1Este artigo aborda os impactos socioambientais do processo de desenvolvimento em curso no oeste metropolitano fluminense, com ênfase nos impactos das atividades industriais e portuárias no território dos pescadores artesanais. O objetivo deste trabalho é contribuir para o debate ambiental contemporâneo, destacando a necessidade de colocar no centro das preocupações ecológicas as consequências sociais da destruição do meio ambiente.
2Na primeira parte do artigo, realizaram-se reflexões acerca da racionalidade ambiental que vem se construindo na sociedade ocidental e no Brasil nas últimas décadas. Trata-se de uma racionalidade ambiental que prioriza a conservação de recursos para as próximas gerações e busca formas de manter a acumulação do capital sem exaurir as fontes de recursos naturais, em detrimento da discussão sobre as desigualdades sociais geradas pelo modelo dominante de desenvolvimento. Nesse sentido, a ecologia política se apresenta como uma alternativa para a construção de uma racionalidade ambiental que desmascare os componentes centrais da destruição ambiental a que se está presenciando: o racismo ambiental e as injustiças ambientais.
3Na segunda parte, abordou-se a região oeste metropolitana do Rio de Janeiro e o eixo logístico-industrial que se desenvolve nos municípios do entorno da Baía de Sepetiba. Esses empreendimentos modernos conectam os municípios da região à economia nacional e global, tornando a Baía de Sepetiba um importante espaço de circulação da commodity do minério de ferro para a Ásia, ao mesmo tempo em que gera diversos impactos socioambientais para a territorialidade dos pescadores artesanais.
4Na terceira parte do trabalho, apresentaram-se os resultados parciais da pesquisa realizada com os pescadores artesanais da Baía de Sepetiba. Buscou-se compreender a dinâmica territorial, na qual a destruição ambiental provocada pelo desenvolvimento na Baía de Sepetiba tem afetado os trabalhadores da pesca artesanal.
5Para Oliveira (2020), a ampliação do debate da ecologia política e a incorporação de suas contribuições na geografia econômica são essenciais para a compreensão dos impactos ambientais da reestruturação produtiva em curso nas metrópoles latino-americanas. Por um lado, o debate da ecologia política revela a exportação dos efeitos ambientais da produção industrial para os países periféricos como uma estratégia do processo de globalização. Por outro lado, ao se apropriar desse debate, busca-se analisar as transformações tecnológicas nas economias populares, especificamente na pesca artesanal, como forma de lidar com os impactos ambientais (Oliveira, 2020).
6O debate ambiental tem-se concentrado nas preocupações com o esgotamento dos recursos naturais explorados pela produção capitalista, frente à insustentabilidade do modelo econômico hegemônico. Em que pesem essas preocupações serem fundamentadas em uma realidade concreta – uma economia pautada na exploração predatória dos recursos naturais que ameaça a existência de recursos para as próximas gerações –, isso não significa que seja o cerne do problema ambiental gerado pelo processo de globalização, especialmente nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Focar o debate ambiental em « práticas sustentáveis » para resolver a redução dos estoques de recursos naturais pode ser interessante para a produção capitalista, que encontra novos meios de explorar a natureza e ampliar a acumulação de capital, mas pouco ou nada contribui para a resolução da devastação ambiental vivenciada.
7As preocupações com o meio ambiente ganham cada vez mais destaque no Ocidente, ocupando uma parte significativa das pautas da política, da economia, das produções acadêmicas e da imprensa. Nas eleições parlamentares da União Europeia em 2019, houve o avanço de uma « onda verde », com os partidos verdes ocupando o segundo lugar nos parlamentos da Alemanha, França e Finlândia, além de conquistarem resultados positivos em diversos outros países do bloco. Nas eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2020, também a pauta ambiental foi um fator importante para a campanha do presidente eleito Joe Biden, ajudando a conquistar o engajamento de alas mais progressistas do Partido Democrata, com a promessa de recolocar o país nos acordos internacionais sobre o clima.
8No Brasil, as políticas ambientais e os discursos favoráveis ao desmatamento e ao avanço da mineração na Amazônia do ex-presidente Bolsonaro e seu ministério tornaram o governo insuportável para aqueles que, nas eleições presidenciais de 2018, se entusiasmaram com a promessa de um governo « conservador nos costumes e liberal na economia ». A política ambiental do Governo Bolsonaro resultou em uma imagem negativa do país perante os países ocidentais, dificultando as possibilidades de expansão do mercado para o agronegócio brasileiro. Em resposta, a mídia tradicional tem dedicado reportagens, documentários e debates na TV e nas plataformas digitais para apresentar um quadro ambiental em que se contrapõem, de um lado, as políticas predatórias do governo, incentivando práticas exploratórias classificadas como « atrasadas »; e, de outro lado, agentes econômicos – por exemplo, o « agronegócio limpinho » – que investem em práticas sustentáveis, aproximando uma parcela do agronegócio brasileiro das preocupações ambientais que levaram à formação de uma « onda verde » dos países centrais do Ocidente.
9Nesse crescimento das preocupações com a preservação ambiental, surgem diversos atores da política, do mercado, das instituições governamentais e não governamentais, da academia e dos movimentos sociais com pautas ambientalistas. Forma-se o que Acselrad (2010) denomina « nebulosa ambientalista », caracterizada pelo associativismo entre agentes – empresas e governos – envolvidos em ações de grandes impactos ambientais, acadêmicos e movimentos ambientalistas que intentam promover a preservação ambiental. O resultado desse associativismo tem sido a captura da agenda ambiental por uma agenda de mercado, que, na prática, tem restringido o debate ambiental às preocupações com preservação da biodiversidade e mudanças climáticas, excluindo as questões referentes ao combate à desigualdade social (Acselrad, 2010).
10A crise ambiental tornou-se mais evidente a partir da década de 1960. Em 1972, com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo (Suécia), a consciência ambiental começou a se expandir. Duas publicações desse período foram importantes para internalizar a problemática ambiental no processo de desenvolvimento econômico: « Os limites do Crescimento », relatório do trabalho dirigido pelo pesquisador estadunidense Dennis Meadows em 1972 e endereçado ao Clube de Roma, apontou os limites físicos do planeta ao crescimento econômico; e a « Lei da Entropia e o Processo Econômico », publicado por Nicholas Georgescu-Roegen, que, a partir da lei física da entropia, mostrou a degradação da matéria e da energia em todo o processo produtivo, evidenciando os limites da termodinâmica para o crescimento econômico e a expansão da produção (Leff, 2006, p. 135).
11Leff (2006) explica que a noção de sustentabilidade ecológica nasce como uma tentativa de reconstruir a ordem econômica, sendo uma condição para a sobrevivência humana e um desenvolvimento durável. Emerge do reconhecimento de que a natureza, ao contrário do que se acreditava até então, possui um papel de suporte, condição e potencial para todo o processo produtivo. A crise ambiental que se tornava mais evidente a partir da década de 1960 representava, portanto, uma limitação à produção (Leff, 2006).
12Esse reconhecimento do valor da natureza como algo intrínseco ao processo produtivo impulsionou a trajetória ambientalista pelas últimas décadas, culminando na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992, que oficializou e difundiu o discurso do desenvolvimento sustentável.
13Contudo, o discurso do desenvolvimento sustentável não representa uma mudança na estrutura do modelo econômico dominante, que mantém a racionalidade econômica, pautada pelo crescimento. Tampouco as ações em prol do desenvolvimento sustentável são capazes de fundar uma nova teoria da produção, que considere todo o potencial da natureza e os diferentes valores presentes nas culturas. Isso caba por reduzir as políticas ambientais a subsidiárias das políticas neoliberais (Leff, 2006). Esse aspecto explica uma parte da « nebulosa ambientalista » descrita por Acslerad (2010), em que ambientalistas (especialmente acadêmicos e ONGs, mas também empresas públicas e privadas e instituições governamentais) comprometidos com o discurso do desenvolvimento sustentável direcionam seus esforços para colaborar com empreendimentos que, na prática, materializam nos territórios um conjunto de impactos ambientais.
14Por outro lado, os discursos e práticas do desenvolvimento sustentável não contemplam o fato de que fazem parte da « face perversa da globalização » os impactos ambientais causados pelo desenvolvimento (Santos, 2008). A crise ambiental, amplamente debatida nos meios acadêmico, midiático, político, financeiro, empresarial e das organizações da sociedade civil, vai além de ser apenas um limite para o processo produtivo do capital. É também um problema que afeta a territorialidade das populações periféricas em todo o mundo. Assim, a crise ambiental possui um caráter social e o debate sobre a ecologia política busca compreender essas dimensões em seus aspectos simbólicos e materiais.
15O desenvolvimento econômico na região metropolitana do Rio de Janeiro avança impulsionado por uma lógica ambiental que atende os interesses das grandes empresas e à circulação da produção de bens de exportação, especialmente dos setores da petroquímica, mineração e siderurgia. Nessa dinâmica, a natureza é fragmentada, expropriada e reapropriada de acordo com os interesses da produção capitalista. Fragmentos da natureza são dominados por normas que determinam quais devem ser preservados, quais podem ser degradados e quais tipos de intervenções ambientais são consideradas necessárias ou degradantes.
16A Baía de Sepetiba é um meio aquático situado no litoral do estado do Rio de Janeiro, entre os municípios do Rio de Janeiro, Itaguaí e Mangaratiba, e abriga diversas comunidades de pescadores artesanais, conforme ilustrado na Figura 1. Esses trabalhadores da pesca habitam as margens dos seus rios, ilhas, manguezais e praias da região, elaborando artes de pesca diretamente relacionadas às condições ambientais e à dinâmica urbana local (Euzebio, 2018).
FIGURA 1 – Mapa da Baía de Sepetiba: localização dos empreendimentos portuários e industriais e das localidades da pesca artesanal
Fonte: EUZEBIO, 2018.
17Oliveira (2019) explica as mudanças ocorridas na metrópole fluminense, onde os novos investimentos, como a construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ) e a expansão do eixo logístico-industrial de Itaguaí, transformaram as bordas da região metropolitana em áreas economicamente mais dinâmicas. Nas últimas décadas, a « borda oeste metropolitana fluminense » emergiu como um importante polo atrativo para as indústrias, tornando-se um eixo significativo de diferentes circuitos espaciais de produção, especialmente quanto ao minério de ferro e ao aço.
18No período entre as décadas de 1960-70, houve uma tendência de descentralização da indústria, com as fábricas sendo instaladas nos países periféricos da economia-mundo, incluindo o Brasil, e em escalas metropolitanas, com as fábricas sendo deslocadas das zonas centrais das metrópoles para as regiões periféricas. Na metrópole fluminense, esse processo resultou na atração das fábricas anteriormente localizadas na zona central e zona norte da cidade para os distritos industriais da zona oeste, com destaque para o Distrito Industrial de Santa Cruz, implantado em 1967 (Euzebio, 2018).
FIGURA 2 – Mapa do Oeste Metropolitano Fluminense
Fonte: EUZEBIO, 2018.
19Paz (2018) explica que o processo de valorização econômica dessa região nas décadas de 1960 e 1970 está relacionado à conjuntura política do período, caracterizada pelas políticas de investimentos do Estado brasileiro, especialmente durante o regime militar, visando ao desenvolvimento econômico do país. Entre essas políticas estava a implementação dos distritos industriais para gerir as regiões metropolitanas. No território fluminense, esse processo resultou na reunificação dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, com a cidade do Rio de Janeiro se tornando não apenas a capital do estado, mas também o núcleo central da região metropolitana. Ao mesmo tempo, foram realizadas obras de infraestrutura rodoviária, com destaque para a expansão da BR-101, que corta a capital fluminense e integra a metrópole com a região norte do estado e com o estado de São Paulo (Paz, 2018).
20A implantação de indústrias no oeste metropolitano e a construção de infraestrutura de transportes permitiu a integração com outras regiões do estado, além de São Paulo e Minas Gerais. Essa base material construída no território, além da possibilidade de explorar os recursos aquáticos da Baía de Sepetiba, favoreceu a implantação do Porto de Itaguaí (inicialmente denominado Porto de Sepetiba), no município de Itaguaí, na década de 1980 (Paz, 2018). Na década de 1990, foi criada a Lei Federal de Modernização Portuária (Lei nº 8.630/93), que possibilitou os investimentos em terminais de contêineres (Monié, 2011).
21Nos governos Lula e Dilma (entre 2003 e 2015), foram implementadas as Políticas de Aceleração do Crescimento (PAC 1 e PAC 2), gerando uma série de novos investimentos em infraestrutura de transporte e urbanização para o oeste metropolitano fluminense. Esses investimentos atraíram novas indústrias, com destaque para a Companhia Siderúrgica do Atlântico e a construção de novos terminais portuários, especialmente o Porto Sudeste. O oeste metropolitano fluminense se consolidou como um importante « eixo logístico-industrial » (Oliveira, 2019).
22O conjunto de atividades industriais e portuárias implantadas nessa região desencadeia uma série de impactos ambientais para a população local. O relatório da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) acerca dos impactos da Companhia Siderúrgica do Atlântico aponta os diversos problemas de saúde aos quais a população do entorno da Baía de Sepetiba está exposta. Os técnicos da Fiocruz fizeram análise de material particulado coletado da atmosfera do bairro de Santa Cruz, na zona oeste do município do Rio de Janeiro, onde se localiza a siderúrgica. Foram encontrados elementos químicos, como Ferro (Fe), Manganês (Mn), Silício (Si), Enxofre (S) e Magnésio (Mg), em teores muito acima dos aceitáveis para as áreas urbanas. De acordo com a constatação dos técnicos responsáveis pela análise, isso expõe a população a diversos riscos à saúde, desde transtornos cognitivos até o câncer (Fiocruz, 2011).
23Em pesquisa mais recente, Paz (2018) identificou uma série de impactos na atividade pesqueira relacionada à atividade portuária na Baía de Sepetiba. Os principais impactos incluem as dragagens para ampliação e manutenção do canal de acesso aos terminais, a degradação dos manguezais e a criação de zonas de exclusão para a pesca (Paz, 2018).
24Oliveira (2020) destaca para a seletividade ambiental com que ocorre o processo de atração de atividades portuárias e industriais, com grande potencial de degradação, para as cidades da borda metropolitana. As cidades situadas nas extremidades da região metropolitana apresentam diferenças qualitativas em relação às cidades posicionadas mais ao centro da metrópole, ainda mantendo uma presença significativa de atividades da pequena agricultura (Oliveira, 2020), além das atividades da pesca artesanal.
25Os impactos ambientais na Baía de Sepetiba são realizados de muitas formas, por muitos atores e em diversos momentos da história. Esses se materializam ao longo dos trajetos dos pescadores artesanais no território, podendo ser percebidos em cada momento e em cada ponto da circulação desse grupo social. Cada evento de degradação ambiental e cada ponto degradado da Baía estão interligados no espaço e no tempo, formando um ciclo de processos cujas relações se desenvolvem por meio da restrição da territorialidade dos pescadores artesanais.
26O assoreamento das praias, especialmente no fundo da Baía de Sepetiba, está diretamente relacionado ao despejo de efluentes industriais e urbanos na bacia de drenagem do Rio Guandu, que deságua nessa Baía, além das obras de dragagem para ampliação e manutenção do canal de acesso aos terminais portuários na Ilha da Madeira. Esses processos resultam no transporte de sedimentos pelo mar da Baía de Sepetiba, que se acumulam nas praias, principalmente no fundo da baía. Isso não apenas restringe as atividades de apoio à pesca artesanal, como a atracação das embarcações e a manutenção de redes e barcos, mas também impacta diretamente o uso das tecnologias da pesca artesanal, inviabilizando algumas artes de pesca e exigindo a modificação dos tipos de embarcação utilizados.
27Em pesquisa realizada por Euzebio (2015) com os pescadores artesanais de Pedra de Guaratiba, foi constatado que algumas artes de pesca deixaram de ser praticadas em função do assoreamento das praias. Essas artes consistiam em pesca realizada na beira da praia e não requeriam o uso de embarcação, sendo uma opção viável para muitos pescadores que não dispunham de recursos para a pesca no mar, longe da praia. A presença excessiva da lama nas praias impossibilita a prática da pesca na beira da praia, eliminando uma alternativa valiosa para muitos pescadores que não possuem embarcações ou redes.
28Também os tipos de embarcação sofreram alterações com o assoreamento. Em Pedra de Guaratiba, foram substituídas as canoas caiçaras, feitas de madeira da Mata Atlântica, pelos caicos de compensado naval. As canoas são embarcações mais pesadas e difíceis de manobrar sobre a lama, forçando os pescadores a recorrerem a embarcações mais leves e mais fáceis de manobrar nas praias lamosas. As canoas eram bem mais resistentes e, por tradição da pesca artesanal, eram passadas como herança de pai para filho, perdurando em várias gerações na mesma família e comunidade. Já os caicos são frágeis, são facilmente danificados e têm o tempo de uso bastante restrito, gerando custos maiores para os pescadores com a manutenção e construção de novas embarcações.
29Observa-se que a modernização do território repercute na modernização da pesca artesanal, com a substituição dos artefatos técnicos antigos e tradicionais por objetos com novas tecnologias. A alteração do tipo de embarcação, da canoa para o caico, incentivou também a motorização das pequenas embarcações de pesca. Esse processo encontra relações com as mudanças ambientais da Baía, com a degradação das áreas de pesca próximas à costa, especialmente perto da foz dos rios, onde se localizam os pesqueiros tradicionalmente explorados pelos pescadores artesanais. Com a perda desses pesqueiros mais próximos do litoral, os pescadores são forçados a pescar em áreas mais distantes na baía ou no oceano, tornando a motorização das embarcações uma necessidade para reduzir o tempo de transporte e o esforço físico.
30Nesse sentido, a modernização resulta em duas formas de acirramento das desigualdades sociais. Primeiramente, pelos impactos ambientais que afetam as áreas de pesca, restringindo o acesso ao território para o trabalho dos pescadores artesanais. Com isso, os pescadores perdem o acesso aos recursos necessários para garantir alimento e renda para o sustento das famílias, sendo forçados a aumentar o esforço físico e as jornadas de trabalho em busca de pesqueiros cada vez mais escassos na baía, tornando o trabalho progressivamente mais desgastante.
31Em segundo lugar, a « perversidade da modernização » se manifesta para os pescadores artesanais na forma de uma dependência cada vez maior do dinheiro para realizarem seu trabalho. Cada vez mais, os pescadores artesanais precisam dispor de recursos financeiros para custear as modernizações necessárias na atividade. No entanto, a falta de acesso ao crédito para esse grupo social, o baixo rendimento do trabalho e a própria condição de pobreza desses trabalhadores fazem com que, para muitos, a pesca artesanal, que sempre foi um refúgio diante do crescente desemprego nos centros urbanos, se torne inviável.
32As empresas que degradam o ambiente na Baía de Sepetiba são obrigadas a compensar os pescadores artesanais por meio dos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) que firmam com o Instituto Estadual do Ambiente (INEA). Em geral, essas compensações objetivam prestar auxílio financeiro para compra e manutenção de equipamentos de pesca, melhorias nas sedes das colônias e associações de pesca. Essas associações são entidades que representam os pescadores artesanais frente às políticas públicas do Estado e que lideram as lutas ambientais dessa categoria.
33No entanto, o alcance desses ressarcimentos pode ser limitado, dependendo de como cada comunidade de pescadores da Baía de Sepetiba se encontra organizada. Aquelas que possuem uma associação ou colônia estruturada e com participação ativa dos pescadores por ela representados, as medidas compensatórias resultam em retornos benéficos para a coletividade. Como exemplo, a atuação da Associação dos Pescadores Artesanais da Pedra de Guaratiba (APAPG), que tem conseguido transformar as compensações ambientais em custeio para a compra de equipamentos de pesca para os seus pescadores associados. Por outro lado, em muitos casos, em razão de conflitos internos e desestruturação das entidades representativas existentes, muitos pescadores da Baía de Sepetiba não são contemplados com essas medidas compensatórias.
34Além da dificuldade de as medidas compensatórias resultarem em benefícios concretos para os pescadores artesanais atingidos pelos impactos ambientais, o que pode ser, ainda que equivocadamente, compreendida como um problema de organização dos pescadores para acessar tais compensações, essas medidas não resolvem o problema central: a degradação ambiental e sua repercussão na atividade pesqueira. Mesmo que as empresas paguem as compensações ambientais e essas cheguem aos pescadores afetados, seus resultados são apenas temporários e pontuais, enquanto os danos ambientais persistem e afetam a pesca artesanal em sua totalidade, incluindo objetos técnicos dos pescadores, circulação das embarcações, áreas de extração do pescado e comercialização.
35O terceiro ponto desse circuito de impactos é a degradação das águas dos rios e da Baía, causada pelo despejo de efluentes sólidos e líquidos das atividades industriais e portuárias. A pesquisa realizada por Moser e Domingos (2018) revela registros de ocorrência de florações de algas nocivas na Baía de Sepetiba, as quais estão diretamente relacionadas às fontes de poluição pelos efluentes de esgoto urbano e das indústrias. Essas florações das algas nocivas resultam em impactos ecológicos, econômicos e de saúde pública, incluindo a contaminação da água pelas toxinas das algas, a mortandade de peixes e a ameaça à saúde dos pescadores artesanais expostos aos contaminantes (Moser; Domingos, 2018).
36Por outro lado, esses poluentes ameaçam a qualidade do pescado produzido na Baía, reduzindo a quantidade de cardumes e espécies. Na pesquisa conduzida por Euzebio (2018), foi observada pelos pescadores de Pedra de Guaratiba, Ilha da Madeira e Ilha da Marambaia a redução da pesca da Tainha. Os pescadores que colaboraram com aquela pesquisa relataram que, durante um período de aproximadamente cinco anos (entre 2011 e 2016), houve uma produção insignificante dessa espécie, uma vez que os cardumes já não estavam se desenvolvendo como de costume. Além disso, em relação à pesca do camarão, foi percebida pelos pescadores artesanais uma redução da quantidade e do tamanho dos indivíduos capturados.
37Os poluentes provocam prejuízos também pela danificação dos instrumentos de trabalho, principalmente em relação às redes e aos motores das embarcações. As redes ficam constantemente tomadas por algas que proliferam com a eutrofização da água e por lixos que danificam os panos da rede de pesca. Os motores fazem a propulsão das embarcações por meio do giro da hélice na água, de modo que a presença de poluentes sobrecarrega o seu funcionamento, levando ao desgaste das peças e reduzindo o tempo de vida útil do equipamento. Nos dois casos, a poluição aumenta os custos do trabalho, reduzindo a renda dos pescadores artesanais e restringindo cada vez mais a pesca aos trabalhadores.
38A destruição ambiental em curso na Baía de Sepetiba é um fator que acirra a desigualdade social na metrópole fluminense. Os municípios que formam a borda oeste metropolitana vêm recebendo os investimentos para ampliação e modernização do eixo logístico-industrial formado no entorno da Baía de Sepetiba. Nesse sentido, o território se apresenta como um projeto do capital para aumentar a produção e o comércio internacional. Nesse projeto, é basilar a apropriação dos recursos naturais, seja pela seleção da periferia da metrópole como destino para fontes de poluição ambiental, seja pela dominação dos recursos para a realização das atividades portuárias e industriais na região.
39Como parte desse processo, estão os pescadores artesanais que trabalham na Baía de Sepetiba e nela encontram os recursos para a sua sobrevivência. Os impactos socioambientais provocados pelo desenvolvimento alteram as condições de territorialidade desses trabalhadores, provocando mudanças nas técnicas de pesca e nas relações sociais de trabalho. Os pescadores artesanais estão enfrentando cada vez mais restrições no uso do território, resultando na perda dos recursos dos quais eles historicamente dependem há várias gerações.