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Experiências internacionais de transferência de água entre bacias hidrográficas: reflexões sobre benefícios e desvantagens

International experiences of water transfer between river basins: reflections on benefits and disadvantages
Experiencias internacionales de transferencia de agua entre cuencas: reflexiones sobre beneficios y desventajas
Expériences internationales de transfert d’eau entre bassins: réflexions sur les avantages et les inconvénients
José Antônio da Silva Filho, Francisco Fernando Pinheiro Leite, Larissa da Silva Ferreira Alves e Jairo Bezerra Silva
Tradução(ões):
International experiences of water transfer between river basins: reflections on benefits and disadvantages [en]

Resumos

A problemática da oferta desigual de água doce no mundo, atrelada ao crescimento populacional e demandas industriais, agravar-se-á com a ocorrência de fenômenos climáticos extremos como as secas. Há séculos, diversos países utilizam da transferência de água entre bacias hidrográficas superavitárias e deficitárias como forma de superar a escassez hídrica e garantir o desenvolvimento socioeconômico. O presente estudo, uma pesquisa básica exploratória, descritiva e interpretativa, objetiva discutir experiências internacionais de transferências de água interbacias, refletindo sobre seus benefícios e desvantagens. Para isso, realizou-se uma pesquisa bibliográfica com artigos científicos publicados em periódicos nacionais e internacionais que versam sobre transposições interbacias em países como Espanha, China e Estados Unidos da América. Conclui-se que projetos desta magnitude causam impactos das mais diversas matizes, tanto para as áreas doadoras quanto para receptoras, a exemplo de impactos geomorfológicos, invasão biológica, restauração de qualidade de água, e maior disponibilidade hídrica para atividades econômicas.

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Notas da redacção

Artigo recebido em: 12/09/2023
Artigo aprovado em: 16/04/2024
Artigo publicado em: 28/06/2024

Texto integral

Introdução

1Embora a quantidade de água existente na Terra seja relativamente constante, a demanda por esse recurso tem aumentado consideravelmente. Dentre as atividades que mais utilizam a água estão a produção de alimentos e a produção de energia. Na Conferência da Água das Nações Unidas de 2021 foi divulgado que no mundo, 72% da água captada da natureza são usados para a agricultura, 16% para o abastecimento das residências dos municípios e 12% são utilizados pelas indústrias. Com o crescimento populacional e o modelo de desenvolvimento econômico dos países ricos, haverá, cada vez mais, contradições entre a demanda por água e a quantidade finita deste recurso (SHENG; TANG; WEBBER, 2020).

2Diante disso, no Fórum Econômico Mundial de 2020, a anunciada crise hídrica foi listada como um dos 10 principais riscos de impacto mundial à humanidade, essa juntamente apensada aos eventos climáticos extremos, tais como, perda da biodiversidade e ocorrência de desastres naturais. Foi lembrado, ainda, o acesso universal à água de qualidade para o consumo humano como um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. A demanda por água para estas atividades irá aumentar, sendo o crescimento econômico e populacional os principais problemas das sociedades contemporâneas para o desenvolvimento sustentável (GOHARI et al., 2013).

3A situação anunciada de crise hídrica se agravará para as áreas áridas e semiáridas nas próximas décadas, tornando este recurso natural fator estratégico para sobrevivência humana e para seu desenvolvimento econômico e social. Projeções mostram que mais da metade da população mundial enfrentará problemas com situações de escassez hídrica até 2030, aumentada a demanda de água pela população em 40% (UN-WATER, 2021).

4Entretanto, a disponibilidade de água doce no globo terrestre é desigual no tempo e no espaço (SHUMILOVA et al., 2018). Estima-se que 97,5% da água existente no mundo é salgada e não é adequada ao nosso consumo direto nem à irrigação da plantação. Dos 2,5% de água doce, a maior parte (69%) é de difícil acesso, pois está concentrada nas geleiras, 30% são águas subterrâneas (armazenadas em aquíferos) e 1% encontra-se nos rios (ANA, 2023).

5Além disso, é possível notar uma disparidade na relação disponibilidade hídrica versus população, tanto nos continentes, quanto dentro dos Estados-Nação. Deste modo, algumas localidades de territórios nacionais possuirão suficiência hídrica enquanto alguns serão deficitários.

6A problemática da oferta desigual de água doce no mundo, atrelado ao aumento da necessidade por este recurso devido ao crescimento populacional e das demandas industriais, deve se agravar com a ocorrências de fenômenos climáticos extremos como as secas. Sobre isso, a UN-WATER (2021, p. 7) pontua que « as mudanças climáticas têm gerado mudanças na disponibilidade de água, aumentando as situações reconhecidas como sendo a de escassez hídrica em algumas regiões e causando inundações em outras ». Aliado a isso, ações humanas contribuem para reduzir a quantidade de água disponível por meio de atividades poluidoras.

7Diante deste cenário, historicamente, a implementação de grandes projetos de interligações de bacias hidrográficas, levando água de bacias superavitárias para bacias deficitárias, tem sido executada com fim de sanar o problema de situações de escassez hídrica em determinadas localidades e possibilitar o desenvolvimento econômico e social dessas áreas. (GOHARI et al., 2013; SEGUIDO; CANTOS; AMORÓS, 2018)

8Registros históricos mostram que o primeiro projeto de transposição de água data de 2.400 a.C. com a construção de canais que transportavam água do Rio Nilo para o que hoje corresponde às áreas ao sul da Etiópia, servindo para irrigação e navegação. Esse projeto promoveu o desenvolvimento e prosperidade para civilização egípcia (ZHUANG, 2016).

9Outros exemplos são os projetos de infraestrutura hídrica executados pelos romanos no continente Europeu, com os aquedutos, sendo o primeiro deles construído por volta do ano 312 antes da Era Comum (AEC). Já nas Américas, temos o caso dos povos Incas, por volta de 1200 anos da era comum, com seus complexos sistemas de irrigações (no continente Americano) fizeram uso destas estratégias como forma possibilitar a sobrevivência dos seus povos e de desenvolver seu território (FERREIRA, 2018).

10Não obstante, apesar de terem sido utilizadas como forma de garantir o desenvolvimento e garantia de abastecimento de água e expansão da agricultura, essas grandes estruturas têm recebido nas últimas décadas contestações diversas, como: reduzir o caudal dos rios, desequilibrando os ecossistemas e desregulando as vivências tradicionais das águas, alteração nos elementos paisagísticos, gerar desperdício de água e não cumprir com as demandas de toda comunidade (FERREIRA, 2018). Ante ao exposto, buscamos neste trabalho refletir acerca dos principais impactos ambientais e socioeconômicos, proporcionados através dos projetos de transferência de água entre bacias hidrográficas no mundo.

11Para isto, metodologicamente, realizou-se uma revisão narrativa de literatura para desenvolver uma avaliação sistemática sobre o tema em tela. Para seleção dos trabalhos utilizados neste estudo foi feita uma busca pelo acesso CAFE na base de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por meio da qual selecionamos trabalhos acadêmicos de bibliografia especializada nacional e internacional que tratam sobre o tema Transposição de água interbacias. Destaca-se que não foi estipulado um recorte temporal para busca dos trabalhos utilizados nesta revisão de literatura.

12Após a escolha dos trabalhos a serem utilizados, e excluídos aqueles que não tinham a temática como escopo principal ou a abordava de forma secundarizada, finalizou-se a busca com 35 (trinta e cinco) trabalhos que compõem o presente artigo. Dentre os autores utilizados, destacamos Rollason, Sinha e Bracken (2022) e Zhuang (2016) que apontam benefícios e preocupações relacionados à interligação de bacias hidrográficas e Shumilova et al. (2018) que faz um levantamento de grandes projetos de transposições no mundo.

13Acredita-se que estudos sobre outras transposições nos direcionam à reflexão sobre seus sucessos e problemáticas conjuntas, ajudando na melhoria da gestão de projetos outros, sobretudo, ao considerar-se seus impactos a longo prazo nos ecossistemas juntamente com os efeitos incertos das mudanças climáticas no meio ambiente, e, consequentemente, nos projetos de transferência de água (YAN et al., 2012). Destarte, as análises dos artigos, dissertações e teses trazidas nesta revisão de literatura podem contribuir para avançar em compreensões necessárias sobre tais infraestruturas hídricas.

14Assim, o presente estudo está estruturado nas seguintes seções: 1. Introdução, norteando o objeto de pesquisa e procedimentos metodológicos; 2. Interconexão de bacias hidrográficas: Estado, ordenamento do território e a expressão máxima da gestão hídrica, que busca compreender os objetivos para grandes obras de transferência de água, comuns em diversos países; 3. A experiência espanhola: o caso da transposição Tejo-Segura e 4. A experiência chinesa: o caso do projeto de transferência água sul-norte (PTASNC), que ambos abordam as realidades específicas dos países em foco, que transferiram água para áreas áridas e semiáridas de seus respectivos territórios, focando aqui nesse trabalho os impactos positivos e negativos das grandes obras à luz da literatura internacional; seguidos das 5. Considerações finais.

Interconexão de bacias hidrográficas: Estado, ordenamento do território e a expressão máxima da gestão hídrica

15As transferências de água interbacias são consideradas como a grande manifestação de excelência do planejamento hidráulico para as ações de ordenamento territorial elaboradas pelo Estado. Significam a intervenção pública para equilibrar a disponibilidade de água das localidades e garantir o abastecimento agrícola, urbano e turístico com significativos ganhos sociais e econômicos (SEGUIDO; CANTOS; AMORÓS, 2017). Ou seja, uma faceta de planos territoriais que visam a distribuição mais estratégica e equilibrada dos recursos hídricos no território ao qual o Estado-Nação atua.

16Quando se buscam estudos sobre as diversas experiências internacionais de Transposição de água entre bacias hidrográficas, nota-se que os principais temas investigados e debatidos são os de desenvolvimento socioeconômico, impactos ecológicos e ambientais e ao planejamento estratégico-territorial. De forma mais específica, os projetos possuem como objetivos primários: irrigação, abastecimento humano e industrial, controle de inundações, melhoria na qualidade da água, melhoria do sistema ecológico e geração de energia (ROLLASON; SINHA; BRACKEN, 2022).

17Percebe-se, ainda, que os países em desenvolvimento são mais afetados pelas condições de aridez e semiaridez de determinadas porções de seus territórios face aos desafios do planejamento estratégico e investimentos. Tais características climáticas, juntamente com a urbanização e o desenvolvimento industrial, são as molas propulsoras para implementação das transferências de água entre bacias. Já em países desenvolvidos, o que influencia principalmente para execução desse tipo de projeto é a presença de climas extremos e mais localmente problemas de estresse hídrico (ROLLASON; SINHA; BRACKEN, 2022).

18Ao observar-se os projetos de transposições, é possível notar uma mudança dos objetivos principais destes no decorrer dos anos, que refletem as preocupações das épocas em que foram executadas. Como exemplo, em 1940 a maioria dos projetos se preocupava com a irrigação, a indústria e a produção de energia, refletindo ao desenvolvimento das indústrias nas cidades que demandavam maior produção de comida e energia, bem como o aporte considerável de água para as etapas de produção dos industrializados; já em 1980, refletindo uma maior preocupação com as questões ambientais, os projetos se voltavam para o controle de inundações e impactos ambientais (ROLLASON; SINHA; BRACKEN, 2022).

19No Quadro 1 que segue, veem-se os principais benefícios e preocupações com relação aos aspectos socioeconômico, ecológico e ambiental quando se trata de transposições que requerem atenções.

QUADRO 1 Benefícios e preocupações relacionados à interligação de bacias hidrográficas

Tema

Benefícios

Preocupações

Socioeconômico

Promove o desenvolvimento regional mais igualitário; Desenvolvimento socioeconômico a partir da resolução do estresse hídrico; mitigação do déficit hídrico; promoção do turismo.

Deslocamento populacional; Reassentamentos e reabilitação de pessoas; submersão de propriedades; Custos com questões sociais e ambientais; necessidade de calcular os custos e benefícios; preços da água e financiamentos; avaliação econômica do projeto; diminuição de água na bacia doadora.

Ecológico e ambiental

Alívio da seca e da degradação ambiental; restauração do fluxo do rio ou suplementação deste; melhorias na qualidade da água disponível; controle de inundações; preservação de fauna e flora em extensão; melhoramento de condições meteorológicas; alívio na exploração de águas subterrâneas; purificação da água do rio receptor.

Distúrbios ecológicos; alterações nas biodiversidades; invasão de espécies; mudanças ambientais e morfológicas; preocupações relacionadas as mudanças climáticas; fluxo do rio; degradação ambiental; salinização de solos; salinização do estuário do rio doador.

Fonte: Os autores (2023), com base em Rollason, Sinha e Bracken (2022) e Zhuang (2016).

20As transferências entre bacias podem causar modificações relevantes em termos ecológicos, a exemplo da desertificação devido à salinização de solos por meio de práticas inadequadas aliadas à elevada taxa de evaporação em regiões de climas árido ou semiárido. Nesse enredo, Wilson et al. (2017) exemplifica o caso do Rio Yangtze, na China, que teve seu fluxo hídrico de água diminuído com a execução do Projeto Sul-Norte de Transferência de água, causando a salinização do seu estuário e degradação do Rio Han. Os autores Wilson et al. (2017, p. 8) destacam que « a salinização do estuário do Rio Yangtze tende a piorar, sobretudo durante os meses e anos mais secos, ao mesmo tempo que aumenta as preocupações ambientais nesta região, que já são críticas ».

21Em termos de melhoria na qualidade de água, com o aumento do fluxo do rio recebedor, aumenta-se a sua capacidade de assimilação de matéria orgânica – autodepuração da água. Dessa forma, expande-se a quantidade de água disponível para seus múltiplos usos, assim como reduzem-se os custos ambientais para tratamento desta.

22Em áreas deficitárias de disponibilidade hídrica, uma das saídas encontradas para se ter acesso à água se dá por meio da exploração de poços para acesso às águas subterrâneas. A superexploração dessas águas sobrecarrega o lençol freático, dificultando, inclusive, a sua recarga. Esses projetos de transposição de água superficiais buscam, também, mitigar a dependência de águas subterrâneas das áreas com déficits hídricos. Ao tempo em que se olha para questões sociais, destaca-se o fato de que para a execução de tais obras, precisa-se, às vezes, organizar o deslocamento de pessoas/comunidades tradicionais, cuja resistência e conflitos diante de situações dessa envergadura são difíceis de serem solucionados, tendo em vista o vínculo identitário territorial criado com a localidade a qual pertencem.

23Dentro desses grandes sistemas, encontra-se, ainda, a construção de grandes reservatórios com finalidades diversas: geração de energia, controle de enchentes, aproveitamento de irrigação, derivações para outras bacias. Tais estruturas modificam a dinâmica hidrológica do rio, ao impactar sua geomorfologia, como exemplo, acarretando situações como: mudança na seção transversal do rio, aumento da erosibilidade do leito e das margens dos rios, modificação na forma do leito, maior deposição de sedimentos, variação de declive, mudanças no substrato, mudanças na qualidade da água, modificação no aquífero aluvial (BRANDT, 2000).

24Com base na literatura levantada, percebe-se que é inevitável a presença de pontos positivos e negativos nesses projetos, entretanto o que se deve olhar de forma analítica é: para a determinada situação, quais são os prós e contras e se realmente vale a pena a execução do projeto. Portanto, estudos de casos anteriores de transposições são necessários, a fim de que se reduzam os impactos negativos.

25Gupta e Van der Zaag (2008) propõem 5 critérios a serem considerados ao avaliar a proposta de fazer ou não um projeto de interconexão de bacias hidrográficas. De forma reduzida, são: 1) se, de forma objetiva, a bacia doadora é realmente superavitária e a bacia receptora é deficitária, sendo o projeto a saída mais viável; 2) o projeto deve ser econômico, social e ambientalmente sustentável; 3) deve-se adotar uma boa governança na sua gestão; 4) deve levar em consideração os direitos e necessidades das populações envolvidas, tanto na bacia doadora quanto receptora; 5) o projeto tem de ter sustentação científica, ou seja, deve-se ser feito os mais diversos estudos: hidrológico, ecológico e socioeconômico.

26Adiciona-se a esse raciocínio a capacidade desses projetos se integrarem em planos estruturantes nacionais de ordenamento do território, na medida em que criam outras tendências territoriais, que irão (re)organizar economias, reassentamento de povos, interferindo em dimensões sensíveis da sociedade, como a cultura e a apropriação simbólica das paisagens e lugares aos quais pertencem.

27Moreno e Ortiz (2020) colocam que as transposições devem cumprir com condições econômicas básicas, a saber: a transposição deve ser a medida econômica de menor custo para o abastecimento confiável, seus benefícios devem superar seus custos e a situação dos povos envolvidos não podem ficar em pior estado que antes do projeto.

28Neste contexto, Zhuang (2016, p. 12875) expõe que

transposições bem-sucedidas são basicamente equipadas com muitos reservatórios reguladores ao longo da rota e estabelecidos com bases estáveis para os recursos hídricos, de forma a dar a garantia fundamental para a redistribuição dos recursos hídricos (Tradução dos autores).

29Exemplo disso, segundo Zhuang (2016), é o projeto Norte-Sul da Califórnia, que por meio de grandes reservatórios distribuídos ao longo do seu trajeto, transfere água para várias localidades através de canais, garantindo o abastecimento de água. Estes reservatórios possibilitam a estocagem da água excedente, possibilitando a redistribuição dos recursos e aumentando, verdadeiramente, a garantia de abastecimento hídrico.

30Por meio do sistema desse projeto é gerado energia elétrica para o sul da Califórnia, abastecendo a cidade de Los Angeles e demais cidades circunvizinhas, além de servir a irrigação de enormes áreas de terras (2 milhões de m2) e para o turismo no reservatório do Lago Mead (NEVES; CARDOSO, 2009). Contudo, esse também é foco de controvérsia pública « essencialmente motivada pelo aumento de pressão sobre o recurso e sobre a sua qualidade, competindo o abastecimento público com a agricultura intensiva que caracteriza a região » (FERREIRA, 2018, p. 6).

31Ao desenvolver um estudo sobre a existência de megaprojetos de transferências de água, Shumilova et al. (2018) identificaram a existência de 34 projetos já construídos, sendo a maioria na América do Norte (17) e na Ásia (10); 25 projetos em fase de construção e 51 na fase de planejamento, da mesma forma a maioria destes projetos está no continente Norte-americano (33) e asiático (18). A maioria desses projetos está relacionado ao desenvolvimento da agricultura e da produção de energia elétrica. No Quadro 2, a seguir, alguns dos principais projetos de Interligação de bacias hidrográficas do mundo e suas principais características.

QUADRO 2 Alguns dos principais projetos de Interligação de bacias hidrográficas do mundo

Projeto

País

Água transferida em Bilhões de m3

Extensão dos canais/KM

Características do projeto

Projeto de Transferência de Água da California Norte-Sul

EUA

5,2

900

É o maior projeto de desenvolvimento multiuso na América para resolver a condição de alagamento na região norte e seca na região sul.

Projeto Central Arizona

EUA

3,7

800

O projeto visa solucionar o afundamento do solo causado pelo excesso de mineração de águas subterrâneas na região central do Arizona. É um dos projetos no mundo que adotam o mais avançado sistema de controle para gerenciamento de abastecimento de água.

Projeto de transferência de água em Quebec

Canada

25,2

861

Ele desvia a água dos rios adjacentes e a reúne em um rio para terraços, servindo para produção de energia elétrica, refletindo eficiência econômica e racionalidade em termos de desenvolvimento dos recursos hídricos.

Projeto de transferência de Água Oeste-Norte

Paquistão

14,8

622

Aproveita a condição topográfica inclinada a jusante e organiza de forma flexível três canais de transferência de acordo com a elevação. É um exemplo de modelo para transferência artesiana de canal aberto na área plana.

Projeto de transferência de Água Sul-Norte

China

44,8

3.833

É um sistema de projeto de grande escala que transfere um pouco de água redundante de a bacia do rio Yangtze até o rio Amarelo e a região em seu lado norte com a finalidade de complementar as fontes de água para o norte da China e região noroeste onde há escassez de fontes de água. Ele se tornará o projeto interbacias com a maior quantidade anual de transferência de água no mundo após sua conclusão. Seu impacto ecológico tem causado grande polêmica.

Projeto Tejo-Segura

Espanha

0,65

275

Liga a bacia do rio Tejo à do Segura através de uma conduta de 275 km desde o reservatório de Bolarque, no rio Tejo, ao reservatório de Talave, no rio Mundo, um dos principais afluentes do Segura. Com principal objetivo de abastecer os projetos de irrigação e abastecimento urbano na bacia receptora.

Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional - PISF

Brasil

3,9

477

Maior obra de infraestrutura hídrica do Brasil, tem como objetivo levar água a 12 milhões de habitantes, em 390 municípios, nos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. A obra é um percurso que leva à geração de emprego e promove a inclusão social.
O empreendimento visa proporcionar oferta de água para consumo humano, atividades agrícolas e industriais.

Fonte: Zhuang (2016); Martínez (2001) e Brasil (2023).

32Na Figura 1, abaixo, a localização geográfica dos projetos abordados no Quadro 2, acima, para uma melhor visualização:

FIGURA 1Localização geográfica dos projetos de Interligação de bacias hidrográficas do mundo

FIGURA 1 – Localização geográfica dos projetos de Interligação de bacias hidrográficas do mundo

Legenda: A) Projeto de Transferência de Água da California Norte-Sul (EUA); B) Projeto Central Arizona (EUA); C) Projeto de transferência de água em Quebec (Canadá); D) Projeto de transferência de Água Sul-Norte (China); E) Projeto TejoSegura (Espanha); F) Projeto de Integração do Rio São Francisco com as bacias do Nordeste Setentrional (Brasil). Fontes: A) e B) site do Serviço de Levantamento Geológico dos Estados Unidos da América, 2009; C) Lasserre, 2017; D) MA et al., 2016; E) Confederação Hidrográfica do Rio Segura, 1996; F) site do Senado Federal, 2017.

33Adicionou-se no quadro acima a experiência do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) no Brasil, em face da magnitude do projeto, comparando-o aos demais citados. Nessa tônica de avaliação de magnitude dos projetos, Shumilova et al. (2018, p. 6) mostram em seus estudos que

a escala destas infraestruturas tem potencial para causar mudanças fundamentais no ciclo global da água. O volume total de água transferida por tais projetos representará até 48% de retirada de água global (a taxa atual de retirada total de água destes projetos é de 4,000 km3 por ano, representando 5% do total de água que os continentes descarregam nos oceanos) (Tradução dos autores).

34Dentre os projetos identificados no Quadro 2, são apresentadas algumas considerações sobre a transposição Tejo-Segura, na Espanha, e o projeto de transposição de água Sul-Norte na China. Justifica-se a escolha do primeiro pelo tempo de operação que já possui e por ser um dos projetos que mais tem estudos sobre seus impactos positivos e negativos; já o segundo projeto pela sua magnitude e potencial de modificação socioeconômica e ambiental.

A experiência espanhola: o caso da Transposição Tejo-Segura

35Em diversas regiões do mundo existe a possibilidade de ocorrência de períodos de escassez hídricas e secas, as quais estão atreladas a uma origem climática, com precipitações desiguais no tempo e no espaço o que impõem ao ser humano limitações na disponibilidade de água. Alia-se à realidade da falta de gestão dos recursos disponíveis, como: mau uso, desperdício, ausência de meios técnicos e econômicos, conflito de interesses políticos (SEGUIDO; CAMPOS; HERNÁNDEZ, 2020). No Sudeste espanhol, na bacia hidrográfica do Rio Segura, verifica-se que devido a questões orográficas e climáticas, propicia-se a ocorrência de um clima Semiárido, o qual se caracteriza com uma gradativa redução das precipitações anuais de oeste a leste, em direção ao litoral. Isso faz com que esta região tenha o maior déficit de água da península espanhola.

36Como forma de superar a escassez hídrica dessa região, a fim de que se garantisse água suficiente para das demandas da agricultura, consumo humano e industrial, bem como do turismo, o governo espanhol iniciou em 1966 as obras para a transferência de água da cabeceira do Tejo para a bacia hidrográfica do Segura. Essa obra foi inaugurada em 1979, a qual ficou conhecida como Aqueduto Tejo-Segura (ATS) (FERREIRA, 2018).

37Esse projeto conecta a bacia hidrográfica dos rios Tejo ao Segura, no sudeste espanhol. Em termos de extensão de canal, este possui 275 km desde o reservatório de Bolarque, no rio Tejo, até o reservatório do Talave, no rio Mundo, um dos principais afluentes do Rio Segura (MARTINEZ, 2001). O projeto pode transpor até 600hm³ anuais, em um primeiro momento, podendo chegar até 1000hm³, entretanto esse valor nunca foi atingido. Desse valor total, 400 hm³ tem como destino a irrigação, 110 hm³ o abastecimento urbano e 90 hm³ com perdas de todas as formas, como evaporação e vazamentos na encanação (OLCINA, 1995; MESEGUER; ESPÍN, 2015).

38Para Melgarejo et al. (2009) os recursos hídricos que vieram da bacia do Tejo aumentaram a demanda por água na bacia do Segura, tornando essa cada vez mais dependente do ATS.

  • 1 Em 2013 o Governo Espanhol estipulou que quando os volumes de água dos reservatórios da cabeceira d (...)

39Essa forte dependência pode ser sentida período entre maio de 2017 e abril de 2018, em ocasião da severa seca que a região experimentou. Com os níveis dos reservatórios abaixo de 2.494hm³, houve a interrupção de fornecimento de água pelo ATS aos municípios de Almería, Alicante y Murcia1. Tal fato ocorreu pelo Estado espanhol levar em consideração o princípio de proteção dos direitos dos cidadãos da zona de origem a garantir que apenas os recursos excedentários da bacia doadora possam ser transportados (FERREIRA, 2018).

40Para garantir a demanda de água desses territórios, adotou-se medidas alternativas de abastecimento: poços artesianos, contratos de cessão de direitos e utilização de água dessalinizadas. Em 2018 a utilização de água dessalinizada utilizada para o abastecimento urbano chegou a 47,62% (máximo histórico, correspondendo a 92,8hm³) enquanto os aportes de água advindos do ATS representaram 25,96% (o que representa 50,6 hm³) (SEGUIDOS; CAMPOS; AMORÓS, 2018). Ou seja, durante o período de seca a transposição não cumpriu com seu objetivo máximo, sendo o abastecimento urbano, majoritariamente, suprido pela água dessalinizada.

41Segundo Ferreira (2018) não se considerou, também, as necessidades de armazenamento do rio Tejo em períodos de secas intensas, sendo que estas questões são cruciais na estipulação da quantidade de água a ser transferida, causa dos maiores embates de interesses entre as populações envolvidas. Contudo, a importância deste projeto para o desenvolvimento do sudeste espanhol é inegável, pois em mais de quatro décadas de operacionalização o ATS se mostra essencial para o desenvolvimento socioeconômico regional, ao permitir o desenvolvimento da agricultura irrigada, atividades turísticas e industriais (SEGUNDO; CAMPOS; AMARÓS, 2018; MORENO; ORTIZ, 2020).

42Para Melgarejo et al. (2009), o ATS possui um valor estratégico para a balança comercial nacional, com significativa participação da exportação de hortaliças, frutas cítricas, uva. Notadamente, as irrigações presentes em Cartagena, no baixo Tejo e na Vale do Guadalentín, constituem-se como áreas de irrigação de maior significância econômica e social da Espanha (SEGUNDO; CAMPOS; AMARÓS, 2018).

43Neste mesmo raciocínio Meseguer e Espín (2015, p. 143) evidenciam que

perante espaços de sequeiro aleatórios, pequenos pomares-oásis ligados aos seus próprios escassos recursos hídricos, emigração e abandono de quintas, aldeias e vilas dispersas: as infraestruturas hidráulicas e a rede viária que lhes estão associadas têm permitido prolongar o crescimento socioeconómico e falar sobre um desenvolvimento baseado em um novo modelo territorial marcado pela distribuição de água em um ambiente semiárido.

44Fato que também merece destaque é que, com a transposição e a promessa de água em abundância, aumentou-se consideravelmente a quantidade de terras irrigáveis, gerando mais demanda por água. Entretanto, a quantidade de água transportada não foi suficiente para atender esta demanda criada, uma vez que o ATS não conseguiu cumprir com os valores de água previstos no projeto inicial. Dessa forma, sobrecarregou a utilização de águas subterrâneas em escala não prevista (OLCINA, 1995; MARTINEZ, 2001). Conforme Meseguer e Espín (2015) no período de 1979 a 2014 o volume médio de água transportado pelo ATS foi de 315hm³ por ano.

45É importante considerar que esses projetos sempre impactam nas duas bacias hidrográficas envolvidas. Por essa razão, Ferreira (2018) argumenta que apesar da chegada das águas do ATS ter transformado o sudeste espanhol na « horta da Europa », por incentivar e possibilitar a expansão da agricultura intensiva, o curso do rio Tejo até a sua foz apresenta déficit hídrico, com a captação para abastecimento de cidades como Madri, além de constatar problemas com poluição de suas águas.

46Contudo, ao focalizar na utilização das águas do ATS para a agricultura de irrigação intensiva com fins de exportação, os povos tradicionais ribeirinhos do rio Tejo têm suas vivências com seu patrimônio natural e construído prejudicados. Assim, verifica-se a necessidade de criar novas fórmulas de relação com a água e sobre os rios, uma visão que olhe para a água não apenas como recurso econômico, mas também de valor cultural, social, histórico e simbólico (FERREIRA, 2018 apud BERNARD, 2013), já que a água é um recurso natural de toda a população e o Estado é o titular responsável por planejar a utilização deste recurso de forma que beneficie a toda a sociedade (MORENO; ORTIZ, 2020).

A experiência chinesa: o caso do Projeto de Transferência de Água Sul-Norte (PTASNC)

47Outro exemplo de interligação de bacias hidrográficas que tem chamado a atenção de vários estudiosos é o projeto de transferência de água Sul-Norte da China (PTASNC) com um gasto estimado de 62 bilhões de dólares, transformando-o no maior e mais ambicioso projeto de transferência de água do mundo (SHENG; TANG; WEBBER, 2020). No tocante aos custos do projeto, Wilson et al. (2017) levantam que esta cifra considera os recursos destinados à construção dos canais, não estando presentes os recursos necessários para a sua operacionalização.

48Trata-se de uma das maiores tentativas chinesas para solucionar a escassez hídrica do norte do país. Consoante Rogers (2016, p. 429), « o objetivo do projeto é resolver um aparente desequilíbrio na distribuição dos recursos hídricos da China, transferindo água do rio Yangtze para as bacias dos rios Hai, Huai e Yellow ».

  • 2 O canal oeste ainda não foi finalizado.

49O projeto conta com três grandes canais de transferências de água (Central, Leste e Oeste2), os quais, somados, possuem a capacidade de transpor 44.8 bilhões de m³ de água por ano do rio Yangtze no sudeste da China para rios do Norte da China (Hai, Huai e Yellow). Os três canais, somados, têm 2.922 km de extensão.

50Historicamente, o norte chinês convive com um déficit hídrico que impacta negativamente na sua produção econômica. As bacias hidrográficas dos rios Hai, Huai e Yellow concentram 45% das terras cultiváveis da China, abrigam 35% da população do país, mas contam com menos de 12% dos recursos hídricos disponíveis, enquanto a bacia do rio Yangtze, com menos de 40% das terras cultiváveis, produz mais de 80% da produção nacional (LI; LI; ZHANG, 2011).

51Desde 2014, embora ainda não esteja totalmente acabada, essa infraestrutura dobrou a capacidade do Estado chinês em transposição de água no país, servindo ao abastecimento de muitos centros urbanos e para a atividade de irrigação, sendo essa última de demanda crescente ante ao crescimento populacional e urbano do país (SUN et al., 2021).

52Com a maior disponibilidade hídrica e incentivos para o desenvolvimento da agricultura irrigada, o aumento na produção agrícola poderá impactar positivamente a agricultura chinesa, tanto no mercado interno quanto externo. Entretanto, o objetivo primário da transposição é o uso doméstico e industrial (BERRITTELLA; REHDANZ, 2006).

53Uma das justificativas para a viabilização da execução desse projeto seria a recuperação dos ecossistemas de rios devido a chegada de mais água, já que os rios do norte chinês se encontram degradados. Neste sentido, ao analisar a qualidade da água de rios que integram a bacia receptora, Li, Li e Zhang (2011) identificam que existe uma variabilidade espacial de atividades econômicas que determinam as fontes de poluição das águas dos rios, sendo ações industriais e domésticas fatores preponderantes na adição de metais pesados e a atividade agrícola por nitrogênio nas províncias de Henan e Hebei, enquanto os rios próximos de Beijing e Tianjin predomina efluentes industriais e domésticos como principais poluentes.

  • 3 A escala III de qualidade de água na China representa os corpos hídricos de áreas protegidas para f (...)

54Contrapondo a ideia de revitalização dos ecossistemas, Berrittella, Rehdanz e Tol (2006) afirmam que mesmo se os setores econômicos utilizarem técnicas que permitam a utilização de menores quantidades de água, seus interesses deverão ser atendidos primeiro, ficando a questão ambiental em segundo plano. Corroborando ao olhar crítico, Sheng, Tang e Webber (2020) analisaram os impactos deste projeto no consumo e na poluição da bacia receptora. Argumentam que o projeto falhou em fornecer água para as cidades que receberam água da transposição, restringindo3 seu uso devido ao alto preço cobrado pelo uso do recurso e não sendo capaz de reduzir a poluição das cidades receptoras.

55Porém, ao analisarem dados de centrais de monitoramento da qualidade da água no canal oriental, Rogers et al. (2020) apontam que houve uma melhoria significativa entre 2003 e 2013. Segundo os autores, em 2003 apenas 3% das estações mostravam que a água estava no grau III de qualidade. Já em 2013, todas as estações de controle mostravam-se a água no nível III.

56Em termos ecológicos, Ding et al. (2020) destacam a importância do PTASNC para a recarga de água e restauração dos ecossistemas de diversos rios da China. Conforme este autor, em 2018, 870 milhões de m³ de água foram canalizados para restaurar a deterioração ecológica de 30 rios na província de Henan e Hebei. Ante à degradação ambiental de corpos hídricos presenciados atualmente em diversas regiões do globo terrestre, este projeto evidencia uma importante medida para restauração de ecossistemas hídricos, possibilitando o acesso à água de qualidade para diversas pessoas.

57Zhang et al. (2021) apontam que a transposição se mostrou positiva a longo prazo na restauração da diversidade de fitoplâncton, ao passo que possibilitou um equilíbrio na quantidade e diversidade deste organismo importante para a cadeia ecológica de corpos hídricos. Em compensação, o PTASNC, ao interligar bacias hidrográficas com características distintas, contribuiu para a dispersão de espécies ausentes localmente, favorecendo a invasão biológica. Verificou-se que espécies demersais endêmicas da foz do rio Yangtze foram encontradas em lagos mais ao Norte da China (GUO et al., 2020).

58Trazendo à baila as complexidades do PTASNC do ponto de vista social, Wilson et al. (2017) ponderam que a transposição terá impactos significativos nos cidadãos de ambas bacias, pois pode contribuir para transmissões de doenças (especificamente a esquistossomose) e gerar reorganizações no gerenciamento da água e na governança desta em escala espacial e gerencial nas mais diversas esferas de governo. Há, pois, a necessidade de acordos intergovernamentais que contemplem ambas as bacias hidrográficas.

59Ainda na seara social, Webber et al. (2017) alertam que a transferência reduzirá capacidade de desenvolvimento da área doadora, impactará no acesso à água, causará reassentamentos de centenas de milhares de pessoas. Entretanto, o projeto reduziria o êxodo rural na bacia receptora, ao melhorar o acesso à água. Em termos de reassentamentos, conforme Rogers et al. (2020) só para construção de infraestruturas foram reassentados em algo entorno de 410.000 pessoas.

60Liu et al. (2020) argumentam que esse projeto chinês de transferência de água entre bacias hidrográfica, embora aliviar a escassez de água do Norte, o nexo entre água e energia do projeto é ineficiente, uma vez que tal infraestrutura necessita de grande quantidade de energia elétrica para funcionar. Advogam que a resolução da escassez hídrica seja resolvida por meio de novos usos do recurso, ou seja, ações que visem a demanda e não a oferta de água, como: água de reuso e água de chuva. Ainda nesta direção, a energia gasta para transpor 100 milhões de m³ de água pelo PTASNC, seria capaz de produzir 101 milhões de m³ de água de reuso e 122 milhões m³ em coleta de água de chuva (LIU et al., 2020).

61Outra questão a se levantar é a perda de água por evaporação dos canais que constituem o PTASNC. Apesar dos estudos com esta temática sejam escassos, Ma et al. (2016), ao aplicarem modelo matemático para verificar o canal central deste projeto, concluíram que 6,43x108 m³ de água foi perdida para a evaporação no ano de 2015. Portanto, análises como essas são importantes para implementar ações que diminuam perdas, maximizando a utilização da água transportada.

Considerações finais

62Em guisa de conclusão, após estas considerações sobre projetos de experiências internacionais de transferências de água entre bacias hidrográficas, de-se verificar que essas soluções de engenharia hídrica sempre foram e ainda serão muito utilizadas para solucionar a problemática daquilo que se considera como escassez hídrica.

63Identifica-se ainda que, esses projetos são pensados e executados com objetivos diversos, entretanto os principais são: abastecimento urbano e industrial, desenvolvimento da agricultura irrigada e restauração ecológica de rios degradados (embora também gerem outros impactos).

64Nota-se que projetos dessa magnitude tenderão a causar impactos positivos e negativos, tanto para as áreas doadoras de água e as áreas receptoras, a exemplo da invasão biológica, restauração de qualidade de água, maior disponibilidade hídrica para utilização em atividades econômicas, reassentamentos de pessoas. Resta aos Estados, enquanto executores da obra e detentores do poder de acomodar os interesses divergentes de seu povo, a execução de medidas que busquem minimizar ou que compensem os impactos negativos para todos os sujeitos envolvidos, buscando sempre o maior bem social possível.

65Inerentemente, haverá a necessidade de compatibilizar o desenvolvimento socioeconômico com o desenvolvimento ambientalmente equilibrado para a construção sustentável das regiões em tela, fato este bastante desafiador. Porém, deve-se elencar quais ações são necessárias e possíveis na busca de uma distribuição mais equitativa de recursos de um determinado país.

66Cientes de que este debate não se encera nestes escritos, acredita-se ser necessário a realização de mais estudos que busquem mensurar os impactos positivos e negativos de outros projetos de transferências de água entre bacias no mundo, a fim de propagar subsídios técnicos e científicos para o tema.

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Notas

1 Em 2013 o Governo Espanhol estipulou que quando os volumes de água dos reservatórios da cabeceira do Rio Tejo chegassem a 2.494 hm3 no começo de cada mês, a suspensão do fornecimento de água pelo ATS para garantir a água necessária aos povos da bacia doadora (SEGUIDOS; CAMPOS; AMORÓS, 2018).

2 O canal oeste ainda não foi finalizado.

3 A escala III de qualidade de água na China representa os corpos hídricos de áreas protegidas para fontes centralizadas de água potável e áreas protegidas para peixes comuns e áreas de natação. A classificação chinesa tem 5 (cinco) classes. Cf.: mee.gov.cn.

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Índice das ilustrações

Título FIGURA 1Localização geográfica dos projetos de Interligação de bacias hidrográficas do mundo
Legenda Legenda: A) Projeto de Transferência de Água da California Norte-Sul (EUA); B) Projeto Central Arizona (EUA); C) Projeto de transferência de água em Quebec (Canadá); D) Projeto de transferência de Água Sul-Norte (China); E) Projeto TejoSegura (Espanha); F) Projeto de Integração do Rio São Francisco com as bacias do Nordeste Setentrional (Brasil). Fontes: A) e B) site do Serviço de Levantamento Geológico dos Estados Unidos da América, 2009; C) Lasserre, 2017; D) MA et al., 2016; E) Confederação Hidrográfica do Rio Segura, 1996; F) site do Senado Federal, 2017.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/geografares/docannexe/image/13268/img-1.png
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Para citar este artigo

Referência eletrónica

José Antônio da Silva Filho, Francisco Fernando Pinheiro Leite, Larissa da Silva Ferreira Alves e Jairo Bezerra Silva, «Experiências internacionais de transferência de água entre bacias hidrográficas: reflexões sobre benefícios e desvantagens»Geografares [Online], 38 | 2024, posto online no dia 28 junho 2024, consultado o 10 dezembro 2024. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/geografares/13268

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Autores

José Antônio da Silva Filho

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
josebmrn@gmail.com
ORCID:  https://orcid.org/0000-0002-3312-7206
Geógrafo. Mestre em Planejamento e Dinâmicas Territoriais no Semiárido. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte, Brasil.

Francisco Fernando Pinheiro Leite

Universidade Federal do Rio Grande do Norte
fernaandopl@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5018-7251
Administrador. Mestre em Planejamento e Dinâmicas Territoriais no Semiárido. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte, Brasil.

Larissa da Silva Ferreira Alves

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
larissa0185@gmail.com
ORCID:  https://orcid.org/0000-0003-2232-9539
Geógrafa. Doutora em Geografia. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte, Brasil.

Jairo Bezerra Silva

Universidade Estadual da Paraíba
jairrobezerra@hotmail.com
ORCID:  https://orcid.org/0000-0001-6868-2480
Sociólogo. Doutor em Sociologia. Universidade Estadual da Paraíba. Catolé do Rocha, Paraíba, Brasil.

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