Esta pesquisa foi apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), como parte da Chamada Universal MCTIC/ CNPq Nº 28/2018, N. Processo: 434895/2018-0.
1A acessibilidade urbana é uma produção social voltada para garantir às pessoas a apropriação das oportunidades nas grandes cidades ao redor do mundo. No Brasil, e particularmente na metrópole de São Paulo, a acessibilidade tem sido historicamente apropriada de maneira desigual em função das classes e grupos sociais.
2Na metrópole de São Paulo, a acessibilidade é resultado da localização produzida socialmente, em função dos interesses das classes alta e média das áreas centrais, que deslocam e concentram para si as oportunidades. Enquanto os mais pobres, moradores das periferias urbanas, são deslocados das oportunidades e precisam gastar muito tempo de deslocamento para atravessar a cidade em busca de emprego.
3Essa desigualdade socioespacial na acessibilidade urbana na metrópole de São Paulo é um projeto histórico das elites, que controlam o tempo através da produção de localizações (VILLAÇA, 1998) e disputas por áreas mais dotadas de serviços e acessibilidade (SANTOS, 1990). Estas disputas ocorrem em uma relação intrínseca entre fatores sociais e territoriais geradores de desigualdades socioespaciais, pois, de acordo com Santos (1987), cada homem tem seu valor em função do lugar onde está, que vai se alterando incessantemente, para melhor ou para pior, em função das diferenças de acessibilidades (tempo, frequência, preço).
4Este artigo visa compreender o papel do tempo de deslocamento das pessoas por modo coletivo para a efetivação da acessibilidade urbana aos empregos, considerando as últimas três décadas na região metropolitana de São Paulo (RMSP). Para tanto, pretende-se verificar a dimensão das desigualdades socioespaciais no acesso às oportunidades de emprego, associada aos estigmas territoriais e evitação social a que, possivelmente, é submetida a população mais pobre das periferias urbanas.
5Neste sentido, o recorte territorial desta análise refere-se a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), que abrange 39 municípios, incluindo São Paulo, a capital do estado (Figura 1). A RMSP possui uma população de 20,8 milhões de habitantes e densidade demográfica de 26 hab./ha. Com 42 milhões de viagens diárias, das quais 15,2 milhões se dão no modo coletivo (ônibus, metrô e trem), 12,9 milhões, no modo individual (automóvel e motocicleta) e 13,7 milhões, no modo ativo (a pé e bicicleta). Nestas viagens, as pessoas gastam em média 34 minutos em tempo de deslocamento, com médias segmentadas de 60 minutos no modo coletivo, 26 no modo individual e de 13 minutos no modo ativo (METRÔ, 2017). Em partes essas viagens são realizadas em 129,2 km de corredores de ônibus, 101,1 km de rede metroviária, 271 km de rede de trem, que introduzem a dimensão dos problemas de mobilidade cotidianos que as pessoas enfrentam na metrópole de São Paulo.
FIGURA 1 – Região Metropolitana de São Paulo (RMSP)
Fonte: IBGE, CEM, GEOSAMPA. Elaborado pelo autor.
6A metodologia utilizada neste artigo voltou-se à compreensão da acessibilidade urbana, valendo-se de uma bibliografia especializada. Assim, para o exame crítico das problemáticas na RMSP e à luz dessas proposições teórico-metodológicas, utilizou-se uma combinação de abordagens quantitativa e qualitativa. Na quantitativa, foram utilizados os microdados da pesquisa Origem e Destino (OD) do Metrô de São Paulo dos anos de 1997, 2007 e 2017, a partir das zonas OD, que são as menores unidades em termos de área, a fim de destacar a acessibilidade urbana aos empregos em função do tempo de deslocamento por modo coletivo na RMSP (METRÔ, 1997, 2007, 2017).
7Em posse desses dados, se deu a análise baseada na proposta de acessibilidade cumulativa (GEURS, 2018; GEURS; VAN WEE, 2004). Essa metodologia é muito utilizada em pesquisas que tratam de acessibilidade a oportunidades de empregos (BITTENCOURT; GIANNOTTI, 2021; CARNEIRO et al., 2019; PEREIRA et al., 2019; SLOVIC et al., 2019), muitas vezes, utilizando dados no formato Geral sobre Feeds de Transporte Público (GTFS), disponibilizados por algumas cidades brasileiras. Entretanto, para este artigo, em função do recorte territorial da RMSP, optou-se por retomar estudos baseados nos dados da pesquisa OD (HADDAD et al., 2015; BONISH, 2017), que inclusive tem potencial de ser replicada e analisada nos diversos municípios em escala intrametropolitana. Assim, os indicadores de acessibilidade cumulativa foram obtidos por meio da montagem de uma matriz da pesquisa OD, relacionada ao tempo de deslocamento por modo coletivo ao trabalho.
8Esta proposta metodológica permitiu uma análise, no âmbito da RMSP, inclusive, que detalhasse as divisões zonais da cidade de São Paulo: Centro, Leste I, Leste II, Norte I, Norte II, Oeste, Sul I e Sul II (SMDU/DEINFO, 2013), enfocando as desigualdades relacionadas a dificuldades de acessibilidade das populações periféricas nos seus deslocamentos por modo coletivo para o trabalho.
9A abordagem qualitativa completou a metodologia a partir da realização de oficinas de mapeamento colaborativo digital, como forma de refletir sobre as percepções e experiências urbanas dos moradores das periferias em seus tempos de deslocamentos e condições de acessibilidade urbana. Estas oficinas foram realizadas com estudantes de graduação de cursos da Universidade virtual nos Centros Educacionais Unificados (UniCEU), por meio do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), nos polos de Perus, Capão Redondo e Água Azul – Cidade Tiradentes –, respectivamente, entre os dias 18 e 20 de maio, 25 e 28 maio e 8 e 10 de junho de 2021.
10As dificuldades de acessibilidade urbana nas periferias da metrópole de São Paulo são o resultado de um processo histórico, impulsionado pelas estratégias das elites econômicas, por meio da concentração de oportunidades e serviços públicos, estigmatização territorial e evitação social. Esse processo fundamenta-se no tempo de deslocamento como uma barreira invisível à acessibilidade urbana aos empregos, dificultando a inserção social da população periférica da cidade de São Paulo e das periferias metropolitanas das demais cidades da RMSP.
11A acessibilidade é um importante componente relacionado à garantia de apropriação de oportunidades por classes e grupos sociais em determinados territórios. Isso porque a acessibilidade refere-se à facilidade de chegar aos destinos (VASCONCELLOS, 2001), não se restringindo apenas à infraestrutura de transporte, mas refere-se também à capacidade efetiva de usá-la (LÉVY; LUSSAULT, 2003).
12A acessibilidade também está ligada a questões pertinentes ao tempo e aos custos, localização dos equipamentos e capacidade de acesso da população (GUIMARÃES et al., 2019). Envolve, assim, a relativa facilidade de superar as distâncias físicas no espaço, para o uso de certas atividades e características individuais dos cidadãos (MIRALLES-GUASCH; CEBOLLADA, 2003).
13Ou seja, a acessibilidade não se restringe ao nível da coletividade, pois não há acessibilidade geral para todos os cidadãos de um determinado local (MIRALLES-GUASCH, 2002). Ela envolve a realização de necessidades e desejos de deslocamento relacionando-se com a disponibilidade e a localização de infraestruturas e serviços urbanos em determinado território e suas condições de transportes, como também é gerida por fatores econômicos, regulatórios, culturais, de gênero, étnicos, entre outros (GUTIÉRREZ, 2009).
14Neste sentido, a falta de acessibilidade pode ser considerada pelo viés da desigualdade socioespacial, que se vincula com a natureza própria da estrutura capitalista (JIRÓN, LANGE; BERTRAND, 2010). Slovic et al. (2019), estudando o caso de uma megacidade como São Paulo, constatou que as disparidades urbanas e segregação de grupos pobres são marcadas pela acessibilidade desigual em suas periferias. Pesquisas recentes no Brasil enfatizam as desigualdades no acesso a serviços e oportunidades à população negra e periférica (BITTENCOURT; GIANNOTTI, 2021; HADDAD; BARUFI, 2017; PEREIRA et al., 2019).
15Estudos clássicos no Brasil demonstram que é histórica a desigualdade na acessibilidade urbana e segregação espacial, valendo-se de uma grande massa de migrantes que rumou para as cidades (MARICATO, 2003). É neste sentido que a metrópole de São Paulo caracterizada pelo seu intenso crescimento periférico, produto de um processo complexo de fatores e decisões políticas, econômicas e espaciais, revela-se a partir da disputa das corporações e elites por áreas consideradas melhores em termos de acessibilidade aos bens e serviços públicos (SANTOS, 1990). Segundo Villaça (1998), as elites e classes médias se segregam disputando as localizações centrais e o controle do tempo de deslocamento, com privilégios em termos de mobilidade, em especial, por automóveis (VASCONCELLOS, 1997). Enquanto isso, a população mais pobre é segregada nas periferias urbanas, distante do centro e das oportunidades de emprego, infraestrutura e serviços, aprofundando a espoliação urbana (KOWARICK, 1979), relegando a estes um precário transporte coletivo, dispendioso de tempo e de gastos familiares (SANTOS, 1990).
16Para Santos (1990), a pobreza, os baixos salários e o desemprego estrutural resultam na imobilidade relativa urbana das pessoas, produzindo a fragmentação do espaço urbano e, consequentemente, uma espécie de exílio dos mais pobres nas periferias. Entretanto, ele também aponta que uma parcela dos que se deslocam pela cidade para trabalhar são os homens (e mulheres) lentos (SANTOS, 1994, 2002), submetidos ao elevado tempo de deslocamento e constrangimentos da lotação nos precários transportes coletivos (SILVA, 2016).
17Inclusive essas dificuldades acabam por restringir o acesso a oportunidades e serviços públicos, especialmente, para certas classes e grupos sociais, gerando estigmas territoriais (WACQUANT, 2007), e esses grupos terminam por não se identificar com os lugares em que há oferta desses serviços, por não se considerarem bem-vindos. Bourdieu (2008) fala dos efeitos dos lugares, onde o poder exerce sua forma mais sutil de violência contra as periferias e guetos. Esses estigmas territoriais e efeitos dos lugares expressam-se historicamente na metrópole de São Paulo, exemplificado no caso dos moradores de classe média e alta no bairro de Higienópolis que recusaram a construção de uma estação de metrô em sua região, sob o argumento de não desejarem o aumento da presença de gente diferenciada no bairro (SILVA, 2016).
18Neste sentido, as dificuldades de acessibilidade urbana na metrópole de São Paulo, produzem e reproduzem as desigualdades socioespaciais, estigmas e evitação social. Isso corrobora com Santos (1987), que já demonstrou que a possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção, do ponto do território onde se está e os bens sociais que lhe são acessíveis. Para Harvey (1980), a justiça social na cidade é distributiva no espaço, de modo a garantir uma mobilidade justa (SHELLER, 2018) e acessibilidade como um direito a conexão (GUTIÉRREZ, 2010).
19Considerando o tempo de deslocamento como uma produção social que revela desigualdades socioespaciais na metrópole de São Paulo, os dados a seguir contribuem para corroborar esta assertiva.
20Ao analisar o tempo de deslocamento por modo de transporte ao trabalho na RMSP, constatou-se uma ampliação dos tempos médios de deslocamentos de 1997 para 2007, seguido por uma diminuição em 2017 na cidade de São Paulo. No entanto, mesmo com a diminuição geral de 2007 para 2017, foram registrados aumentos mais significativos nas últimas décadas em determinadas zonas.
21Na Zona Leste II, houve um aumento de 5,4% no tempo médio de deslocamento, enquanto na Zona Sul II e Zona Norte II os aumentos foram de 12,3% e 17%, respectivamente. Além do mais, no último período, a Zona Leste II apresentou o maior tempo médio de deslocamento na RMSP, 30% superior à média do da cidade de São Paulo. Também vale ressaltar que, em 2017, as pessoas na Zona Leste II gastaram 73% e 50% de tempo em deslocamento, respectivamente, maior do que a média da Zona Central e Oeste. Destacam-se ainda as demais cidades da RMSP como única tendência de ampliação contínua do tempo médio de deslocamento ao longo do período analisado (Figura 2).
FIGURA 2 – Tempo médio em minutos de deslocamento para o trabalho por modo coletivo de transporte
Fonte: Metrô, 1997, 2007, 2017. Elaborado pelo autor.
22Ou seja, os dados indicam a ocorrência de diminuição geral do tempo de deslocamento nas últimas décadas na cidade de São Paulo. Contudo, os menores percentuais desta queda ocorreram em suas zonas periféricas. Ressalta-se que nas demais cidades da RMSP, de maneira inversa, vem ocorrendo uma tendência de aumento do tempo de deslocamento, o que pode sugerir a ampliação do processo de segregação e dificuldades de mobilidade nas periferias metropolitanas de São Paulo, conforme foi antevisto por autores como Santos (1990) e Villaça (1998).
FIGURA 3 – Tempo em minutos de deslocamento para o trabalho por modo coletivo de transporte, por renda per capita em salários mínimos
Fonte: Metrô, 1997, 2007, 2017. Elaborado pelo autor.
23Em relação ao tempo de deslocamento no modo coletivo ao trabalho, segmentado por faixas de renda média individual (Figura 3), foram observadas algumas tendências nas últimas décadas na cidade de São Paulo e nas demais cidades da RMSP. Na cidade de São Paulo, ocorreu uma diminuição do tempo de deslocamento em todas as faixas de renda, com exceção no de pessoas que ganham até 2 salários mínimos, que experimentou um aumento de 19%. Nas demais cidades da RMSP, um modelo similar ocorreu, o tempo de deslocamento ampliou-se apenas nas duas faixas de renda mais baixas, sendo 36% maior para quem ganha até 2 salários mínimos e 7% maior na faixa de 2 a 4 salários mínimos.
24Ao analisar as diferentes zonas da cidade de São Paulo, observa-se que o maior percentual de aumento no tempo de deslocamento ocorreu na faixa de renda de até dois salários mínimos na Zona Leste II. Embora tenha diminuído o tempo de deslocamento na menor faixa de renda em 1,3% entre 1997 e 2017, de 2007 a 2017 aumentou em 29% e ainda é 78% maior em comparação com o tempo de deslocamento das pessoas com mesma faixa de renda na Zona Central.
25Observa-se, portanto, que a população mais pobre das Zonas Centro e Oeste – áreas com grau relativamente maior de homogeneidade em termos de classe média e alta – beneficia-se das melhores condições de acessibilidade em contraponto à população mais pobre que se encontra na periferia. Isso porque, de acordo com os dados, as pessoas de renda mais baixa nas zonas periféricas gastaram 43% mais tempo do que as pessoas na mesma faixa de renda nas zonas centrais da cidade de São Paulo. Essa desigualdade é ainda mais ampla quando se compara as pessoas de renda mais baixa das zonas periféricas em relação às pessoas de renda mais alta nas zonas centrais, com as primeiras gastando, em média, 128% de tempo a mais do que estas.
26Portanto, a renda média individual e as determinações territoriais na RMSP revelam certas dificuldades que não se restringem à distância, mas também perpassam as desigualdades no tempo de deslocamento nas periferias urbanas na metrópole de São Paulo. É, neste sentido, que morar nas periferias é uma forma de condenar duplamente os mais pobres, resultante das distorções do modelo econômico e territorial (SANTOS, 1987).
27As desigualdades no tempo de deslocamento são resultado de uma produção social que dificulta a acessibilidade à população mais pobre e periférica da metrópole de São Paulo. Isso pode ser verificado a partir dos dados da acessibilidade cumulativa aos empregos em até 60 minutos no modo coletivo na RMSP, considerando que este é o tempo médio dos deslocamentos no modo coletivo na RMSP (METRÔ, 2017; SLOVIC et al., 2019).
28Ao longo do período analisado, verifica-se que os maiores percentuais de acessibilidade aos empregos ocorreram nas zonas centrais da cidade de São Paulo, como o Centro, as zonas Sul I e Oeste, exceto em 1997, quando a Zona Leste I ocupou a terceira posição, posteriormente sendo ultrapassada pela Oeste. Em média, neste período, as zonas Centro, Sul I e Oeste diminuíram 22% o tempo, porém concentraram 17% dos empregos acessíveis na cidade.
29Por outro lado, as demais cidades da RMSP apresentaram os piores percentuais de acessibilidade aos empregos no período analisado, com baixos índices e mesmo percentual entre os anos de 1997 e 2007, e que caíram ainda mais em 2017. Na cidade de São Paulo, os piores percentuais de acessibilidade no período foram registrados nas zonas Leste II, Zona Sul e Norte II. Contudo, desde 2007, a Zona Norte II tornou-se o segundo pior percentual, atrás apenas da Zona Leste II. Estas três zonas representaram, em média, 6% dos empregos acessíveis na cidade de São Paulo, sofrendo uma diminuição de 34% ao longo do período analisado.
FIGURA 4 – Acessibilidade por tempo de deslocamento para o trabalho em até 60 minutos no modo coletivo, por zonas da cidade de São Paulo e RMSP
Fonte: Metrô, 1997, 2007, 2017. Elaborado pelo autor.
30Ou seja, as zonas periféricas, além de possuírem um percentual menor de acessibilidade aos empregos, também experimentaram uma diminuição proporcionalmente maior em comparação às zonas centrais. As zonas centrais (Centro, Sul I e Oeste) tiveram, em média, 2,3 vezes mais empregos acessíveis do que as zonas periféricas (Leste II, Sul II e Norte II). No entanto, é importante ressaltar que essas zonas periféricas abrigam 52% da população da cidade de São Paulo, enquanto as centrais, apenas 23% (Figura 4).
31Isso torna-se mais nítido com a análise espacial da acessibilidade cumulativa aos empregos em até 60 minutos no modo coletivo na RMSP, em que se observa uma nítida concentração nas áreas centrais da metrópole, com diminuição gradual em direção às periferias urbanas, tanto no centro da metrópole, quanto na RMSP como um todo (Figura 5).
FIGURA 5 – Acessibilidade ao trabalho por tempo de deslocamento em transporte coletivo em até 60 minutos
Fonte: Metrô, 1997, 2007, 2017. Elaborado pelo autor.
32Em 1997, na Zona Centro, os distritos de Consolação (36%) e Sé (32%) foram identificados como os mais acessíveis, enquanto na Zona Sul I, destacaram-se Vila Mariana (21,4%) e Saúde (20,8%). Na Zona Leste I, Tatuapé (23%) e Brás (20%) foram os mais acessíveis. Já na Zona Leste II, os distritos de São Rafael e Iguatemi (ambos com 3,5%) e Cidade Tiradentes (4%) registraram os menores percentuais de acessibilidade. Na Zona Sul II, os distritos de Parelheiros (2%) e Marsilac (3%) apresentaram os menores percentuais. Na Zona Norte II, Perus (4%) e Anhanguera (4,5%) foram os distritos com menor acessibilidade. Além disso, as demais cidades da RMSP, como Mairiporã (0,2%), Francisco Morato (0,6%), ambos na sub-região Norte, e Rio Grande da Serra (0,5%), sub-região Sudeste, também demonstraram baixos percentuais de acessibilidade aos empregos.
33No ano de 2007, os empregos permaneceram mais acessíveis nas zonas centrais, com os distritos República (29,3%) e Sé (29%) liderando na Zona Centro. Na Zona Sul I, os destaques foram Vila Mariana (19,3%) e Saúde (19,2%). Neste ano, a Zona Oeste foi mais acessível, com maiores percentuais os distritos de Jardim Paulista (19,7%) e Pinheiros (18,8%). Contudo, na Zona Leste II, os menores percentuais ficaram com Iguatemi e Lajeado (ambos 3%) e Guaianases (3,5%). Na Zona Norte II, os distritos de Brasilândia (4%) e Cachoeirinha (4,3%) apresentaram os menores percentuais. Na Zona Sul II, Marsilac (2%) e Parelheiros (3%) tiveram os menores percentuais de acessibilidade. As demais cidades da RMSP continuaram caracterizadas pelos baixos percentuais de acessibilidade aos empregos, com destaque a Mairiporã (0,2%), na sub-região Norte, seguido por Embu-Guaçu, na sub-região Sudoeste, Francisco Morato e Franco da Rocha (ambos com 3% e da mesma sub-região Norte).
34Já em 2017, os distritos da Sé (27%) e República (22,7%) mantiveram-se como os mais acessíveis na Zona Centro. Com o mesmo padrão na Zona Oeste, Pinheiros (21,5%) e Jardim Paulista (19,7%) apresentaram os maiores percentuais, enquanto na Zona Sul I, continuaram os distritos de Vila Mariana (17,9%) e Saúde (14,8%). A Zona Leste II teve os menores percentuais de acessibilidade, sendo os distritos de Cidade Tiradentes (2%), Guaianases e Jardim Helena (ambos 2,5%) os menores índices. registraram os menores percentuais de acessibilidade. Na Zona Norte II, Anhanguera e Perus (ambos 2%) apresentaram os menores percentuais, já na Zona Sul II, Marsilac (1%) e Parelheiros (1,5%) tiveram os menores percentuais de acessibilidade. As demais cidades da RMSP permaneceram com baixos percentuais de acessibilidade, destacando-se novamente Mairiporã (0,2%), na sub-região Norte, Francisco Morato e Franco da Rocha (0,8%), ambos na sub-região Norte, e Santa Isabel (0,5%), na sub-região Leste.
35É assim que a acessibilidade cumulativa aos empregos revela uma nítida desigualdade socioespacial, favorável aos moradores das áreas centrais, que concentram mais empregos do que os das periferias urbanas de São Paulo (BOISJOLY; MORENO-MONROY; EL-GENEIDY, 2017). A acessibilidade desigual é corroborada por estudos que demonstram seus menores percentuais nas periferias das Zonas Leste, Sul e Norte da cidade de São Paulo (SLOVIC et al., 2019).
36Essa constatação fica evidente com a leitura das desigualdades de acessibilidade aos empregos em relação à renda (Figura 6). Em 1997, verifica-se que 2,7 milhões de pessoas na faixa de renda mais alta acessaram 15,2% dos empregos até 60 minutos por modo coletivo. Dentre essas pessoas, a Zona Sul I concentrava 10% delas, que acessaram 19% dos empregos. Enquanto que os 2,7 milhões de pessoas na faixa de renda mais baixa acessaram 2,8% dos empregos, com a Zona Sul II concentrando 10% dessas pessoas.
FIGURA 6 – Acessibilidade ao trabalho por tempo de deslocamento em transporte coletivo em até 60 minutos, por renda per capita
Fonte: Metrô, 1997, 2007, 2017. Elaborado pelo autor.
37Em 2007, 1,5 milhão das pessoas na faixa de renda mais alta acessaram 16,6% dos empregos em até 60 minutos por modo coletivo. Essas pessoas estavam concentradas principalmente na Zona Sul I, representando 30,5% da população nessa faixa de renda. Já as pessoas na faixa de renda mais baixa totalizaram 4 milhões que acessavam apenas 1,9% dos empregos, com a Zona Leste II concentrando 18% dessas pessoas.
38Em 2017, o 1,9 milhão de pessoas na faixa de renda mais alta acessou em média 14,6% dos empregos até 60 minutos no modo coletivo. Essas pessoas estavam concentradas principalmente na Zona Oeste, com 34,8% da população nessa faixa de renda. Já os 4,3 milhões de pessoas na faixa de renda mais baixa apenas conseguiram acessar 1,9% dos empregos, com a Zona Leste II concentrando 24,3% dessas pessoas.
39Constata-se, então, que as pessoas de estratos de rendas mais elevados e moradoras das áreas mais centrais – com maior disponibilidade de transportes coletivos e empregos – possuem maior acessibilidade, enquanto os pobres, nas áreas mais periféricas, possuem menor acessibilidade a oportunidades de empregos. É neste sentido que o tempo de deslocamento se revela como uma barreira invisível à acessibilidade urbana às oportunidades de empregos, particularmente, para a população mais pobre e moradora das periferias urbanas da RMSP.
40Na metrópole paulistana, o controle do tempo de deslocamento assume um papel central na disputa pela cidade entre diferentes classes e grupos sociais. Esse controle resulta no estabelecimento de uma barreira invisível, que produz e reproduz o processo de segregação espacial e desigualdades socioespaciais, dificultando a acessibilidade aos moradores das periferias urbanas.
41Essas dificuldades, na metrópole de São Paulo, são evidenciadas pelas narrativas dos moradores das periferias da Zona Leste II, Zona Sul II e Norte II. Identificadas como aquelas com maiores tempos de deslocamentos e menor acessibilidade em relação ao centro da metrópole. O Participante W, masculino, negro, morador de Cidade Tiradentes, relata as dificuldades de deslocamentos de pessoas provenientes da periferia da Zona Leste comparando com as de pessoas da Zona Oeste:
Os interesses das pessoas, até as pessoas paradas no ponto de ônibus, são totalmente diferentes dos das pessoas daqui. Essas pessoas se locomovem, também, em um espaço bem mais curto do que a gente que mora na Zona Leste. Por exemplo, você vai trabalhar na Avenida Faria Lima, as pessoas pegavam o mesmo ônibus que eu, mas eu estava a duas horas do meu destino. Essas pessoas desciam 10 minutos depois. Quando chegava uma hora que eu estava sozinho no ônibus, então, você vê que o itinerário era menor também e, nesse itinerário, os pontos são diferentes [...] Nos nossos destinos não estão incluídos, por exemplo, teatros; para a gente chegar a um teatro a gente tem que viajar duas, três horas.
42Essa desigualdade de oportunidades, serviços públicos e equipamentos urbanos são determinações que dificultam a acessibilidade na metrópole de São Paulo. O Participante W explicita essa relação na continuação de seu relato:
Diferente das pessoas que moram nesses lugares que eu citei, ou outros que estão a dez minutos do teatro, elas conseguem ir de bicicleta. Eu cheguei ao trabalho na torre do [Banco] Santander, na Vila Olímpia, e eu era o único funcionário que pegava condução. Para ir, pegava quatro conduções. Mas praticamente todos os funcionários lá, tirando eu, iam de bicicleta, pois eles moravam próximos, dez, quinze minutos no máximo. Então tem esse contraste muito grande aí.
43Na mesma linha de raciocínio, o Participante H, masculino, negro, morador de Cidade Tiradentes, corrobora esta problemática:
Imagina eu chegar aqui numa quinta à noite, depois de enfrentar duas horas de trânsito eu vou para onde? [...] A gente não consegue participar em nível, digamos assim, de lazer e cultura ativamente igual a outras pessoas. Eu tinha uma colega que saía do trabalho às 16:00 e às 16:30 já estava em casa. Isso no centro, ela morava lá. Aí ela falou que às 18:00 ia jantar com os amigos [...]. Meu, morando na Zona Leste no meio da semana, na hora do rush, tudo mais, não tem tempo para isso. Você consegue produzir sua marmita e olhe lá.
44A acessibilidade desigual na metrópole de São Paulo é um projeto histórico das elites, que controlam o tempo através da produção de localizações (VILLAÇA, 1998) e disputas por áreas mais dotadas de serviços e acessibilidade (SANTOS, 1990). É, neste sentido, evidenciado o fato de cada homem ter seu valor em função do lugar onde mora (SANTOS, 1987). A Participante Q, feminino, branca, moradora de Cidade Tiradentes, relatou que anteriormente o transporte coletivo tinha menor disponibilidade e maior lotação para ir à área da Avenida Paulista, porém:
[...] na volta conseguia chegar com mais facilidade entre uma hora e vinte minutos e um hora e meia. Agora, eu vejo que temos mais dificuldade ainda, porque são muito mais pessoas. [...] Então, o retorno para casa é de duas horas e meia e, somando tudo, são quatro horas e meia dentro de um transporte.
45Na lógica da mobilidade pensada como recurso, de Cresswell (2009), em que a velocidade de uns é a lentidão de outros, revela uma situação que se contrapõe a uma mobilidade justa (SHELLER, 2018) e à acessibilidade como um direito à conexão (GUTIÉRREZ, 2010). Para a Participante C1, feminino, negra, moradora de Capão Redondo, as dificuldades em função desta lógica de mobilidade e acessibilidade desiguais na cidade se exemplificam em cortes de linhas de ônibus:
Então, você imagina a quantidade de trabalhadores, e a dificuldade que está sendo de pegar várias linhas de ônibus para conseguir chegar ao seu local de trabalho. Eles colocam os transportes que você pega na Rodovia Régis Bittencourt e diminuem a quilometragem, justamente, porque você não escolhe e os ônibus estão lotados [...]. Aí eles tiram também o cobrador de ônibus, deixando só o motorista, que acaba gerando uma outra lentidão no transporte.
46Esse modelo de mobilidade, tido como recurso na metrópole de São Paulo, foi impulsionado com o advento do rodoviarismo a partir do Plano de Avenidas de 1930, e se consolidou na década de 1960 com a massificação dos automóveis para a classe média, processo que se popularizou ainda mais na década de 1990. É um modelo baseado em soluções individuais que vem privilegiando o automóvel e, mais recentemente, as motocicletas em detrimento dos transportes coletivos (VASCONCELLOS, 2013; SILVA, 2016). O participante C2, masculino, negro, morador de Perus, ilustra essa situação:
Trabalhava em dois colégios particulares e, por ironia do destino, os meus horários ficaram tão apertados que eu tinha que sair do Tucuruvi na Zona Norte e chegar no Pari em vinte minutos. Foi aí que eu me vi obrigado a comprar uma moto para conseguir fazer esse trajeto [...] A moto nos ajuda demais quanto à agilidade, mas tem aquele perigo do trânsito, você pilota por você e por todo mundo que está na via [...] E, hoje, eu trabalho, graças a Deus, a menos de cinco minutos da minha casa. E a outra não fica nem a quinze (minutos), então foi assim uma mudança bem qualidade de vida com tudo isso.
47No contexto do neoliberalismo, foi propagada a crença de que basta recorrer ao mercado para solucionar os problemas de mobilidade, devido a ampliação de créditos e financiamentos bancários, o que vem resultando no aumento da precarização dos transportes coletivos, congestionamentos e riscos de acidentes no trânsito, particularmente para as motocicletas (SILVA, 2016). A Participante J, feminino, negra, moradora de Cidade Tiradentes, critica essa ideologia do transporte individual e aponta saídas coletivas para a questão:
Aí o que fica de desafio para a gente é batalhar e pressionar para que melhorem o transporte aqui, que é a grande massa de trabalho, querendo ou não, na periferia é onde se concentra a maior parte da sociedade que trabalha nas empresas.
48Na sequência, a Participante J aprofunda sua linha de raciocínio e problematiza de maneira mais ampla: « a gente tem que batalhar para melhorar e desenvolver, criar vias para a população local trabalhar aqui e não se locomover para tão longe ». Neste ponto, a Participante C avança e questiona o papel do Estado, particularmente, no que se refere à qualidade de vida dos trabalhadores periféricos:
Eu acho que o grande problema mesmo dos nossos governantes é não ter esse olhar para periferia. Porque na verdade eles olham a periferia apenas como mão de obra. Então, você vê, eles querem um trabalhador barato, mas, assim, não querem uma qualidade de vida para ele.
49O fato é que a acessibilidade negada é parte da estratégia de segregação da população mais pobre das periferias urbanas, articulada aos estigmas territoriais (WACQUANT, 2007) e efeitos de lugar (Bourdieu, 2008), que os moradores das periferias encontram cotidianamente na metrópole de São Paulo. A Participante B, feminino, negra, moradora de Capão Redondo, ajuda a ilustrar essa condição:
No bairro de Interlagos, que é um bairro classe B e A, tem uma bolhazinha, sabe, mais ou menos em frente ao autódromo [...] Não é qualquer pessoa que vai passar por ali. Existem ruas fechadas, com cancela, com barreiras, as que não têm barreiras têm vigia, não é qualquer um que anda naquele bairro não. Talvez só quem more ali. [...] Assim, não há democratização do espaço, a mobilidade não existe pelo menos em algumas ilhas aí de São Paulo [...] Você não poder passar por dentro de um bairro por que os moradores lá se acham melhor do que qualquer transeunte.
50É assim que, para Santos (1990), o espaço é fragmentado pela imobilidade dos mais pobres das periferias, de onde partem os homens (e mulheres) lentos (SANTOS, 1994, 2002). São os estigmatizados e alvos de preconceitos pelas classes alta e média, que deslocam para si as oportunidades acessíveis e garantem a evitação social, de maneira objetiva e simbólica. Portanto, o estabelecimento do tempo de deslocamento como barreira invisível à acessibilidade urbana é parte fundamental das estratégias das elites econômicas na RMSP. Ou seja, os moradores das periferias permaneceram isolados, ou lentos, nos deslocamentos desde as periferias urbanas, o que não é senão o resultado de um projeto das elites econômicas de inacessibilidade e segregação espacial.
51Ao longo das últimas décadas, a partir dos dados analisados, evidencia-se que o tempo de deslocamento se tornou uma barreira invisível para a acessibilidade urbana voltada às oportunidades de empregos da população mais pobre nas periferias urbanas na RMSP. Durante o período, observa-se uma diminuição no tempo médio de deslocamento no modo coletivo ao trabalho na cidade de São Paulo, com exceção o das demais cidades da RMSP. Ressalta-se que a diminuição foi relativamente menor nas zonas periféricas.
52Contata-se, também, uma diminuição da acessibilidade cumulativa aos empregos na RMSP, proporcionalmente mais acentuada nas demais cidades da RMSP e nas zonas periféricas Leste II, Sul II e Norte II da cidade de São Paulo. Nestas, as desigualdades socioespaciais ficam mais evidentes, já que, além do baixo percentual de empregos acessíveis, elas concentram pouco mais da metade da população da cidade de São Paulo.
53A renda média individual foi identificada como um marcador importante nessa dinâmica, uma vez que as pessoas com menor renda tendem a gastar maiores tempos de deslocamento e possuem menor acessibilidade aos empregos. É fundamental também destacar a dimensão territorial, pois as pessoas mais pobres das zonas periféricas enfrentam tempos de deslocamento muito superiores e menor acessibilidade aos empregos, em comparação às pessoas pobres nas zonas centrais, fato que complexifica, ao invés de superar, a tradicional lógica centro-periferia.
54Assim, as dificuldades de acessibilidade na metrópole de São Paulo são uma das facetas das estratégias políticas de dominação das elites econômicas sobre os mais pobres e moradores das periferias. Este processo social se realiza por meio do controle e concentração das oportunidades, estigmatização e evitação social, fundamentados nos tempos de deslocamento como uma barreira invisível na RMSP, o que gera desigualdades em mobilidade, além de segregações espaciais.
55Deste modo, romper a barreira invisível do tempo de deslocamento na metrópole paulistana passa por repensar o modelo de cidade, ou pensar um outro modelo, mais justo e democrático, com mais diversidade de usos e oportunidades de empregos no território, com predomínio de transporte público de baixa emissão, articulado em rede, incluindo, os modos ativos (a pé e bicicleta) a todo conjunto da sociedade, principalmente, aos moradores mais pobres das periferias urbanas da RMSP.