1A imagem diagramada (Figura 1) dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, ou simplesmente 17 ODS, é atualmente uma estampa comum em camisetas, cartazes, páginas da internet e sacolas de supermercados. É praticamente uma imagem-símbolo contemporânea do compromisso para a construção de um mundo melhor. Em projetos acadêmicos, ações publicitárias, políticas governamentais, planos executivos ou documentos da esfera pública ou privada, tornou-se um receituário inconteste de uma ação ambiental e socialmente correta. Os 17 ODS se consolidaram como um barema qualitativo, uma justificativa inescrutável, um atestado de boas ações. Afinal, quem é contra a erradicação da pobreza e da fome, a redução das desigualdades ou a promoção de paz e justiça? (Objetivos 1, 2, 10 e 16, respectivamente).
2Mais uma vez, estamos diante de um conjunto de estratégias globais ambiciosas, que inclui centro e periferia, ricos e pobres, empresários e trabalhadores e diferentes esferas governamentais e da sociedade civil. Mas, ao contrário da Agenda 21 (1996[1992]), que vislumbrava todo um século para a construção do desenvolvimento sustentável em escala global, os 17 ODS correspondem a um plano de 15 anos. Esse plano é fruto de um documento assinado em setembro de 2015 por 193 países, estruturado em 169 metas e intitulado « Transformando nosso mundo: a agenda de 2030 para o desenvolvimento sustentável » (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU, 2015). A Agenda 2030 foi adotada na Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, realizada na sede da ONU em Nova Iorque, nos Estados Unidos.
3É interessante entender o contexto geopolítico do estabelecimento dos 17 ODS. Partiremos, assim, de dois pressupostos analíticos:
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a década de 2011-2020 apresentou retrocessos importantes na agenda ambiental global. Iniciada com o rescaldo da profunda crise econômica de 2008, essa década assistiu à adoção de terminologias mais econômicas que ecológicas, como o caso da « economia verde ». Também testemunhou a emersão de figuras políticas expressivas com discurso fortemente antiecológico, como Donald Trump, nos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, no Brasil, e terminou com uma profunda crise ecológico-sanitária, fruto da nefasta pandemia da Covid-19 (OLIVEIRA, 2022a);
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há, desde ao menos a virada de século XX-XXI, uma evidente agudização do processo de cooptação explícita da questão ambiental pelo capital, seja por meio de acordos internacionais que ampliaram progressivamente o financiamento privado das ações ambientais globais, seja pela incorporação maciça dos objetivos, interesses, metodologias, conceitos e estratégias do universo da grande empresa no manejo ecológico. O tão almejado equilíbrio economia-ecologia hoje ocorre por meio dos princípios de uma verdadeira sustentabilidade corporativa, baseada no avanço das tecnologias limpas, no livre comércio e no protagonismo das grandes empresas (OLIVEIRA, 2022b).
4Assim, o objetivo central deste artigo é avaliar, sob uma perspectiva crítica e a partir do olhar das periferias, o papel geopolítico e ideológico dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Para cumprir tal intento, foi realizado um resgate geopolítico, da celebração do desenvolvimento sustentável na Rio-92 à defesa da promoção do modelo de economia verde na Rio+20, e dos 8 Objetivos do Milênio aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, promulgados, respectivamente, em 2000 e 2015.
5A seguir, com base na leitura metodológica do documento Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (ONU, 2015 [Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development - United Nations, 2015a]) e mediante a avaliação dos resultados de alguns relatórios da Sustainable Development Solutions Network (SDSN) – organização sem fins lucrativos criada em 2012 pela ONU para promover internacionalmente os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – foi possível fazer algumas considerações sobre as reais perspectivas de alcance e analisar a realidade de nações da periferia do mundo.
6A concepção de desenvolvimento sustentável tem sua origem em grandes conferências internacionais com o objetivo de equacionar os anátemas ambientais a partir de preceitos econômicos dominantes. Fruto da publicação da obra Nosso Futuro Comum (« Our Commom Future », 1987), o desenvolvimento sustentável é definido como o modelo que « atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades » (CMMAD, 1988 [1987], p. 46). Nosso Futuro Comum é o resultado dos quatro anos de esforços da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), presidida pela premier norueguesa Gro Harlem Brundtland, que elegeu a necessidade da consecução do desenvolvimento sustentável como base para uma utilização mais adequada da natureza, visando à satisfação das necessidades humanas.
7Esse modelo proposto de ajuste das necessidades presentes-futuras não significava o rompimento das estruturas de desenvolvimento dominantes. Ao contrário da obra Limites do Crescimento (« The Limits of Growth ») (MEADOWS et al., 1972), que preconizava um futuro sombrio caso continuasse o crescimento industrial vigente, e da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, 1972, marcada pelo dissenso entre países centrais e periféricos nas soluções para o destrutivo modelo de vida global, o desenvolvimento sustentável era apresentado como um padrão racional, ecoeficiente, que combinaria crescimento econômico e proteção ambiental.
8Na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, o desenvolvimento sustentável foi institucionalizado por meio da assinatura da Agenda 21(1996[1992]), no qual todos os países centrais ou periféricos deveriam adotar os seus pressupostos e implementar suas estratégias de consecução. A Conferência do Rio de Janeiro foi a grande responsável pelo acordo de celebração do modelo de desenvolvimento sustentável em caráter global, por intermédio de uma operação diplomática, ideológica e social de grande envergadura, para contornar a contradição entre desenvolvimento e meio ambiente (NOBRE, 2002).
9Em 2012, a cidade do Rio de Janeiro novamente sediou uma conferência ambiental de significativa magnitude: a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio + 20, que ocorreu entre os dias 13 e 22 de junho e deixou como legado a Carta do Rio, tornada O Futuro que queremos (UNITED NATIONS, 2012). A conferência objetivou discutir o legado da Rio-92, principalmente no que se refere às implementações das propostas contidas na Declaração do Rio (ONU, 1992), na Agenda 21, na Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima (UNITED NATIONS, 1992a) e na Convenção sobre Diversidade Biológica (UNITED NATIONS, 1992b).
10A Rio+20 reforçou o papel do desenvolvimento sustentável, mas por meio de uma leitura fortemente econômica, com o uso da terminologia economia verde. Ao privilegiar a economia, a Rio+20 gerou desinteresse, desconfiança e ceticismo. O verdadeiro showroom que ocorreu no Parque dos Atletas, onde todos os países participantes apresentaram pavilhões com stands contendo as mais diferentes possibilidades de adoção de princípios de sustentabilidade, causou ainda mais a impressão de a Rio+20 ter sido uma grande « feira de negócios » (OLIVEIRA, 2019).
11Por outro lado, as ONGs e os movimentos sociais de cunho ambientalista se dividiram entre os que adotam práticas empresariais e os que seguem um discurso radical, porém, ingênuo e pouco efetivo. Assim, ao desfraldarem a bandeira do lucro ambiental, desgastaram ainda mais o encanto ideológico de « proteção da natureza ». A noção de economia verde revelou o quão as organizações geopolíticas internacionais entendem a natureza como um grande almoxarifado produtivo, repleto de valiosas matérias-primas, presentes e futuras (OLIVEIRA, 2019). Um retrocesso, sem dúvida, em uma temática fortemente ideológica que deveria gerar consensos.
12O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, já havia indicado que depois da Rio+20 iria nomear um painel de alto nível para considerar os detalhes das metas pós-2015, para uma nova rodada de objetivos globais. A Rio+20 lançou as bases para a criação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que somente seriam aprovados em uma posterior sessão especial da Assembleia Geral da ONU (SACHS, 2012).
13Assim, três anos pós-realização da Rio+20, em 2015, ocorreu a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável, realizada entre 25 e 27 de setembro na sede da ONU em Nova Iorque. Foi nesse evento que oficialmente foi aprovada a nova agenda, intitulada Transformando nosso mundo: a agenda de 2030 para o desenvolvimento sustentável (UNITED NATIONS, 2015a), acordada pelos 193 Estados-Membros das Nações Unidas, que incluía os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (AGENDA... 2015). Os esforços para a construção desse documento se iniciaram na Rio+20, mas foram resultados de grandes e múltiplos esforços diplomáticos, e celebrado em um evento muito menos simbólico que as grandes conferências ambientais.
14Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) substituíram a série de metas com prazo determinado no final de 2015, conhecida como Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (UNITED NATIONS, 2015). Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio incluíam: (1) erradicar a pobreza extrema e a fome; (2) alcançar a educação primária universal; (3) promover a igualdade de gênero e capacitar as mulheres; (4) reduzir a mortalidade infantil; (5) melhorar a saúde materna; (6) combater o HIV/AIDS, malária e outras doenças; (7) garantir a sustentabilidade ambiental; e (8) desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento (UNITED NATIONS, 2015b) (Ver Figura 2). A Cúpula do Milênio foi realizada de 6 a 8 de setembro de 2000, na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, e contou com a presença de 149 Chefes de Estado e de Governo, além de altos funcionários de mais de 40 outros países. Seu documento principal foi a Declaração do Milênio (UNITED NATIONS, 2000), uma carta de valores, princípios e objetivos da agenda internacional para o século XXI.
15É notório que nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, a sustentabilidade é abordada apenas no objetivo 7. Findo o prazo estabelecido e com a subsequente elaboração dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, novamente ganha destaque a sustentabilidade, incluída não somente no título, mas em vários dos seus objetivos: (1) acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares; (2) acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável; (3) assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades; (4) assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; (5) alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas; (6) assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos; (7) assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos; (8) promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos; (9) construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação; (10) reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles; (11) tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; (12) assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; (13) tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos; (14) conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável; (15) proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade; (16) promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis; (17) fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável (Ver Figura 1).
16Se os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) revelam que o desenvolvimento sustentável, tal como proposto pela ONU, se tornou um oxímoro e tem sido utilizado muito mais como uma maquiagem verde (greenwashing), portanto, uma grande ilusão (ALVES, 2015a), entendemos como sintomática a sua nova aplicação como agenda global. Após um recrudescimento do uso de tal concepção nos Objetivos do Milênio, novamente se amplia a aposta para 2030, indicando uma série de objetivos ancorados na questão ambiental. Mas como aplicá-los? Como serão financiados? Como serão mensurados?
17Transformando nosso mundo: a agenda de 2030 para o desenvolvimento sustentável (ONU, 2015) convoca todos a contribuir para a plena implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável por meio do que é denominado Parceria Global. Trata-se da terminologia para o engajamento global intensivo que reúne governos, sociedade civil, setor privado, o Sistema das Nações Unidas e outros atores, sendo capaz de mobilizar todos os recursos disponíveis (ONU, 2015). A Parceria Global revitalizada para o desenvolvimento sustentável tem apoio, segundo o próprio documento Transformando nosso mundo, nas políticas e ações concretas delineadas na Agenda de Ação de Adis Abeba.
18Outrossim, se os objetivos são para a construção do desenvolvimento sustentável, as evidências de que o debate central se consolida no campo econômico podem ser averiguadas de forma expressa pelos resultados na Terceira Conferência Internacional sobre Financiamento ao Desenvolvimento (FpD3), realizada em Adis Abeba, na Etiópia, entre 13 e 16 de julho. Realizada antes da Cúpula de Desenvolvimento Sustentável, a Terceira Conferência Internacional sobre Financiamento ao Desenvolvimento foi convocada pela primeira vez na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 20 de dezembro de 2013 (UNITED NATIONS, 2013) e posteriormente na Assembleia Geral em 30 de junho de 2014 2013 (UNITED NATIONS, 2014). A Terceira Conferência seguiu a primeira Conferência Internacional sobre Financiamento ao Desenvolvimento em 2002, que resultou no Consenso de Monterrey (MONTERREY CONSENSUS, 2002), e a Segunda Conferência Internacional sobre Financiamento ao Desenvolvimento em 2008, que produziu a Declaração de Doha (UNITED NATIONS, 2009).
19Na cidade de Adis Abeba, o secretário-geral da Conferência, Wu Hongbo, celebrou o acordo histórico. Foi um momento decisivo da cooperação internacional para o investimento necessário em uma nova agenda com base no desenvolvimento sustentável (ADIS... 2015). Adis Abeba formou a base para os países financiarem a agenda de desenvolvimento sustentável da Cúpula de Nova Iorque e das negociações sobre o clima, promovidas pelas Nações Unidas em Paris em dezembro do mesmo ano. No documento, consta a necessidade de que todos os países devem mobilizar e usar eficazmente seus recursos nacionais em busca do desenvolvimento sustentável. Da mesma maneira, elegeu-se a atividade comercial privada como o motor do desenvolvimento, afinal, nessas empresas, o investimento e inovação são os principais fatores de produtividade, crescimento econômico inclusivo e criação de emprego.
20A Agenda de Ação de Adis Abeba (AAAA, 2015), resultante da FpD3, não acordou sobre mecanismos para reduzir as iniquidades das relações assimétricas de poder financeiro, muito menos apontou fontes adicionais para financiar os ODS. A renovação do compromisso de que 0,7% do PIB dos países desenvolvidos deverá ser destinado para a Assistência Oficial ao Desenvolvimento, acordo de 1969 e hoje cumprido por apenas cinco deles (Noruega, Suécia, Luxemburgo, Dinamarca e Reino Unido), é algo bem pouco expressivo (NILO, 2015). A Agenda de Ação de Adis Abeba foi incapaz de enfrentar as violentas diferenças de força no sistema econômico-financeiro global e de garantir o financiamento ao desenvolvimento centrado na proteção do meio ambiente, sendo praticamente desprovida de resultados implementáveis. Um verdadeiro e profundo abismo entre fontes de financiamento e ações a serem implementadas (ALVES, 2015b).
21De maneira análoga, a 21a sessão anual da Conferência das Partes (COP 21), órgão supremo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), realizada em Paris em 2015, também não significou grandes avanços na questão ambiental. Desde a COP 15, os países buscavam negociar as possíveis responsabilidades e ações voluntárias que fossem eficazes para mitigar os impactos das mudanças climáticas (NOVAIS, 2016). Esse tratado internacional, adotado na França em 2015 e assinado em Nova Iorque em abril de 2016, propõe, por meio das Nationally Determined Contributions (NDC), que os países signatários não estabeleçam metas quantitativas individuais para suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) nem obrigações específicas apenas para os países centrais.
22O Acordo de Paris (UNITED NATIONS, 2015c), apesar de seus limites, ainda poderia ser algo promissor, mas acabou recebendo um duro golpe: em 1o de junho de 2017, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que o país abandonaria completamente o pacto firmado (HOLDEN, 2019). Trata-se de algo simbólico para uma década que se revelava ambientalmente perdida.
23De acordo com o relatório de 2015 dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (UNITED NATIONS, 2015b), os resultados obtidos foram favoráveis entre as oito prioridades: houve redução dos índices globais sobre pobreza em mais da metade – contabilizando uma diminuição de cerca de 1,9 bilhão de pessoas em situação de pobreza extrema em 1990 para cerca de 836 milhões de pessoas em 2015 (Objetivo 1); melhoria dos indicadores de acesso à educação básica, com crescimento de 8% entre 2000 e 2015, e redução da falta de acesso à educação, contabilizando 100 milhões de crianças fora da escola em 2000 para 57 milhões em 2015 (Objetivo 2); diminuição dos índices de disparidade de gênero na educação em países em desenvolvimento e aumento da participação política feminina em 174 países nos últimos 20 anos (Objetivo 3); redução da taxa de mortalidade infantil em mais da metade, de 90 para 43 mortes a cada 1.000 nascimentos (Objetivo 4); redução das taxas de mortalidade materna em 45% (Objetivo 5); diminuição do número de novas infecções pelo vírus da AIDS e aumento do acesso ao tratamento de 800 mil pessoas em 2003 para 13,6 milhões em 2014 (Objetivo 6); também aumento do acesso à internet em escala global de 6% em 2000 para 43% em 2015, além de um aumento de 66% de financiamento para assistência ao desenvolvimento, totalizando o valor de US$ 135,2 bilhões (Objetivo 8).
24Todavia, o objetivo referente à proteção ambiental (Objetivo 7) teve resultados tímidos se comparados à emergência da crise ecológica atual. Consta no relatório que os resultados, de acordo com as metas propostas, foram: aumento das áreas terrestres e marinhas de proteção ambiental, especialmente na América Latina e Caribe; melhoria significativa das taxas de acesso à água potável e ao saneamento básico; eliminação virtual de substâncias poluentes que aumentaram o buraco da camada de ozônio, determinando uma projeção de que o problema poderia ser totalmente recuperado até meados do século XXI.
25Ainda que os resultados acerca do objetivo de proteção ambiental pudessem ser devidamente analisados nos relatórios anuais sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, anos depois, outros relatórios revelaram contradições na efetividade desses resultados. Em relação à questão climática, reconhecidamente a temática mais determinante da crise ecológica nos últimos anos, o relatório da Organização Meteorológica Mundial (World Meteorological Organization – WMO), intitulado WMO Statement on the State of the Global Climate in 2019, apontou que o nível de gases poluentes na atmosfera atingiu recorde histórico em 2018 e que, como consequência da ação antropogênica no efeito estufa, o planeta já excedeu seu nível de aquecimento em 1,1º Celsius (WMO, 2020).
26A década passada se encerrou com o alastramento mundial da Covid-19, a maior pandemia da história que insiste em não arrefecer. Entre muitas lições, revelou que o espraiamento de agentes infecciosos como o coronavírus é fruto de um modelo de vida ambientalmente violento e inconsequente. Já não há dúvidas de que a devastação florestal é um anátema ecológico-sanitário, capaz de descapsular problemas jamais imaginados. Em tempos de crise, lembremos que a natureza sofre, vilipendiada como recurso para acumulação desenfreada e sem maiores defesas.
Pessoas: Estamos determinados a acabar com a pobreza e a fome, em todas as suas formas e dimensões, e garantir que todos os seres humanos possam realizar o seu potencial em dignidade e igualdade, em um ambiente saudável.
Planeta: Estamos determinados a proteger o planeta da degradação, sobretudo por meio do consumo e da produção sustentáveis, da gestão sustentável dos seus recursos naturais e tomando medidas urgentes sobre a mudança climática, para que ele possa suportar as necessidades das gerações presentes e futuras.
Prosperidade: Estamos determinados a assegurar que todos os seres humanos possam desfrutar de uma vida próspera e de plena realização pessoal, e que o progresso econômico, social e tecnológico ocorra em harmonia com a natureza.
Paz: Estamos determinados a promover sociedades pacíficas, justas e inclusivas que estão livres do medo e da violência. Não pode haver desenvolvimento sustentável sem paz e não há paz sem desenvolvimento sustentável.
Parceria: Estamos determinados a mobilizar os meios necessários para implementar esta Agenda por meio de uma Parceria Global para o Desenvolvimento Sustentável revitalizada, com base num espírito de solidariedade global reforçada, concentrada em especial nas necessidades dos mais pobres e mais vulneráveis e com a participação de todos os países, todas as partes interessadas e todas as pessoas (ONU, 2015, p. 2).
27No final de 2021, a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável (Sustainable Development Solutions Network, SDSN), a SDSN Europa e o Instituto de Política Ambiental Europeia (Institute for European Environmental Policy, IEEP) publicaram a terceira edição do Relatório de Desenvolvimento Sustentável da Europa (Europe Sustainable Development Report). Trata-se de um documento importante que quantifica o grau de adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que, segundo o próprio relatório, pela primeira vez apresentou reveses explicados especialmente pela pandemia da Covid-19 (VOIL, 2021). As notas mais altas foram da Finlândia, Suécia, Dinamarca, Áustria, Noruega, Alemanha e Suíça, nessa ordem (SDSN, 2021), e a expectativa é a efetivação de um « Green Deal » europeu, da recuperação da União Europeia e dos Objetivos do Desenvolvimento (ODS). No ranqueamento empregado, a Turquia ficou em último lugar, com 55,7 pontos; em penúltimo, a Bulgária, com 57,6. O relatório destaca que, em comparação com o resto do mundo, a Europa é o continente mais igualitário, com poucas pessoas enfrentando pobreza extrema e desnutrição, além de acesso generalizado a serviços essenciais, como saúde e educação (SDSN, 2021).
28O mesmo relatório é realizado no continente africano. Malgrado as desconfianças por metodologias estritamente quantitativas e universalizantes, sobretudo quando elaboradas por instituições localizadas nos grandes centros, o relatório revela a grande discrepância no tema. Por óbvio, Turquia e Bulgária estariam entre os vinte países mais bem colocados se estivessem situados na África. Contudo, a discrepância entre os últimos colocados – Eritreia, Somália, Chade, República Centro-Africana e Sudão do Sul – e a realidade europeia é muito significativa: o Sudão do Sul atingiu apenas 32,36 pontos (AFRICAN UNION, 2022, p. 9).
29O próprio relatório expôs que quase 40% de todos os africanos ainda vivem em extrema pobreza, pouco mais de 50% da população está conectada a uma fonte de energia, e acresceram os conflitos armados em praticamente todo o continente. Juntamente com a urbanização, as pirâmides etárias com bases alargadas, o acesso desigual a recursos, além do aumento do desemprego, o alento apresentado é o « vasto capital natural » africano, capaz de garantir a inclusão em longo prazo no crescimento econômico (AFRICAN UNION, 2022, p. 9).
30Como o prazo até o ano de 2030 é impensável sob qualquer aspecto, a União Africana criou a Agenda 2063 no ano de 2015, na cidade de Niamey, Níger, com o perene objetivo de desenvolver economicamente o continente. Com o lema « A África que queremos », os 14 objetivos incluem o sonho de « uma África próspera, baseada no crescimento inclusivo e desenvolvimento sustentável »; « um continente integrado, politicamente democrático e unido com base nos ideais do Pan-Africanismo »; « Democracia, Respeito aos Direitos Humanos, Justiça e o Estado de Direito »; « Uma África pacífica e segura », entre outros. Entre as promessas escalonadas, lê-se que, até 2020, todos os vestígios de colonialismo devem ser eliminados e « silenciadas todas as armas » (COMISSÃO DA UNIÃO AFRICANA, 2015, p. 7).
- 1 «Viemos defender a República», disse Goita à época, algo que geralmente é dito por quem quer destru (...)
- 2 Para saber mais sobre esse passado de hereditariedade fardada, cf. AFP, 2022.
31Desde 2015, as armas têm sido muito acionadas no continente africano. No Mali, o coronel Assimi Goita derrubou Bah Ndaw em 24 de maio de 2021. O coronel golpista reafirmou o compromisso « infalível » das Forças Armadas na defesa da segurança do país, suspendendo as eleições1. No Chade, o governo atualmente é exercido pelo general Mahamat Déby, que assumiu a presidência sem eleições e nomeou quinze generais para o Conselho Militar de Transição, incluindo alguns parentes. Mahamat Déby é filho do Marechal Idriss Déby, que governou o Chade por mais de 30 anos2. Na Guiné, o presidente Alpha Condé foi deposto e preso pelo coronel Mamady Doumbouya, que dissolveu a Constituição e as instituições após a capital Conacri ser dominada por militares, com a promessa de criar um « Governo de Unidade Nacional », sempre um álibi para criminalizar aqueles que pensam diferente (TIASSOU, 2021).
- 3 Cf. Presidente do Sudão é deposto e conselho militar vai assumir o comando do país (G1, 2019).
- 4 Cf. Depois de golpe de Estado, tenente-coronel Damiba é declarado presidente de Burkina Faso (DEPOI (...)
32No Sudão, o golpe envolveu a prisão de Abdalla Hamdok, então primeiro-ministro, e a invasão da principal emissora, a Sudan TV, sob as ordens do general Abdel Fattah al-Burhan. O Sudão já era uma ditadura durante o mandato do marechal Omar al-Bashir, que foi presidente de 1989 a 2019. Al-Bashir se tornou o primeiro presidente em exercício a ser indiciado na Corte Penal Internacional por crimes contra a humanidade, como assassinatos em massa, estupros e pilhagens contra civis em Darfur3. Em Burkina Faso, em 23 de janeiro de 2022, o tenente-coronel Paul Damiba liderou o golpe de Estado ao lado do Exército, retirando Roch Kaboré do poder e o mantendo em cativeiro com as desculpas de sempre: patriotismo, combate aos inimigos internos e aceitação de « eleições limpas », ou seja, aquelas cujo resultado agrada às forças dominantes4. Algo não muito diferente ocorreu em 2023 no Gabão, onde o presidente Ali Bongo foi preso após ter sido deposto pelo Exército, na sequência dos resultados das eleições. Não custa reforçar que Bongo foi eleito pela primeira vez em 2009, logo após a morte de seu pai, Omar Bongo Ondimba, que governou o país por 41 anos. O atual presidente é o general Brice Clotaire Oligui Nguema, conhecido por ser multimilionário, envolvido em um caso de peculato e ligações com os círculos de drogas dos cartéis sul-americano-marfinenses.
- 5 A referência é à Alemanha, cujo governo promete que a nação se tornará neutra em carbono até 2045. (...)
33Mali, Chade, Guiné, Sudão, Burkina Faso e Gabão são países com graves problemas sociais, desapreço à democracia e à coisa pública, comandados com profunda inépcia a partir de uma miscelânea de interesses militares, políticos, familiares e religiosos que usam expedientes autoritários e beligerantes contra a maior parte de seus próprios habitantes. Não se trata tão somente de comparar países que pretendem eletrificar sua frota de veículos nos próximos anos5 com outros onde não há a estrutura basilar de saneamento para a maior parte de sua população. Pensar nos 17 ODS como única estrutura integrada para o desenvolvimento econômico, social e ambiental a ser adotada por todos os Estados-Membros da ONU ou é algo demasiado utópico, ou profundamente cínico perante os difíceis cenários políticos, econômicos, ambientais e sociais das periferias do mundo. Para as nações periféricas, os objetivos permanecem, apesar de modestos, muito distantes.
34Além disso, é um conjunto de propostas irrealizáveis nas periferias do mundo, especialmente em um prazo de 15 anos. Uma agenda internacional inexequível não significa colocar a justiça ambiental no horizonte e caminhar para ela dando importantes passos, como nas palavras ditas pelo cineasta argentino Fernando Birri a Eduardo Galeano e citadas no livro « Las palabras andantes » (GALEANO, 1993), mas o inverso: revela a inépcia, hipocrisia e desajuste das medidas, ações e interesses globais no tema.
35Em 2022, para comemorar o jubileu da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, a Organização das Nações Unidas, entre 02 e 03 de junho, promoveu o encontro « Estocolmo+50: um planeta saudável para a prosperidade de todos – nossa responsabilidade, nossa oportunidade », com o intento de convocar os países do mundo a cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
- 6 Cf. Atividades de Bruno Pereira e Dom Phillips eram legais, ao contrário do que diz o post (ATIVIDA (...)
36Todavia, apenas dois dias depois da realização do encontro, que buscava a prosperidade para todos num mundo saudável, justamente em 5 de junho de 2022 – « Dia do Meio Ambiente » – foram assassinados brutalmente no Brasil o indigenista brasileiro Bruno Pereira, de 41 anos, servidor licenciado da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), e o jornalista inglês Dom Phillips, de 57 anos, que colaborava com diversos jornais no exterior, como o The New York Times, The Guardian e The Washington Post. Ambos eram ambientalistas, defensores de comunidades indígenas, trabalhavam em prol da sustentabilidade ambiental, mas foram mortos na Terra Indígena do Vale do Javari, situada na parte oeste do estado do Amazonas6.
37No governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) – cuja eleição tem raízes no Golpe Jurídico-parlamentar e deposição de Dilma Rousseff em 2016 e segue o fenômeno iniciado com a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos em 2016 –, o antiecologismo beligerante e o vilipêndio da natureza se tornaram as regras no Brasil. A deposição de Dilma Rousseff e a eleição de Jair Bolsonaro, assim como a chegada ao poder de Donald Trump nos Estados Unidos, não somente ocorreram no lastro da promulgação dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, como revelaram os limites de agenda globais em desacordo com os interesses políticos. O quadro-síntese a seguir recupera os fatos discutidos nesta análise e remonta o trágico final de século para a questão ambiental contemporânea.
QUADRO-SÍNTESE – Geopolítica Ambiental e os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
- 7 O estudo teve suas descobertas apresentadas inicialmente em encontros internacionais em Moscou e no (...)
Fato histórico/(geo)político
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Mês/Ano
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Publicação de « Limites do Crescimento »
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1971-19727
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Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano (Estocolmo, Suécia)
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Junho de 1972
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Publicação de « Nosso Futuro Comum »
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1987
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Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, Brasil)
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Junho de 1992
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Cúpula do Milênio (Nova Iorque, EUA)
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Setembro de 2000
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Primeira Conferência Internacional sobre Financiamento e Desenvolvimento (Monterrey, México)
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Março de 2002
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Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Johanesburgo, África do Sul)
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Agosto-Setembro de 2002
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Segunda Conferência Internacional sobre Financiamento e Desenvolvimento (Doha, Catar)
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Novembro-Dezembro de 2008
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Crise Financeira (do Subprime, EUA)
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2007-2008
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Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio + 20 (Rio de Janeiro, Brasil)
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Junho de 2012
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Terceira Conferência Internacional sobre Financiamento e Desenvolvimento (Adis Abeba, Etiópia)
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Julho de 2015
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Cúpula do Desenvolvimento Sustentável e criação dos 17 ODS – Agenda 2030 (Nova Iorque, EUA)
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Setembro de 2015
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Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas – COP 21 (Paris, França)
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Novembro-Dezembro de 2015
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Golpe Jurídico-Parlamentar no Brasil e deposição de Dilma Rousseff (Brasil)
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Agosto de 2016
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Eleição de Donald Trump (Estados Unidos)
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08 de novembro de 2016
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Eleição de Jair Bolsonaro (Brasil)
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28 de outubro de 2018
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Organização Mundial da Saúde declara pandemia da Covid-19
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11 de março de 2020
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Organizado pelo autor.
38Como afirma Fabrina Furtado (2020, p. 61-62), as narrativas explicitamente antiambientalistas e discriminatórias contra indígenas, povos tradicionais e populações rurais se traduziram no aumento do desmatamento, de queimadas e da violência no campo no Brasil. Mesmo em tempos de pandemia, em que centenas de milhares brasileiros não resistiram à contaminação da Covid-19, o governo, as empresas mineradoras e do agronegócio não pararam, mantendo a circulação de mercadorias e do dinheiro. Como reforça a autora, o avanço da fronteira agropecuária e mineral e a concentração fundiária – com os conflitos correlatos, grilagem de terras, invasão de espaços indígenas e crimes ambientais de toda sorte – geraram a morte de trabalhadores, indígenas e demais populações vulneráveis.
39Não nos causa qualquer assombro que tanto os setores mais retrógrados de nossa economia, que combinam a obliteração das riquezas da natureza com formas violentas de trabalho, controle do território e ação política quanto as ações de Jair Bolsonaro, eleito por meio de um projeto autoritário, preconceituoso e persecutório a qualquer diferença ideológica, sejam antiecológicos. A resistência às ideias ambientalistas, mesmo quando plenamente adequadas ao modelo econômico vigente, como o desenvolvimento sustentável, é marca dos setores de produção agrícola de monocultura, de extração mineral, de produção de armas e outros negócios cujo modelo é ecologicamente exploratório. O que ainda causa espanto é que a destruição das riquezas naturais, mesmo quando explicitamente realizada e documentada – como o caso das queimadas amazônicas recentes, de grandes proporções –, não receba mais a atenção e crítica contundente de grande parte da sociedade civil.
40Como uma agenda de consenso como a defesa do meio ambiente se tornou secundária para um número tão grande de pessoas? Como a inépcia, a estupidez e a agressividade para com o meio ambiente de figuras políticas expressivas não se tornaram motivo de rechaço geral? Por que o meio ambiente deixou de ser moda para tantos milhões de eleitores, que aplaudiram verdadeiros genocídios indígenas e quilombolas para invasão e uso de suas terras por garimpeiros e madeireiros e relativizam grandes queimadas e poluição em suas diversas formas? Para além de certa virada conservadora em um país que jamais abandonou seus instintos escravistas (SOUZA, 2017), a ascensão do bolsonarismo revelou também um profundo descrédito acerca das ações ambientais, das conferências internacionais, dos interesses políticos na causa, da viabilidade de concepções vagas e elásticas e da possibilidade real de mudança no atual cenário de destruição ambiental.
41Mesmo com o encerramento do pesadelo vivido pelo Brasil entre 2019 e 2022, ficou a certeza de que a questão ambiental exige ações concretas, factíveis e sinceras. Uma agenda cujo prazo é 2030 e traz promessas inexequíveis para grande parte dos países do mundo é não somente um grande desserviço à causa, mas o retrato fiel de políticas que são construídas alheias às realidades periféricas. Seja no continente africano, seja no Brasil, não adianta apenas preencher projetos, camisetas e sacolas com imagens de boas intenções, é urgente dialogar com as populações cujos gritos por justiça ambiental permanecem inaudíveis ou desconsiderados.