1A proteção da natureza se consolidou como fator econômico e está presente nas mudanças produtivo-espaciais do tempo presente. O uso racionalizado das riquezas naturais; o replantio de árvores e mesmo a criação de áreas verdes como instrumento de compensação ambiental; a invenção, utilização e o espraiamento de tecnologias cleans; a adoção de formas de reuso da água, de gerenciamento sustentável dos resíduos sólidos e a ampliação do emprego de fontes de energias alternativas; a criação de linhas de produção ambientalmente ajustadas, com menor produção de rejeitos; a progressiva substituição de itens descartáveis e materiais nocivos ao meio ambiente no espaço da empresa; a logística reversa/verde com o retorno de embalagens e itens outrora abandonados; a certificação, normatização e propaganda das ações ecológicas das companhias; as ações de responsabilidade socioambiental, em diversas escalas e com foco em diferentes comunidades; e a busca de reconhecimento internacional, especialmente por meio de premiações outorgadas pelo setor público ou privado, têm-se tornado comuns em empresas de variados portes e dos mais distantes lugares do mundo.
2Muitas são as lógicas envolvidas nesse processo em curso: além da responsabilidade (socio)ambiental, por meio de fundações empresariais e aproximação com organizações não governamentais e instituições “sem fins lucrativos”, tornaram-se costumeiras a adoção dos “5 Rs” da sustentabilidade, que correspondem a “Repensar, Recusar, Reduzir, Reutilizar, Reciclar”; a incorporação das práticas ESG, um modelo de engajamento da empresa com aspectos ambientais (Environmental), sociais (Social) e de governança (Governance) em prol da sustentabilidade; a busca de certificações ambientais como a ISO 14001, que compreende um conjunto de requisitos nos sistemas de gestão ambiental empresariais; e a submissão de projetos de edificação a conselhos internacionais de construção verde, como o caso da rede internacional que compõe o World Green Building Council, entre outras normatizações. Emergiu um sofisticado modelo de sustentabilidade corporativa, com base em regramentos, monitoramento ostensivo, ajustamento e constante tomada de decisões ecológicas pelas equipes executivas e gerenciais das empresas.
3Com tantas medidas ambientais, a relação das empresas com a natureza se tornou menos destrutiva? As ações ambientais, sob o espectro dos interesses financeiros, são soluções profícuas para os problemas ecológicos? A adoção deste modelo de sustentabilidade tem ocasionado menores implicações ambientais para as comunidades do entorno? Em meio a indagações tão urgentes, a proposta deste dossiê, intitulado Geografia econômica, neoliberalismo e ecologia política do desenvolvimento, é contribuir para esse importante debate sobre as relações entre capital e natureza, empresa e meio ambiente, interesses econômicos e proteção ambiental. O processo avassalador que combina neoliberalismo econômico, financeirização espraiada e medidas ambientais de toda a sorte requer análises, esclarecimentos, ponderações e críticas especializadas.
4Assim, mais que uma Geografia Econômica Ambiental (Environmental Economic Geography, EEG), como alguns geógrafos estrangeiros têm proposto (GIBBS, 2006; HAYTER; 2008; HE et al., 2022), o que se pretende é refletir sobre essa verdadeira ecologia política do desenvolvimento. É importante investigar o vocabulário empresarial da temática – externalização de custos ambientais, governança, mecanismos evolutivos sinérgicos, eficiência verde, entre muitos outros (OLIVEIRA, 2022) –, mas é inadiável que seja realizada a interlocução da geografia econômica com a ecologia política, baseada na construção permanente do pensamento crítico (LEFF, (2001 [1998]) e com enfoque na complexidade do metabolismo entre sociedade e natureza em busca de soluções políticas antes de técnicas (BUDDS, 2004; ROMERO, 2009). É importante que se avaliem as condições político-econômicas geradoras de grandes transformações sociais e ambientais, mas também é necessária uma análise dos discursos que legitimam essas transformações (TOLEDO, 2014). Há uma extensa agenda de pesquisas nesse encontro de saberes da ecologia política e da geografia econômica, que inclui desde pensar o desenvolvimento econômico até a construção do chamado capitalismo verde junto à adoção da flexibilidade produtiva – em particular nos países periféricos – e os princípios da ecoeficiência empresarial. Nesse cenário, há que compreender as alianças estratégicas entre o neoliberalismo como processo social e econômico e o desenvolvimento dito sustentável, que se revelam antinomias insuperáveis em relação ao meio.
5Da mesma maneira, há que se aprofundar os estudos sobre o catálogo de ajustes ambientais das empresas e o papel atual do Estado, em particular nas periferias do capitalismo. É necessário também investigar as novas ondas de apropriação da natureza para fins ambientais e a consequente despossessão de populações na periferia do mundo, a terceirização de responsabilidades ecológicas e a instalação de indústrias em esconderijos espaciais, com a criação de zonas de sacrifício e espaços segregados, que fazem parte desse rol paradoxal de ações concretas dos setores produtivos e que revelam, em última instância, o neoliberalismo em sua forma mais beligerante e autoritária (HARVEY, 2008 [2005]).
6Esse dossiê é fruto do Grupo de Trabalho Geografia econômica, neoliberalismo e ecologia política do desenvolvimento, coordenado pelos professores Claudio Zanotelli (Ufes), Leandro Dias de Oliveira (UFRRJ), Mariana Traldi (IFSP) e Victor Tinoco Souza (UFRRJ), por ocasião do IV Colóquio Internacional Espaço e Economia. Realizado entre 13 e 16 de setembro de 2022, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o IV Colóquio Internacional Espaço e Economia – Reestruturação do espaço e do capital: movimentos contemporâneos na perspectiva da Economia Política e da produção do espaço proporcionou um amplo debate sobre as relações entre espaço e economia, abrindo trilhas de diálogo e reflexões diversificadas. Promovido pela Rede Latino-Americana de Investigadores em Espaço-Economia (RELAEE), o colóquio permitiu o aprofundamento das vinculações entre os pesquisadores brasileiros, da América Latina e da Península Ibérica, com um debate profícuo sobre a atual reestruturação do espaço e do capital.
7Compõem este dossiê 11 artigos, agregando novas contribuições analíticas aos trabalhos selecionados no IV Colóquio Internacional Espaço e Economia. Assim, são explorados, sempre sob o signo da leitura crítica e politicamente referenciada, temas como a Agenda 2030 e 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, a financeirização do meio ambiente nas ações de combate às mudanças climáticas e as implicações do neoliberalismo econômico na Amazônia, no estado do Rio de Janeiro e na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A criação de áreas protegidas e os mecanismos de segregação correlatos em Antioquia, na Colômbia; a reestruturação produtivo-territorial da Suzano Papel e Celulose no estado do Mato Grosso do Sul; os mecanismos segregadores de regularização fundiária em áreas de potencial eólico, no estado da Paraíba; e os impactos socioambientais da industrialização na comunidade de pescadores artesanais da Baía de Sepetiba, Rio de Janeiro, também estão contemplados com artigos neste volume. O dossiê conta ainda com um artigo que analisa a Petrobras no contexto da destruição criativa e uma contribuição analítica sobre as relações sociedade-natureza a partir das obras de Karl Marx e Henri Lefebvre.
8Com uma agenda tão extensa de pesquisas e temas tão instigantes e urgentes, esperamos que o dossiê Geografia econômica, neoliberalismo e ecologia política do desenvolvimento, incluído na edição de Geografares – Revista do Programa de Pós-Graduação em Geografia e do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) seja um importante incentivo para novas investigações e aprofundamentos.
9Registramos, por fim, nossos agradecimentos aos editores de Geografares por aprovarem a publicação deste dossiê, assim como aos autores, tradutores, revisores e demais envolvidos nesta empreitada. Somos gratos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo apoio ao projeto Ecologia Política, reestruturação territorial-produtiva e desenvolvimento sustentável: implicações nas periferias metropolitanas, do qual este dossiê é um importante desdobramento.
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11Dedicamos o dossiê Geografia econômica, neoliberalismo e ecologia política do desenvolvimento à Profa. Dra. Arlete Moysés Rodrigues, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Sua obra é referência central nos estudos sobre a problemática ambiental urbana no Brasil e o ideário do desenvolvimento sustentável. Sua incansável atuação por justiça social é um símbolo de luta política que nos inspira a continuar o duro trabalho de pensar a sociedade de forma crítica e inquieta.