado.
20As unidades geoespaciais para processamento de informações podem guardar funções que se apresentem mais adequadas ora para uso socioadministrativo, ora para fins de caráter ecológico. Dentre as diversas camadas de informações que cobrem todo o Estado e que estão disponíveis no Sistema Integrado de Bases Geoespaciais do Estado do Espírito Santo – GEOBASES (GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2013), foram selecionadas algumas para serem apresentadas na Tabela 1, apenas para mostrar a concepção dos autores quanto ao agrupamento delas por « famílias » de informações geoespaciais.
Tabela 01: Exemplo de famílias de unidades para uso em processamento geoespacial de informações no Estado do Espírito Santo
21As Unidades Naturais podem ser usadas para solucionar uma questão para a qual as Ottobacias podem se mostrar pouco apropriadas e vice-versa, embora ambas sejam unidades de ordem ecológica. A apresentação dos resultados por abordagens com força no limite territorial é admitida quando os municípios são analisados em integração com informações que caracterizam o ecossistema e com efetividade para revelar, no território municipal, uma indicação espacial de ordem ecológica que localize a área para o exercício da atividade em questão.
22As questões ambientais da atualidade estão inseridas neste sistema tetraedral discutido em parágrafos anteriores. Verifica-se que há muitas variáveis de cada vez. Surge então a questão: o que fazer? Segundo Resende, Lani e Feitoza (1993, p. 16),
[...] uma resposta apressada talvez decidisse pelo envio de convites a vários especialistas, a fim de solucionar o impasse; mas alguém poderia perguntar: quais? A resposta não pode ser evidentemente, todos, pois apenas para citar um vértice – por exemplo, o dos organismos (O) – o número de especialistas apenas desse vértice, já exigiria algo como que um campo de futebol para caber tanta gente.
23Vale ressaltar que na discussão quanto às muitas maneiras de interações de informações neste tipo de zoneamento em discussão, o importante é que a seleção de fatores e suas classes permita indicar, da melhor forma possível, entre os diversos ambientes presentes no Estado, a localização espacial daqueles nichos que podem conter os candidatos a beneficiários do tipo de apoio governamental em questão e ainda deixar em aberto uma alternativa factível para se fazer justiça aos que são prejudicados por falhas decorrentes das limitações do método usado.
24A resposta do poder público a esta demanda emanada dos munícipes exigiu, em caráter de urgência, o exercício interdisciplinar do uso de conhecimento já prontamente disponível, por meio da aplicação do conhecimento existente sobre a relação entre um fator de ordem biológica, no caso, duas espécies de café, com os ecossistemas retratados pelas Zonas Naturais presentes no município, acompanhados por checagem de campo que comprove a experiência prática dos agricultores com o cultivo da espécie em questão, nesses ambientes regionais nele identificados.
25Para determinar as áreas com menor risco climático para o plantio da cultura de conilon no Estado do Espírito Santo, o Departamento de Gestão de Risco Rural do MAPA considerou a deficiência hídrica anual (DHA) inferior a 200 mm e as temperaturas médias anual (Ta) entre 22ºC e 26ºC e do mês de novembro (Tn) inferior a 25ºC (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO/SECRET. DE POLÍTICA AGRÍCOLA, 2011). A deficiência hídrica anual foi calculada a partir de um modelo de balanço hídrico. As regiões que apresentaram deficiência hídrica e condições térmicas dentro dos limites pré-estabelecidos em no mínimo 20% da área do município configuram municípios aptos a receberem apoio para o desenvolvimento da cultura (OFÍCIO S/Nº 2013 – MAPA/SPA). A escala de trabalho usada na geoespacialização dos dados não é mencionada.
26Na busca de solução para popularizar o conhecimento e uso das informações sobre a diversidade ecológica no Espírito Santo, foi desenvolvida uma base de dados geoespacial denominada Unidades Naturais, que integrou, de forma sintética, num formato acessível, uma seleção de informações sobre recursos naturais. Esta base de informações referente às Unidades Naturais foi desenvolvida pela Emcapa, hoje Incaper, por meio do Núcleo de Estudos de Planejamento do Uso da Terra (Neput), objetivando criar uma base de comunicação sobre os estratos ambientais do Estado, trabalhada de tal forma que o resultado de seu mapeamento expressasse um significado de importância para a biologia (FEITOZA et al., 2001c; FEITOZA; STOCKING; RESENDE, 2001a; FEITOZA et al., 2010).
27Ao estruturar as informações das Unidades Naturais, foi muito importante dar atenção à máxima levantada por Bennema (1978), que postula que o modelo de ambiente para ser usado tem de passar por simplificação, mas esta deve ser pensada mais na síntese de dados que são relevantes do que na supressão dos dados básicos.
28Segundo The Open University (1980) e Buzan (1994) as palavras-chave e o modo de apresentação delas são os componentes de um método para recordação rápida de uma situação mais completa, ou seja, essas características forçam a mente afazer ligações numa direção que habilita a recriação de toda uma história. Para uma primeira síntese explanatória do inter-relacionamento entre os fatores usados no desenvolvimento do mapa das unidades naturais e as questões relacionadas à expressão de vida e atividades humanas presentes no Estado, Feitoza, Stocking e Resende (2001a, p. 65), adaptaram o tetraedro ecológico de Resende, Lani e Feitoza (1993), posicionando nos vértices de clima, solos, organismos e homem informações que justificam a seleção de cada um dos seis fatores-chave usados para a retratação dos ecossistemas no Estado do Espírito Santo.
29Os seis fatores-chave considerados por Feitoza et al., (2001c; 2010) e Feitoza, Stocking e Resende (2001a, p. 65) no desenvolvimento das Unidades Naturais foram:
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temperatura
-
topografia (fase de relevo)
-
água (« número de meses secos »)
-
nutrientes
-
oxigênio (drenagem)
-
influência marinha
30A síntese apresentada por meio de uma adaptação de uso do tetraedro não desce ao nível de detalhe mostrando as classes dos fatores supracitados. Sendo assim, cada um dos seis fatores-chave foi estratificado por Feitoza, Stocking e Resende (2001a) em classes, sempre guardando a relação de importância entre elas e a expressão de vida de modo geral, incluindo algumas atividades humanas específicas presentes no Estado.
31Na escolha dos fatores-chave e concepção das suas classes foi levada em conta a análise crítica dos geocientistas a) na seleção, b) na estruturação, c) nos critérios usados e d) no manuseio das informações. A percepção dos autores por meio da análise de outros trabalhos e de observações de campo norteou fortemente os princípios usados na estruturação das informações das Unidades Naturais. Algumas das principais considerações levadas em conta no desenvolvimento das unidades naturais por Feitoza, Stocking e Resende (2001a) foram:
-
agrupamento de informações, sintetizando-as, mas com possibilidade de reacessar as informações originais que deram origem à síntese;
-
indicadores – agrupamento de dados originais de cada tipo de informação foi desenhado visando, dentro do possível, à possibilidade da identificação das áreas estratificadas, por meio de indicadores observáveis em nível de campo;
-
síntese sem supressão de dados originais básicos;
-
premissa de que informações de clima e solo apresentam altas demandas em diversos estudos biológicos envolvendo o homem e outras formas vivas;
-
internalização prévia, por parte do usuário, de que uma seleção de variáveis colocadas juntas é necessário para se levantar uma descrição espacial de cunho ecológico, mas ela é somente uma parte de um sistema de informação maior, ainda levando-se sempre em conta que, sendo informações em nível regional, pode exigir um certo grau de abstração na aplicação do conhecimento ou até mesmo não atender a determinados interesses específicos.
32Bono (1990) defende a ideia de que a descrição de alguma situação depende dos termos familiares usados para descrevê-la e não da melhor descrição possível. Feitoza, Stocking e Resende (2001a) adotaram este preceito para o desenvolvimento das Unidades Naturais do Espírito Santo e para comprovação esses mesmos autores (2001b) fizeram uma avaliação complementar de ordem qualitativa e quantitativa em que constataram aumento no poder de percepção, interpretação e transferência de conhecimento dos usuários de tais informações no Estado, como decorrência da melhoria no uso de terminologia mais familiar ou acessível a todos os tipos de usuários. Constata-se hoje que estas Unidades Naturais vêm sendo muito usadas para melhorar a compreensão da diversidade regional dos ecossistemas presentes no Estado.
33A utilização das Zonas Naturais como unidades geoespaciais é factível para localizar agricultores envolvidos nas atividades relacionadas a alguns tipos de uso da terra. Os agricultores, no processo evolutivo de adaptação às diferentes regiões em que vão sendo assentados ao longo do tempo, têm testemunhado muitos problemas ambientais na exploração dos recursos. Mais precisamente na questão de adequação de espécies, os interesses deles envolvem uma multiplicidade de aspectos mais relacionados às unidades geoespaciais, que caracterizam ecossistemas, do que àquelas delimitantes de áreas municipais, as quais são unidades de ordem sociopolítica.
34Neste Estado em que se presencia grandes diversidades de ambientes, notam-se diferentes graus de intensificação de ocupação das áreas com as espécies de café arábica e de conilon, sendo possível observar um certo grau de relação entre o predomínio da espécie e os tipos de Zonas Naturais presentes na área (SEAMA; UFV, 2008a). Este padrão de ocupação espacial peculiar de cada espécie em relação às Zonas Naturais é percebido como uma expressão do resultado das experiências dos agricultores distribuídos pelos diversos ecossistemas do Estado, que vêm experimentando, ao longo do tempo, o cultivo de café como base de sustentação de suas famílias.
35Apenas a título de exemplo, a decisão para o estabelecimento da « linha » de delimitação entre cada uma das três diferentes regiões térmicas das Unidades Naturais, que são classes da informação relacionada à temperatura, foi apoiada em observações sobre a distribuição do cultivo de café, considerando-se as áreas de (a) não cultivo ou diminuição no cultivo de café devido a temperaturas baixas, como sendo Zonas de Terras Frias, (b) as de cultivo de café arábica, como Zonas de Terras de Temperaturas Amenas e (c) as típicas de cultivo de conilon, marcadas por uma maior intensificação ou presença de outras culturas tropicais, como Zonas de Terras Quentes. Tomou-se o cultivo de café como observação de apoio por ser a) uma importante atividade para a sustentabilidade de uma significativa força de trabalho (GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 1992; FERRÃO et al., 2007), b) ser largamente cultivado em uma grande extensão do Estado e c) dentro de um quadro de observação com certo nível de abstração, encontrar-se relacionado às três regiões térmicas observáveis em nível de campo (FEITOZA; STOCKING; RESENDE, 2001a, p. 65).
36Assim, para cada fator, os autores discutem os critérios que determinaram a) a sua escolha e b) a altura da linha de delimitação de cada divisão das classes dentro de um mesmo fator. Ao se agrupar os fatores-chave supracitados para se formar uma Unidade Natural, foi agregada uma classe de cada um dos referidos fatores, que, ao final, resultou num conjunto de observações que expressam ou oferecem uma ideia da ecologia regional de uma dada área.
37Como consequência, ainda no exemplo do fator temperatura, após subdividi-lo em três classes, os efeitos observados na organização espacial regional foram: a) Terras Frias, compreendendo a região montanhosa alta; b) Terras de Temperaturas Amenas, compreendendo a região montanhosa média e c) Terras Quentes, compreendendo duas regiões baixas – uma de relevo acidentado do cristalino e outra plana das zonas sedimentares. Cada uma dessas classes tem informações sobre vários parâmetros relacionados à temperatura já disponíveis no próprio mapa de unidades naturais. Tendo-se, por exemplo, um tipo de informação já disponível no mapa e que enfoca « meses extremos com dados extremos » no ano, o usuário pode tomar conhecimento de que as Terras Frias têm a temperatura média das máximas do mês mais quente menor que 27,8ºC e a média das mínimas do mês mais frio menor 9,4ºC; as Terras de Temperaturas Amenas têm a temperatura média das máximas do mês mais quente entre 27,8ºC e 30,7ºC e a média das mínimas do mês mais frio entre 9,4ºC e 11,8ºC; as Terras Quentes têm a temperatura média das máximas do mês mais quente entre 30,7ºC e 34,0ºC e a média das mínimas do mês mais frio entre 11,8ºC e 18,0ºC (FEITOZA et al., 2001b; FEITOZA; STOCKING; RESENDE, 2001a).
38No desenvolvimento de um estudo deste tipo, o número de fatores e o número de classes dentro de cada fator têm que ser limitados a tal ponto que evitem o risco eminente de geração de mosaico de unidades naturais que se apresentariam de forma muito numerosa, complexa e ininteligível. A criação das classes dentro de um fator é um processo que depende de relações com a) o estudo de um indicador de campo confiável, preferencialmente para, pelo menos, uma classe de um dado fator, e b) a escolha de um indicador que possa ser reconhecido no campo em todas as estações do ano. Continuando o exemplo, as altitudes são indicadores de campo das classes de temperaturas traduzidas como Terras Quentes, de Temperaturas Amenas e Frias, que podem ser conferidos por altímetro em qualquer época do ano e também corroborados por outros indicadores biofísicos identificáveis na área. Assim, as Terras Frias situam-se a altitudes superiores a 850 metros, as Terras de Temperaturas Amenas, entre 450 e 850 metros e as Terras Quentes a altitudes inferiores a 450 metros (FEITOZA; STOCKING; RESENDE, 2001a).
39Assim, em Feitoza et al. (2001c) e Feitoza, Stocking e Resende (2001a) são detalhadas as discussões e razões para selecionar os fatores e para dividi-los em classes, mas neste artigo em particular escolheu-se apenas o comentário sobre temperatura para que fosse apresentado ao leitor os detalhes considerados na caracterização de classes dentro deste fator, para que ele possa apreender, através deste exemplo, as bases conceituais que são igualmente discutidas em detalhes para cada um dos demais cinco fatores usados na composição das Unidades Naturais. O agrupamento de uma classe de cada fator resultou num conjunto de Unidades Naturais que caracterizam os ecossistemas regionais que cobrem todo o Estado.
40As unidades naturais dividem o Estado do Espírito Santo em níveis hierárquicos de zonas, sub zonas e províncias. As zonas, num total de 9, são definidas por parâmetros relacionados a temperatura (fria, amena e quente), relevo (acidentada e plana) e suficiência de água (chuvosa, transição chuvosa/seca e seca). Cada zona é composta de 3 a 6 sub zonas, totalizando 34 sub zonas, que são definidas por parâmetros relacionados a disponibilidade de nutrientes (pobre, moderada e rica), inundação por água doce (sujeito à inundação e não sujeito à inundação) e influência marinha (com influência das marés e arenosa costeira). Por sua vez, as sub zonas se subdividem em províncias, totalizando 204 tipos. Província é o nível hierárquico mais baixo de uma unidade natural e é denominada pelo acréscimo da unidade ou parte da Unidade de Mapeamento de Solos (UMS) à sub zona, preservando a mesma terminologia técnica original usada pelo serviço de levantamento de solos. As unidades naturais estão representadas espacialmente em um mapa colorido, na escala 1:400.000 (FEITOZA et al., 2001b).
41No Mapeamento de Comunidades Rurais e Urbanas do Espírito Santo classificado como limites geoadministrativos na Tabela 1, foi assumido o conceito de Comunidade, como sendo « território onde exista um grupo permanente de famílias que mantêm relações de vizinhança, laços de solidariedade, afinidades culturais e utilizam os mesmos equipamentos coletivos » (IJSN, 1994). Esta camada de informações desperta muito interesse dos extensionistas e de outros agentes de desenvolvimento que muito se interessam pelo direcionamento de informações que estejam relacionadas com tais comunidades e, em especial, quando elas estão sujeitas a receber um determinado benefício, como por exemplo, o que confere direito à inclusão social para o recebimento dos mais diversos tipos de assistência ou estejam situadas em zonas sujeitas à ocorrência ou ainda que tenham sido afetadas por um dado fenômeno natural.
42O layer Comunidades Rurais e Urbanas do Espírito Santo teve origem no trabalho intitulado « Mapeamento de Comunidades Urbanas e Rurais do Espírito Santo », realizado no final da década de 1980 e publicado em 1994 pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), cujo objetivo principal era utilizá-lo no censo de 1991, correspondente ao décimo Recenseamento Geral do Brasil. A malha de comunidades seria usada como mais um possível nível de totalização das informações censitárias, além dos setores, distritos, municípios já de uso conhecido, situação essa que permitiria a cada comunidade se reconhecer na leitura das variáveis censitárias. Contudo, tal objetivo não foi alcançado, visto que as delimitações das comunidades não se converteram em divisões legais em tempo hábil, nem para o décimo recenseamento, nem para os censos subsequentes que o seguiram. Somente em 2012, o município de Aracruz retrabalhou o layer comunidades e sancionou a primeira lei municipal pertinente a esse assunto (ARACRUZ/ES, 2012). Apesar de não ter ocorrido uma conversão em lei dessas divisões de comunidades nos demais municípios do Estado, as proximidades de seus limites com os de setores censitários e o uso de recursos de SIG dos dias atuais têm permitido, sob certo nível de adaptação, a extração aproximada de dados dos setores censitários para serem apresentados por comunidades.
43O mapeamento de comunidades, realizado pelo IJSN por meio do Convênio com o IBGE (então, FIBGE), teve o apoio das prefeituras municipais e dos escritórios locais do Incaper (então Emater) presentes em diversos municípios capixabas. Neste trabalho foram utilizadas as legislações pertinentes, as folhas topográficas nas escalas 1:50.000 e 1:100.000 e os mapas municipais estatísticos MME/90 do IBGE. O desenho da malha das comunidades foi realizado pelo IJSN em abril de 1990 e revisado e complementado pelo DGC/DECAR/DIPOR (FIBGE), com data final de atualização em junho de 1990.
44Dentre as divisões territoriais, as comunidades são de relevância para o planejamento local, municipal e estadual. Em 2007, o « Mapeamento de Comunidades Urbanas e Rurais do Espírito Santo » foi resgatado e implementado em ambiente de SIG, pelo Governo do Estado, por meio do GEOBASES, e hoje, por meio de Convênio (INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES E INSTITUTO CAPIXABA DE PESQUISA, ASSISTÊNCIA E EXTENSÃO RURAL, 2010), este layer vem sendo aprimorado.
45As comunidades, atualmente em número de 2.860, se apresentam como territórios apropriados para o planejamento local e, a título de comparação, cada um dos setores censitários rurais, que é a menor unidade de apuração do censo do IBGE, pode abranger mais de uma comunidade, devido ao fato de ela estar em maior nível de detalhe na divisão territorial.
46As Unidades Naturais usadas neste trabalho em nível de Zonas são informações de ordem geoecológica e são indicativas, numa primeira aproximação, de estratos ambientais em que se pode afirmar de forma bem genérica e com validade de afirmação apenas para algumas delas, como sendo ambientes regionais em que prevalecem espécies de conilon ou de arábica.
47Segundo Bono (1990) é estimulante constatar como diversas novas ideias residem dormentes em informações já coletadas e que hoje podem ser colocadas juntas de uma maneira que ainda podem ser rearranjadas na busca de outro modo melhor. Explorando essa possibilidade de ampliar rearranjos de informações, a base de dados das Unidades Naturais foi modelada por Feitoza et al. (2001a) para aplicação em Sistemas Geográficos de Informações (SIG), viabilizando, no ano de 2012, a análise geoespacial de forma integrada a uma série de outras informações que fazem parte do Sistema Integrado de Bases Geoespaciais do Estado do Espírito Santo (GEOBASES).
48As razões ou bases para selecionar todos aqueles fatores-chave supracitados (temperatura, topografia/fase de relevo, água/« número de meses secos », nutrientes, oxigênio/drenagem e influência marinha) para dividi-los em classes (TEMPERATURA: fria, amena e quente; RELEVO: acidentado e plano; ÁGUA: chuvosa, chuvosa/seca e seca; NUTRIENTE: pobre, fertilidade intermediária e rica; INUNDAÇÃO POR ÁGUA DOCE: não sujeita à inundação e sujeita à inundação; INFLUÊNCIA MARINHA: arenosas costeiras e sob influência das marés), e posteriormente usá-los em conjunto no desenvolvimento e composição das Unidades Naturais são discutidas por Feitoza et al. (2001c) e Feitoza; Stocking; Resende (2001a). O modo de divisão de cada um dos seis fatores em classes dependeu de observações sobre a correspondência de cada uma delas com aspectos relacionados a atividades humanas, outras formas vivas ou expressão de vida e atributos físicos. O nível de província foi o único que preservou uma informação de terminologia não familiar, que é a denominação da unidade de mapeamento de solos (FEITOZA; STOCKING; RESENDE, 2001a).
49Feitoza et al. (2001a) ilustram, na Figura 2, a representação da agregação dos fatores para a formação das Unidades Naturais.
Figura 02: Representação da hierarquia das Unidades Naturais com os fatores que participam de cada nível (FEITOZA, 2001a)
50O nível mais geral das Unidades Naturais é denominado Zonas Naturais. As zonas, num total de nove, são definidas por parâmetros relacionados a temperatura (fria, amena e quente), relevo (acidentada e plana) e suficiência de água (chuvosa, transição chuvosa/seca e seca) que são expressões de ordem ecológica, as quais fazem sentido para o usuário da informação. Elas transmitem uma ideia de ordem geral sobre o grande ecossistema predominante numa área.
51Neste trabalho foi usado o nível hierárquico de Zona, o mais geral das Unidades Naturais, em que estão integradas classes de temperatura, topografia (fase de relevo) e água (« número de meses secos »).
52Foram usadas as áreas de lavouras de café mapeadas pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) com base em voo aerofotogramétrico de 2007/2008, as quais, após corrigidas as topologias pela Unidade Central de Gestão do GEOBASES gerida pelo Incaper, foram incorporadas para uso no Banco de Dados do GEOBASES (GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2013).
53Pela característica da Zona Natural se fez a interpretação sobre a espécie de café mais provável de ocorrer em cada Zona. Completou-se, por meio de checagem de campo, a constatação das espécies e a verificação da predominância de cada uma, por meio de observações por critério visual analítico, não quantitativo. Para cada Zona Natural atribuiu-se um texto interpretativo do predomínio da espécie de lavoura de café nela presente e mediu-se o montante em hectare das áreas de café nelas mapeadas em 2008.
54Para se julgar a inclusão ou não do município entre os que devem ser beneficiados pela política pública em questão, este trabalho, por concepção, valorizou mais a localização e comprovação de nichos ecológicos apropriados, acompanhada da confirmação da existência de lavouras de espécies de conilon do que a quantificação de pessoas e de hectares de áreas dedicadas às lavouras da espécie, apesar de estas características terem sido também levantadas e apresentadas neste estudo. Partiu-se da premissa de que se existe a ecologia favorável e agricultor desfrutando daquele ambiente com cultivo de lavoura de café conilon, este deve ser intitulado beneficiário da política pública no âmbito do assunto.
55As informações complementares referentes aos dados de número de habitantes por setores censitários foram totalizadas e apresentadas por comunidades. Trabalhando-se os dados com o uso de SIG, fez-se uma aproximação em que é mostrada em mapa e tabela a correlação entre comunidade, tipo de Zona Natural, espécie de café em cultivo e a população existente na área.
56O uso de SIG no processamento das informações de Unidades Naturais e das demais informações complementares do interesse deste trabalho foi realizado usando layers do GEOBASES (GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2013). Os dados complementares de localização de lavouras de café e da população das comunidades abrangidas contextualizam um cenário que permite revelar a experiência de munícipes com o produto e avaliar se o presente estudo corrobora para a reivindicação de agricultores que solicitavam acesso ao benefício por meio da inclusão do município no Zoneamento Agrícola de Café Conilon do MAPA.
57A Figura 3, correspondente ao mapa em anexo idealmente para ser visualizado em zoom de 190% e impresso em tamanho A3, apresenta as Zonas Naturais do Município de Vargem Alta, com informações relacionadas a temperatura, relevo e disponibilidade de água e a localização e quantificação das áreas de café no ano de 2008. A Tabela 2 apresenta, por Zonas Naturais, a quantificação das áreas de lavouras de café, descrição qualitativa das espécies de café predominantes, comunidades abrangidas e população.
Figura 03: Lavouras de café, predomínio de espécies e população por Zonas Naturais no município de Vargem Alta
Tabela 02: Zonas Naturais do município de Vargem Alta, quantificação de áreas de lavouras de café, predomínio de espécies de café, comunidades e população.
*Estimada para cada Zona Natural a partir dos setores censitários em cada zona - Censo IBGE 2010; População total de Vargem Alta: 19.230 habitantes.
58O Município de Vargem Alta apresenta um parque cafeeiro de 5.180,63 ha, distribuído em seu território entre os seguintes quatro tipos de Zonas Naturais:
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Terras Frias Acidentadas e Chuvosas (FAC)
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Terras de Temperaturas Amenas, Acidentadas e Chuvosas (AAC)
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Terras Quentes, Acidentadas e Chuvosas (QAC)
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Terras Quentes, Acidentadas e Chuvosas/secas (QACS)
59Em seus 60,80 km² de Zonas de Terras Quentes (QAC e QACS), apresenta um parque cafeeiro de 237,53 ha, e por meio de observação visual analítica em nível de campo, pode-se constatar, nessas Zonas, o predomínio de lavouras de conilon.
60Nas Terras de Temperatura Amena (AAC), que perfazem um total de 201,55 km², constata-se um parque cafeeiro de 2.907,94 ha em que é predominante o cultivo da espécie Coffea arábica, embora nessa Zona (AAC), especialmente na área de transição para as terras quentes, possa ocorrer a incidência de lavouras de café conilon.
61Nas Zonas de Terras Frias (FAC), que perfazem um total de 151,34 km², constata-se 2.035,16 ha de lavouras de café, e nessas terras, o cultivo de café conilon, se houver, trata-se de uma ocorrência eventual e muito pouco expressiva.
62Embora no estudo das Zonas Naturais do Estado, as Terras Frias são reputadas como Zonas de menor expansão do arábica, observou-se que na posição geográfica do território do município de Vargem Alta, a incidência de lavouras da espécie é bem marcante na faixa compreendida entre 850 e 950 metros de altitude, especialmente na parte que faz transição com as terras de temperaturas amenas, decrescendo acentuadamente nas áreas mais frias, superiores a 950 metros.
63Nas Zonas de Temperaturas Amenas podem coexistir lavouras de conilon e de arábica cultivadas lado a lado, e essa área conta com um contingente de 12.488 habitantes, sendo difícil avaliar qual parcela destes depende do cultivo da espécie Coffea canephora.
64Tomando-se por base apenas a Zona Natural de Terras Quentes com a presença marcante de lavouras de conilon, aliado ao depoimento de agentes de desenvolvimento lotados no município, conforme registrado à folha 01 do processo Nº 54016592/ES, a Unidade Central de Gestão do GEOBASES confirma, após uma checagem qualitativa em nível de campo, a existência de áreas de café conilon, situação essa que é resultado da experiência dos agricultores que labutam na referida área. Para essas terras quentes em que há predominância de lavouras de conilon, estima-se, com base no censo 2010 do IBGE, uma população aproximada de 1.835 pessoas.
65O Governo Federal tem se preocupado em localizar candidatos a beneficiários de políticas públicas (MAGALHÃES, 2013), e no poder público deste Estado existe recurso técnico para análise de dados geoespaciais que permite localizá-los geograficamente. Na decisão indicativa para a inclusão desses beneficiários, pesou mais a constatação de áreas mapeadas com famílias e comunidades em ecossistemas apropriados ao desfrute da política pública em questão do que critérios que levam em conta o tamanho de área com cultivo ou o percentual de área mínimo com potencial de cultivo da espécie em relação ao total da área do município ou o total mínimo de habitantes por área que fosse justificada a inclusão. A adoção deste tipo de conceito na aplicação de critério para inclusão social na atividade em questão colabora para uma política pública equânime para todos os que se dedicam a esta atividade no país, porque nesta situação em que diferentes famílias exploram os recursos ofertados pela ecologia presente em suas áreas, sejam estas diminutas ou não, a decisão com base no estabelecimento de limite na quantidade de pessoas ou no tamanho mínimo de área ecologicamente favorável por município não é justa.
66É necessário que gestores públicos estejam alerta para falhas de exclusão de famílias na zona rural em zoneamentos que visam à aplicação da justiça social para os agricultores envolvidos em atividades de ordem biológica, quando o mapeamento de inclusão é apresentado por limites sociopolíticos ou por fator a ele relacionado, como, por exemplo, o estabelecimento de um percentual mínimo de área ecologicamente favorável por município para que o mesmo seja elegível. Nesses casos, a negligência na seleção e na forma de uso de parâmetros geoespaciais relacionados à espécie pode ser a causa da não detecção de nichos ecológicos em que habitam grupos de famílias intituladas a receberem os benefícios em foco.
67Problema análogo de exclusão de agricultores como o ocorrido no município de Vargem Alta também foi observado no município de Domingos Martins, mais precisamente abrangendo famílias residentes nas comunidades de Biriricas, Biriricas de Baixo, Panelas, Isabel, Boa Vista, Estação, Usina e Peixe Verde. Este trabalho revela esta constatação em primeira mão, e, ao que se tem notícia, este assunto ainda não foi objeto de solicitação de retificação do anexo da portaria Nº 79 de 24 de fevereiro de 2011, pelas lideranças do município.
68Em questão de escala de abordagem, Resende et al. (1994) alertam para o fato de que a identificação de diversidade de habitas em regiões tropicais e, em particular, o estudo do seu funcionamento potencial só podem ser consistentemente feitos numa abordagem mais detalhada e numa abrangência mais localizada. À primeira vista, contrariando esta observação, reconhece-se que o recurso usado neste trabalho referente ao uso das Zonas Naturais é de enfoque regional e amplo, fugindo, portanto, de uma abordagem detalhada, porém, ainda assim, ele se prestou para detectar habitat em que estão inseridas várias comunidades de Vargem Alta e de Domingos Martins, as quais se dedicam ou comportam cidadãos que residem em áreas com potencial para o cultivo de conilon. Provavelmente essa capacidade do método para detectar esses nichos ecológicos regionais apropriados à espécie deveu-se ao fato de as Zonas Naturais conterem fatores e classes relevantes para a retratação do assunto.
69Um outro aspecto a ser observado é que a maioria dos zoneamentos relacionados a assuntos de ordem biológica são tradicionalmente realizados com a dependência de um trabalho de apoio ao estudo desenvolvido especificamente para cada caso, e isso onera em muito a desenvoltura de soluções, que, em tese, devem ser desenhadas para cada situação. Quanto a este aspecto, o uso das Unidades Naturais para determinadas situações se apresenta útil por permitir relacionar as classes dos fatores que têm importância na expressão de vida ou o desenvolvimento biológico de uma da espécie. Neste trabalho, mesmo tendo sido usadas as Unidades Naturais em seu nível mais geral, correspondente a Zonas, foi possível detectar ecossistemas que justificam a inclusão de agricultores de café conilon neles inseridos, situação essa não detectada pelo método do zoneamento de inclusão publicado na portaria nº 79 de 24 de fevereiro de 2011 pelo MAPA.
70Analisando-se a experiência dos habitantes da zona rural que dependem e já moldam a paisagem do município de Vargem Alta com suas lavouras de conilon, tanto nas Terras Quentes (QAC e QACS) como nas Terras de Temperaturas Amenas (AAC), é plenamente compreensível e justo que eles recebam a mesma atenção do poder público dispensada a outras regiões Zoneadas como aptas pelo Zoneamento Agrícola elaborado pelo Ministério da Agricultura. A própria prática com o cultivo da espécie pelos agricultores inseridos em tais ecossistemas retratados neste trabalho pelas Zonas Naturais é o melhor testemunho da capacidade natural desses ambientes para o desenvolvimento do Coffea canephora.
71Quanto à situação detectada no Município de Domingos Martins, compete, no caso, uma análise in loco do ambiente pelos agentes de desenvolvimento, acompanhada por sondagem aos munícipes das comunidades citadas, para então se avaliar se eles almejam reivindicação similar à demandada pelas lideranças de Vargem Alta.
72Com o andamento do processo Nº 54016592/ES, o estudo técnico sobre as Zonas Naturais adequadas e em uso com plantios de café no município de Vargem Alta – ES apresentado neste trabalho foi encaminhado oficialmente ao MAPA, em que a reivindicação do município logrou aprovação (OFÍCIO Nº442/2012 – MAPA-SPA; OFÍCIO/SEAG/ES/Nº 1071/2012), incluindo-o no Zoneamento Agrícola de café conilon do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento-MAPA/Secretaria de Política Agrícola-SPA/ Departamento de Gestão de Riscos.
73A decisão foi publicada no Diário Oficial da União em 04 de outubro de 2012 podendo os agricultores, a partir daquela data, usufruírem dos benefícios advindos dessa decisão.
74Tal decisão atinge positivamente os cafeicultores do município, principalmente ampliando a possibilidade de acesso ao crédito e gerando novos horizontes de melhoria das condições de produção do café conilon.
75Conclui-se que o uso de método de zoneamento de inclusão para o recebimento de benefícios que tenha ênfase em limites sociopolíticos e que seja desprovido de variáveis complementares que caracterizam o ecossistema ou que, mesmo tendo apoio de parâmetros de ordem ecológica, estabeleça área ecologicamente potencial mínima por município, para que haja a elegibilidade aos benefícios para os que nela habitam trata-se de uma regra injusta por excluir agricultores com méritos para serem beneficiados pela política pública em questão. No presente caso, o mérito de inclusão pela identificação de Zonas Naturais apropriadas ao cultivo da espécie no município é consubstanciado pela experiência conduzida localmente pela famílias de agricultores estabelecidas nesses ecossistemas, comprovação essa que as intitulariam, na prática, a beneficiárias da política pública propiciada pelo Governo Federal, por meio do MAPA.
76As portarias ou instrumentos similares que regulamentam zoneamentos agrícolas e que, por consequência, decidem se as comunidades podem ser beneficiárias ou não de políticas públicas devem contemplar aberturas, tais como a de conferir o direito a laudos técnicos complementares que sejam proferidos por profissionais credenciados para uso naquelas situações em que seja comprovada a existência de condições para o exercício da atividade agrícola em foco e haja agricultores excluídos do direito de acesso ao benefício em questão.
77Sugere-se o desenvolvimento de dois métodos para identificar as lavouras de café conilon e de café arábica no Estado do Espírito Santo:
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Estudo de um índice para estimar as respectivas proporções de cada espécie de café nas áreas mapeadas como cultura de café, tendo em vista as limitações técnicas atuais para identificação automática em relação à espécie.
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Desenvolvimento de metodologia para separar lavouras de café das espécies conilon e arábica, por meio da classificação de imagens provenientes de sensores aerotransportados (aerofotogrametria) ou de sensores orbitais (satélites) de alta resolução espacial.