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Entrevista

Entrevista com Armando Corrêa da Silva

São Paulo, 13 de março de 2000
Paulo Cesar Scarim

Notas da redacção

Recebido em: 05/06/2024
Aprovado em: 07/06/2024
Publicado em: 28/06/2024

Texto integral

Ao grande mestre, professor Armando Corrêa da Silva
(Taquaritinga, São Paulo, 26 de novembro de 1931 – 26 de agosto de 2000, São Paulo).

Apresentação

1Somente em pensar em escrever algumas palavras sobre esta pessoa, tão fundamental para uma geração da geografia brasileira, bate uma intensa saudade. Escutando novamente a entrevista e relendo o texto para a revisão relembrei seus gestos, sua voz, suas expressões, sua ironia e sua sabedoria. Como ex-estudante da USP (Universidade de São Paulo) é impossível não vir à tona as memórias de suas aulas, desconcertantes! Impossível também não lembrar das longas conversas nas mesas do vão central do prédio da geografia e história da FFLCH (Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas) com este professor « figuraça », tão avesso às « normas ».

2O professor Armando Corrêa da Silva participou ativamente do movimento de renovação crítica da geografia brasileira a partir da década de 1970. Destaque para sua participação na AGB (Associação dos Geógrafos Brasileiros), da qual foi presidente. Enquanto educador, orientador e líder de grupos de pesquisa formou diretamente pessoas que foram e são influentes na geografia brasileira e latino-americana.

3Além de ser um ilustre pianista, principalmente nas noites boêmias paulistanas, o professor titular da geografia da USP foi um dos principais pensadores da geografia brasileira e fortaleceu o gosto pela epistemologia e ontologia. Em seus textos (muito dos quais não publicados), em suas aulas (na USP e na UNESP – Universidade Estadual Paulista, principalmente) e em suas palestras (especificamente nos encontros da geografia) chamou a atenção sobre a necessidade de aprofundamento sobre a epistemologia da geografia e sobre a ontologia do espaço social, muito inspirado, em parte, nas obras de Gyorgy Lukács.

4A entrevista, que segue, foi gravada na USP em março de 2000, cinco meses antes de sua passagem. Naquele momento, ele se sentia esquecido pela geografia brasileira. Mas inúmeras pessoas que tiveram contado direto com ele ou com suas obras jamais se esquecem do professor Armando. Seu nome está inscrito na história da geografia universal, em especial da geografia brasileira.

5Para quem teve a oportunidade de conhecer, esta pessoa é inesquecível.

6Que estas lembranças sirvam de convite estimulante para a leitura da entrevista do saudoso professor Armando Corrêa da Silva.

7Deixo ao final deste convite um trecho da entrevista, para reflexão:

8Acho que a renovação já houve no plano linguístico e já houve no plano das tendências que surgiram, o positivismo e o marxismo e outras geografias. Mas não houve na essência filosófica, epistemológica, ontológica. Continua faltando essa questão do ser, o debate sobre o ser.

Entrevista com Armando Corrêa da Silva

São Paulo, 13 de março de 2000

SCARIM: Como foi sua entrada na geografia, como você começou a estudar geografia, em que momento foi e como era essa geografia nessa ocasião?

  • 1 MATTOS, Dirceu Lino de. As bases geográficas da vida econômica. São Paulo: FEAUSP, 1970.

ARMANDO: Bom, eu sou formado em ciências sociais pela antiga Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, e nunca pensei em trabalhar com geografia, mas veio o golpe de 64, eu terminei a graduação em 1964 e fiquei parado, depois fiquei doente em 1966. Nessa época, por volta de 1967, conheci o geógrafo Dirceu Matos, da FEA (Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo [USP]). Ele estava interessado em renovar a geografia na economia, geografia para economistas, e me convidou. Eu disse a ele que não sabia nada de geografia, que a minha geografia do ginásio era aquela antiga, repleta de nomes de lugares, capitais, países, continentes, era uma memorização de nomes de lugares. E ele disse que assim era melhor porque ele estava brigado como o pessoal do departamento e considerava o pessoal daqui « poetas ». Ele era muito pragmático. Eu tenho um livro dele, está até aqui, o título é As bases geográficas da vida econômica1, é quase só geografia física, pois ele não trabalhava muito com geografia humana por considerar que os alunos já tinham geografia humana no curso de economia, de história e de sociologia. Levei dois anos para conseguir comissionamento porque, na época, eu trabalhava na Caixa Econômica Estadual de São Paulo e eu tinha ficado doente. Minha primeira aula foi na Rua Dr. Vila Nova e a Faculdade de Economia funcionava lá. Eu me lembro que ele não me deu orientação nenhuma e queria que eu fosse uma espécie de discípulo dele, mas eu vinha com outra formação, formação em ciências sociais, com ênfase na teoria. Então, minha primeira aula foi uma aula de história, os alunos até comentaram comigo, « Professor, foi uma boa aula, mas foi uma aula de história », isso em 1969. Na ocasião, ele me aconselhou a assistir disciplinas de geografia física no departamento, foi quando eu vim para cá, mas eu não tinha nem mesa nem cadeira para sentar, eu ficava no corredor, assistindo aula e convivendo com os alunos.

SCARIM: Que curso você fez em geografia física?

ARMANDO: Eu fiz pedologia, geomorfologia, climatologia, biogeografia, fiz algumas disciplinas de humanas também, regional com Araújo (José Ribeiro de Araújo Filho) e um curso com Petrone (Pasquale Petrone). O curso que mais me motivou na época foi pedologia e, em segundo lugar, foi geomorfologia por causa do Aziz (Aziz Ab’Saber), e também fiz um ano de adaptação em geografia, física e humana. Mas eu não tinha uma geografia, a geografia que eu encontrei aqui era a geografia da reforma do currículo de 1969. Havia discussões coletivas, entre professores e alunos, e entre todos os professores do departamento. Havia o que eu chamo de professores liberais, a geração do Aziz, do Penteado (Antonio Rocha Penteado), do Araújo, da Nice. Havia muita discussão interna, mas em termos de ideias, principalmente, o clima era muito agradável, gostoso, e para mim foi uma surpresa descobrir o que o Petrone chamava de as ciências geográficas. O Adilson Avanci de Abreu me disse o seguinte: « Geralmente os professores que não são da área da geografia começam, imediatamente, a se preocupar com objeto e método », e aí começa propriamente o meu trabalho. Eu vim da área de ciências sociais, onde a teoria é muito forte e onde se aprende, desde os primeiros anos, teoria e método.

SCARIM: E nas Ciências Sociais que autores mais te influenciaram?

  • 2 SILVA, Armando Correa da. O Litoral norte do estado de São Paulo: formação de uma região periférica (...)

ARMANDO: Fui aluno do Fernando Henrique (Fernando Henrique Cardoso), do lanni (Octávio Ianni), da Maria Alice Foraquer, da Geoconda Mussolini, e de vários outros professores. Fui colega do Weffort (Francisco Weffort), do Gabriel Cohn, Sedi Hirano e de José Chiavin, que me influenciou em filosofia. E tem um detalhe que é importante, eu tinha uma proposta, como teoria do conhecimento. A teoria do conhecimento do marxismo não me satisfazia, nem a de Marx, nem a de Lenin, esse problema marcou toda a minha trajetória até os dias atuais, e ainda marca. A geografia que se fazia e que se fez durante 10 anos aproximadamente, de 1969 até 1979, porque em 1978 chega o Milton Santos, era uma boa geografia, e está expressa na minha tese de doutoramento, O litoral norte do estado de São Paulo: a formação de uma região periférica2, foi um trabalho empírico, exaustivo, e eu lidei com milhões de dados. O Wanderlei Messias da Costa e o Paulo Lopes me ajudaram, e eu digo explicitamente na tese que a parte teórica não está desenvolvida.

  • 3 Consultem as obras do professor Armando em: https://geopo.fflch.usp.br/biblioteca-armando-correada- (...)
  • 4 LACOSTE, Yves. Geografia do Subdesenvolvimento. 4. ed. São Paulo: Difel – Difusão Europeia do Livro (...)
  • 5 GEORGE, Pierre et al. A geografia ativa. 4. ed. Tradução de Gil Toledo et al. São Paulo: DIFEL, 197 (...)
  • 6 GEORGE, Pierre. Problemas, doutrina e método. In: GEORGE, Pierre (org.). A geografia ativa. 4. ed. (...)

Mais tarde eu escreveria um texto, A explicação geográfica, publicado com o título de Uma proposição teórica em geografia3, em que eu discutia uma questão que já vinha das ciências sociais. Segundo alguns sociólogos, a geografia é como estatística, uma ciência externa às outras ciências. As ciências que tratam da teoria são a política, a sociologia e a economia, e a geografia trata mais da descrição, do empírico. Eu fiquei horrorizado com o empirismo que existia aqui quando eu vim em 1969 e, nessa época, eu comecei a assistir cursos de adaptação porque faziam descrições maravilhosas. O Araújo, por exemplo, descrevia a Baixada Santista com minuciosidade, ele conhecia empiricamente tudo, o Aziz descrevia os domínios naturais perfeitamente, pedologia, tinha até laboratório onde estudava o perfil de solo. Então, eu criei uma âncora e só encontrei em dois autores, o Yves Lacoste, Geografia do subdesenvolvimento4 e Geografia ativa5, que tinha sido publicado em 1966 e traduzido por Nelson de La Corte, Vicenso Bochichio, Gilson Sotero de Toledo e acho que Judith de la Cortye, não me lembro se foi Judith, os quatro traduziram. Esse livro tem uma introdução, Problemas, doutrina e método6, de Pierre George, foi o primeiro trabalho de epistemologia que eu encontrei aqui no Brasil, e não existia nada além disso. E eu resolvi então caminhar nesse sentido, trabalhar na direção de uma teoria em geografia, um discurso geográfico, eu achava que não existia. Eu lecionei, fazendo um resumo, 6 anos na economia, com geografia econômica, desenvolvi ideias que eu tinha aprendido em ciências sociais, na adaptação em geografia de 1969 a 1976 e, em 1970, veio a reforma universitária e eu passei para cá, o Dirceu até brigou comigo porque queria que eu ficasse lá na FEA. Aí eu fiquei numa situação melhor de alojamento, o Moacir Marques compartilhava sua mesa comigo, depois acabei ficando numa sala, junto com o Wanderlei e o Tonico (Antonio Carlos Robert Moraes), onde estão os computadores hoje. Os alunos, brincando, a chamaram de sala do partidão.

SCARIM: Como foi a sua participação política como estudante? Você participou do movimento estudantil do curso de ciências sociais?

  • 7 PLEKHANOV, George. Arte e vida social. São Paulo: Brasiliense, 1964.
  • 8 HARVEY, David. A justiça social e a cidade. Traduzido por Amando Corrêa da Silva. São Paulo: Hucite (...)
  • 9 SANTOS, Milton. Por uma geografia nova. São Paulo: Hucitec, 1978.
  • 10 SILVA, Armando Corrêa da. Espaço fora do lugar. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1988. 128p. (Coleção Geo (...)
  • 11 SILVA, Armando Corrêa da. De quem é o pedaço? Espaço e cultura. Geografia, teoria e realidade. São (...)

ARMANDO: Minha história política começa em 1957 em Goiânia, quando eu li Arte e vida social 7, de George Plekhanov, me tornei comunista e marxista e voltei para São Paulo procurando os comunistas. Ao chegar aqui, encontrei uma situação muito diversificada, muitos partidos de esquerda, e acabei entrando na Liga Socialista Independente, trotskista, organizada por Ermínio Chaqueta, que tinha sido expulso do PCB (Partido Comunista Brasileiro). Depois essa liga se dissolveu, e eu girava numa área esquerdista e, naquela época, eu era revolucionário, mas não era político. Depois quase que fui estudar sociologia e política mas acabei optando pela USP, por causa do cursinho, os professores do cursinho eram daqui, Maria Gianotti, Diores Santos Abreu, e eu entrei na USP, foi a época em que foi fundada a POLOP (Organização Revolucionária Marxista Política Operária), em Jundiaí, em 1961. Eu participei da fundação, aí foi a minha primeira experiência socialista porque o grupo era socialista, mais que comunista, e no Brasil nunca houve muita distinção entre socialismo e comunismo, como existia no França e na Itália. Convivendo com o pessoal daqui e começando a aprender um pouquinho sobre política, me tornei político e acabei entrando para o PCB, dirigi o PCB. A base do PCB, no meu tempo, tinha 120 membros e o único membro que eu ainda encontro daquela época é o Moacir Marques, ele se aposentou aqui e era do PCB e das ciências sociais, os dois únicos que eu encontro ainda são Gabriel Cohn, que está na área de ciência política, e o Sedi Hirano, que está chefiando as ciências sociais. Mas voltando ao que estava dizendo, eu lecionei 6 anos na Economia, em 1977 eu já estava aqui na geografia, na filosofia (FFLCH), estava na casa e lecionei geografia para ciências sociais com oTonico e o Wanderlei como assistentes. Tem uma história interessante, quando eu lecionei, havia uma briga com essa disciplina, com a ciência social, eu era sociólogo, então eu pude ter um relacionamento melhor com os alunos, mas eram 470 alunos, em 2 turmas. Foi quando havia barracos ainda, época daqueles grupos Refazendo, Caminhando, LIBELU, fervia politicamente o movimento estudantil. Eu dei aula lá, eu falava em Pierre George, Paul Claval e alguns outros. De Harvey, eu traduzi A justiça social e a cidade 8e Max Sorre. Lecionei 3 anos lá, o segundo ano já mudando para o prédio novo das ciências sociais, em 1977,1978,1979. Em 1980, já era parte da minha briga aqui no departamento, eu achava um absurdo não existir geografia política, então eu introduzi geografia política como optativa e dei 3 anos de geografia política, o Zezão foi meu aluno, a Agnes foi minha aluna, o pessoal do movimento todo daquela época, e esse curso tinha sido extinto há 10 anos porque era a época da guerra do Vietnã. Petrone dava esse curso e os alunos brigavam muito, então o curso foi suspenso, eu tornei a trazer o curso de novo para o currículo, como optativa, aí lecionei 3 anos. Mais tarde, com a mudança de currículo, o curso entrou para o currículo. Até então eu não tinha dado aula no departamento, eu dava aula na economia, depois passei para a ciência social, e dei também geografia política como optativa nos anos seguintes. Foi a época em que eu desenvolvi mais a teoria, quando Milton Santos já tinha chegado em 1976 no Brasil e, em 1978, eu dirigi a coleção Teoria e Realidade da Hucitec, publiquei o Por uma geografia nova9, do Milton Santos, publiquei 2 livros meus, O espaço fora do lugar10 e De quem é o pedaço? espaço e cultura11. Em 1969, surgiu Explanation in geography, do Harvey, que ainda era teoria dos sistemas, estava tendo muito sucesso no IBGE. Em 1973, surge A justiça social e a cidade, e nesse livro Harvey estuda as formulações liberais e socialistas, eu traduzi esse livro, publicado pela Hucitec e a teoria do Harvey sobre a natureza do espaço me interessava muito, quando ele fala de espaço relacional, com o qual eu trabalho até hoje. Então, eu vinha fazendo, de certa maneira, o que o Milton viria a fazer depois, não só eu mas também Manoel Seabra e Nelson de La Corte, mas a geografia era uma geografia de excursão, uma geografia de sítio urbano, de síntese regional e o início da renovação começa para nós aqui dentro do departamento. Em 1976, nós formamos um grupo para estudar um texto do Bernard Kayser e isso começa a mudar, e quando o Milton Santos chega em 1978 há uma grande ruptura.

SCARIM: Nesse período, quem mais participou dessas discussões?

  • 12 SILVA, Armando Corrêa da. A renovação geográfica no Brasil - 1976/1983. Boletim Paulista de Geograf (...)

ARMANDO: Eu não me lembro do nome de todos, mas você encontra isso no Boletim Paulista de Geografia, número 60, no artigo que eu escrevi, A renovação geográfica no Brasil: 1976-198312.

SCARIM: Como era o clima político dessas reuniões, os estudantes participavam?

ARMANDO: Nessa época o marxismo já tinha entrado, as discussões eram boas, havia uma interação muito grande entre professores, os alunos se movimentavam bastante, o movimento estudantil era ativo. Eu me lembro da gestão da Leda, por exemplo, uma gestão boa, meio partidão e havia muitos eventos aqui, assembleias.

SCARIM: As reuniões se davam aqui no departamento?

ARMANDO: Sim, aqui no departamento.

SCARIM: E nas salas de aula?

  • 13 SILVA, Armando Correa da. Geografia e lugar social. São Paulo: Contexto, 1991.

ARMANDO: Nas salas de aula havia um problema de disciplina, quem implicava mais com isso era o Manoel Seabra, ele dizia o seguinte: vai sair, então não volta! Já eu, sempre fui mais complacente, eu comecei a ministrar disciplinas internas para a graduação, fundamentos, teoria e método, história do pensamento geográfico, geografia da população, geografia urbana, geografia poética e social. Como eu vinha das ciências sociais e queria ser sociólogo, a geografia social foi uma coisa que sempre me interessou muito, eu tenho um livro publicado pelo Jaime Pinsk, na Contexto, Geografia e lugar social13, cujo título original era Geografia, natureza e sociedade, mas o Vesentíni utilizou esse título e eu tive que mudar. Enquanto isso, eu vinha participando da AGB e dos encontros desde 1974, o primeiro encontro que eu fui foi em Belém/PA.

SCARIM: Como foi esse encontro?

ARMANDO: Era uma geografia horrorosa, o IBGE mandava na AGB.

SCARIM: Mas lá teve debate?

ARMANDO: Não, lá estava amadurecendo uma oposição. Em 1976, o encontro foi em Belo Horizonte, houve uma transição em 1978, em Fortaleza, quando estourou a briga.

SCARIM: Em 1976, você foi também?

ARMANDO: Fui a todos, só não fui a Maceió porque tinha epidemia de dengue lá.

SCARIM: Em 1976, como foi? Como você analisa?

ARMANDO: Eu não me lembro muito bem, eu apresentei uma comunicação, a gente estava militando politicamente ainda, a gente brincava de fundar uma AGBdoB. Em 1978, eu apresentei um texto sobre o Harvey, com o Petrone na mesa. Pierre George tinha fama de ser comunista, ele foi comunista, mas deixou de ser, mas ele também tinha fama ser marxista, e não era. O Harvey é que começa a introduzir com mais força o marxismo na Inglaterra e nos EUA, em Berkley, e depois o Milton Santos retoma por outra via.

SCARIM: Quando é que o Milton Santos começa a aparecer pra você, pessoalmente?

ARMANDO: Eu estava dirigindo uma coleção na HUCITEC quando o Nelson de La Corte falou sobre o texto do Milton Santos, eu não conhecia Milton Santos.

SCARIM: Isso foi em que ano?

  • 14 HARTSHORNE, Richard. Propósito e natureza da geografia. São Paulo: Hucitec. 1978.

ARMANDO: Foi em 1976. Eu escrevi uma carta para ele, ele estava na Bahia, ele veio da Bahia, eu estava dirigindo uma coleção da Hucitec. Na ocasião, a Hucitec reuniu uma série de intelectuais, Florestan Fernandes, Fernando Novaes, Tamás Szmrecsányi e José de Souza Martins. Eles me convidaram para fazer uma coleção de geografia, e eu publiquei o Hartshorne, Propósitos e natureza da geografia14 com outro título, um livro de epistemologia que me interessava como teórico. Esse livro tinha sido publicado primeiro no Rio, com prefácio do Macedo Soares Guimarães e, logo em seguida, o segundo livro publicado foi Por uma geografia nova, do Milton Santos. Houve uma reunião na casa do Jaime Pinsk, em que eu apresentei o Milton aos editores, o Flávio e o Jaime, e o Milton tirou de uma pasta de couro que ele tinha, e ainda tem, o manuscrito em francês e nos apresentou, e foi um sucesso. O Milton mudou o rumo da coleção, como eu tinha previsto, eu queria publicar Max Sorre, Ratzel, Vidal de La Blache, e ele mudou completamente o rumo da coleção, aí aquela geografia de 1969 a 1979, que era uma boa geografia, foi abandonada. Ainda ficou um pouco de resquício por parte dos catedráticos que estavam aqui, depois eles foram se aposentando.

SCARIM: Por que essa geografia foi abandonada?

ARMANDO: Porque o Milton Santos dizia que a geografia, e ele escreve isso no livro Por uma geografia nova, era a ciência mais atrasada de todas as ciências, e a frase que exprimia isso era a seguinte: « A geografia era viúva do espaço », porque o que se estudava era o lugar, teve uma época por exemplo, na pós-graduação, que só se estudava o município.

SCARIM: Nas monografias?

ARMANDO: Sim nas monografias. O Seabra se aposentou, o Nelson se aposentou, o Gil ficou meio retirado, o Bochichio sumiu e foi trabalhar em outros lugares e os herdeiros dessa geografia desapareceram. Na verdade, quem formou essa geração foi o Petrone, e eu o encontrei, eu convivi aqui, no departamento, com 4 gerações. A primeira geração, Aziz, Nice Lecocq Muller, Renato Mendes, o Penteado, Araújo e Carlos Augusto Figueiredo Monteiro, era chamada de os liberais, Carlos Augusto era meio anarquista. Depois, veio a geração seguinte, Manoel Seabra, Vicente, Gil Sodero Toledo, Judith e Rosa Ester Rossini.

Quando essa geração que era responsável pelo projeto de 1979 saiu, mudou completamente. aí a força de impulso do Milton aqui foi muito forte, ele trabalhou no Rio primeiro, eu me identifico com essa geração, do Seabra e do Nelson. Mais tarde, veio a geração seguinte, o Tonico, o Wanderlei, formada por mim, e a Sandra Lencione. Eu me refiro à corrente principal, porque tem muita gente que veio depois, se encaixando. Depois dessa terceira geração veio a quarta geração, que é o Wagner Costa Ribeiro, a Lea Francisconi, a Sueli Ângelo, a Odette Seabra que entrou no meio do processo e a Fani (Ana Fani Alessandri Carlos), que é mais ou menos da geração do Tonico e do Wanderlei.

SCARIM: Na geração do Tonico e do Wanderlei, você teve uma participação importante na formação, dando mais organização. Como você começa a se relacionar com essa geração? Foi na sala de aula, como professor, ou com a participação política?

ARMANDO: É o seguinte, um dia o Mario de Biasi chega para mim e diz, « aqui tem um rapaz de São Sebastião, onde eu morei e passei minha infância » e me apresentou o Wanderlei, que inclusive me ajudou muito na tese de doutoramento. Primeiramente, percorremos a costa toda lá, de automóvel, o dia inteiro, pesquisando agricultura, pecuária e o Tonico estava fazendo ciências sociais, sociologia, e ficou amigo do Wanderlei e formamos um grupo. Tinha as irmãs do Tonico também, a Bete e a Nani, que se envolveram depois, tinha o Moacir Marques, que era o meu apoio, por causa da herança do PCB. Eu insisti para o Moacir fazer o mestrado, e ele fez, mas o Moacir Marques sempre teve uma mentalidade de comerciante. Ele tinha casa de aluguel, hoje tem um sítio, já faz algum tempo, e tinha uma vida muito intensa no departamento, mas não fez carreira universitária. O Nelson, o Seabra e o Gil também não fizeram carreira universitária, eles pararam porque o currículo de 1979 não formou ninguém. O Gil chegou para mim e disse: « você conseguiu », referindo-se ao Tonico e ao Wanderlei. Meus maiores amigos eram o Araújo, o Aziz e o Petrone. O Aziz me ajudou bastante, inclusive na livre docência. Depois, foi uma fase que eu militava muito politicamente na geografia e entrei na corrente denominada geografia crítica, do Milton.

SCARIM: Por que você fala em corrente?

ARMANDO: Porque formou-se um grupo em torno do Milton.

SCARIM: Quem são?

ARMANDO: Tonico, Wanderlei, Maria Adélia e Ana Fani, que era um pouco divergente. Tinha muitos em volta do Milton, o departamento tinha uma vida política intensa, entende? Discutia-se muito nesse grupo porque houve um processo de desconstrução da geografia e também do departamento que existia, e o surgimento de outro departamento com posturas mais individualistas, a ponto de, na pós-graduação, cada aluno querer ter seu método, sua postura, sua solução. Há pessoas que não concordavam com Milton Santos, discordam das ideias dele, outros concordam, e eu estou próximo dele em algumas ideias.

SCARIM: Foi nesse contexto que você organizou um seminário no Rio sobre geografia?

ARMANDO: Sim, o seminário Geografia e Filosofia. Meu interesse por filosofia é muito antigo, e por teoria do conhecimento também. Como eu disse no início, eu pegava a informação que corria pelo departamento, da velha geografia grega, de que o Estrabão dizia que sem filosofia não há geografia, já naquela época. Depois discutia-se muito a influência de Kant, o espaço absoluto, e o Ruy Moreira teve bastante influência sobre mim, nós somos amigos até hoje, ele fez doutoramento comigo, e o Ruy comandava o processo que começou em 1978, em Fortaleza, o racha, sendo eleito em 1980 para AGB. Em 1979, foi modificado o estatuto e os estudantes entraram para a AGB para postos eletivos, e aí começa outra AGB e uma outra geografia. E os debates de geografia se faziam muito por meio da AGB, hoje não mais. Depois surge a ANPEGE (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia, criada em 1993), surge o Simpósio de Geografia Agrária (SINGA), Simpósio de Geografia Urbana (SINPURB), e houve um processo de separação, de fragmentação.

SCARIM: Quando você acha que esse processo começou?

  • 15 MORAES, A. C. R.; COSTA, W. M. da. A valorização do espaço. São Paulo: Hucitec. 1987.

ARMANDO: Esse processo de fragmentação começou quando..., eu não sei dizer, nem o porquê, mas o departamento estava unido em torno dos catedráticos antigos. Aí chega o Milton e começam a se reunir em torno dele e depois os formandos que faziam mestrado e doutorado vão ganhando autonomia, Wanderlei e Tonico trabalharam juntos há muito tempo, escreveram A valorização do espaço15, hoje em dia estão afastados de uma teoria mais política, mais política não, mais marxista. E eu vim caminhando por meio da geografia política, principalmente militando na AGB e aqui no departamento, tinha as plenárias, tinha uma questão democrática mal resolvida sempre, participação dos alunos, e participei de alguns eventos, porque eu usei TV em sala de aula, a sala de vídeo custou a se montada, eu usei vídeo cassete em aula com TV e, no antigo centro de vivência dos alunos, eu apresentei uma performance com minha tese de livre docência. E eu, ao contrário do Milton, que tem um projeto antigo que ele mantém até hoje, eu não me lembro do nome do projeto agora, Reconstrução do mundo na fase atual, uma coisa assim, ele pode falar sobre isso. De certa maneira, fui eu quem comecei algumas coisas aqui no departamento. Eu sempre tive entrosamento com os alunos, ao contrário do Milton Santos, por exemplo, que tem um distanciamento em relação aos alunos. Havia uma sociabilidade aqui no departamento bastante intensa que desapareceu recentemente, e havia muita influência ainda do Pierre George, com a geografia ativa, essa geografia fazia discussão e movimentação. Depois, Milton traz a temática da cidade, do urbano que já tinha sido discutida em 1972, foi o primeiro Encontro Nacional de Geógrafos (ENG), em Presidente Prudente, eu não fui nesse encontro, o segundo que eu não fui, e começa uma discussão sobre a cidade que existe até hoje, e formaram-se grupos de interesse, aqui dentro do departamento, a geografia física começou a se separar da humana, a geografia como ciência de síntese desapareceu, tornou-se uma ciência de análise.

SCARIM: A geografia física e a humana se separam por conta do surgimento da geografia crítica, ou não?

ARMANDO: O Milton quando chegou aqui disse que era contra a natureza, ele nunca se interessou pela natureza, teorizava segundo Marx, a primeira natureza e segunda natureza, e estudava só a segunda natureza. O Milton tem uma trajetória que começa com uma influência marxista muito forte em Por uma geografia nova, sem contar a fase anterior da vida dele e, ultimamente, ele começa a aderir à teoria do sistema, ele muda de epistemologia e nisso está incluído uma discussão sobre tempo e espaço, história e geografia, que é muito antiga aqui no departamento. Eu, por exemplo, trabalho com o espaço separado do tempo, uma coisa é o tempo histórico, outra coisa é o tempo geográfico, uma coisa é o espaço histórico, o lugar da história, outra coisa é o lugar geográfico, a categoria com a qual eu sempre trabalhei foi mais o lugar do que o espaço. Milton é quem traz o espaço, eu tenho a teorização sobre a dimensão espacial de Leibniz, por sugestão do Harvey, a natureza do espaço. Quando o Harvey propõe, à maneira de Leibniz, um espaço relativo que ele chama de relacional, que é um espaço da relação entre objetos que se conectam pelas relações contidas nesses objetos, isso me atraiu muito. Depois, ele se torna marxista e abandona essa perspectiva porque ele diz que, a partir de um certo ponto, o espaço não é mais absoluto, nem relativo nem relacional, é o que a prática humana faz dele, e não há uma resposta teórica para isso, essa discussão está contida no meu livro O espaço fora do lugar16, num artigo longo que eu escrevi, em que eu discuto o Yves Lacoste, discuto o IBGE, discuto o Brasil: a terra e o homem17, falo da renovação geográfica também. A partir de um certo momento, no entanto, eu comecei a ficar sem perspectiva, a geografia crítica não me satisfazia mais, então eu comecei a trabalhar com a epistemologia por sugestão do Milton Santos e trabalhei com ontologia também, que era uma coisa que eu já trazia da Liga Socialista Independente da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais, por meio do livro História e consciência de classe18, de Georgy Lukács.

A questão da teoria do conhecimento é que, até certo ponto, eu comecei a me preocupar com o sujeito em geografia, porque o sujeito em ciências sociais como predominava o movimento de esquerda, o sujeito histórico era o sujeito, em geografia não havia sujeito, falava-se em ação antrópica. Falava-se isso, e eu achava muito pobre essa noção porque é antiga essa denominação. Então propus numa seleção de textos que o Manoel coordenou na AGB, um ser psicológico, da psicologia, um ser cognoscente, da filosofia, sujeitos individuais, sujeito coletivo, da sociologia, da antropologia social, psicologia social e o sujeito histórico da filosofia social. Eu achava que por esse caminho podia resolver o problema, mas não existia um sujeito geográfico, o que estuda a sociologia, o social, o que estuda a geografia, a gente vivia debatendo isso.

Então, tinha a velha discussão de que a geografia estuda a superfície da terra, a crosta da terra, como dizia Hartshome. E eu, quando lecionava na FEA, estudei os alemães, onde dizia, « a geografia estuda um espaço que vai de 12 quilômetros da altitude até 70 mil metros de profundidade e o que se passa nesse espaço », e chama isso de espaço geográfico. Agora, o problema principal do confronto nessa época era a luta contra o positivismo no começo, que os teoréticos também faziam, e mais tarde a luta entre a crítica e a teorética, a quantitativa, e sempre um problema democrático no meio da questão, questão do autoritarismo. Assim, o processo de renovação geográfica avança por impulso inicial do Milton Santos, com aqueles que aderem a perspectiva teórica esboçada, por aqueles que têm posição partidária, entraram na discussão partidária, para a geografia, os comunistas.

SCARIM: E todos que aderem têm uma postura ou uma leitura marxista?

ARMANDO: Não.

  • 19 O seminário Filosofia e Geografia, no Salão de Vidro da Pontifícia Universidade Católica do Rio de (...)

SCARIM: O seminário Geografia e filosofia19 propunha uma linha teórica para chegar a uma conclusão, qual era o objetivo?

ARMANDO: Já havia no começo uma mudança de posição em que eu me torno pluralista, com a abertura democrática, o seminário era bastante aberto com várias posições.

SCARIM: O que se buscava nesse seminário?

ARMANDO: Uma discussão preliminar sobre filosofia e geografia que não existia, o Aldo Paviani gostou muito, a Fani Davidovich criticou porque foi no domingo e eles queriam ir à praia. Depois, eu tentei publicar pelo CNPq, o CNPq não publicou. Geralmente eu escrevo pouco, eu escrevia mais antigamente, minha tese de livre docência tem 400 páginas, mas o que eu escrevo atualmente são papers de 3, 4, 5 páginas, estou numa nova fase agora.

Mas, voltando à questão da teoria do conhecimento, eu comecei a passar a entender também as formulações liberais, sem contar os acontecimentos históricos, em 1989, 1991, queda do muro de Berlim e fim da URSS, que muda completamente o quadro, tanto que, num certo momento, eu me defino como pós-marxista. Escrevi um texto sobre isso e minha trajetória intelectual começa, assim, numa fase mais madura, com uma epistemologia da geografia humana, de 1988 em diante. Durante 8 anos eu trabalhei com isso, aí eu começo a trabalhar com a pós-modernidade, cheguei a escrever um texto que não está publicado. Eu achava que, sem discutir o aspecto cultural da geografia, a geografia não avançaria. Então, discuto modernidade e pós-modernismo e aí lanço uma terceira apostila, Geografia e mudança cultural, assumindo já a mudança da teoria do conhecimento, eu começo a estudar fenomenologia, pragmatismo e outras tendências, ecologia, ambientalismo, essas várias correntes. E depois uma quarta apostila, Geografia e cultura, em que estudo cultura popular, cultura de massa, cultura de elite, eu não tenho esse curso registrado, e tinha a perspectiva do fim do milênio. Então muita coisa havia nessa perspectiva e pouco se escreveu a respeito do que seria a geografia no século XXI, tanto que eu tenho só um texto escrito em janeiro desse ano de 1999/2000, mas o material que vou usar no meu curso ainda é o da renovação, feito na renovação. Porém, essa renovação varia muito, o Milton se afastou de uma política partidária, o Ruy Moreira parece que continua numa política partidária, próximo do PT. Eu parei de militar, hoje eu não estou militando em nada e, para não dizer que sou ateu porque pega mal, eu costumo dizer que sou agnóstico, sou indiferente a essas teses, esotéricas, religiosas.

Eu fiz uma carreira completa na universidade, sou titular. É interessante pensar que eu fiz muitos amigos no Brasil todo, mas é muito mais comum esses amigos se lembrarem de mim do que eu deles, aquela questão do aluno se lembrar mais do professor do que o professor do aluno, e sou amigo do Manoel Correia de Andrade, mas discordo dele, acho que o Manoel faz uma geografia específica.

  • 20 GIDDENS, Anthony. Para além da esquerda e da direita. São Paulo: UNESP, 1996.

Uma experiência interessante foi a seguinte, quando eu fui presidente da AGB, eu participava das reuniões de gestão coletiva, que se realizavam em dada ocasião e em um lugar. Para mim, foi a maior surpresa porque em cada lugar eu encontrava uma geografia. Hoje em dia a pós-modernidade está entrando mais na geografia, se bem que há essa discussão prática, política sobre modernização que se mistura muito à discussão, e eu discuto a modernidade como um processo que começa no século XV e vem até a década de 60 do século XX. E a modernização que se discute aí fora na política está ligada ao neoliberalismo, à globalização, à renovação tecnológica, ao desemprego e essas questões todas que a gente conhece estão nos jornais, na mídia. Eu estou afastado da política, eu não tenho posições a respeito das coisas, não sei se tem sentido ainda, hoje em dia, falar de um homem de esquerda. Antony Giddens, professor do Anthony Blair, escreveu o livro Além da esquerda e da direita20, então, fica difícil falar nisso.

SCARIM: Você acha que poderíamos colocar um movimento de renovação até um determinado período, depois não teríamos uma outra fase? Ou você acredita que até hoje vivemos um movimento de renovação da forma como ele se propôs a ser?

ARMANDO: A partir da renovação formaram-se grupos, Amélia Damiani estuda Lefebvre há uns 10 ou 15 anos ou até mais, Milton Santos aderiu à teoria dos sistemas que é uma leitura ampla e diversificada. Eu trabalho muito com fenomenologia, e Tonico e Wanderlei estão lidando com meio ambiente. Ana Fani continua trabalhando com a metropolização, a cidade e o urbano, as discussões sobre a cidade não terminaram, se São Paulo é uma cidade mundial ou não, metropolização, crescimento vertical, essa coisa toda, eu acho que o problema cultural hoje está ligado à questão da pós-modernidade, começa naquela época em que se dizia que a história acabou e que já tem uma história de 30 anos.

Então eu me pergunto, se a pós-modernidade não entrou em crise por ter uma história, negar o historicismo, na verdade, é mais do que a história. Assim, acho que é preciso acompanhar o que está acontecendo no plano cultural, gosto muito de Frederich Jamenson, ele é marxista e pós-moderno. Não consigo mais ler livros de história, mas gostava muito. Estudei muito história para o vestibular de ciências sociais e essa questão história e geografia é sempre um problema, pois a geografia estuda o presente e quando você termina a tese já virou um livro de história. O Milton tem tentado resolver esse problema, sob uma forma de chamar o espaço geográfico de sistema de ações e sistemas de objetos, mas eu não gosto dessa solução, em vez da solução sistêmica eu trabalho com sub-totalidade, um conceito aberto de totalidade, eu acho que a disciplina é uma sub-totalidade, a geografia não é o todo do conhecimento.

Então há um processo, que acontece esses anos todos no Brasil e na USP, de uma cultura mais ou menos homogênea e geral. Discutia-se muito a revolução brasileira, Caio Prado Jr., Nelson Wernek Sodré, Florestan Fernandes, dentre outros e, com uma fragmentação cada vez maior, começava-se a discutir sistemas.

Hoje você tem especialistas, basta você pegar uma TV a cabo, a globo news, eles entrevistam especialistas, então não existem mais cientistas sociais, não há mais pensadores como no século XIX, existem especialistas, especialistas cada vez mais técnicos.

  • 21 GIANNOTTI, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo (...)

O livro Trabalho e reflexão21, do filósofo José Arthur Gianotti, por exemplo, é uma filosofia altamente informada pela técnica, entendendo a técnica aí como precisão, como eficácia, coisas assim. E eu comecei a me preocupar, desde algum tempo, com a subjetividade por causa da questão do sujeito em geografia. Tenho desenvolvido isso, eu não tenho publicado muito, mas tenho 4 apostilas que contém minha profissão nos últimos 20 anos, há coisas que eu quero escrever ainda e não tenho uma perspectiva definida.

  • 22 SOJA, Edward W. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de J (...)

Eu acho que estamos começando o século XXI com a grande carga do século XX, a mídia reflete o século XX ainda, não o século XXI. Nesse sentido, eu acho que a pós-modernidade entrou pouco no Brasil quanto ao aspecto cultural, as discussões não aparecem na mídia, aparecem em um ou outro artigo. Tem o livro do Eduard Soja, Geografias pós-modernas22. Eu mesmo escrevi alguma coisa sobre isso, uma aluna defendeu agora uma tese da questão pós-moderna, tem uma outra aluna, a Adriana da PUC, defendendo a mesma questão.

A teoria do conhecimento estuda a relação sujeito-objeto e hoje, com o advento do computador, da robótica, da telemática e da cibernética, surgiram o que alguns chamam de máquina inteligente.

Então, com o processo de alienação, uma palavra antiga, o processo de alienação do sujeito, da atomização do sujeito, do individualismo, da sociedade de massa, pode-se falar num sujeito objeto e num objeto sujeito, e o ser está na relação, o ser antes estava no objeto, depois passou para o sujeito, agora está na relação. E Milton chama isso de quase sujeito, de quase objeto, de contato, e essa é uma discussão atual, por exemplo, o Habemias discute a relação sujeito x sujeito. Ele não discute o objeto, remanescente da Escola de Frankfurt, o último maior representante.

Resumindo, acredito que a renovação geográfica penetrou a geografia em todos os seus ramos. Entretanto, as velhas discussões continuaram, por exemplo, há professores que dizem que sem cartografia não há geografia, o que não pode ser cartografado não é geográfico, é como se destratasse a subjetividade, que não pode ser cartografada, surgem problemas assim.

SCARIM: Que tipo de orientação você pretendeu desenvolver nos mestrados e nos doutorados? Que tipo de leituras, ou que linha teórica?

ARMANDO: Minha preocupação era teoria e método, explicar aos alunos o que é uma teoria, o que é um método, e lecionei vários anos teoria e método.

Depois, quando me preocupei com a questão do sujeito, lecionei geografia da população numa linha diferente da Rosa Ester Rossini. Eu lecionava que a população é sujeito, a população e o campo, a população e o estado, a população e a organização, tinha uma definição de população que era um debate que eu fazia com a sociologia.

A sociologia fala em classes sociais, castas, e a geografia fala em população, então, para te dar um exemplo disso, na geografia você fala em trabalhador e operário, e isto é uma característica sociológica.

É interessante observar como isso está ligado às mudanças que ocorreram no Brasil. Hoje em dia não se fala em operário, fala-se em trabalhadores, o que é uma ampliação da categoria marxista de classe operária, incluindo outros trabalhadores de classe média também. Então, eu lecionei geografia da população nessa direção.

Outro tema que lecionei durante muito tempo foi geografia urbana e minha tese de livre docência é sobre metrópole, eu me preocupava principalmente com o homem metropolitano.

E uma discussão que eu nunca tive com Milton Santos e uma divergência que sempre tive com ele foi a seguinte, Milton enfatiza muito o espaço, a ponto do Yves Lacoste dizer que ele é espaciólogo.

Eu acho que o espaço sem a população não tem sentido, daí eu partir da população para o espaço, e não o contrário. Assim, desenvolvi um tema, eu não inventei um tema que eu não desenvolvi, que é o de consciência espacial, porque percepção do espaço foi uma coisa que entrou muito em geografia, com Tonino Bettanini e outros, mas consciência espacial, que é o modo como o geógrafo, o paisagista, o urbanista, o arquiteto e o engenheiro veem o espaço, veem o mundo na sua espacialidade, não é um tema muito desenvolvido em geografia.

E, no meu concurso para titular, Milton Santos perguntou o que era consciência espacial. Eu disse para ele que eu estava estudando isso e não tinha ainda uma noção completa. Isso está ligado à teoria do conhecimento, à consciência da intersubjetividade e da intraobjetividade.

SCARIM: Essas pesquisas você desenvolveu participando de algum laboratório ou de algum grupo de estudo?

ARMANDO: Eu participei do Laboratório de Geografia Urbana, frequentava os diversos laboratórios daqui, mas minha relação com agrária é muito pequena pois, em ciências sociais, antiga filosofia, todas as disciplinas da USP estavam reunidas dentro da filosofia, física, química, matemática, biologia, sociologia, política, antropologia etc.

Hoje, nós temos aqui geografia e história, letras e o departamento de política, antropologia e sociologia, foi o que sobrou. Então, naquela época, você tinha uma visão global, e a visão marxista ajudava um pouco porque você tinha contato com biólogo, com químico, físico, matemático, sociólogo e linguistas.

Quando eu fiz a tese de doutoramento em geografia, a maior descoberta que eu tive com a feitura da tese, que eu procurei restringir como uma contribuição à geografia econômica regional, foi a cotejaria da sub-totalidade, eu tinha uma noção da totalidade, mas, atualmente, eu acho difícil ter uma noção da totalidade por causa da fragmentação, da realidade e da consciência.

SCARlM: Você considera que seu trabalho é um trabalho individual, dentro de uma parte do conhecimento, ou você desenvolveu sua teoria em conjunto com outras pessoas, em grupos de pesquisa?

ARMANDO: Não, minha teoria é uma posição pessoal, mas os temas que eu trato são compartilhados por todos os geógrafos mais avançados no Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Presidente Prudente.

SCARIM: Quando você diz compartilhado, você quer dizer no sentido das publicações e dos encontros?

  • 23 MORAES, Antonio Carlos Robert. A gênese da geografia moderna. São Paulo: Hucitec 1987.

ARMANDO: Por exemplo, quando se diz que a geografia estuda a sociedade e a natureza. Sim, no Brasil inteiro se estuda a sociedade e a natureza. Mas quando se diz que a geografia estuda a superfície da terra., não, ninguém estuda mais isso. Aqui no departamento tem uma seção de geopolítica com André Martín, e o Wanderlei trabalha com isso também. Tonico gosta muito de história e escreveu A gênese da geografia moderna23, Odette trabalha com o urbano, um pouco mais amplo que o urbano, mas agora há uma despolitização do departamento nos últimos anos.

SCARIM: Isso do ponto de vista da formação do conhecimento, e não há mais debates?

ARMANDO: A questão do conhecimento, das aulas, dos alunos, dos professores.

SCARIM: E a perspectiva do debate sobre geografia?

ARMANDO: O que eu quero dizer é o seguinte, poucas pessoas aqui têm interlocutores, o grupo de urbana tem uma interlocução interna no laboratório, o grupo de geografia física tem uma interlocução interna dentro do laboratório de geomorfologia ou de climatologia, não há mais um anfiteatro cheio de professores discutindo o que é geografia.

SCARIM: Esses grupos não debatem entre si, mesmo o grupo do Milton não debate com outros grupos?

ARMANDO: Não. Eu diria o seguinte, a renovação geográfica teve como resultado o conceito de desconstrução de Jacques Derrida, desconstruiu-se a geografia, desmontou-se o discurso da geografia e ninguém fez uma síntese dessa situação. Milton Santos é o que está mais avançando nisso, mas numa postura que não é a minha.

SCARIM: Então, nós teríamos hoje vários caminhos, cada caminho meio independente, com várias alternativas teóricas, cada uma seguindo autores diferentes?

ARMANDO: Até o Boletim Paulista de Geografia (BPG) número 60 (1984), em que eu escrevi A renovação geográfica no Brasil, existia um movimento, eu termino o artigo tabulando as categorias, por ali você vê quais eram os assuntos que estavam sendo discutidos.

SCARIM: Eram basicamente categorias marxistas?

ARMANDO: Sim. Porém, eu tive um aluno que leu e disse que era tudo a mesma coisa.

SCARIM: E nesse período, do final da década de 70 para cá, o que permaneceu como questão não resolvida? Qual questão continua sendo debatida?

  • 24 SANTOS, Mílton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.

ARMANDO: Eu não sei, pois eu me afastei de certas questões teóricas, porque eu defino a geografia no âmbito do conhecimento de uma ideologia do cotidiano, comecei a me preocupar muito com o cotidiano e, de lá para cá. tenho feito isso um pouco, tanto que nas minhas aulas eu tento fazer a discussão do cotidiano e teorizar a partir daí. Concordo como Milton Santos lidava com o espaço no começo, no livro Por uma geografia nova, e agora está dando importância ao lugar, em A natureza do espaço24, novo livro dele. Ele termina com o capítulo Força do lugar porque ele trabalha com o global e o local, eu não trabalho com o global e o local, eu trabalho com o universal, o singular e o particular, que vem do Lukács, e a geografia que eu fiz no departamento foi a descoberta de que, como eu trabalhava com microrregiões homogêneas do IBGE, cada microrregião homogênea era diferente da outra.

A Rosa Eser Rossini falou para mim o seguinte: « a sua teoria sobre região marginal, região isolada e região complementar não se aplica a Bauru, que é um entroncamento rodo-ferroviário ». Eu nunca testei, nunca fiz uma pesquisa, não sei, faz tempo que eu não faço pesquisa, e o Florestan Fernandes gostou da minha ideia de complementaridade e falou o seguinte, « puxa eu estive no Canadá », na minha concepção, ele entendeu que o Canadá é complementar, economia complementar dos USA, como a Suécia, Harvey chama a Suécia de quintal dos USA.

Então, na discussão anterior, que vem antes da revolução brasileira, José Chasin falava em via colonial, o advento brasileiro se explicava pela herança colonial, pela via colonial, referindo-se à via prussiana, Alemanha, teorizada pelo Lukács. E eu já achava que a via era a via complementar, uma das formas do Brasil resolver os seus problemas é se tornar uma economia complementar das economias centrais, por trás está a teoria centro-periferia, mas parei de mexer com isso.

Estou para escrever um livro sobre o Brasil, mas não consigo avançar, escrevi uma introdução temática em que eu trato de tropicalidade, extensão territorial, população e Estado, mas não consegui avançar mais que isso, pretendo desenvolver ainda.

SCARIM: Uma questão que você tocou várias vezes foi sobre a teoria do conhecimento. Se a gente pensar a partir da teoria do conhecimento, como poderíamos fazer a leitura da renovação e produzir uma nova relação sujeito-objeto?

ARMANDO: Passando de uma teoria do objeto para uma teoria do sujeito e para uma teoria da relação.

SCARIM: Mas isso em uma linha ou no conjunto da geografia hoje?

ARMANDO: Isso com várias vertentes.

SCARIM: Por exemplo, isso aparece na sua tese de mestrado, de doutorado e livre docência?

ARMANDO: Aparece no doutoramento, pois fui direto para o doutoramento, eu lido com o objeto, objeto empírico, faço uma discussão minuciosa do litoral, só não tratei da questão da saúde, o restante eu tratei tudo na livre docência. Eu falo da metrópole, uma visão ampla, discutindo o urbano, o homem metropolitano e a metrópole ampliada, e estudo um bairro com célula elementar da metrópole, são as duas teses que eu tenho.

SCARIM: E os textos atuais, após a livre docência?

ARMANDO: Nos textos atuais eu abandonei essas discussões pois, durante muito tempo, eu não fiz seminário, nem na pós-graduação nem na graduação, quase a maior parte do tempo. Comecei a fazer seminário em Presidente Prudente há alguns anos porque minha capacidade teórica de avançar estava esgotando. Então, eu coloco em debate temas que os alunos introduzem nas discussões e por aí eu percebo a distinção. Assim, esse curso que eu vou dar esse ano, Geografia e mudança cultural25 tem uma história. Eu apresentei essa ideia para um amigo e ele perguntou qual é o meu conceito de cultura.

Eu tive que escrever um texto sobre o conceito de cultura. Isso deu origem à apostila Geografia e cultura25 e, nesse texto, eu aceito a tese do Frederic Jamenson de que no terceiro estágio do capital, como ele chama, ou na terceira revolução industrial tudo se torna cultural, inclusive o econômico e o político porque surge o problema da semiologia e da semântica, e em semiótica surge a questão da imagem, realidade e imagem, hiper-real, essas questões todas do pós-moderno, o vazio, o nada.

Eu costumo dizer que o motor é o nada, o ponto de partida, de certo modo, é o nada. Isso eu assumo, sou mais radical que os pós-modernos porque estamos vivendo uma fase de pós-vanguarda e pós-vanguardismo. Além disso, no final do movimento pós-moderno ainda é pós, mas mudou.

SCARIM: Para a geografia, estaríamos vivendo o quê?

ARMANDO: Na geografia não tem nada escrito sobre isso. Eu fiz uma palestra em Bauru sobre o pós-moderno e o Ruy Moreira assistiu, no fim do debate ele perguntou: « E o Marxismo? », pois, no texto, eu trabalho com autores pós-modernos e críticos da modernidade e da pós-modernidade, parece marxismo quando eu falo de Jurgen Habermas e de Frederic Jameson, o Ruy não percebeu, o maoismo do Ruy, ele ainda é ortodoxo, parece que ele está preocupado com a revolução brasileira ainda.

Depois é o seguinte, é muito difícil falar do presente porque nós estamos imersos nas estruturas que nós procuramos analisar, estamos vivendo uma transição e estamos dentro da transição, é difícil ver muito para frente e depois muito para trás, não sei se o Estado nacional vai desaparecer ou não, eu sempre fui internacionalista.

Quando estava no partidão, eu lutava pela bandeira do nacionalismo democrático, que era a bandeira do partido contra as ideias do Inácio Rangel. Em Campo Grande, eu vendi o livro De quem é o espaço26, que tem um artigo intitulado A nacional democracia: um espaço sem lugar26, e o comentário do Inácio Rangel o considerou mais atrasado que o fascismo, nacional socialismo, mas era a bandeira do PC na década de 60.

Então, a renovação geográfica é um processo complexo, diferenciado, que se realizou e já tinha sido realizado de maneira diferente no Brasil, em vários lugares do Brasil e do mundo. Na Europa, se faz muita quantificação, muito número, muita estatística, no Brasil, ainda há pensadores, ainda há debates, mas não um debate cultural, ideológico.

SCARIM: A geografia cresceu muito até hoje, do início da década de 70 até os dias atuais expandiu-se o número de faculdade, o que você pensa disso?

ARMANDO: Basta você ter uma ideia, que é a seguinte, nesse Boletim Paulista de Geografa, número 60, eu pego 71 trabalhos que já tinham sido produzidos naquele período. Peguei só a parte teórica de cada um, não sei, eu vejo no quadro do corredor as três teses que são defendidas, tem de tudo, tem uma tese sobre a América do Sul, do Wanderlei.

SCARIM: Os temas se ampliaram também, há uma diversidade maior de temas, universidades maiores, novos centros?

ARMANDO: Para você ter uma ideia, 1969 foi a época da Enciclopédia Conhecer da Abril e os geógrafos trabalharam muito. Fizeram-se verbetes de todos os países do mundo, discutia-se a geografia regional, então falava-se em países, hoje em dia essa discussão desapareceu. Eu comprei um livro agora, que é um manual que fala que no mundo tem 217 países, mas se você pegar a mídia, aparece no máximo notícia de uns 30, e se fala muito em globalização, o que quer dizer?

SCARIM: Globalização restrita. Qual processo você acha que provoca a mudança de temas? É uma questão externa à comunidade, transformações do mundo ou é uma questão da própria pesquisa interna à geografia?

ARMANDO: É o problema do avanço do conhecimento, da revolução tecnológica, porque eu costumo dizer que nós vivemos há algum tempo, desde o Reagan e da Thatcher, um momento conservador e, juntamente com a revolução tecnológica e científica, essa seria a principal contradição atual. Como teorizar isso e descobrir uma saída, não sei.

O Blair e o Alemão têm uma terceira via, mas acho que não é por aí, a social democracia, agora acabou de se formar um partido social democrata na Rússia com o Gorbatchov, não está resolvida a questão do socialismo de mercado, do socialismo democrata.

  • 27 FEYERABEND, Paul. Contra el método. Barcelona: Editorial Ariel, 1974.
    FEYERABEND, Paul.
    Contra o mét (...)

Não se fala mais em anarquismo, na academia o último livro anarquista que apareceu foi o do Paul Feyerabendi Contra o método27, e eu perdi o contato com os meus amigos do tempo de faculdade, com os quais eu podia discutir essas questões. Houve uma diáspora, eram 120 membros na base, eu só tenho contato com Moacir Marques. Outro dia encontrei com o Sedi Hirano, os 120 membros sumiram, provavelmente muitos são empresários.

SCARIM: Que interlocutores você encontra para discutir essas questões teóricas sobre geografia?

ARMANDO: Quando vou à Edusp, olho todos os estandes e não encontro nada, comprei um livro ontem, chama-se Cultura popular, em que o autor discute cultura de massa, escola de Frankfurt, marxismo e pós-modernismo. Estou começando a ler e não tenho uma ideia formada ainda.

SCARIM: Em relação a essas novas retomadas, por exemplo, a retomada da questão da cultura na geografia, a retomada do Carl Sauer, como por exemplo o Paul Claval, o que você acha?

ARMANDO: Está reaparecendo mais no Rio de Janeiro. Eu orientei o Werther Holzer que trabalha com geografia humanística. Mas quem lida um pouco com o problema cultural aqui é o Dieter Heidemann à maneira alemã, mais na linha da história do pensamento geográfico alemão.

SCARIM: Que significado tem para você essa retomada?

ARMANDO: Não é uma retomada porque, com exceção do Claval, que é muito Sauer ainda e tem uma visão ampla, os outros tratam cultura no sentido antropológico, sociológico e político. Eu trabalho com cultura não no significado antropológico nem no da erudição.

Para mim, cultura é conhecimento e, se cultura é conhecimento, eu defino assim: a cultura é parte do universal, um conjunto de ideias e valores inerentes a qualquer ser humano, é parte de um universal porque não engloba a natureza, a natureza não tem cultura, a cultura é um problema humano.

Você tem cultura no particular, você tem cultura ocidental, cultura oriental, cultura de massas, cultura de minorias, cultura de maiorias, cultura de classes, cultura de estamentos. Você tem cultura no singular. Se diz, fulano tem uma cultura geográfica, fulano tem uma cultura sociológica, fulano tem uma cultura antropológica. Porque não ser especializado hoje é muito difícil devido à microtécnica e à macrotécnica e, para você conhecer bem um assunto, você precisa de muitos anos de estudo.

Por tudo isso, eu acho que por trás da geografia nova do Milton Santos está toda a velha geografia, que é a formação inicial dele.

SCARIM: Você acha que ele não abandonou?

ARMANDO: A geografia de Milton Santos, para mim, é uma geografia principalmente de renovação semântica ou epistemológica, uma epistemologia que não abrange muito a ontologia, o ser.

SCARIM: Nesse novo livro de Milton Santos, A natureza do espaço, na sua teoria sobre o espaço, de certa forma, ele coloca como se fosse uma realização do projeto do Por uma geografia nova, você acha que é isso?

ARMANDO: Sim, exatamente. Esse livro é um resumo, um ápice, um resumo de toda a obra dele.

SCARIM: Você acha que tem uma coerência ou tem uma mudança?

ARMANDO: Tem uma mudança epistemológica, fazendo uma caricatura. Ele sai de uma posição marxista e entra numa posição sistêmica, positivista, ele recua. É um neopositivismo, positivismo lógico, mas é um neopositivismo.

SCARIM: E a aceitação quase unânime da obra de Milton dentro da geografia brasileira, você acha que isso deriva do quê?

ARMANDO: São vários fatores. Ele tem mais de 40 livros publicados, mais de 400 trabalhos escritos, ganhou prêmio internacional, e ganhou prêmios de várias faculdades e universidades. Ele tem uma oratória muito fácil e é brilhante com ideias. Ideia é o que não falta para ele. Agora ele está publicando um livro pela Record sobre globalização e está escrevendo um outro com a Maria Laura Silveira.

SCARIM: A quantidade de produções é importante?

ARMANDO: Isso varia muito de autor para autor. Tem gente que escreve muito, tem gente que escreve pouco, tem gente que é mais sintético, tem gente que é mais analítico. Por exemplo, a tese de mestrado do Tonico tem 500 páginas, um absurdo, uma loucura. Ele tem uma facilidade enorme de escrever, trabalha muito com história, lê muito, pesquisa muito, agora ele está afastado dessa área.

  • 28 MOREIRA, Ruy. Assim se passaram dez anos (A renovação da geografia no Brasil: 1978-1988). Caderno P (...)

SCARIM: O Ruy Moreira escreveu o Assim se passarem 10 anos28. O que você acha da conclusão de que, de certa forma, quando essa geração da geografia, no final da década de 70, faz a renovação geográfica, quando essa geração se institucionaliza dentro dos departamentos e dos grupos de pesquisa eles param de debater? Cada um vai por seu caminho próprio e, assim, abandonam o projeto inicial da renovação da geografia?

ARMANDO: O que anteriormente era um projeto de renovação da geografia tornou-se um projeto de renovação pessoal. Cada um procurou um caminho diferente. Agora uma coisa que aconteceu foi que o discurso geográfico, antes muito simples e elementar, está mais sofisticado atualmente, mais obscuro.

SCARIM: Hoje nós estaríamos em qual geração?

ARMANDO: Não sei, essas gerações a que me refiro é a linha principal do departamento de geografia da USP. Tem muita gente de fora que veio, por exemplo, o Eduardo Yázigi é arquiteto, e eu estou orientando outro arquiteto. Pegou muito fortemente a interdisciplinaridade, assim, o geógrafo hoje não lê só geografia.

SCARIM: Isso acontece por necessidade dos temas a serem trabalhados ou por necessidade mesmo da própria teoria, por não ter uma teoria em geografia?

ARMANDO: Sim porque a geografia estava muito fechada em si mesma.

SCARIM: Isso foi um resultado da renovação?

ARMANDO: Foi uma abertura, e essa abertura da geografia parece um pouco com a abertura brasileira na política.

SCARIM: É possível fazer um paralelo entre ambas?

ARMANDO: A abertura política começa com um movimento uniforme, vai abrindo, vai abrindo... e se descaracteriza. Mas abertura hoje, abertura do quê? Então surgiu o que o Ruy Moreira chama de movimentos polissêmicos. Assim, tem o MST, os negros, os índios, as mulheres e os homossexuais. Tudo separado.

SCARIM: É o que acontece com a geografia, seria esse o resultado que acompanharia a abertura política?

ARMANDO: São processos paralelos. O movimento do pensamento em que cada pensador é um homem do seu tempo, mas no momento do pensamento, em seu conjunto, não acompanha necessariamente a evolução da sociedade.

SCARIM: Ele tem regras próprias?

ARMANDO: Tem.

SCARIM: Aquelas áreas que são de alguma forma derivadas ou ligadas à academia, por exemplo, o ensino de primeiro e segundo grau, sofreram a consequência dessa renovação?

ARMANDO: Tenho um aluno, o Roberto Giansanti, que quer estudar isso, estudar a repercussão da renovação geográfica no primeiro e segundo graus. Agora eu considero significativo que você, ele e outros estejam preocupados em estudar esse período, em saber o que aconteceu, pois, quando se está envolvido na luta, você não tem muita consciência para onde vai, o que está acontecendo, depois é que começam as reflexões sobre o que foi feito, nos anais da AGB têm muitos artigos meus.

SCARIM: Você acha possível ou necessário uma renovação ou superação das teorias e dos impasses que essa geração colocou?

ARMANDO: Eu não sei, não creio que seja o caso de renovação. Raciocinando em termos de modelo, o modelo de 1969 se esgotou, não chegou a se concretizar, o modelo de 1978 do Milton, que já existia aqui como embrião, se esgotou.

SCARIM: Você acha que não avança além disso?

ARMANDO: Por exemplo, eu não sei para onde vai o Milton agora. Eu estou propondo um curso novo, vai começar ano que vem, já iniciando em Prudente, que é Geografia, cultura, teoria e método29, é uma tentativa de pensar alguns problemas novos, repensar alguns problemas análogos, talvez dar continuidade a certos projetos que estão só esboçados.

Sempre foi complicado para mim publicar a coleção do Hucitec, eu publiquei 2 livros, estou com um livro pronto aqui que o editor me devolveu, não quis publicar, é de 1993/1995, que é A renovação geográfica e outros escritos29, é a republicação do artigo do Boletim Paulista Geográfico (BPG) 60, esse sobre o capital de serviços, eu publiquei agora na AGB, uma leitura do capital. Foi interessante porque foi discutido esse trabalho, Produção e circulação29 aqui no departamento. E eu falo em capital técnico, e o Milton Santos perguntou o que é capital técnico, aí eu escrevi.

SCARIM: Por que você acha que não foi possível a publicação?

ARMANDO: Não é fácil, eu tenho seis livros publicados, um não é de geografia Saudade do futuro29, quatro são de geografia e um é uma segunda edição. O editor não pagou, está devendo ao Milton, está devendo a mim, e a outros também. O Jaime Pinsk que publicou um livro meu é correto, paga direitinho.

SCARIM: Você falou que não se trata mais de se colocar a questão da renovação, mas de que forma seria então?

ARMANDO: Acho que a renovação já houve no plano linguístico, já houve no plano das tendências que surgiram, o positivismo e o marxismo e outras geografias, mas não houve na essência filosófica, epistemológica, ontológica. Continua faltando essa questão do ser, o debate sobre o ser.

SCARIM: O que teria que ser feito para ter essa questão resolvida?

ARMANDO: Tem a solução de cada um, mas uma solução geral seria estudar filosofia.

SCARIM: Novamente a questão, que foi colocada no final da década de 70, do aprofundamento filosófico?

ARMANDO: Porque o Milton Santos em Por urna geografia nova faz uma proposta que ele cumpriu até o fim, e qual é a proposta hoje? As gerações novas de estudantes, formados aqui, estão fazendo o que uma aluna minha que defendeu a questão da pós-modernidade disse sobre a pós-modernidade: « uma nova teoria que existe agora e que vai continuar ». A pós-modernidade nos EUA está muito avançada, mas também está em declínio. Outra coisa é que se traduz muito pouco de conteúdo bom, os franceses estão com menos influência no departamento e surgiu também uma influência norte-americana, anglo-saxônica.

SCARIM: Você acha que a filosofia tem conseguido resolver a questão do ser de forma que a geografia possa aprender com ela?

ARMANDO: Respondendo de uma maneira mais simples, o Pierre George tinha resolvido, « O geógrafo é o historiador do presente », então vamos por aí. « A geografia é uma ciência de síntese, a região é a síntese », isso desapareceu, só se discute região ainda em geografia política e em geopolítica, e com palavra para designar o lugar. Aí surgiu o Milton Santos, « O espaço e a acumulação desigual de tempos » ... « a geografia é viúva do espaço »... « A geografia é a mais atrasada das ciências », uma proposta que ele realizou, mas caiu no neopositivismo, porém em um neopositivismo mais à esquerda, não da teorética de Rio Claro, do IBGE. Nós estamos vivendo uma revolução industrial, revolução mais que industrial, já li a respeito e o desemprego que está havendo agora não é diferente do desemprego que ocorreu com a primeira revolução industrial, destruiu o artesanato, o campesinato.

É diferente, mas é mais ou menos a mesma coisa, e o capitalismo não tem contraponto forte como no tempo da guerra-fria, mas a China, Cuba, Coréia do Norte e alguns países africanos que se dizem socialistas têm. Assim, pegando a história da política, há uma diferença entre socialista e social-democrata, Lenin, por exemplo, foi social-democrata, em 1905, ele escreve sobre isso, depois que apareceram os Bolcheviques.

Na França existe o socialismo e, diferentemente do comunismo, é revolucionário, o país saiu da direita para a social-democracia com as eleições, conforme a tese do Bernstein contra Rosa Luxemburgo de que o processo seria pacífico, lento, por meio de eleições, do voto etc. O Partido Popular Socialista (PPS), aqui no Brasil, e Roberto Freire têm adotado essa tese que é uma herança do partidão, mas o partidão desapareceu com o movimento. E, com a Internet, hoje está surgindo uma realidade nova, a realidade virtual em que se formam grupos de desenvolvimento por meio da Internet.

SCARIM: Você considera a geografia vítima dos modismos?

ARMANDO: Sim, toda ciência é. Este impasse aparece em muitos lugares, inclusive na arte e na música popular. Se você observar a música norte-americana, ela começa com Elvis Presley e depois vem os Rolling Stones, em seguida vem funk, heavy metal, hip hop, rap. O rap é a tendência mais recente e a indústria cultural se apoderou disso. E se discute pouco em geografia a arte, o cinema, o teatro e a literatura.

SCARIM: Por que você acha que se discute pouco essas questões?

ARMANDO: Tudo isso acontece no pós-guerra, acaba a guerra e começam todas essas transformações e a década de 60 é crucial.

SCARIM: Por que na geografia se discute alguns temas e outros não? A questão da música e da arte, por exemplo. Por que a geografia, do seu ponto de vista, discute pouco essas questões?

ARMANDO: Porque o geógrafo acha que essas questões não têm nada a ver.

SCARIM: Por que seria algo a-espacial?

ARMANDO: Por exemplo, o geógrafo não gosta de política, ele trabalha política por meio das disciplinas, geografia política, de geopolítica. O geógrafo não gosta, por exemplo, de música, de teatro, de cinema, mas discute isso por meio da geografia cultural, e a pós-modernidade está discutindo muito isso. Tonico está lendo agora a pós-modernidade, gostou do livro do Harvey A condição pós-moderna, está mal traduzido, mas não gosta do Soja, eu também não gosto do Soja, acho que a solução do Soja não é boa.

SCARIM: E na geografia brasileira, qual caminho é o mais interessante para sair desses impasses?

ARMANDO: Eu não sei, eu estou com vontade de ir a Florianópolis, no encontro, para saber o que vai ser discutido. Mas a AGB está em decadência.

Na minha gestão a AGB tinha 5.000 sócios, pagantes e não pagantes, a agora está com 300 sócios. A AGB Bauru tem 800 sócios e está avançando, está num pique bom, até mandei um artigo para lá.

SCARIM: Qual a importância das publicações e do site?

ARMANDO: Não sei, esses movimentos são muito aleatórios, Presidente Prudente tem uma boa geografia, tem gente boa lá, mas são pessoas da geração antiga, Carminha (Maria Encarnação Spósito) e Eliseu (Spósito).

SCARIM: Com relação aos temas, noções e conceitos que no início da renovação foram muito importantes, e que, de certa forma, vêm sendo abandonados, um deles é o da noção de segunda natureza, o que você pensa sobre isso?

ARMANDO: Varia, por exemplo, a Sandra Lencione não gosta, pois teríamos a primeira natureza, a segunda, a terceira, a quarta, a quinta, a sexta.

SCARIM: Para você, quando essa noção aparece?

ARMANDO: Aparece em Marx. Quando Marx faz a crítica de Feuerbach, ele diz que a natureza de Feuerbach só existia em alguns corais no Pacífico, mas eu acho que a primeira natureza está aí, vulcões, inundações e mudanças climáticas.

SCARIM: E a forma como essa ideia, ou outras ideias marxistas foram trazidas para a geografia, houve uma tentativa de geografizar essas ideias?

ARMANDO: Sim, por exemplo, Marx fala em capital fixo e Milton Santos fala em capital fixado. Marx fala em mercadoria, ele não fala num objeto empírico, numa fábrica, num estabelecimento. Já Milton chama esses objetos espaciais de fixos e acaba dizendo que são fixos e fluxos, que a geografia é principalmente uma ciência horizontal, e também uma ciência vertical.

  • 30 GIANNOTTI, J.A. A universidade em ritmo de barbárie. São Paulo: Brasiliense, 1986.

Bem, eu estou aposentado, aposentadoria para mim foi muito ruim, eu estava num pique de trabalho e a aposentadoria foi um breque, um freio. Não gosto do governo FHC e acho que a situação do ensino no Brasil está péssima, o Gianotti escreveu um panfleto intitulado A universidade em ritmo de barbárie30. Há um divórcio entre a academia e a vida, por exemplo, antigamente se discutia o que acontecia lá fora aqui dentro, agora não se discute mais a geração dos liberais Aziz e Araújo, entre outros.

O Araújo, por exemplo, era amigo do Caio Prado Jr., ao mesmo tempo era UDN, enquanto não se resolver a questão do perfil da esquerda, do perfil da direita e do centro de uma maneira nova, nós não vamos sair do impasse. A alternativa é abandonar tudo isso, nós vivemos numa época nova, pensamos uma época nova tentando discutir qual é a saída.

SCARIM: O esquecimento. E partir do nada?

ARMANDO: Em Por uma geografia nova, Milton Santos diz que algumas vezes perder a memória é revolucionário.

SCARIM: Você acha que seria importante para esse momento agora?

ARMANDO: É complicado para mim dizer isso porque esquecer agora seria esquecer Milton Santos, Tonico, Wanderlei, esquecer toda a minha geração. Tem uma parte da minha geração que eu já me livrei: Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freire. A minha geração de referência morreu e eu não tenho uma geração nova, mas eu só posso falar com firmeza do passado pois eu estou com 68 anos, aposentado, estou meio esquecido, não me convidam mais para banca de defesa de tese. Agora me convidaram para uma qualificação, a Cecília França, da velha guarda, e também estou em um momento de incerteza, de dúvida, não sei bem o que fazer.

SCARIM: Não é individual essa incerteza?

ARMANDO: Não, eu acho que é geral essa incerteza.

SCARIM: E para quem está começando na geografia isso é ruim? Eu posso esquecer pessoas e teorias, mas eu não tenho uma nova para me apoiar. O que faz um estudante ou alguém que está começando o mestrado querer escrever alguma coisa? Ele, de certa forma, não se satisfaz com o que tem na geografia, ou seja, sente essa incerteza e não tem a que se apegar. Do ponto de vista da teoria do conhecimento, da construção do conhecimento, isso é muito complicado?

ARMANDO: Sim. O Harvey certa ocasião disse que a geografia é pobre em recursos analíticos, isso foi vantajoso em determinada fase, mas você tem que realizar a síntese, não só a análise.

SCARIM: E a geografia em vários momentos tentou fazer a síntese, por exemplo, Humboldt, Ritter. E depois, a geografia, mesmo quantitativa, tentou construir essa síntese, você acha que hoje ninguém se dispõe a isso?

ARMANDO: Fazer o que Milton Santos fez acontece a cada 20 ou 10 anos.

SCARIM: Você acha que ele conseguiu?

ARMANDO: Conseguiu, no projeto dele ele conseguiu. Não sei se ele está satisfeito com o projeto dele, mas ele conseguiu.

SCARIM: Quem mais conseguiu, na atualidade, propor uma alternativa?

ARMANDO: Tonico e Wanderlei tinham começado, mas pararam, Ruy continuou.

SCARIM: Você acha que ele está tentando ainda fazer a síntese?

ARMANDO: Mas o Ruy pensa na geografia engajada o tempo todo.

SCARIM: E essas tentativas de buscar fora da geografia, como a tentativa de buscar no Lefebvre, ou em uma grande teoria?

ARMANDO: Mas o Lefebvre morreu, aconteceram uma porção de coisas que Lefebvre não previa. Eu não gosto do Lefebvre, eu cito ele na tese de livre docência mas não gosto dele. Florestan também não gostava. Eu acho que, politicamente, a modernidadetem duas pessoas que fizeram alguma coisa, Maquiavel e Lenin. Maquiavel no contexto da revolução burguesa e Lenin no contexto da revolução socialista.

Atualmente, os dois seriam condenados por causa dessa onda de democracia, democratismo, pois ambos são autoritários. Maquiavel propunha ao príncipe fazer a política, era uma estrutura vertical, Lenin propõe um partido de profissionais, de homens, ele briga com Rosa Luxemburgo, e hoje em dia a política está dividida. Existe uma maioria passiva, inerte, você vê o caso da situação brasileira, a população não se movimenta, como nas diretas, há uma preocupação muito grande com a inflação, com a economia. A influência americana é muito forte. Para você assistir um filme francês na televisão é uma dificuldade, só tem filme americano. Há uma influência cultural muito forte americana. Beleza Americana é considerado um bom filme, mas eu assisti e não gostei, o filme retrata Los Angeles e uma família de classe média, num bairro arrumadinho, bonitinho, observei vários problemas no filme.

SCARIM: E toda essa discussão em torno da globalização?

ARMANDO: Acho que agora amorteceu. O Milton está escrevendo um livro sobre globalização. Escreveu, não sei o que ele diz, mas eu acho que a discussão mais geográfica é mundialização e não globalização. Globalização é um conceito sociológico, mundialização é um conceito geográfico. Se você não tiver nem uma questão a mais, poderíamos ir finalizando.

SCARIM: Eu me sinto totalmente satisfeito e te agradeço pela entrevista.

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Notas

1 MATTOS, Dirceu Lino de. As bases geográficas da vida econômica. São Paulo: FEAUSP, 1970.

2 SILVA, Armando Correa da. O Litoral norte do estado de São Paulo: formação de uma região periférica. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1975.

3 Consultem as obras do professor Armando em: https://geopo.fflch.usp.br/biblioteca-armando-correada-silva.

4 LACOSTE, Yves. Geografia do Subdesenvolvimento. 4. ed. São Paulo: Difel – Difusão Europeia do Livro, 1966. 264 p.

5 GEORGE, Pierre et al. A geografia ativa. 4. ed. Tradução de Gil Toledo et al. São Paulo: DIFEL, 1975 [1964].

6 GEORGE, Pierre. Problemas, doutrina e método. In: GEORGE, Pierre (org.). A geografia ativa. 4. ed. Tradução de Gil Toledo et al. São Paulo: DIFEL, 1975 [1964].

7 PLEKHANOV, George. Arte e vida social. São Paulo: Brasiliense, 1964.

8 HARVEY, David. A justiça social e a cidade. Traduzido por Amando Corrêa da Silva. São Paulo: Hucitec, 1980.

9 SANTOS, Milton. Por uma geografia nova. São Paulo: Hucitec, 1978.

10 SILVA, Armando Corrêa da. Espaço fora do lugar. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1988. 128p. (Coleção Geografia: teoria e realidade).

11 SILVA, Armando Corrêa da. De quem é o pedaço? Espaço e cultura. Geografia, teoria e realidade. São Paulo: Hucitec, 1986.

12 SILVA, Armando Corrêa da. A renovação geográfica no Brasil - 1976/1983. Boletim Paulista de Geografia, AGB - Seção Local de São Paulo, São Paulo, nº 60, pp. 73-140, 2º sem. 83/ 1º sem. 1984.

13 SILVA, Armando Correa da. Geografia e lugar social. São Paulo: Contexto, 1991.

14 HARTSHORNE, Richard. Propósito e natureza da geografia. São Paulo: Hucitec. 1978.

15 MORAES, A. C. R.; COSTA, W. M. da. A valorização do espaço. São Paulo: Hucitec. 1987.

16 Consultem as obras do professor Armando em: https://geopo.fflch.usp.br/biblioteca-armando-correada-silva.

17 AZEVEDO, Aroldo de. Brasil: a terra e o homem. A vida humana. Companhia Editora Nacional, Volume 2, 1964

18 Não havia traduções desta obra no Brasil na década de 1970. As relações do pensamento do professor Armando com a obra de Lukács e sua influência no movimento de renovação crítica da geografia brasileira ainda é um capítulo aberto. A revista Temas de Ciências Humanas que existiu de 1977 a 1981, traduziu e publicou vários textos das obras de Lukács. Sua relação com o P.C.B e alguns intelectuais vinculados, como José Chasin, têm importância nesse sentido. Alguns estudiosos estão levantando esta questão como: Coutinho, Bernard Teixeira. Geografia e anarquia do claro-escuro: a ontologia do ser social como política da existência espacial / UERG FFP, 2017.

19 O seminário Filosofia e Geografia, no Salão de Vidro da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC – Rio), em novembro de 1983, como atividade da AGB – Rio de Janeiro e patrocínio do CNPq, organizado por Lívia de Oliveira, Milton Santos e Armando Corrêa da Silva. Os textos desse seminário foram organizados em formato livro e estão disponíveis em: https://geopo.fflch.usp.br/sites/ geopo.fflch.usp.br/files/inline-files/Filosofia%20e%20Geografia%20%281%29_compressed-1-100.pdf.

20 GIDDENS, Anthony. Para além da esquerda e da direita. São Paulo: UNESP, 1996.

21 GIANNOTTI, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983.

22 SOJA, Edward W. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1993.

23 MORAES, Antonio Carlos Robert. A gênese da geografia moderna. São Paulo: Hucitec 1987.

24 SANTOS, Mílton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.

25 Consultem as obras do professor Armando em: https://geopo.fflch.usp.br/biblioteca-armando-correada-silva.

26 Consultem as obras do professor Armando em: https://geopo.fflch.usp.br/biblioteca-armando-correada-silva.

27 FEYERABEND, Paul. Contra el método. Barcelona: Editorial Ariel, 1974.
FEYERABEND, Paul.
Contra o método. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1977.

28 MOREIRA, Ruy. Assim se passaram dez anos (A renovação da geografia no Brasil: 1978-1988). Caderno Prudentino de Geografia, 1(14), 5-39, 1992.

29 Consultem as obras do professor Armando em: https://geopo.fflch.usp.br/biblioteca-armando-correada-silva.

30 GIANNOTTI, J.A. A universidade em ritmo de barbárie. São Paulo: Brasiliense, 1986.

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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Paulo Cesar Scarim, «Entrevista com Armando Corrêa da Silva»Geografares [Online], 38 | 2024, posto online no dia 28 junho 2024, consultado o 09 dezembro 2024. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/geografares/13677

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Autor

Paulo Cesar Scarim

Universidade Federal do Espírito Santo
pauloscarim@hotmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2585-6414
Natural de Santo Anastácio, SP. Sitiante. Técnico em Agropecuária- Adamantina - SP. Iniciou seus estudos universitários na UNESP - Presidente Prudente. Graduação em Geografia - USP- 1995. Trabalho Final: « Os Produtores de Cidades ». Orientação: Ana Fani Alessandri Carlos. Mestrado em Geografia Humana. USP - 2001. Dissertação: « Os Coetâneos da Crítica ». Orientação: Ana Fani Alessandri Carlos. Doutorado em Geografia - UFF - 2006. Tese. A desconstrução do Desenvolvimentismo. Orientação. Carlos Walter Porto-Gonçalves. Professor do departamento de Geografia e do Programa de Pós Graduação em Geografia - UFES - desde 2004. Coordena: Grupo de Pesquisa História do pensamento, alimentação e saúde (dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/393497632570501); Projeto de Pesquisa Geografia da Questão dos Alimentos e da Alimentação (PRPPG-UFES 6676/2015); Projeto de Extensão Grupo de Estudos sobre a questão dos Alimentos (SIEX-UFES 401408).

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