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Dossiê «Geografia econômica, neoliberalismo e ecologia política do desenvolvimento»

Reestruturação produtivo-territorial em Mato Grosso do Sul, Brasil: observações a partir da implantação da Suzano Papel e Celulose em Ribas do Rio Pardo (2021-2023)

Productive-territorial restructuring in Mato Grosso do Sul, Brazil: observations from the implementation of Suzano Papel e Celulose in Ribas do Rio Pardo (2021-2023)
Reestructuración productivo-territorial en Mato Grosso do Sul, Brasil: observaciones a partir de la implementación de Suzano Papel e Celulose en Ribas do Rio Pardo (2021-2023)
Restructuration productive-territoriale dans le Mato Grosso do Sul, Brésil : observations sur la mise en œuvre de Suzano Papel e Celulose à Ribas do Rio Pardo (2021-2023)
Rafaela Fabiana Ribeiro Delcol e Samuel da Silva Heimbach

Resumos

O objetivo deste trabalho é analisar o processo de reestruturação produtivo-territorial em Mato Grosso do Sul, especificamente, em Ribas do Rio Pardo, em decorrência da instalação da Suzano Papel e Celulose em 2021. Parte-se do pressuposto de que a inserção do plantio de eucalipto no estado desde 1970 tem gerado alterações substanciais no território, sobretudo nos municípios que abrigaram unidades industriais além das áreas de plantio. Os procedimentos metodológicos adotados se baseiam em revisão bibliográfica, trabalho de campo, análise de dados primários e secundários, a fim de compreender o processo de reestruturação produtivo-territorial em Ribas do Rio Pardo/MS. Os resultados indicam transformações no cenário econômico, político e demográfico da região, além de evidenciar como a cidade e o campo têm sido moldados por uma nova lógica de produção, estruturada para atender as demandas da empresa e do capital industrial.

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Notas da redacção

Artigo recebido em: 03/06/2024
Artigo aprovado em: 07/06/2024
Artigo publicado em: 28/06/2024

Texto integral

Introdução

1O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA, 2011, p. 1), no relatório intitulado « Rumo a uma economia verde – caminhos para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza », define o conceito como « uma economia que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente riscos ambientais e escassez ecológica ».

2O conceito de economia verde, ressalta o documento, não substitui o de desenvolvimento sustentável, contudo, corresponde a um caminho de iniciar a « necessária » transição que direcionará, em longo prazo, à sustentabilidade, que é a verdadeira meta final. Portanto, o conceito não se apresenta como antagonista do crescimento econômico, « [...] mas sim um novo mecanismo de crescimento; ou seja, uma rede geradora de trabalho digno, que também consiste em uma estratégia vital para a eliminação da pobreza persistente » (PNUMA, 2011, p. 2).

3Sob a perspectiva da economia verde, enquadra-se uma gama de atividades econômicas estrategicamente denominadas « de base florestal » ou « setor florestal » que perpassa a ideia de que é possível, por meio das florestas plantadas, reduzir a pressão por recursos florestais naturais e, ao mesmo tempo, colaborar com a restauração do solo e amenizar os efeitos do aquecimento global, devido ao seu potencial de retenção de carbono (Perpetua, 2012).

4A partir dessa ideologia, as florestas plantadas se apresentam como o que há de mais verde e sustentável, sob a nova era do capital, o « capitalismo verde ». Entretanto, perpassada a euforia otimista de tal ideologia, amplamente divulgada pelo setor empresarial, adotando uma perspectiva crítica em relação à proposta da « economia verde » ou « capitalismo verde », admite-se neste trabalho que:

[...] o que existe na realidade são extensas áreas, em geral contíguas, constituídas por uma única espécie vegetal e cultivada segundo os preceitos mais modernos da agricultura de precisão (manipulação genética, intensa aplicação de substratos químicos, mecanização etc.) para atender à crescente demanda industrial por matéria-prima (Perpetua, 2012, p. 24).

5Na prática, com o aumento da demanda por produtos florestais se intensificando, concorda-se com Mészáros (2011) que a premissa de uma dinâmica de acumulação controlada, em harmonia com os ciclos naturais, é, por sua lógica inerente – presidida pela concorrência insaciável entre capitais parcelares –, uma falácia completa, pois ela é, em essência, incontrolável.

6Elucidado tal ponto, observa-se que, com o aumento da demanda industrial por produtos florestais, os diversos incentivos fiscais a empreendimentos florestais, liberados pelo Programa para o Desenvolvimento do Cerrado (POLOCENTRO), pelo Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para Desenvolvimento dos Cerrados (PROCEDER) e pela criação do Fundo de Investimentos Setoriais (FISET) em 1974, promoveram, nesse período, a introdução do plantio de eucalipto no estado de Mato Grosso do Sul. Como resultado, há uma ocupação de 416 mil hectares de terras entre os municípios de Ribas do Rio Pardo, Água Clara e Três Lagoas. Esse plantio se destina a atender a demanda da indústria madeireira, movelaria e de celulose e papel (Kudlavicz, 2011).

7Atualmente, o plantio de eucalipto e a produção de celulose no estado sofreram alterações significativas. Segundo informações da empresa Eldorado (2023), Mato Grosso do Sul é, por enquanto, o segundo maior produtor brasileiro no ramo, ficando atrás apenas da Bahia. Todavia, conforme a própria empresa declara, « o cenário vai mudar e Mato Grosso do Sul será catapultado a liderança isolada na produção de celulose no Brasil e consolidado como um dos maiores fabricantes mundiais. » (Eldorado, 2023). Isso se deve ao fato de estar previsto para 2024 o início das atividades da nova unidade da Suzano em Ribas do Rio Pardo, além da primeira fábrica da empresa chilena, Arauco, cujo início das atividades está previsto para 2028 no município de Inocência.

8Desde 1970, o estado de Mato Grosso do Sul tem testemunhado sua estrutura produtiva e econômica, majoritariamente baseada na pecuária, passar por uma transição para uma economia também urbano-industrial. Assim, os municípios envolvidos nesse processo se reorganizam para atender a uma nova lógica de produção, reestruturada a partir de uma dinâmica que atende as demandas do « capitalismo verde ». Como consequência, ocorre um processo de reestruturação que transforma a morfologia, estrutura e funções das cidades no estado.

9Dessa forma, a hipótese levantada é que as transformações empreendidas para atender as demandas de uma nova lógica industrial, o capitalismo verde, ditada pelas indústrias de papel e celulose, estão induzindo um processo de reestruturação produtivo-territorial no leste de Mato Grosso do Sul. Isso ocorre mais especificamente nos municípios que abrigam unidades industriais além das áreas de plantio, como Ribas do Rio Pardo, que, desde 2021, com a implantação do Projeto Cerrado, deu início à construção de uma nova unidade industrial da Suzano Papel e Celulose.

  • 1 Associado ao projeto de pesquisa, aprovado pela Chamada Universal 2023 - CNPq, intitulado «Cidades (...)

10Para tanto, os procedimentos metodológicos adotados nesta pesquisa se baseiam em revisão bibliográfica, trabalho de campo, análise de dados primários e secundários, a fim de compreender os desdobramentos do processo de reestruturação produtivo-territorial no estado, em especial, em Ribas do Rio Pardo, a partir da instauração da Suzano no município em 2021. Embora, o processo seja bastante recente e a indústria ainda não tenha iniciado suas atividades produtivas, os resultados preliminares desta pesquisa1 indicam transformações no cenário econômico, político e demográfico da região, além de evidenciar como a cidade e o campo têm sido moldados por uma nova lógica de produção, estruturada para atender as demandas da empresa e do capital industrial.

Da madeira ao papel, reestruturação produtivo-territorial no leste de Mato Grosso do Sul

11Desde as últimas décadas do século XX, muitas estratégias de produção e reprodução do capital passaram por transformações que têm influenciado a organização do espaço da indústria e sua localização no território. Historicamente, há uma relação direta entre capital e território, uma vez que o primeiro busca constantemente superar seus próprios limites em relação à força de trabalho e à « disponibilidade/distribuição » dos recursos necessários à sua reprodução. Desse modo, o capital, especialmente o grande capital, aproveita sua mobilidade cada vez mais facilitada para explorar, em novos lugares, os diferenciais existentes nos custos de mão de obra, matérias-primas, energia, subsídios estatais, entre outros.

12De tal modo, a seletividade na localização das indústrias no território faz parte de um processo mais amplo de produção de um espaço que não é neutro, mas sim projeção de relações sociais, marcado por disputas, interesses e luta de classes (Botelho, 2002). Além desses elementos, Becker e Egler (2011) destacam as metamorfoses ocorridas na década de 1970 nos padrões de acumulação do capital, que passam do fordismo e taylorismo a um regime de acumulação flexível, no qual os avanços tecnológicos possibilitaram novas relações econômicas e espaciais.

13No bojo desses avanços tecnológicos, ocorreram transformações no espaço industrial brasileiro, visto que se tornou possível separar as unidades de produção de seu centro gestor, ambos concentrados, até então, na capital de São Paulo, intensificando a busca por espaços com maiores vantagens econômicas (Botelho, 2002).

14Lencioni (1994) salienta que o processo de dispersão industrial causou uma reestruturação do espaço. Com a expansão da indústria em direção, inicialmente, para o entorno da capital paulista, seguida do seu interior e continuamente para outros estados do país, a cidade de São Paulo adquire uma nova função na divisão internacional do trabalho, sobretudo como centro de gestão e decisão. Reafirmou-se, assim, a importância desse centro para a economia nacional, mesmo com o processo de reestruturação produtiva em curso no país.

15Nesse ínterim, a discussão sobre reestruturação produtiva no Brasil se iniciou em 1970, vinculada à neoliberalização do Estado e de suas políticas econômicas, e ganhou dimensão a partir de 1990. Isso se deve às inúmeras transformações relacionadas às tendências globais da indústria, ocorridas no Brasil, por meio da incorporação de tecnologias organizacionais e gerenciais. Incluem-se nesse contexto a instalação de novas unidades de produção pelas transnacionais, a reestruturação produtiva por meio da separação entre unidades de produção e gerenciamento, a subcontratação de serviços, a transferência de unidades produtivas, entre outras mudanças. Essas transformações estão relacionadas ao aumento da concorrência global e à busca pela redução dos custos de produção, impulsionando alterações produtivas e territoriais (Santos, 2018). De modo geral, a reestruturação produtivo-territorial representa, de acordo com Oliveira (2020), um conjunto de mudanças na forma de produção capitalista.

[...] se num primeiro momento, tornaram-se patentes as mudanças no chãode-fábrica, com a produção on demand (just-in-time), flexibilização, volatilização, terceirização e enxugamento da mão- de-obra empregada e desmembramento consorciado das etapas de produção, progressivamente se alteraram as características territoriais do processo, com as fábricas migrando dos grandes centros para as periferias do sistema-mundo (Wallerstein, 2003). [...], Todavia, além de ampliar o espectro territorial do mundo da fábrica para as periferias do sistema-mundo e romper com noção de que país industrializado é peremptoriamente um país desenvolvido, novas mudanças espaciais são sentidas nessa nova etapa da industrialização. Revela-se o que Milton Santos (2002 [1996]) denominou de « território nacional da economia internacional » e se consolidam redes técnicas nos territórios nacionais de maneira integrada às cadeias globais de acumulação (Oliveira, 2020, p. 6).

16A partir do « território nacional da economia internacional » de Santos (2002, apud Oliveira, 2020), as empresas, amparadas pelos excessivos subsídios dos estados nacionais, são convidadas a se instalar sob o discurso do desenvolvimento econômico. Desse modo, cooperam com a busca por terrenos amplos, baratos, de fácil acesso estrutural (geográfico) e legislativo; por trabalhadores de baixa qualificação, com baixas ambições salariais e com sindicatos pouco representativos; e por impostos, leis e governos muito colaborativos e interessados em receber novos investimentos, com « maiores densidades técnicas, logísticas e de informação. Reforça-se assim o territorial da reestruturação produtiva » (Oliveira, 2020, p. 6).

  • 2 O POLOCENTRO, elaborado pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) tinha entre seus objetivos (...)

17Nesse contexto, o governo brasileiro adotou políticas de incentivo orientadas à territorialização da indústria para além das regiões Sul e Sudeste. Destacam-se o Programa para o Desenvolvimento do Cerrado (POLOCENTRO)2 e o Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER), cujo objetivo é integrar e diversificar áreas específicas do Centro-Oeste à economia por meio do agronegócio. No caso de Mato Grosso do Sul, esses dois programas fomentaram a produção de grãos e o plantio de eucalipto, visando atender a demanda industrial e comercial internacional.

18Associado às diretrizes federais, o governo estadual contribuiu, no âmbito político, para a inserção de áreas prioritárias do estado voltadas ao agronegócio. A lei estadual n.º 1.941/74 estipulava os limites entre Campo Grande e Três Lagoas, para florestamento e reflorestamento de eucalipto. Previu também a criação do Distrito Florestal no estado de Mato Grosso do Sul, relacionado ao Programa Nacional de Papel e Celulose do Governo Federal (Silva, 2017).

19Outra estratégia delineada pelo governo do estado foi o projeto « Maciço Florestal » que, estimulado:

[...] pela Lei de n.º 5.106 de 1966 que concede incentivos fiscais a empreendimentos florestais e pela criação do FISET (Fundo de Investimentos Setoriais) pelo Decreto-Lei N.º 1.376/74, foram ocupados 416 mil hectares de terras com plantio de eucalipto e pinus nos municípios de Ribas do Rio Pardo, Água Clara e Três Lagoas [...] o aumento dos plantios de eucalipto e pinus está diretamente ligado aos incentivos fiscais do governo federal, liberados pelo programa POLOCENTRO[...] esta é a época em que efetivamente se iniciou a implantação do monocultivo de eucalipto e pinus em Mato Grosso do Sul (Kudlavicz, 2011, p. 46-47).

20Em decorrência dos inúmeros incentivos políticos e econômicos dos governos federais e estaduais, a monocultura de eucalipto e de pinus foi implantada nos municípios de Ribas do Rio Pardo, Água Clara e Três Lagoas a partir de 1970, como explicitado na Tabela 1.

TABELA 1Plantio de Eucalipto (ha) no Eixo Campo Grande – Três Lagoas (1972-1983)

TABELA 1 – Plantio de Eucalipto (ha) no Eixo Campo Grande – Três Lagoas (1972-1983)

Fonte: Kudlavicz, 2011, p. 47.

  • 3 Com a crise do petróleo e o fim dos investimentos fiscais em 1980, houve uma ruptura nesse processo (...)

21Entretanto, é possível verificar também uma redução drástica da área destinada ao plantio em 1983, fato relacionado ao fim dos incentivos fiscais no início de 1980. A interrupção desses incentivos está significativamente interligada com a diminuição das demandas internacionais. Isso se deve ao início da crise do petróleo em 1979 e à elevação dos custos de transporte, o que tornou a comercialização do eucalipto inviável para o capital produtivo.3

  • 4 Para maiores detalhes sobre o período, consultar Silva (2002); Pereira (2003); Martins (1998); Pere (...)

22Com a recessão do comércio internacional, foi imprescindível pensar alternativas para as áreas de plantio já estabelecidas. Entre as possibilidades, estava a de instalar uma indústria de celulose no estado, minimizando, assim, os custos de transporte do eucalipto (Aranha-Silva, 2002). Todavia, a proposta não atraiu investidores, o projeto foi desativado e a área do Maciço Florestal passou anos sem despertar o interesse comercial, ficando praticamente abandonada.4

23No que se refere à produção de celulose, o processo de industrialização vai se alicerçar apenas em meados de 2000, com a instalação de duas indústrias do setor no município de Três Lagoas. A primeira, International Paper, em parceria com a Votorantim Celulose Papel (VCP), compôs o denominado « Projeto Horizonte », com a construção da unidade iniciada em 2007 e o efetivo das atividades em 2009, com capacidade produtiva de 1,5 milhão de toneladas/ano de celulose (Quadro 1), equivalentes a 1⁄4 da produção total da empresa (Almeida, 2017).

QUADRO 1 Indústrias de papel e celulose em operação, em construção e previstas para Mato Grosso do Sul

QUADRO 1 – Indústrias de papel e celulose em operação, em construção e previstas para Mato Grosso do Sul

*Previsão de início das operações. **Em milhões de toneladas/ano.
Fonte: Suzano, 2023; Eldorado, 2023. Elaborado pelos autores.

24No mesmo ano, ocorreu a fusão com a Aracruz Celulose, adotando o nome de Fibria e ascendendo ao posto de maior produtora mundial dessa commodity (Perpetua, 2012). Em 2017, inaugura-se a segunda linha de produção da empresa, também em Três Lagoas. Em 2018, a Fibria funde-se à Suzano, tornando-se Suzano S.A. A segunda empresa, Eldorado Brasil Celulose S.A, controlada pelo grupo JBS e pela MCL sob o « Projeto Eldorado », chegou ao município em 2010 e iniciou suas atividades em 2012, com uma produção de 1,5 milhão de toneladas/ano.

  • 5 «A expressão complexo celulose-papel designa o conjunto das atividades produtivas encimadas na prod (...)

25Com o estabelecimento dessas indústrias em Três Lagoas, houve um aumento de 22% na área plantada de pinus e eucalipto no estado em 2012 (ABRAF, 2013). Em 2018, Mato Grosso do Sul alcançou o 3° lugar no ranking brasileiro de produtor de eucalipto (16%), ultrapassado apenas por Minas Gerais (24%) e São Paulo (17%) (Ibá, 2019). Essa posição legitimou o estado como um território do complexo celulose-papel5, a ponto de o município de Três Lagoas angariar, em 2021, o slogan de « Capital Nacional da Celulose » (Lei nº 14.142/2021) (Brasil, 2021).

26Atualmente, as três indústrias de celulose em operação, duas da Suzano e uma da Eldorado, produzem em torno de 5 milhões de toneladas por ano (Quadro 1), tornando o Mato Grosso do Sul o segundo maior produtor de celulose no país, ficando atrás apenas da Bahia, que produz 5,5 milhões de toneladas por ano (Eldorado, 2023).

27Contudo, a estrutura do complexo celulose-papel no estado continua a se expandir, agora alcançando outros municípios, conforme ilustrado na Figura 1. Segundo a própria Eldorado (2023), « Mato Grosso do Sul será catapultado à liderança isolada na produção de celulose no Brasil e consolidado como um dos maiores fabricantes mundiais ». Esse avanço se deve, em grande parte, à nova fábrica da Suzano em construção desde 2021 em Ribas do Rio Pardo, que terá uma capacidade de produção de 2,5 milhões de toneladas, com previsão de inauguração para meados de 2024, conforme detalhado no Quadro 1.

FIGURA 1Localização das indústrias de celulose em operação e em previsão de inauguração em Mato Grosso do Sul, 2023

FIGURA 1 – Localização das indústrias de celulose em operação e em previsão de inauguração em Mato Grosso do Sul, 2023

Fonte: Os autores, 2023.

  • 6 «Processo que batiza extraoficialmente o MS como ‘estado da celulose’ e sua região leste, onde estã (...)

28Está previsto, também, o início das atividades da multinacional chilena Arauco, no município de Inocência, em 2028, apresentando a capacidade de 2,5 milhões de toneladas de produção. Com a implantação desses dois projetos, o estado vai duplicar sua capacidade produtiva, ultrapassando 10 milhões de toneladas de celulose por ano, tornando a região leste do estado (Figura 1) o « Vale da Celulose ».6 Há outras empresas do ramo celulósico, como a Bracell (Água Clara) que possui uma fábrica no interior do estado de São Paulo e está especulando sobre a implantação de uma unidade na porção leste do estado.

29Consequentemente, a expansão da monocultura do eucalipto, a implantação de unidades produtivas em Três Lagoas e a previsão de novas unidades produtivas em Ribas do Rio Pardo e em Inocência para os próximos anos têm reestruturado a base territorial e industrial de Mato Grosso do Sul. Essa transformação está sendo impulsionada por uma nova dinâmica econômica voltada às demandas do « capital verde ».

Ribas do Rio Pardo no contexto do « capitalismo verde »

30O município de Ribas do Rio Pardo possui uma extensão territorial de 17.308,72 km², representando 4,85% do território do estado e ocupando a terceira posição em termos de área. Localizado na mesorregião leste de Mato Grosso do Sul e na microrregião de Três Lagoas, o município está a 84 km da capital do estado, Campo Grande, o que lhe confere uma posição estratégica em termos político-econômicos.

31A criação do município, em 1943, está relacionada à chegada dos trilhos da ferrovia Noroeste do Brasil em 23 de julho de 1914. A ferrovia conectou o então Distrito de Fé aos centros urbanos do estado de São Paulo, sendo um marco fundamental para a inserção dessa área na lógica comercial da época.

32Como já mencionado e de acordo com Kudlavicz (2011), o histórico desse município com o plantio de eucalipto não é recente. Nos anos de 1970, Ribas do Rio Pardo teve importante participação no projeto do governo federal que ficou conhecido como « Maciço Florestal », que visava à ocupação do cerrado.

33Articulada a essa experiência do « Maciço Florestal », por décadas, a atividade econômica hegemônica no município foi a pecuária bovina. Segundo o IBGE (2017), a pecuária ocupava 64% das terras em Ribas do Rio Pardo, com um efetivo que era o terceiro do país, totalizando 1.085.497 cabeças. Contudo, com a introdução do plantio de eucalipto no município, a dinâmica econômica tem se alterado. Os dados disponíveis já indicam Ribas do Rio Pardo como área central na produção de eucalipto para celulose.

34Conforme os dados da Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura do IBGE (2006), no Mato Grosso do Sul, a área plantada com eucalipto era de 119.319 hectares. Em 2017, essa área aumentou significativamente, chegando a 1.117.740 hectares (Almeida, 2017). Nesse mesmo ano, o município de Ribas do Rio Pardo destacou-se, juntando-se aos principais produtores de eucalipto na região leste do estado, que incluem Três Lagoas (245.000 ha), Ribas do Rio Pardo (210.000 ha), Água Clara (126.000 ha), Brasilândia (120.000 ha), Selvíria (110.000 ha) (Dubos-Raoul; Almeida, 2023).

TABELA 2Estrutura fundiária de Ribas do Rio Pardo, 2017

TABELA 2 – Estrutura fundiária de Ribas do Rio Pardo, 2017

Fonte: IBGE, Censo agropecuário, 2017. Organizado pelos autores.

35Um elemento a ser destacado é a estreita relação entre o uso da terra e a estrutura fundiária, altamente concentrada. A Tabela 2 apresenta a estrutura fundiária de Ribas, evidenciando que os pequenos estabelecimentos (até 200 ha) compõem 77,85% do total, representando a maioria, porém, ocupando apenas 0,9% da área. No outro extremo, os grandes estabelecimentos (acima de 1.000 ha até 2.500 ha) representam 4,4% e dominam 42,8% da área. Além disso, 1,6% dos estabelecimentos com até 10.000 mil ha, os quais, somados, controlam 42,8% das terras disponíveis. Sem dúvida, esse é um dos fatores que favorecem a mobilidade do capital verde, especialmente vinculado ao complexo papel-celulose, interessado em arrendar ou comprar vastas extensões de terra para a produção dessa monocultura.

36A escolha de Ribas do Rio Pardo para a instalação da nova indústria da Suzano pode ter sido influenciada não apenas pela questão histórica da estrutura fundiária necessária para o « capitalismo verde », mas também por elementos clássicos da reestruturação produtiva. Isso inclui a disponibilidade das matérias-primas usadas pela empresa, como a predominância da monocultura de eucalipto e a abundância de recursos hídricos, como o rio Pardo. Além disso, a proximidade com outra unidade da Suzano em Três Lagoas (230 km) e com a capital do estado, Campo Grande (94 km), também podem ter sido fatores determinantes nessa escolha.

37Outro recurso evidente é a disposição da rede logística circundante, que inclui: a) o sistema rodoviária com a BR-262 que liga Mato Grosso do Sul ao estado de São Paulo, principal consumidor nacional de celulose; b) o sistema ferroviário, com ramais que interligam as empresas à Malha Norte (antiga Ferronorte); c) sistema hidroviário (hidrovia Paraná-Tietê), que possibilita o escoamento pelo Porto de Santos (SP), Porto de São Francisco do Sul (SC) e Porto Paranaguá (PR) para a exportação da produção; e d) sistema aeroportuário em Campo Grande e em Três Lagoas. Além dessa estrutura consolidada, há perspectiva de investimentos e melhorias no processo de circulação e escoamento7, com a pressão sobre a duplicação da rodovia BR-262 e a ampliação de ferrovias.

38No que se refere à materialidade das transformações no território, a disposição de objetos técnicos associada a ações de inúmeros atores (Santos, 2002), desde políticos de diversas escalas a empresários, como destacado anteriormente, permitiu uma grande « dinamização territorial a partir de um potencial logístico que seria capaz de integrar esses territórios – escalas municipais – às redes produtivas e a mercados regionais e mundiais » (Rocha, 2019, p. 259).

39É nesse contexto bastante favorável que a Suzano, principal agente transformador desse caso, iniciou em dezembro de 2021, no município de Ribas do Rio Pardo, o « Projeto Cerrado », que tem como slogan:

[...] um projeto sustentável e inspirado no futuro, [...] com o propósito de « renovar a vida a partir da árvore », o Projeto Cerrado significa a evolução da Suzano em inovação e sustentabilidade, ou seja, em inovabilidade, a nova unidade tem como um de seus diferenciais a gaseificação da biomassa para substituição de combustível fóssil nos fornos de cal, um novo marco da Suzano em ecoeficiência, que evidencia o compromisso da empresa com as pessoas e com o planeta (Suzano, 2023).

40Na proposta do capitalismo verde, a sustentabilidade é caracterizada pela sua « grande maleabilidade interpretativa, conceitual e prática » (Oliveira, 2020, p.10). Exemplo disso são « os diferenciais » destacados pela empresa que se autodeclara como sustentável, por investir na « gaseificação da biomassa para substituição de combustível fóssil ». A página da Suzano destaca outras iniciativas de sustentabilidade, como « preservação de Unidades de Conservação », « uso eficiente da água », entre outras, todas visando mitigar os impactos negativos de suas atividades (Suzano, 2023).

41Tornam-se menores, portanto, os possíveis impactos na poluição do ar pelos fornos de cal que continuam a emitir gases do efeito estufa, a contaminação dos cursos d’água, o empobrecimento dos solos, entre outros. De tal modo, a construção do desenvolvimento sustentável é mensurada por normatizações e ajustes técnicos e ambientais que, contudo, não incorporam uma atuação holística em relação ao meio ambiente. Ser sustentável acaba se assemelhando a cumprir um conjunto de medidas ambientais independentemente dos impactos ou da capacidade de destruição da natureza, pois não há uma mudança significativa na lógica econômica subjacente.

Transformações Urbanas em Ribas do Rio Pardo/MS

42A chegada da Suzano Papel e Celulose com a construção da unidade produtiva do « Projeto Cerrado » no final de 2021 – e ainda em construção – trouxe diversos impactos para o ambiente urbano. Isso se deve ao fato de que a estrutura da cidade está intrinsecamente ligada à organização produtiva local. Com o início da transição da agropecuária para o agroindustrial, tendo o setor de celulose como carro-chefe da economia local, esse reordenamento urbano se torna evidente no dia a dia de Ribas do Rio Pardo.

43Harvey (2005) aponta que o capitalismo é capaz de criar e recriar condições para quebrar sua barreira de acumulação, incluindo a expansão geográfica. A inserção de Ribas do Rio Pardo, uma cidade de pequeno porte com forte vínculo histórico e econômico com a agropecuária, ao que Santos (2002) chamou de « tempo do mundo », resultou na ampliação de diversos problemas já existentes na organização espacial da cidade.

  • 8 Conforme matéria do Campo Grande News em 06/01/2023, prefeito discorda da estimativa do IBGE (de 25 (...)

44De acordo com o IBGE (2023), a população de Ribas do Rio Pardo era de 20.946 habitantes, enquanto no último Censo de 2022, o contingente foi de 23.150 habitantes. Contudo, o atual prefeito, João Alfredo Daniezi (PSOL), contesta essa métrica, afirmando que o dado não condiz com a realidade.8 Conforme a estimativa da prefeitura, a população estaria em torno de 29 mil habitantes. Dessa forma, é evidente que as dinâmicas populacionais e a estrutura da cidade entraram em descompasso nos últimos anos.

45A discordância da prefeitura tem fundamento, pois, no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED, 2023), no ano de 2022, o setor da construção gerou um saldo de 3.188 postos de trabalho, representando 67,97% do total – enquanto a agropecuária apenas 12%, com 563 postos de trabalho – demonstrando o quantitativo de trabalhadores necessários para suprir as necessidades da construção da fábrica e da construção da própria cidade. Conjugado a isso, a Suzano afirma que, no momento de pico das obras (abril – setembro de 2023), a empresa gerou 10 mil empregos diretos.

46Com esse aumento populacional – intermitente e permanente – em decorrência dos processos derivados da implantação do « Projeto Cerrado », houve o agravamento de problemas relacionados à infraestrutura urbana, evidenciando que os equipamentos e serviços urbanos disponíveis são insuficientes para suprir as necessidades da população e do capital, impulsionando uma reestruturação da cidade.

47Nesse contexto, a produção do espaço urbano de Ribas do Rio Pardo está passando por um processo de crescimento acentuado, com diversas novas áreas sendo incorporadas à malha urbana para o surgimento de novos bairros e loteamentos. Além disso, há a reprodução de áreas já incorporadas a fim de gerar renda da terra e atender as novas dinâmicas populacionais e econômicas.

FIGURA 2Comparativo de áreas: Núcleo Urbano vs. Agroindústria

FIGURA 2 – Comparativo de áreas: Núcleo Urbano vs. Agroindústria

Fonte: Elaborado pelos autores, 2023.

48Para isso, Corrêa (1989) assinala que a incorporação de novas áreas à cidade por meio dos loteamentos ocorre para ser possível uma reorganização do espaço urbano. Em um contexto de reordenamento das forças produtivas e de novas dinâmicas urbanas devido ao incremento populacional, essa incorporação aumenta o poder do mercado imobiliário, que, por sua vez, é capaz de oferecer mais « mercadorias » ao seu público consumidor.

49Um dos fatores que fomentaram essa ruptura abrupta da realidade na cidade é a dimensão territorial da unidade fabril, que é totalmente desproporcional a dimensão do núcleo urbano. Em análise realizada por meio do software GoogleEarth Pro, com imagens dos anos de 2023, foi possível mensurar as duas áreas e realizar um comparativo, evidenciado na Figura 2.

50Na análise da dimensão da cidade, foram considerados os loteamentos recentemente incorporados, mesmo que ainda não habitados. Já em relação à unidade da Suzano, foi considerada toda a área utilizada no terreno. Com uma extensão de 8,21 km², a proporção do megaempreendimento equivale à área do núcleo urbano, que é de 8,98 km². Isso demonstra que, em quase dois anos de construção, uma única indústria ocupa a mesma área que uma cidade com 79 anos de história. A significância simbólica e a realidade desses números são impactantes.

51A instalação da indústria fomentou o desenvolvimento de novas infraestruturas, tanto com apoio do setor público, como escolas, centros de educação infantil, habitações sociais e a renovação do hospital municipal, quanto por meio de investimentos privados, como unidades de saúde, delegacias, moradias, casas de apoio e um hospital privado. Além disso, houve um impulso no setor hoteleiro para atender à demanda de pessoal que trabalha na empresa, destacando a parceria estabelecida entre o capital privado e o Estado.

  • 9 Os trabalhos de campo foram divididos em dois momentos. O primeiro foi realizado entre os dias 25 e (...)

52Durante a realização dos trabalhos de campo9, foi possível identificar o « novo » capital, proveniente dessa reestruturação produtiva, agindo como produtor do espaço em diversas esferas do cotidiano da cidade por meio das práticas citadas (Figura 3). Além disso, é notável a chegada de novas agências bancárias, como o Bradesco e a Caixa Econômica Federal. De acordo com relatório da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (SEMADESC), em 2021, existia apenas uma unidade lotérica e uma agência do Banco do Brasil. Atualmente, a cidade conta com seis agências entre bancos estatais e privados, evidenciando a dinamicidade do capital e suas ações para facilitar a sua reprodução, conforme apontado por Harvey (2005).

FIGURA 3Cotidiano rio-pardense, 2023

FIGURA 3 – Cotidiano rio-pardense, 2023

Fonte: Os autores (2023).

53Outras adversidades foram observadas durante o estudo, como a ausência de infraestrutura urbana relacionada à pavimentação das vias públicas. Ao sul da BR-262, onde se encontram as áreas mais recentemente incorporadas da cidade – popularmente conhecida como « Cidade Nova » –, grande parte desses bairros, voltados majoritariamente para moradia, não apresenta vias pavimentadas. Onde há pavimentação, essa está em péssimas condições e extremamente suja.

54Consequentemente, a falta de pavimentação e a ausência de drenagem se tornam um problema ainda maior com o acúmulo de água em dias de chuva. Além de representar um desafio de acesso para aqueles que ali já residiam antes da instalação da agroindústria, essa situação também afeta uma grande quantidade de hotéis, pousadas e alojamentos localizados nessa região da cidade, que são prejudicados pela falta de infraestrutura urbana básica.

FIGURA 4 – Situação da questão habitacional, 2023.

FIGURA 4 – Situação da questão habitacional, 2023.

Fonte: Os autores (2023).

55A questão habitação, como exposto na Figura 4, emerge como um dos principais problemas desse período. Com o aumento da especulação imobiliária e o preço dos aluguéis subindo cerca de 400% – conforme divulgado pela própria assessoria de imprensa da Suzano – os habitantes que residiam em imóveis alugados se encontram em uma encruzilhada. É evidente que a verticalização, um processo mais comumente observado em grandes cidades, já é uma prática adotada em Ribas do Rio Pardo, como exemplificado pelo Residencial Águas do Cerrado, voltado aos funcionários da MSE Engenharia, empresa contratada pela Suzano para coordenar as operações de construção.

56Para os trabalhadores que buscam em Ribas do Rio Pardo oportunidades e passaram a atuar em setores relacionados à construção da unidade « Projeto Cerrado », os alojamentos coletivos se tornaram a solução mais viável. Todavia, as condições desse padrão de moraria, embora seja recente, muitas vezes são precárias, com quartos destinados apenas ao descanso do trabalhador.

57No decorrer dos trabalhos de campo realizados, foram identificados 17 alojamentos coletivos dentro da malha urbana, o que evidencia o contingente de mão de obra necessária. Tanto os habitantes de Ribas do Rio Pardo quanto esses trabalhadores têm enfrentado os impactos da explosão da especulação imobiliária nos últimos anos.

58Essa dinâmica habitacional que emergiu na cidade abordada ressalta o viés mercadológico da habitação na sociedade capitalista. Enquanto a habitação atende uma necessidade humana básica – a subsistência na cidade –, seu acesso ocorre por meio do mercado imobiliário, que cria a escassez como forma de aumentar seu lucro (Buonfiglio, 2018). De maneira breve, a especulação imobiliária acentuada é derivada do atual processo de industrialização.

59Em um esforço para mitigar os desdobramentos que afligem a população rio-pardense, a Suzano iniciou a construção do Loteamento Residencial Santo Antônio (Moradias Suzano), direcionado aos trabalhadores « primarizados » da empresa e suas famílias. A proposta desse loteamento é, de acordo com a empresa, « frear » a especulação imobiliária resultante de sua presença territorial no município.

60Ser a produção habitacional de responsabilidade dos grandes industriais é algo que remonta ao início do processo de urbanização no Brasil, no início do século XX, durante a República Velha (1889-1930), como aponta Bonduki (1994). A inexistência de políticas públicas para a habitação de interesse social amargurava a população das cidades, principalmente dos grandes centros, e a saída encontrada eram as moradias coletivas (cortiços).

61Atualmente, apesar da existência de políticas públicas para habitação em nível estadual, com o Lote Urbanizado como principal impulsionador da habitação social, o loteamento residencial Jardim dos Estados – onde essas habitações são construídas na cidade – está situado em uma área distante da região central, onde as vias também não são pavimentadas, o que dificulta o acesso.

62Recentemente, a prefeitura anunciou que construirá no mesmo residencial 80 habitações com recursos próprios, por meio do projeto intitulado de « João de Barro ». Esse projeto, sem histórico de políticas habitacionais financiadas com receita própria, é previsto para ser o maior da história do município. Conforme veiculado pelo portal digital Midiamax, o custo total do empreendimento será de R$ 6,6 milhões e ficará a cargo da empresa Trento Soluções em Construções.

63Pelo exposto, a definição clássica de Corrêa (1989) sobre o espaço urbano ser um produto fragmentado e articulado em uma sociedade capitalista se faz ainda muito atual. O espaço urbano de Ribas do Rio Pardo, sendo um produto forjado por agentes sociais concretos no âmago das contradições do capitalismo e na luta de classes, teve seu processo de produção acelerado a partir da territorialização do capital agroindustrial internacional, evidenciando as rugosidades, inclusive sociais, deixadas por divisões do trabalho anteriores.

64Diante desse cenário multifacetado, a cidade necessita urgentemente equacionar os desafios urbanos e sociais. A análise revela que esses impactos decorrentes da reestruturação produtiva no leste de Mato Grosso do Sul afetaram de maneira significativa a cidade de Ribas do Rio Pardo. Com a especulação imobiliária alcançando um aumento substancial, a estrutura social da cidade atravessa um momento crítico. Frente à previsão de um aumento no contingente populacional nos próximos anos, as dinâmicas presentes, principalmente relacionadas às problemáticas habitacionais, estão distantes de um desfecho.

Considerações finais

65Sob a perspectiva da economia verde, enquadra-se uma gama de atividades econômicas denominadas « de base florestal », representando o que é considerado mais verde e sustentável na nova era do capital, o « capitalismo verde ».

66Inseridos nas lógicas de atividades econômicas « verdes e sustentáveis » e de « base florestal », encontram-se dois agentes protagonistas que, desde a década de 1970, vêm impulsionando uma reestruturação produtivo-territorial significativa na porção leste do estado de Mato Grosso do Sul. O primeiro, representado pelo complexo papel-celulose e liderado pelas empresas do ramo, como a Suzano e a Eldorado; e o segundo, representado pelo Estado que, em suas múltiplas esferas, subsidiou diversos incentivos e benefícios políticos, econômicos e ambientais na territorialização da monocultura do eucalipto, seguido pela disposição industrial, evidenciando seu suporte às demandas do « capitalismo verde ».

67A análise do processo de reestruturação produtivo-territorial no estado, focando na implantação da unidade fabril da Suzano Papel e Celulose no município de Ribas do Rio Pardo, evidencia o modelo de reestruturação produtiva em regiões periféricas que oferecem significativas vantagens locacionais. As ações em andamento no território, em níveis estadual e municipal, estão relacionadas à articulação de uma economia que atenda as demandas empresariais, com o intuito de superar desafios e promover maior fluidez no território (Rocha, 2019).

68O processo de reestruturação territorial produtiva no leste de Mato Grosso do Sul desencadeou uma série de transformações demográficas, econômicas e políticas. A região evoluiu de uma economia agropecuária para uma economia agroindustrial, com a implantação dos dois novos projetos da Suzano e da Arauco. Com quatro indústrias e cinco linhas de produção de celulose, a área assumiu, segundo a Eldorado, a posição de destaque na produção de celulose no Brasil, produzindo mais de 10 milhões de toneladas por ano e sendo reconhecida como « Vale da Celulose ».

69Em Ribas do Rio Pardo, a construção do Projeto Cerrado desde o final de 2021 tem impulsionado transformações significativas a fim de atender as demandas da instalação da empresa. Com o aumento da população na cidade, há urgência na melhoria dos equipamentos urbanos. A construção de escolas, unidades básicas de saúde, delegacias, entre outros serviços, reflete a parceria entre o Estado e o capital, destacando seus papéis na formação do espaço em uma sociedade inserida no sistema de produção capitalista.

70Analisar os desdobramentos dessa reestruturação em nível estadual, sobretudo na região leste de Mato Grosso do Sul, é essencial para compreender as mudanças no ordenamento social e no contexto ambiental do chamado « capitalismo verde ». Entender as complexidades desse fenômeno possibilita questionar a realidade em que o estado se encontra. Portanto, a análise do processo de reestruturação produtivo-territorial se torna uma ferramenta valiosa para refletir sobre o presente e o futuro de Mato Grosso do Sul em um contexto de sustentabilidade.

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Bibliografia

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Notas

1 Associado ao projeto de pesquisa, aprovado pela Chamada Universal 2023 - CNPq, intitulado «Cidades da celulose: industrialização, urbanização e tensões», sob processo n.º 420566/2023-6.

2 O POLOCENTRO, elaborado pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) tinha entre seus objetivos impulsionar as atividades agropecuárias do Centro-Oeste, por meio da ocupação de áreas específicas, no caso de Mato Grosso do Sul: Campo Grande-Três Lagoas (ao longo da Estrada de Ferro Noroeste) (Brasil, 1975).

3 Com a crise do petróleo e o fim dos investimentos fiscais em 1980, houve uma ruptura nesse processo de acumulação. Os empreendimentos foram abandonados e as plantações de eucalipto foram tomadas pelas formigas e pelo fogo, ou destinadas à produção de carvão no início de 1990 (Aranha-Silva, 2002).

4 Para maiores detalhes sobre o período, consultar Silva (2002); Pereira (2003); Martins (1998); Pereira (2007).

5 «A expressão complexo celulose-papel designa o conjunto das atividades produtivas encimadas na produção destes dois produtos. Compreende, portanto, desde a matéria-prima até o processamento da celulose e a produção do papel, somando-se a elas também o espaço geográfico ocupado, produzido e organizado por tais atividades» (Perpetua, 2012, p. 113).

6 «Processo que batiza extraoficialmente o MS como ‘estado da celulose’ e sua região leste, onde estão as indústrias em operação e os projetos em execução, de ‘Vale da Celulose’, em referência ao polo de tecnologia ‘Vale do Silício’, na Califórnia - EUA, vem ocorrendo de maneira sustentável» (Eldorado, 2023).

7 Duplicação da BR-262 será tema de audiência em Campo Grande. Disponível em: https://www.capitalnews.com.br/politica-e-poder/legislativo/duplicacao-da-br-262-sera-tema-de-audiencia-em-campo-grande/389649. Acesso em: 25 nov. 2023. Eldorado quer construir ramal ferroviário no Mato Grosso do Sul. Disponível em: https://www.poder360.com.br/infraestrutura/eldorado-quer-construir-ramal-ferroviario-no-mato-grossodo-sul/. Acesso em: 25 nov. 2023.

8 Conforme matéria do Campo Grande News em 06/01/2023, prefeito discorda da estimativa do IBGE (de 25.310 habitantes) e alega que a população estava na órbita dos 29 mil habitantes (SANTOS, A dos. «Cidade de bilhões», Ribas contesta Censo. Disponível em: https://www.campograndenews.com.br/cidades/interior/cidade-de-bilhoes-ribas-contesta-censo-e-quer-provar-ter-mais-6-mil-moradores. Acesso em: 22 nov. 2023).

9 Os trabalhos de campo foram divididos em dois momentos. O primeiro foi realizado entre os dias 25 e 26 de agosto, e o segundo entre os dias 27 e 28 de outubro.

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Índice das ilustrações

Título TABELA 1Plantio de Eucalipto (ha) no Eixo Campo Grande – Três Lagoas (1972-1983)
Créditos Fonte: Kudlavicz, 2011, p. 47.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/geografares/docannexe/image/12782/img-1.png
Ficheiro image/png, 121k
Título QUADRO 1 Indústrias de papel e celulose em operação, em construção e previstas para Mato Grosso do Sul
Créditos *Previsão de início das operações. **Em milhões de toneladas/ano. Fonte: Suzano, 2023; Eldorado, 2023. Elaborado pelos autores.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/geografares/docannexe/image/12782/img-2.png
Ficheiro image/png, 56k
Título FIGURA 1Localização das indústrias de celulose em operação e em previsão de inauguração em Mato Grosso do Sul, 2023
Créditos Fonte: Os autores, 2023.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/geografares/docannexe/image/12782/img-3.png
Ficheiro image/png, 421k
Título TABELA 2Estrutura fundiária de Ribas do Rio Pardo, 2017
Créditos Fonte: IBGE, Censo agropecuário, 2017. Organizado pelos autores.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/geografares/docannexe/image/12782/img-4.png
Ficheiro image/png, 47k
Título FIGURA 2Comparativo de áreas: Núcleo Urbano vs. Agroindústria
Créditos Fonte: Elaborado pelos autores, 2023.
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/geografares/docannexe/image/12782/img-5.png
Ficheiro image/png, 805k
Título FIGURA 3Cotidiano rio-pardense, 2023
Créditos Fonte: Os autores (2023).
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/geografares/docannexe/image/12782/img-6.png
Ficheiro image/png, 2,1M
Título FIGURA 4 – Situação da questão habitacional, 2023.
Créditos Fonte: Os autores (2023).
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/geografares/docannexe/image/12782/img-7.png
Ficheiro image/png, 1,3M
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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Rafaela Fabiana Ribeiro Delcol e Samuel da Silva Heimbach, «Reestruturação produtivo-territorial em Mato Grosso do Sul, Brasil: observações a partir da implantação da Suzano Papel e Celulose em Ribas do Rio Pardo (2021-2023)»Geografares [Online], 38 | 2024, posto online no dia 28 junho 2024, consultado o 12 dezembro 2024. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/geografares/12782

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Autores

Rafaela Fabiana Ribeiro Delcol

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
rafaela.delcol@ufms.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1393-1667
Professora Adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campus de Três Lagoas, atuando no curso de graduação e pós-graduação em Geografia. É membro do Grupo de Pesquisa Grupo de Estudos sobre Território e Reprodução Social - (TERRHA/UFGD) e do Grupo de Pesquisa Laboratório Multidisciplinar de Ensino e Pesquisa (LEA). É membro do Laboratório de Estudos Urbanos e do Território (LETUR/UFMS). Possui graduação em bacharelado e licenciatura em Geografia pela Universidade Estadual Paulista, Júlio de Mesquita Filho (UNESP), mestrado em Engenharia Urbana pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e doutorado em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Tem experiência em geografia, atuando principalmente nos seguintes temas: geografia urbana, produção do espaço urbano, planejamento urbano, região metropolitana e índices sócioeconômicos.

Samuel da Silva Heimbach

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
samuel.heimbach@ufms.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5332-7400
Mestrando do Programa de Pós Graduação Mestrado e Doutorado em Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Campus de Três Lagoas - MS. Graduado em Geografia - Licenciatura pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Campus Três Lagoas (UFMS/CPTL). Foi bolsista do PET Geografia - Programa de Educação Tutorial e editor da Revista Eletrônica do Programa de Educação Tutorial -Três Lagoas/MS (REPET-TL) entre 2020 e 2022. Atua na área de Geografia Urbana, com ênfase em habitação e é membro do Laboratório de Estudos Territoriais e Urbanos (LETUR)

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