1O forte crescimento demográfico no Brasil ao longo da segunda metade do século XX, sobretudo nas três primeiras décadas, seguido dos resultados da modernização da sociedade, como a urbanização e a industrialização, mudou a forma como a sociedade se organizava e se reproduzia. Como esses processos ocorreram de forma territorialmente heterogênea, verifica-se nos dias atuais um contexto de alta complexidade, onde conjunturas político-econômicas de escalas territoriais mais amplas impactam de forma diferenciada cada porção do território.
2A migração, como não podia deixar de ser, vem passando por mudanças profundas nas últimas décadas, resultado destas alterações quantitativas e qualitativas na sociedade brasileira. De modo sintético, cabe destacar a perda de relevância dos fluxos rural-urbano desde a década de 1980 (PACHECO; PATARRA, 1998; BRITO, 2009), alterações quantitativas e qualitativas nos tradicionais fluxos de longa distância Nordeste-Sudeste (CUNHA; BAENINGER, 2007), além do aumento nos fluxos de média e curta distância, representados pelos movimentos intraestadual, intrametropolitano e de mobilidade residencial.
3Diante deste contexto nacional, o estado do Espírito Santo, recorte territorial desta pesquisa e fronteiriço a três importantes Unidades da Federação (Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia) passou por mudanças, em termos econômicos e demográficos, em grande parte resultante das relações com esses vizinhos. Preponderantemente, os fluxos migratórios destinados ao estado capixaba provêm dos estados fronteiriços (ISJN, 2003; CASTIGLIONI, 2009), o que não difere da maior parte das Unidades da Federação, excetuando São Paulo e Rio de Janeiro, destino dos grandes movimentos em nível nacional.
4Cabe destacar, entretanto, que se as relações de vizinhança exercem influência considerável, estas também resultam das dinâmicas econômicas e sociais existentes. Constituídas ao longo do tempo, deram origens a redes de negócios, migratórias e sociais, facilitando o ir e vir, influenciando e direcionando os fluxos migratórios.
5O presente trabalho tem como objetivo analisar o volume e o direcionamento dos fluxos migratórios interestaduais com destino ao Espírito Santo, assim como os fluxos internos, entre as décadas de 1980 e 2000, de forma a verificar mudanças e continuidades, buscando estabelecer relações com a conjuntura do país e com as mudanças estruturais observadas.
6Para tanto, mostra-se necessário analisar a migração à luz dos resultados da economia capixaba em termos de inserção produtiva das pessoas, de modo a correlacionar as mudanças ao resultado econômico mais amplo, que excede o recorte territorial aqui analisado, assim como, em alguns casos, o próprio país.
7A literatura especializada nos estudos da migração interna aponta que, para o Brasil, a migração rural-urbana perdeu importância ao longo da década de 80, vindo após esse momento a predominar o tipo urbano-urbano (PACHECO; PATARRA, 1998; CUNHA; BAENINGER, 2007; BRITO, 2009). Essa mudança esteve intimamente relacionada à rápida urbanização verificada no país - tendo a migração sido, aliás, um dos motores fundamentais deste processo (MARTINE; MCGRANAHAM, 2010) – juntamente com a acelerada queda da taxa de fecundidade (BRITO, 2009).
8A partir da década de 80 a migração apresentou-se mais complexa, visto que foram observadas alterações no volume, direcionamento e alcance de fluxos historicamente relevantes. Brito (2009, p.5) entende essas mudanças como resultado dos novos processos econômicos e sociais, visto que, para ele, a migração « é um processo social que encerra em si toda a complexidade da sociedade na qual ela está inserida » e, a partir da década de 80, deixou de ser tão necessária como antes para o desenvolvimento do capitalismo e a modernização da sociedade brasileira. Cunha e Baeninger (2007), da mesma forma, apontam que a reestruturação produtiva, a opção por um modelo agrário-exportador, o nível de urbanização e o novo contexto demográfico estão entre os processos na base das mudanças observadas.
9Dentre as variações que chamaram atenção dos estudiosos destaca-se a maior intensidade dos movimentos intraestaduais e intrarregionais (CUNHA; BAENINGER, 2007) em detrimento dos interregionais, o aumento da importância das cidades médias como áreas de recebimento de migrantes, o maior crescimento dos municípios metropolitanos no lugar da sede metropolitana (BAENINIGER, 2012; BRITO, 2009), a redução, no período 2005-2010 em relação aos quinquênios 1986-1991 e 1995-2000, da imigração e do saldo migratório das principais regiões metropolitanas do Brasil (DOTA, 2015).
10O que se observa nas migrações recentes é uma maior movimentação que, na perspectiva de Domenach e Picouet (1990), seria resultado do aumento da reversão, ou seja, aumento das idas e vindas, provocadas pela redução das possibilidades de inserção econômica dos migrantes. Baeninger (2012) ressalta - a partir de uma análise para as Unidades da Federação (UFs) nos períodos 1995-2000 e 1999-2004 – que há maior rotatividade migratória, visto que praticamente todas as UFs passaram a reter poucos migrantes dentre a totalidade daqueles que circulam.
11Num período, portanto, de maior circulação e menor retenção de migrantes, mudanças na atratividade e na retenção – e consequentemente nos ganhos populacionais - podem ser usadas para compreender o papel que cada uma das UFs tem desempenhado em termos da dinâmica migratória nacional, como resultado do impacto de investimentos econômicos de larga escala que, ao longo do tempo, modificam a dinâmica territorial local e regional.
12Muito além dos volumes, a análise das características sociodemográficas das pessoas envolvidas, dentre elas a idade, a escolaridade e a condição de ocupação no mercado de trabalho, podem representar os fatores por detrás dos fluxos, e contribuir para a análise dos resultados sociais que estes estão criando nas distintas localidades.
- 1 A Região Metropolitana de Vitória foi criada pela Lei Complementar 58/1995 integrando os municípios (...)
13Nas últimas duas décadas, o Espírito Santo cresceu mais do que a média do país, com 1,96% a.a. entre 1991 e 2000 e 1,27% a.a. entre 2000 e 2010, conforme dados da Tabela 1. Esse crescimento, entretanto, mostra-se diferenciado em âmbito interno: os municípios da Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV)1 cresceram significantemente mais do que os municípios não metropolitanos nos dois períodos considerados, contribuindo decisivamente para o crescimento do estado como um todo.
TABELA 1- População e taxa de crescimento geométrica média anual (% a.a.). Brasil, Espírito Santo e localidades selecionadas. 1991-2010
Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 1991, 2000 e 2010.
14Cabe ressaltar que a diferença observada no crescimento demográfico dos municípios pertencentes à RMGV em relação aos outros municípios do estado está relacionada à dinâmica migratória no período. Como pode ser observado na Figura 1, a migração contribuiu com aproximadamente 17% do incremento populacional entre 2000 e 2010 no estado. Esse volume, entretanto, tem distribuição heterogênea, visto que na RMGV o incremento via migração representou 32% do total, enquanto nos outros municípios do estado houve evasão populacional. De todo modo, mesmo nos municípios do interior do estado não há uma homogeneidade nos resultados do saldo migratório, podendo ser observados alguns com saldo positivo e outros com saldo negativo que, considerados em seu conjunto, perderam população no período analisado.
15A forte participação da migração no incremento populacional dos municípios da RMGV reforça a relevância desta para a dinâmica demográfica, e torna necessário considerar os impactos econômicos e sociais resultantes, já que se trata, apenas na década de 2000, de um ganho de cerca de 80 mil pessoas.
FIGURA 1 - Proporção das componentes no incremento demográfico. Espírito Santo e localidades selecionadas. 2000-2010
Fonte: DATASUS. Sistema de informação de Mortalidade (SIM) e de Nascidos Vivos (SINASC). IBGE. Censo Demográfico de 2000 e 2010. Tabulações do autor.
16Os volumes acima apresentados, entretanto, devem ser analisados à luz das mudanças na economia capixaba. Os municípios da RMGV concentravam, em 2010, aproximadamente 48% da população e 63% da riqueza produzida no estado (PIB). Essa concentração, que não é muito discrepante do verificado em outros estados do país, tem uma particularidade em especial: a forma de ocupação das áreas rurais do estado privilegiou a pequena propriedade, fato materializado nos dados de Castiglioni (2009), que aponta uma menor desigualdade na distribuição de terras quando comparado com o restante do país. Neste contexto, políticas nacionais postas em prática nos anos 1960, de erradicação dos cafezais improdutivos, deram novos rumos à estrutura produtiva do estado, que caminhou sentido a industrialização (SIQUEIRA, 2009) a partir da integração à economia nacional, assim como à urbanização (CAMPOS JÚNIOR; GONÇALVES, 2009), pelos fluxos migratórios campo-cidade gerados a partir dessas políticas.
17Outro fato relevante na conformação da economia capixaba se assenta no acesso ao mar, que culminou em fortes relações econômicas com o estado de Minas Gerais para o escoamento da produção de minérios (SIQUEIRA, 2009), com grandes investimentos em ferrovias e portos. Como resultado destas relações, foram realizados outros grandes investimentos, como o complexo da Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) e polos industriais que, segundo Zanotelli (2000), foram os atrativos que culminaram em relevantes fluxos migratórios para a região de Vitória.
18Já na década de 2000 e, num contexto de valorização das commodities no mercado internacional, o estado recebeu grandes investimentos na mesma linha, relacionados à sua estrutura produtiva voltada ao comércio exterior, inclusive com o início das explorações de petróleo, pela Petrobrás, nas águas do estado (TOSCANO et al., 2014).
19Para compreender os resultados destes investimentos, a Tabela 2 apresenta o tipo de ocupação e os ramos de atividades da população ocupada na data de referência do Censo Demográfico em 2000 e 2010, e permite analisar não apenas a materialização da dinâmica econômica da década de 1990 (nos dados de 2000), mas também o resultado, em termos de inserção produtiva, das mudanças conjunturais observadas no país ao longo da década de 2000.
- 2 Neste trabalho, o recorte de idade da PIA (População em idade ativa) selecionou a população de 15 a (...)
20Inicialmente, cabe ressaltar o crescimento no número de ocupados entre 2000 e 2010, de 38,3% na RMGV, 22,4% nos outros municípios do estado e 29,4% no estado do Espírito Santo. Quando comparado com a evolução da PIA (População em idade ativa)2 , de 23,5%, 17,6% e 20,4%, respectivamente, se destaca o aumento da empregabilidade no estado como um todo.
21Esse aumento, maior nos municípios da RMGV, culminou, em 2010, que 69,1% da PIA do estado estivesse ocupada, proporção maior do que a observada em 2000 (64,3%). Tal fato, como pode ser observado nos dados da tabela, ocorreram tanto nos municípios da RMGV como no restante do estado.
22Em relação aos tipos de ocupação e os ramos de atividade, observam-se diferenças qualitativas entre os municípios da RMGV e o restante do estado. Os primeiros apresentam maior proporção de trabalhadores de alta (dirigentes, gerentes e intelectuais) e média qualificação (profissionais de nível técnico e administrativo), resultado da economia voltada ao comércio e serviços instalada em Vitória e nos municípios vizinhos.
23Os dados dos ramos de atividade em que a população está ocupada expressam essas diferenças, sendo que, em 2010, um terço da população dos outros municípios do estado, e quase um quinto de toda a população ocupada no Espírito Santo trabalhava no setor primário da economia, resquício da estrutura agrária pouco concentrada do estado (CASTIGLIONI, 2009).
TABELA 2 - População ocupada total e proporções segundo tipo de ocupação e ramo de atividade. Espírito Santo e localidades selecionadas. 1991-2010
Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2000 e 2010. Tabulações do autor.
24Em relação às mudanças observadas ao longo da década de 2000, chama atenção o relevante crescimento proporcional dos trabalhadores do tipo « intelectuais », fruto de maiores oportunidades em todas as áreas. Destes profissionais, cabe destacar um forte aumento dos trabalhadores na área de educação, sobretudo dos professores do ensino infantil e fundamental (de 6.145 em 2000 para 40.248 em 2010) e do ensino superior (de 1.554 em 2000 para 3.039 em 2010). Observou-se, concomitantemente, redução nos professores do Ensino Médio (de 7.084 em 2000 para 4.913 em 2010) e a manutenção daqueles ocupados no Ensino Técnico, em torno de 1,4 mil profissionais. Os profissionais ocupados na área de educação, aliás, aumentaram proporcionalmente em relação ao total de trabalhadores do tipo intelectual, passando de 35,5% em 2000 para 43,3% em 2010.
25As tendências observadas nos ramos de atividade apontam, como observado em outras localidades, para o crescimento dos trabalhadores em ocupações mal-definidas (outros) que, em geral, estão relacionadas a atividades precárias (subemprego). Ademais, houve a redução de mais de 12 mil postos na agricultura e extrativismo nos outros municípios do estado, que culminou na redução proporcional da importância deste setor em 2010 quando comparado a 2000.
26Diante da importância do trabalho como meio de reprodução social e suas relações com os deslocamentos da população, mostra-se necessário analisar a tendência dos movimentos populacionais nas décadas de 2000 e 2010, o que será feito na próxima seção.
27Se em relação a algumas variáveis demográficas o Espírito Santo avançou mais rapidamente que o país, como aponta Castiglioni (2009) para a fecundidade, na migração o Estado não chegou a representar um destino importante em nível nacional, fazendo trocas principalmente com estados fronteiriços.
- 3 Migrantes data-fixa são aqueles que, cinco anos antes, residiam em município distinto do informado (...)
28A Figura 2 apresenta o volume de imigrantes e emigrantes data-fixa3 dos recenseamentos de 1991, 2000 e 2010, analisados em dois grupos: os municípios que compõem a RMGV e o restante do estado (outros ES). No caso da RMGV, os dados apontam para uma redução na recepção de migrantes intraestaduais e uma relativa manutenção, entre 1991 e 2010, no volume de imigrantes interestaduais. Por outro lado, quanto à emigração intraestadual, é possível observar aumento no período 1995-2000 e redução no período posterior, e exatamente o mesmo para as saídas interestaduais que apontam para a relevância dos fatores conjunturais atuantes nos períodos.
FIGURA 2 - Volume de imigrantes e emigrantes com origem e destino nos municípios do Estado do Espírito Santo. RMGV e Outros municípios do Estado. 1986-1991, 1995-2000 e 2005-2010
Fonte: Censo Demográfico de 1991, 2000 e 2010. Tabulado pelo autor.
29A emigração, ao menos no caso dos municípios da RMGV, se comportou como o observado em outras áreas. Se no final da década de 1990 o país passava por uma forte crise que culminou no aumento dos fluxos migratório dos movimentos de média e longa distância, na segunda metade da década de 2000 foi o inverso: o período de crescimento econômico atravessado pelo país aumentou os níveis de empregabilidade, culminando na redução destes fluxos, como mostra Dota (2015) para as principais regiões metropolitanas do Brasil. Cabe destacar, entretanto, que esta leitura se adequa bem para áreas com economia dinâmica, visto que a variação ocorre de forma muito clara tanto para os fluxos intraestaduais quanto para os interestaduais.
30No caso dos outros municípios do estado (não-metropolitanos), as trocas apresentaram dinâmica distinta, com a imigração intraestadual em crescimento e a interestadual mantendo praticamente os mesmos níveis nos três períodos. Destaca-se, como no outro recorte analisado, a emigração: no âmbito do estado (intraestadual), esta apresentou crescimento no período 2005-2010 em relação aos anteriores, enquanto a interestadual apresentou redução gradativa nos três períodos considerados, com destaque para o último. A explicação para tal dinâmica também está relacionada aos reflexos do período de crescimento econômico no Espírito Santo. Novamente se destaca o aumento das oportunidades de inserção econômica, que culminou no aumento da circulação de migrantes entre os municípios não metropolitanos - de pouco mais de 17 mil no período 1986-1991 para mais de 61 mil no período 2005-2010 - e que, ao mesmo tempo, fez com que as saídas para outras Unidades da Federação também perdessem volume.
31A Figura 3 apresenta o saldo migratório nos períodos analisados, que é resultado das trocas acima apresentadas. Os municípios da RMGV obtiveram saldo positivo com gradativa redução nas trocas com outros municípios do próprio estado. Nas trocas interestaduais, houve aumento do saldo no período 2005-2010 em relação ao anterior, apesar deste ainda ser menor do que o verificado no período 1986-1991.
FIGURA 3 - Saldo migratório das trocas com origem e destino nos municípios do Estado do Espírito Santo. RMGV e Outros municípios do Estado. 1986-1991, 1995-2000 e 2005-2010
Fonte: Censo Demográfico de 1991, 2000 e 2010. Tabulado pelo autor.
- 4 Segundo Toscano et al. (2014), aproximadamente 68% do PIB da RMGV estaria de alguma forma relaciona (...)
32Segundo o ISJN (2003, p.14), o forte saldo positivo do estado no período 1986-1991 teria sido o resultado das « mudanças estruturais na economia capixaba, com a implantação de grandes indústrias e o relativo bom desempenho do Espírito Santo vis-à-vis ao medíocre desempenho da economia nacional ». No período 2005-2010, é possível apontar o saldo positivo também como resultado da dinamicidade apresentada pela economia capixaba, sobretudo pelos altos preços das commodities no mercado internacional e seus reflexos em investimentos e geração de empregos. Neste caso, se a conjuntura afetou o país como um todo, o Espírito Santo se beneficiou ainda mais, visto a relevância do comércio internacional para a sua economia4.
33Em relação aos municípios não metropolitanos do Espírito Santo, observam-se consideráveis perdas populacionais via migração que, segundo Castiglioni (2009), seriam resultado das transformações no eixo produtivo do estado, cujos principais fluxos destinados à RMGV e a outros estados eclodiram ainda nas décadas de 1960 e 1970. Nos três períodos considerados, as trocas com os municípios da RMGV apresentaram resultados negativos gradativamente menores, indicando uma estagnação destas transformações e, nas trocas interestaduais, apenas no último período (2005-2010) os municípios apresentaram saldo positivo, de quase 20 mil pessoas.
34Cabe destacar, neste sentido, que o período 2005-2010 representou um momento peculiar nos últimos 30 anos em termos de migração, com saldo positivo considerável nas trocas com outros estados, principalmente pela retomada dos municípios não-metropolitanos.
35Vários estudos que se debruçaram sobre as trocas migratórias do Espírito Santo com outras Unidades da Federação, dentre os quais Castiglioni (2009) e ISJN (2003), apontaram que grande parte de seus fluxos, tanto de imigração quanto de emigração, ficam concentrados em estados vizinhos, fundamentalmente Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Tal dinâmica seria fruto do peso da atividade econômica do estado em nível nacional, pouco relevante para a atração de fluxos de mais longa distância.
36Diante do aumento do saldo migratório no período 2005-2010, mostra-se pertinente verificar se houveram mudanças, em relação aos períodos anteriores, nas localidades de origem dos imigrantes, assim como no direcionamento daqueles que deixaram as terras capixabas.
37A Figura 4 apresenta, em termos proporcionais e separados para os municípios da RMGV e o restante, os estados de origem dos imigrantes e de destino dos emigrantes interestaduais. Não foram observadas grandes mudanças entre os períodos analisados, mas cabe destacar alguns aspectos que podem ser indicativos de mudanças qualitativas nas trocas.
FIGURA 4 - Proporção de imigrantes segundo lugar de origem e de emigrantes segundo lugar de destino. RMGV e Outros municípios do Estado. 1986-1991, 1995-2000 e 2005-2010
Fonte: Censo Demográfico de 1991, 2000 e 2010. Tabulado pelo autor.
38Dentre os imigrantes dos municípios da RMGV, percebe-se aumento proporcional dos originados na Bahia em detrimento daqueles de Minas Gerais e Rio de Janeiro, assim como a manutenção da proporção dos originados em outras Unidades da Federação, com aproximadamente 25% do total. Quanto à emigração, pouca variação foi observada entre os períodos, sendo que aproximadamente um terço dos emigrantes, nos três períodos considerados, direcionou-se para outros estados.
39Nos outros municípios do estado as localidades de origem apresentaram dinâmica idêntica aos municípios da RMGV, apenas com proporções diferenciadas. A emigração, por outro lado, se destacou: pode-se observar redução gradativa da importância das outras Unidades da Federação como destino - com redução de 60,3% no volume no período 2005-2010 em relação a 1986-1991 - e o consequente aumento da importância de Minas Gerais e Rio de Janeiro - apesar da manutenção do volume do período anterior.
40Nas trocas interestaduais, portanto, o Espírito Santo continua a se relacionar fundamentalmente com os estados fronteiriços. Pode-se afirmar, ademais, que a conjuntura econômica favorável ao longo da década de 2000 representou, em termos de atração, numa maior importância dos fluxos originados na Bahia e, em termos de saídas, num menor volume de pessoas destinando-se para outras Unidades da Federação além daquelas fronteiriças. Essa última mudança, que foi verificada particularmente nos municípios que não pertencem à RMGV (outros), pode ser um sinal de que o aumento da empregabilidade ao longo da década de 2000 tenha culminado na retenção de migrantes que, em outras situações, teriam se destinado a outras Unidades da Federação, reduzindo o papel do estado enquanto ponto de uma trajetória mais ampla, ao menos temporariamente.
41Os dados apresentados na sequência se referem aos imigrantes do Espírito Santo nos períodos 1995-2000 e 2005-2010, com 15 anos ou mais de idade. Cabe ressaltar que o corte de idade tem o objetivo de analisar aqueles que, em grande parte, são protagonistas do movimento, em detrimento dos menores que, em geral, se movimentam acompanhando os pais e não exercem atividade laboral.
42Assim como nas seções anteriores, a organização dos dados privilegiou a comparação, tanto dos migrantes que se dirigiram para localidades diferentes - neste caso, para os municípios da RMGV ou para os outros municípios - como também as mudanças vislumbradas entre os dois períodos analisados.
43Em relação à idade dos migrantes, pouca variação é observada: de modo geral, nos dois períodos analisados, nas duas áreas e nas duas modalidades migratórias há um mesmo padrão etário, com aproximadamente 45% dos migrantes nas idades entre 15 e 29 anos, 35% entre 30 e 44 anos, 13% entre 45 e 60 anos e 7% apresentavam mais de 60 anos de idade, conforme Figura 5.
44Este padrão converge com o esperado, ou seja, os mais jovens em maior proporção. A pequena variação de idade entre os períodos (redução de aproximadamente 2% entre os 15 e 29 anos de idade) também - considerando que a idade média da população brasileira vem crescendo gradativamente.
Figura 5 - Imigrantes segundo grupos etários, modalidade migratória e destino. RMGV e Outros municípios do Estado. 2000 e 2010
Fonte: Censo Demográfico de 2000 e 2010. Tabulado pelo autor.
45Se se partir do entendimento de que grande parte do movimento dos mais jovens se refere à transição para a vida adulta (COURGEAU; LELIËVE, 2006) e, ao mesmo tempo, movimentos de curta e longa distância tendem a apresentar características distintas (NIVALAINEN, 2004), a igualdade, em termos de idade, nos dados dos migrantes intraestaduais e interestaduais pode ser indicativo de homogeneidade nas condições econômicas e demográficas destes estados. Portanto, se as diferenças são resultado dos objetivos diferenciados que os movimentos apresentam (DOTA, 2015), a relativa igualdade das localidades de onde se originam os fluxos tenderia a tornar os objetivos menos diversificados e com maior propensão à questão econômica.
46A diferença de escolaridade pode contribuir com o entendimento das dinâmicas migratórias e na verificação de possíveis diferenças. Na Figura 6 é possível perceber alguns aspectos reveladores: há uma seletividade dos migrantes que se direcionam para os municípios da RMGV, mais escolarizados, nas duas modalidades e nos dois períodos considerados.
FIGURA 6 - Escolaridade dos imigrantes segundo a modalidade migratória e o destino. RMGV e Outros municípios do Estado. 2000 e 2010
Fonte: Censo Demográfico de 2000 e 2010. Tabulado pelo autor.
47O fato de, tanto em 2000 quanto em 2010, em termos de escolaridade, os movimentos intraestadual e interestadual apresentarem padrões semelhantes reforça a afirmação anterior, da semelhança entre os fluxos migratórios intra e interestadual. Da mesma forma, a seletividade existente entre os que se dirigem para os municípios da RMGV e para os outros municípios do estado é resultado da concentração das atividades de maior complexidade nos primeiros - e que exigem maior escolaridade - na dinâmica migratória do estado.
- 5 Para os dados de inserção produtiva foram consideradas as pessoas migrantes data-fixa com idade ent (...)
48Em relação à inserção produtiva destes migrantes, os dados da Tabela 35 apontam as melhores condições em termos de empregabilidade daqueles que migraram no período 2005-2010 em relação aos que migraram na segunda metade da década de 1990. Para os migrantes do último período, a proporção dos ocupados ficou em torno de 65%, ligeiramente menor para os interestaduais, enquanto aqueles do período anterior observavam cerca de 60% da PIA ocupada, também menor para os interestaduais.
TABELA 3 - Volume e proporção de imigrantes ocupados de 15 a 65 anos de idade segundo o tipo de ocupação, modalidade migratória e destino. RMGV e Outros municípios do Estado. 2000 e 2010
Fonte: Censo Demográfico de 2000 e 2010. Tabulado pelo autor.
49Se em nível nacional o Espírito Santo não desempenhou papel de destaque na atração de migrantes de longa distância, não se pode desconsiderar a importância dos fluxos originados nos estados vizinhos que culminou, nas últimas duas décadas, numa taxa de crescimento maior do que a média do país. Da mesma forma, a movimentação interna merece mais análises, tendo em vista o crescimento no volume da movimentação entre os municípios do próprio estado.
50A concentração do incremento populacional via migração nos municípios da RMGV atesta a relevância do fenômeno para a região e o estado, demandando uma atenção dos gestores que antes se mostrava pouco relevante. Para tanto, conhecer as tendências em relação a volumes e características sociodemográficas pode contribuir para esforços mais e eficazes.
51Os dados de empregabilidade e das distinções segundo áreas verificadas no mesmo, via setor de atividades e tipo de ocupação, materializam os desafios colocados: a redução da importância do setor industrial, por exemplo, pode afetar mais fortemente municípios com grande peso deste setor, assim como a redução dos postos de trabalho na agricultura poderá gerar ainda grandes levas de migrantes à se colocar em movimento.
52Os volumes e o direcionamento dos fluxos indicam a importância das conjunturas político-econômicas, que afetam a existência de oportunidades e podem culminar no aumento ou redução dos fluxos. Se as tendências dos efeitos econômicos apresentadas nos dados se mantiverem, pode-se prever para o período vigente uma redução do saldo migratório para o estado, influenciado pela sucessiva piora dos indicadores econômicos que estão sendo apresentados. Por outro lado, como esta é uma conjuntura geral, é difícil precisar o que, de fato, estará materializado nos dados vindouros.
53As fortes relações entre o Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro merecem ser mais profundamente estudadas, em outros níveis escalares, buscando explorar com mais detalhes os movimentos que ocorrem entre os municípios de pequeno e médio porte que os compõe e que, muitas vezes, ficam às margens das análises mais gerais, como a realizada aqui. Esta leitura implica na necessidade de se romper com os limites político-administrativos que tradicionalmente são considerados nos estudos para analisar áreas mais amplas e, como hipótese para análises futuras, de circulação constante.
54Por fim, o impacto das conjunturas na migração coloca em destaque os retornos que, certamente, têm relevância nas trocas verificadas, seja a partir das raízes históricas, ou mesmo como reação dos relevantes fluxos direcionados para a RMGV nas últimas décadas.