1A Amazônia é um território fértil para a atuação de pesquisadores voltados às questões que envolvem a problemática ambiental, o ordenamento territorial e as dinâmicas socioeconômicas em decurso, as quais são minadas de peculiaridades e características arraigadas em complexos fatores endêmicos, determinantes para a formação do mosaico de contradições que é a região. Neste contexto, Cachoeira do Arari, município pertencente ao arquipélago do Marajó é exemplo claro de um território amazônico cuja realidade socioeconômica gera preocupação, principalmente no que diz respeito às atividades produtivas desenvolvidas e seus efeitos sobre o ambiente natural, cultural e social. E um dos motivos de tal preocupação converge para os recentes conflitos provenientes da instalação da rizicultura em grandes áreas do município.
2Com a expulsão dos rizicultores das terras indígenas no estado de Roraima, ocorreu a transferência da produção para o arquipélago do Marajó, especificamente no município de Cachoeira do Arari. Porém esta nova atividade agrícola vem gerando diversos problemas junto às comunidades residentes próximas às áreas onde o arroz está sendo cultivado. Conflitos estes relacionados ao uso dos recursos naturais e acesso a eles, bem como na legalidade das áreas utilizadas e todo processo de implantação do cultivo do arroz em Cachoeira do Arari.
3Neste sentido, deve-se considerar as implicações socioambientais do cultivo de arroz em Cachoeira do Arari, a forma como está sendo implantado, sem desconsiderar a necessidade de incremento econômico municipal em busca de desenvolvimento. No entanto, é relevante salientar a obrigação relativa ao estado em promover a gestão e ordenamento do território em seus diferentes níveis hierárquicos, a fim de que se possa equalizar as demandas mitigando os impactos negativos, auferindo legitimidade a todo tipo de intervenção humana, fazendo valer o princípio constitucional do direito à qualidade de vida e meio ambiente equilibrado (ROCHA, 2007).
4Destarte, a presente pesquisa, tem como objetivo central analisar as possíveis implicações sociais e ambientais da implantação da rizicultura em Cachoeira do Arari, a partir de um olhar subjetivo focado na percepção da paisagem e nas transformações no cotidiano dos moradores afetados. Para isso o procedimento metodológico perpassou a análise de indicadores socioeconômicos municipais, documentos oficiais que tratam do uso e ocupação do solo em Cachoeira do Arari e entrevistas com moradores e autoridades além da observação crítica no local, ressaltando a relevância da investigação in loco a partir da observação crítica do cenário em questão, em busca do entendimento das causas e possíveis soluções para a problemática analisada.
5Os resultados obtidos apontam para a ausência do poder público na condução e orientação do processo de implantação da rizicultura em Cachoeira do Arari, bem como no não cumprimento de leis ambientais para o tipo de atividade e suas exigências, e por fim no desrespeito às comunidades locais afetadas pelo cultivo.
6Cachoeira do Arari está localizado no centro da microrregião dos Campos da Ilha do Marajó no estado do Pará, à margem esquerda do Rio Arari. Possui uma extensão territorial de aproximadamente 3.102 km², e faz divisa com os municípios de Chaves, Soure, Salvaterra, Ponte de Pedras e Santa Cruz do Arari (Figura 1) (DA CRUZ, 1987).
7Sua população é estimada em 21.311 habitantes segundo o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010). É composta por uma maioria residente na área rural do município com 64% e o restante na sede urbana.
8Segundo Oliveira (2012), a região do Arari teve como primeiros habitantes os índios Aruãs, sendo que até hoje são encontrados vestígios da ocupação indígena pelo território do município. Porém, as terras do Marajó, referentes à Microrregião do Arari, foram as que primeiro sofreram o processo de colonização, representado, principalmente, pelos missionários de diversas ordens religiosas, especialmente os jesuítas.
9A gênese do município de Cachoeira do Arari está no período colonial, justamente com a chegada dos jesuítas em meados de 1700. Pois, nesse período foram fundadas fazendas de gado pertencentes aos religiosos ao longo do alto rio Arari.
10A região amazônica possui uma extensão geográfica que compreende quase 60% do território nacional, abarcando nove estados da região norte do Brasil. A Amazônia é uma arena de conflitos que partem de interesses distintos e que repercutem na forma como ela é vista e conduzida pelo Estado, cobiçada por nações estrangeiras, e ocupada por diferentes atores que coexistem em um cenário socioambiental peculiar em constante transformação. Nesse cenário, muito se discute em nível acadêmico e governamental sobre as possibilidades de desenvolvimento sustentável para a região. Bertha Becker (2008) aduz como caminho primordial a condução de uma economia produtiva subsidiada pela ciência e tecnologia para a exploração racional dos recursos naturais, rompendo o paradigma produtivo « ultrapassado » pautado em processos ambientalmente devastadores e socialmente desiguais ainda vigentes na região, como a exploração mineral, o comércio de madeira e a pecuária. Pois, desde os primórdios da colonização até os dias atuais, a Amazônia exerce um papel de mera fonte de recursos para os pólos industrializados do Brasil à fora, sem preocupação com riscos ou restrições ao modo como a região é explorada (CARVALHO, 2005).
FIGURA 1 - Localização do município de Cachoeira do Arari
Fonte: Barbosa (2005)
11Mediante o exposto, o Estado do Pará se destaca, pois, suas dimensões territoriais condizem com seus conflitos inerentes ao uso e ocupação do solo e aos sistemas produtivos impactantes que refletem na sua organização socioambiental.
12O território paraense sempre enfrentou desafios no que tange à sua estruturação econômica, seja nos impasses referentes à gestão de seus recursos naturais, fomento às atividades econômicas e proteção às comunidades tradicionais e patrimônio cultural, como também na capacidade institucional de gerir o território, dificultando o aumento sustentável da heterogeneidade produtiva como forma de combater a existência monopolista de setores econômicos tradicionais, responsáveis pela estagnação do mercado de trabalho e a inércia em diferenciais tecnológicos e científicos.
13Até então os encaminhamentos políticos/governamentais não conseguiram equacionar eficientemente um modelo de desenvolvimento que resulte em maior justiça social, equilíbrio ambiental e em um cenário condizente com as atuais necessidades de manutenção dos recursos e melhorias na qualidade de vida e bem-estar social da população.
14Um retrato da inércia econômica e exploração ambiental degradante no Estado do Pará é o arquipélago do Marajó. Uma região formada por municípios economicamente frágeis, detentores de incipientes índices de desenvolvimento social e humano, e altamente dependentes do repasse de recursos federais e estaduais.
15O arquipélago do Marajó é composto por 15 municípios, dentre os quais se destacam Soure e Salvaterra, tanto pela economia mais diversificada em relação aos demais, quanto pela infraestrutura de serviços e densidade demográfica.
16Com uma economia pautada na exploração vegetal, pecuária, agricultura de subsistência e pesca artesanal, a maioria dos municípios marajoaras sofre com a falta de recursos e investimentos em setores básicos. A dinamização da economia local também é afetada pela condição de Área de Proteção Ambiental na qual a maior parcela do território marajoara está enquadrado.
17Nesse contexto está Cachoeira do Arari, o qual ocupa 12ª posição em número de habitantes dentre os municípios marajoaras, com a média de 6,55 habitantes por Km², e cerca de 18% constituída por pessoas sem formação escolar básica, e uma taxa de habitantes desempregadas de 10,42% (SEPOF, 2011).
18Cachoeira do Arari segundo a SEPOF - Secretaria de Estado de Planejamento Orçamento e Finanças (2011) possui um IDH - Índice de Desenvolvimento Humano relativamente bom , porém, deve-se considerar que este índice não é um retrato fidedigno da realidade apesar de sua clara evolução (Tabela 1), e ao ponderar que o município tem um dos piores índices de educação do Estado, o que torna o IDH um indicador que pode ser utilizado de maneira tendenciosa e em certas ocasiões mascarando a realidade do local.
TABELA 1 - IDH de Cachoeira do Arari
Fonte: Adaptado de PNUD/IPEA/IDESP (2011)
19De acordo com a CMN – Confederação Nacional dos Municípios (2014), a renda média per capita da população de Cachoeira do Arari é de R$ 114,07, e encontra-se abaixo das médias estadual e nacional, nada mais do que o reflexo de um conjunto de fatores típicos de municípios brasileiros criados sem nenhuma base econômica sólida e que sobrevivem do assistencialismo e da perseverança do povo acostumado com a falta de recursos.
20A economia local é pautada na agricultura, pecuária, pesca artesanal, extrativismo vegetal, na arrecadação municipal e recentemente com a inserção da rizicultura, objeto de estudo desta pesquisa. Tais atividades compõem a economia municipal e convergem para um Produto Interno Bruto de aproximadamente 47.355 reais (SEPOF, 2011), o que caracteriza uma economia insustentável do ponto de vista das perspectivas de desenvolvimento, contribuindo para as constantes migrações de moradores para outras regiões do Estado. Dentre os setores que mais empregam estão; a agropecuária e o comércio local, como afirma Oliveira (2012, p.33) no trecho a seguir;
21A pecuária é a atividade econômica de maior expressão e a maior parte da produção é destinada ao mercado externo. A forma de exploração agropecuária e extrativa do Marajó se reflete na sua estrutura fundiária, na qual a capacidade de suporte pecuário requer grandes extensões de terra por rebanho (OLIVEIRA, 2012, p.33).
22Para o turismo, Cachoeira do Arari apresenta como potencial belas praias fluviais como a Aranaí e a Chipaiá, ambas pouco exploradas, e cercadas por diversos rios, como o Arari, Caruará, Caracará, Aranaí e Urubuguara. Outro ponto forte é o lago Arari, localizado entre Cachoeira do Arari e o município de Santa Cruz do Arari. Segundo a Paratur – Companhia Paraense de Turismo (2003) o lago Arari possui grande importância turística por abrigar inúmeras espécies de pássaros e peixes formando a reserva de fauna do Marajó.
23Cachoeira do Arari possui um clima classificado como equatorial úmido com temperatura média em torno de 27º C, com umidade elevada e alta pluviosidade. Nos meses chuvosos, ocorrem as menores temperaturas do ano, ou seja, os típicos inverno e verão amazônico (IDESP, 1974).
24Em sua geomorfologia Cachoeira do Arari tem como características fundamentais o solo constituído de Laterita Hidromórfica, que segundo o Idesp (1974) é um tipo de solo muito alterado e com grande concentração de hidróxido de ferro e alumínio. No município também são associados a Areais quartzosas e solos aluviais.
25Assim como em toda ilha do Marajó, o relevo de Cachoeira do Arari é aplainado, a sede municipal é o local mais alto em relação ao nível do mar. A estrutura geológica caracteriza-se pela evidente simplicidade, representada pelos sedimentos Quaternários antigos e recentes. Os primeiros assentam-se em restos do Terciário (Formação Barreiras), enquanto os últimos, são representados pelos aluviões. Morfoestruturalmente inserem-se na unidade do Planalto Rebaixado da Amazônia (SEPOF/ IDESP, 2011).
26Predominam em Cachoeira do Arari as seguintes formas de vegetação; Floresta Densa de Terra Firme: Campos Cerrados; Campos Altos e Campos Baixos, com florestas mistas ao longo dos cursos d’água e várzeas sujeitas à inundações, onde também ocorre a presença de mangues (IDESP, 2011). Segundo Brito (2011, p.22) apud Capobianco et al. (2001), Cachoeira do Arari é uma área considerada de preservação com grau de prioridade elevado (área de extrema importância), com vegetação de várzeas, manguezais, campos, tesos e muitas áreas de vegetação secundária. Dados do Idesp – Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Pará (2011) mostram que todo o território de Cachoeira do Arari está enquadrado como Unidade de Conservação de Uso Sustentável.
- 1 Fonte: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Elaboração: IDESP.
27No entanto, Cachoeira do Arari figura como um dos municípios do Marajó com o maior índice de desmatamento ao longo da última década, com aproximadamente 56%1 do seu território desmatado, sendo resultado da pecuária e da extração de madeira e mais recentemente a rizicultura (IDESP, 2011). Ou seja, não existe controle efetivo sobre o uso e ocupação do solo municipal, bem como dos recursos naturais existentes, o que deveria ser obrigação do Estado e da esfera de governo federal, pois, praticam crimes de omissão ao deixarem de exercer suas respectivas responsabilidades administrativas. E a implantação da rizicultura sem estudos prévios de impactos é um exemplo claro do que está sendo discutido.
28Quanto à infraestrutura básica, na área da saúde, o município conta com três postos de atendimento básico e uma unidade de atendimento de urgência e emergência (SEPOF, 2011).
29Em relação ao abastecimento de água, apenas 25% dos domicílios do município são atendidos com a rede de distribuição de água encanada. Quanto à disponibilidade de rede de tratamento, o município encontra-se desprovido de estrutura adequada, sendo que a grande maioria, cerca de 90% dos domicílios utilizam fossas rudimentares, sem tratamento adequado (IDESP, 2011).
30Outro ponto problemático é a coleta e destinação do lixo, nesse quesito, Cachoeira do Arari não possui medidas de ação, pois, segundo pesquisas recentes (IBGE, 2010) o comum no município é a queima dos resíduos domiciliares devido à precariedade do sistema de coleta e destinação, onde menos de um por cento dos domicílios têm a coleta regular de seus resíduos.
31É importante ressaltar que todos os aspectos citados anteriormente possuem correlação direta com as questões ambientais e de sustentabilidade municipais, pois, tratam de fatores que influem na qualidade do meio ambiente e por consequência na qualidade de vida da população, o que é notório não fazer parte da pauta de prioridades da administração pública, seja por desconhecimento técnico ou por simples ignorância política.
32Encerrando este tópico, é importante frisar que Cachoeira, assim como outros municípios Amazônicos, possui diversas carências estruturais e econômicas, no entanto, apresenta uma riqueza cultural disposta nos costumes e tradições do povo, assim como paisagens únicas, o que o torna um lugar singular e com potencial para se desenvolver de forma justa e sustentável.
33A complexidade que envolve os desafios do desenvolvimento sustentável configura um paradigma onde são necessárias ações efetivas de gestão ambiental e que, em última instância, tem relação com a formulação e implementação de políticas públicas.
34Para tratar sobre o tema Gestão Ambiental em nível municipal de governo, torna-se imprescindível contextualizar com avanço político e teórico do tema nos últimos anos.
35Segundo Maimon (1992), existem três períodos históricos que marcam o avanço no desenvolvimento das políticas ambientais no Brasil; o primeiro durante os anos de 1970, o segundo na década de 1980 justamente pela difusão mundial dos problemas ambientais e elaboração dos primeiros regimentos legais, e o terceiro nos anos de 1990, e que perdura até hoje.
36Diferentes autores, como Almeida (1998), Bordalo (1999) e Ferreira (2003), confirmam a relevância dos três períodos mencionados apesar de já existirem alguns outros marcos regulatórios ambientais no Brasil desde os anos trinta, não exatamente voltados à preservação ou conservação dos recursos, mais de acordo com o contexto político nacional da época, e que tinham um maior interesse na defesa do território do que na proteção ambiental.
37Em 1973, após a realização da Conferência de Estocolmo, o Brasil criou a Secretaria Especial de Meio Ambiente ligada ao Ministério do Interior (BORDALO, 2007). A criação desse órgão, nada mais era do que uma pequena resposta às pressões internacionais tendo em vista o modelo de desenvolvimento em vigor no Brasil. Em 1981 foi homologada a Lei Federal nº 6.938/81 que rege a Política Nacional de Meio Ambiente. Essa política trouxe consigo alguns instrumentos, como Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA. No entanto, entende-se como um grande avanço no direcionamento da gestão política do meio ambiente no Brasil a promulgação da Constituição de 1988, a qual gerou uma massa de discussão pelo país a fora.
38A Constituição Federal de 1988 prevê que a execução da política ambiental é de comum competência entre os entes federados, devendo envolver a sociedade como um todo, contudo ela não explicita como isso deve ser feito ou de que maneira deve funcionar (LEME, 2010). Com estes avanços legais a autonomia dos municípios foi assegurada pela Constituição Federal de 1988 que, em paralelo à Política Nacional do Meio Ambiente, representam um avanço nas questões ambientais do país.
39Porém, a atuação do município efetivamente no âmbito da fiscalização e controle ambiental somente foi regulamentada em 1997 com a Resolução CONAMA Nº237, Art. 6º. Um dos principais aspectos referentes à atuação municipal diz respeito ao licenciamento ambiental, onde o município possui a autonomia para licenciar empreendimentos e atividades com impacto local.
40Outra determinação da Resolução Conama nº 1/86 diz respeito à realização de audiência pública, a ser convocada pelo órgão estadual competente, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) ou, quando couber, o município, sempre que julgar necessário, para informação sobre o projeto e seus impactos ambientais (artigo 11, § 2º). As regras para a realização desta audiência pública estão previstas na Resolução Conama nº. 9/87.
41Ou seja, para atender tanto a legislação federal em vigor, quanto às regras, normas e leis estaduais, o município necessita ter uma estrutura política e administrativa mínima organizada e em funcionamento, com técnicos formados e capacitados, pois, dispor de algum tipo de órgão para tratar da questão ambiental é elemento básico para implementar as políticas ambientais no município, o que diverge da realidade encontrada na maioria dos municípios do interior do Pará.
42Em municípios como Cachoeira do Arari, de difícil acesso e muito distante da capital, com poucos recursos e muitas demandas, a pauta sobre meio ambiente quase nunca é priorizada. Nesse sentido, Cachoeira do Arari não conta com uma Secretaria Municipal de Meio Ambiente, mesmo sendo um município com seu território considerado área de proteção ambiental, o que o torna ainda mais peculiar e carente nesse aspecto, pois, a gestão ambiental de um município localizado em áreas de proteção é distinta daquela em áreas destinadas à exploração mineral ou em áreas de expansão agropecuária. Pois, a renda per capita da população, o grau de mobilização social, a diversidade populacional (comunidades tradicionais, industriais, população rural ou urbana) também interferem nas características socioambientais desses territórios (LEME, 2010). Ou seja, Cachoeira do Arari é desprovida de qualquer forma de gestão ambiental em sua estrutura administrativa, ficando sem o devido controle sobre seus recursos e totalmente dependente da estrutura de meio ambiente do Estado. Tais constatações demonstram o cenário favorável à degradação ambiental e à livre ação de pessoas e atividades sem o cumprimento de quaisquer critérios voltados à preservação ambiental no município, como é o caso da rizicultura, o que deveria ser uma premissa irrevogável, tendo em vista que;
43Toda região do Marajó é uma APA – Área de Proteção Ambiental - instituída pela Constituição Estadual, art. 13, § 2º « O arquipélago do Marajó é considerado área de proteção ambiental do Pará, devendo o Estado levar em consideração a vocação econômica da região, ao tomar decisões com vistas ao seu desenvolvimento melhoria das condições de vida da gente marajoara » (OLIVEIRA, 2010. p. 38).
44O cultivo do arroz em larga escala é a atividade que mais produz alimento no mundo, faz parte da base econômica de diversos países, porém, se não adequada às regras e leis de proteção ambiental, pode gerar inúmeros problemas ao meio ambiente e à sociedade em geral (LACERDA, 2009).
45Cerca de metade da população mundial consome arroz. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (2012), a produção mundial de arroz em 2012 chegou à marca de 735 milhões de toneladas, com um aumento de 2,2% ao ano, tendo o aumento das áreas produtivas como um dos principais fatores que impulsionaram este crescimento.
46Nenhuma outra atividade econômica alimenta tantas pessoas, sustenta tantas famílias, é tão crucial para o desenvolvimento de tantas nações e apresenta mais impacto sobre o nosso meio ambiente. A produção de arroz alimenta quase a metade do planeta todos os dias fornece a maior parte da renda principal para milhões de habitações rurais pobres, pode derrubar governos e cobre 11% da terra arável do planeta (CANTRELL, 2002, p. 30).
47O maior produtor de arroz do mundo é o continente asiático. O Brasil é o nono maior produtor de arroz do mundo, com uma área de cultivo estimada em mais de três milhões de hectares (EMBRAPA, 2012). A região brasileira que lidera a produção nacional é a Sul, com o Estado do Rio Grande do Sul como maior produtor. O Estado do Pará ainda se encontra entre os menores produtores do país. Quanto ao modelo de produção, o sistema de cultivo do arroz aplicado em Cachoeira do Arari é semelhante ao desenvolvido em outras regiões do Brasil, e é baseado na semeadura de sementes pré-germinadas em solos alagados.
48Segundo Cadorin (2011) o solo passa por uma espécie de tratamento, onde é necessária a formação de uma crosta de lama para em seguida realizar seu nivelamento e alisamento, e posteriormente à semeadura com o solo inundado, para isso são construídos canais de irrigação e drenagem (Figuras 2 e 3).
FIGURAS 2 e 3 - Canal de irrigação em Cachoeira do Arari
Autor: Os Autores (2013)
49E para a germinação é mantida uma lâmina de água com cerca de 5 cm, a qual permanece até a fixação do arroz, e em seguida essa água é drenada em direção a outros corpos d’água na proximidade da plantação, o que geralmente aumenta a turbidez dos mesmos.
50De acordo com Cadorin (2011) no cultivo do arroz irrigado são utilizadas significativas descargas de agrotóxicos, geralmente herbicidas e inseticidas, principalmente nos vinte dias após o início do plantio, o que pode gerar problemas aos recursos hídricos utilizados, pois, a rizicultura é uma das culturas com maior utilização de água, sendo necessários dois mil litros para a produção de um quilograma de arroz. A água utilizada é retirada de rios, lagos ou açudes por meio de bombeamento direto.
51A pesquisa realizada caracteriza-se como estudo de caso exploratório devido ao seu forte cunho descritivo da realidade do local em questão, tendo a área que envolve a atividade da rizicultura no município de Cachoeira do Arari e suas correlações com o entorno como objeto de análise.
52Como é característico de um estudo de caso, foram utilizadas várias fontes de informação sob diferentes formas de investigação. A intenção é justamente fornecer o maior leque de possibilidades investigativas que o tempo de produção do presente estudo pode permitir.
53A escolha de Cachoeira do Arari como objeto de estudo deve-se aos recentes conflitos socioambientais decorrentes da implantação da rizicultura no município. A problemática envolvendo o plantio do arroz, bem como os impactos ambientais vislumbrados, permeia-se de incógnitas, fato este que conduziu o estudo à utilização de múltiplas técnicas de coleta de dados na tentativa de elucidar algumas questões.
54Inicialmente, na documentação indireta, realizou-se uma pesquisa sobre a legislação que pode influenciar no ordenamento territorial e gestão ambiental do município de Cachoeira do Arari. Essa pesquisa reuniu informações sobre as características econômicas, sociais, estruturais e ambientais do município servindo para construir o cenário visual de desenvolvimento local.
55Na pesquisa de campo, foram efetuados registros fotográficos da área estudada, análise visual de campo baseada na percepção de implicações negativas da atividade em questão aos ecossistemas locais, além de entrevistas não estruturadas e informais com autoridades locais, funcionários da fazenda de plantio do arroz e moradores do entorno.
56Ou seja, a observação sistemática da área estudada é primordial para o entendimento amplo da problemática em questão. E a partir disso, foram analisados os depoimentos de moradores que se dizem afetados negativamente pela implantação da rizicultura, e que tipos de interferências são atribuídas ao projeto. Outro ponto importante é a relevância da rizicultura para a economia local, sua geração de emprego e novas oportunidades.
57E todos os aspectos levantados foram relacionados à legislação vigente pertinente ao tema que prevê as obrigações e responsabilidades ambientais inerentes ao processo de implantação de uma atividade de alto risco ao meio ambiente, assim como com outros estudos anteriormente realizados na área.
58Os procedimentos metodológicos empregados serviram para a elucidação da indagação norteadora do presente estudo, que parte do seguinte questionamento; Qual a interferência da rizicultura no meio ambiente em seus aspectos naturais e sociais?
59Os resultados obtidos foram dispostos em forma textual a partir da estruturação de tópicos de análise crítica subjetiva dos aspectos levantados, pois, tem-se a percepção da necessidade da aplicação e elaboração de métodos mais aprofundados e constituídos de um corpo técnico multidisciplinar, para que possa alcançar parâmetros quantitativos e qualitativos fiéis à realidade do problema.
60Os itens a seguir apresentam os resultados que confirmam as hipóteses defendidas durante o processo de investigação, principalmente no que se refere aos problemas relativos às questões ambientais, como o uso indiscriminado de grandes extensões de terra para o cultivo do arroz sem preocupação com aspectos legais e ambientais. Além disso, existem as questões sociais observadas em campo, e que serão descritas a seguir.
61A rizicultura foi introduzida em Cachoeira do Arari por um empreendedor do ramo oriundo do Estado de Roraima. Segundo informações colhidas informalmente no local e a partir de documentos de organizações não governamentais e do Incra – Instituto nacional de Colonização e Reforma Agrária, o referido produtor de arroz adquiriu 12 mil hectares de terras em Cachoeira do Arari, fato este que vem causando grande preocupação entre ambientalistas, pesquisadores, comunidade local e algumas autoridades municipais (O GLOBO, 2012). Dos 12 mil hectares pertencentes ao fazendeiro em cerca de cinco mil já vêm sendo cultivado o arroz, com possibilidade de expansão, juntamente com a pecuária.
- 2 De acordo com a Lei Federal 6.938/81 todo empreendimento com potencial poluidor ou ambientalmente i (...)
62Outra questão importante é a ausência de qualquer tipo de estudo de previsão de impactos socioambientais anterior à implantação da atividade. Segundo o Instituto Peabiru (2012) não houve um pedido nem a liberação de nenhuma licença prévia, licença de instalação ou operação2 por parte de qualquer órgão de gestão ambiental da administração pública estadual ou municipal para a atividade no município. Porém, segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará- SEMA, o empreendimento possui licença ambiental desde 2010, e estão atuando na legalidade, o que é contestado por Ong’s e comunidades do entorno, os quais confirmam as alegações do Instituto Peabiru, no que concerne a ausência do cumprimento de requisitos legais, como a avaliação de impacto ambiental.
- 3 MP faz vistoria preliminar ambiental em produção de rizicultura em Cachoeira do Arari, http://www.m (...)
63E devido à toda discussão gerada em torno da produção de arroz em Cachoeira do Arari, os passos que deveriam ter sido tomados anteriormente à instalação da produção começam tardiamente a serem pensados, como audiências públicas e pesquisas sobre os possíveis impactos do plantio aos recursos naturais3.
- 4 No Brasil, as leis sobre os diplomas referentes ao licenciamento ambiental impõem responsabilidades (...)
64A ação retardatária das autoridades públicas pode representar a não capacidade de prever e mitigar possíveis danos ao meio ambiente, assim como potencializar os conflitos entre empresários e população local, pois, o empreendimento já está em andamento, sem o devido cumprimento da legislação ambiental vigente. Tal fato leva a crer que existe certa falta de interesse das autoridades no assunto, deixando com que este se torne apenas mais um possível crime socioambiental cometido no Marajó. No entanto, o Estado crimina ao tratar a questão pela ótica do descaso, pois, está na constituição o dever do governo em suas diferentes esferas de zelar pelo meio ambiente4, perpassando a aplicação de toda a legislação vigente.
65É importante frisar que não se trata de uma visão maniqueísta sobre a cultura do arroz em Cachoeira do Arari, mas, identificar as fragilidades ou discrepâncias do processo de implantação da atividade, ou seja, discutir a forma como o cultivo do arroz vem sendo implantado e que possíveis problemas ocasiona, e o porquê desses problemas.
66Certamente é possível afirmar que o plantio do arroz em Cachoeira do Arari é uma alternativa viável para o fortalecimento da economia local. Os defensores da rizicultura citam o exemplo de sucesso do Estado do Rio Grande do Sul, onde as plantações vêm evoluindo e assumindo importância social para as regiões de cultivo, e repercutem em grandes investimentos e captação de mão de obra local (GRAMPARÁ, 2013). Porém, os dados obtidos em campo confirmam que apenas seis pessoas residentes em Cachoeira do Arari trabalham na atividade, e o restante dos funcionários são provenientes de outros estados do país. O que representa um contingente insignificante de mão de obra local empregada.
67Segundo funcionários que trabalham na área, a falta de mão de obra local empregada na atividade é decorrente da falta de qualificação para o trabalho, bem como a dependência dos moradores de programas sociais do governo federal, como o bolsa família. Outro ponto negativo é que o arroz plantado não é beneficiado no município, o mesmo vai para o distrito de Icoaraci em Belém do Pará, onde é beneficiado, e tem como principais mercados consumidores o Estado do Amazonas, o Amapá e algumas cidades do Pará. Não existem dados sobre a contribuição da rizicultura para a economia local, pois, o açaí e a pecuária continuam sendo as principais atividades econômicas do município. Ou seja, o arroz, apesar de demandar grandes extensões para o seu cultivo, não apresenta tanto retorno financeiro para o município, pelo menos é o que tem acontecido em Cachoeira do Arari.
68Além de que não ocorreu nenhum tipo de audiência para que a população fosse ouvida devido as dimensões atuais e pretensões futuras da atividade. Cachoeira do Arari possui comunidades que vivem da pesca e da agropecuária de subsistência que necessitam ser integradas ao planejamento de qualquer atividade de grande porte a ser implantada no município, além das comunidades quilombolas protegidas por lei.
69Juntamente às desvantagens socioeconômicas apresentadas até então, segundo informações colhidas no local, o cultivo do arroz em Cachoeira do Arari, pela sua grande extensão territorial apresenta riscos ao patrimônio cultural imaterial, modificando tradições e manifestações culturais locais, pois, denúncias interpostas ao Ministério Público do Estado alertam para mudanças substantivas nas tradições locais, como o impedimento de manifestações de cunho religioso que percorriam as terras hoje em posse de arrozeiros, especialmente se tratando da festividade do Glorioso São Sebastião que é tradicional no município.
- 5 Artigo 216 da Constituição Federal: «O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e (...)
70Segundo a Constituição Federal do Brasil de 1988, empreendimentos considerados de grande porte e que direta ou indiretamente interfiram no patrimônio cultural devem ser precedidos de inventário do patrimônio5, e na ausência de lei municipal específica, como no caso de Cachoeira do Arari, o Ministério Público Estadual deve se encarregar do cumprimento da lei federal (CREA, 2008).
- 6 Segundo Schaan et al (2010) estão localizados na região dos campos inundáveis de Cachoeira do Arari (...)
71É notório o conhecimento de que nos campos de Cachoeira do Arari, existem diversos resquícios de artefatos de antigas civilizações6 que ali viveram, ou seja, um museu arqueológico a céu aberto, e que não se teve a preocupação em realizar qualquer tipo de levantamento patrimonial, aumentando o risco de possíveis perdas de peças de imenso valor e até sítios arqueológicos inteiros devido a escavação dos canais de irrigação e de outros processos de tratamento do solo para o plantio do arroz.
72É evidente a certeza do potencial do município de Cachoeira do Arari para o desenvolvimento da rizicultura dadas as suas características naturais, assim como se sabe da importância do cultivo deste cereal para a economia do Estado e para o aumento da segurança alimentar no Brasil, porém, existem leis que devem ser cumpridas antes de qualquer intervenção ou operacionalização, sejam de cunho ambiental, social ou de preservação do patrimônio cultural material e imaterial, com regras e diretrizes para que a intervenção humana seja minimamente negativa, pois, caso contrário parte de nossa história ou de nossos recursos naturais poderão ser prejudicados ou até perdidos totalmente, além dos prejuízos que o descontrole pode repercutir na saúde humana e nas populações que sobrevivem de atividades ligadas ao meio ambiente, como a pesca artesanal. Por isso a necessidade de realização de estudos que garantam a sustentabilidade social, econômica, cultural e ambiental da atividade, potencializando benefícios e mitigando impactos negativos.
73Destarte pergunta-se até que ponto uma atividade operada em larga escala como a rizicultura, pode gerar mais benefícios do que malefícios à uma região como o Marajó, onde as dinâmicas sociais se desenvolvem baseadas no ritmo de sua natureza. Tem-se ainda que cuidadosamente examinar o precedente dos envolvidos na atividade, pois, tem-se que a rizicultura nos campos do Marajó, começando por Cachoeira do Arari venha apenas fortalecer oligarquias políticas e concentrar ainda mais a riqueza com mais exclusão social e cultural.
74O território de Cachoeira do Arari é quase todo composto por áreas de várzea alagáveis, o que resulta na grande importância da pesca para as comunidades, e com a ocupação de grandes extensões de terra para a rizicultura, sugiram cenários de conflito, onde o pescador é impedido de passar para determinada área devido à cerca colocada em volta da plantação.
75Portanto, não se pode avançar com a atividade porquanto perdurarem os conflitos e problemas gerados pela falta de controle das autoridades responsáveis pelo uso e ordenamento econômico e ecológico do território municipal, dadas as peculiaridades sociais e ambientais do município e do arquipélago como um todo.
76Devido à ausência de estudos prévios de impacto ambiental, não existe a noção real sobre possíveis impactos negativos aos ecossistemas locais, o que faz com que esta análise seja baseada na percepção subjetiva do cenário e, nas informações provenientes dos usuários dos recursos naturais em questão, além de documentos de várias fontes relacionados ao caso.
- 7 O Licenciamento Ambiental, previsto na Lei Estadual nº 5.887, de 9 de maio de 1995.
77E nesse sentido, alguns pontos de discussão devem ser ressaltados, para que se possa de alguma forma subsidiar a viabilidade e a discussão acerca da problemática em questão, pois, até então o que se percebe é um jogo de forças entre os atores sociais e os rizicultores, no qual sai vitorioso quem possui maior poder de barganha, o que vai contra qualquer princípio de sustentabilidade conhecido, além de favorecer à perpetuação da inexistência de mecanismos de gestão ambiental por parte do poder público local. Portanto, a implantação da rizicultura em Cachoeira do Arari, em cumprimento à legislação ambiental vigente7 , deveria partir da premissa de aplicação de um EIA/RIMA com o intuito de medir o grau de interferência da atividade nos ecossistemas locais, assim como na qualidade de vida da população.
78Segundo o Instituto Peabiru (2013), a única licença ambiental adquirida pelo empreendimento junto à Secretaria de Estado de Meio Ambiente, trata apenas da viabilização de um canal de irrigação e não do empreendimento como um todo e sua área de influência. Além disso, a licença obtida obriga a realização do monitoramento periódico conjuntamente à apresentação de relatórios técnicos sobre a qualidade da água, o que não vem sendo cumprido desde então. Ou seja, é preciso saber que tipo de influência a plantação de arroz irrigado terá sobre outros ecossistemas locais e dentro de uma área de influência do projeto, levando em consideração que o arquipélago do Marajó é um mosaico natural, formado por diversos tipos de paisagens e espécies que compõem o cenário.
79Diversos órgãos (IMAZON, PEABIRU, CREA) e moradores locais explicam que após o início do cultivo houve uma diminuição drástica na quantidade de pescado nos lagos do entorno, fato atribuído à utilização de agrotóxicos no plantio do arroz. A água utilizada para a irrigação da plantação de arroz é totalmente retirada diretamente do rio Arari por meio de um sistema de bombas d’água (Figuras 4 e 5) que fazem a sucção para as áreas de plantio e depois as despejam de volta ao rio sem tratamento nenhum, fato que deve ser avaliado e monitorado.
FIGURAS 4 e 5 - Bombas que retiram água do Rio Arari para o plantio de arroz / Água utilizada na lavoura do arroz e despejada no rio
Autor: Os Autores (2013)
- 8 Ver matéria vinculada no Jornal O Liberal, «Faepa debate cultura de arroz irrigado no Marajó» em 28 (...)
80Notas publicadas na mídia regional8 contestam as alegações sobre a falta licenças ambientais e sobre as possíveis interferências negativas ao meio ambiente, sempre se pautando nos possíveis benefícios socioeconômicos do empreendimento para a região, porém, sem apresentar nenhum documento que comprove o contrário, ou qualquer conformidade com a legislação ambiental em vigor.
81É comprovado in loco o uso de agrotóxicos em larga escala no cultivo do arroz. Segundo moradores um avião faz a aplicação de produtos herbicidas e inseticidas na área da plantação, o que estaria contaminando a água e contribuindo para desaparecimento dos peixes. Barbosa (2012, p.36) confirma o fato e atribui prejuízos ambientais ao mesmo no trecho seguir;
82No Município de Cachoeira de Arari, a chegada recente de um grande fazendeiro produtor de arroz, expulso da área indígena e Raposa do Sol, no Estado de Roraima, o qual vem comprando grande quantidade de terras neste município e aplica agroquímicos com uso de avião, contaminando áreas com produção agroecológica e sendo denunciado ao IBAMA (BARBOSA, 2012, p.36).
83De acordo com Cadorin (2011), a agricultura moderna, assim como a produção de arroz, é altamente dependentes da utilização de agrotóxicos e outros produtos químicos, com o intuito de estabilizar a produção e diminuir prejuízos com pragas e outros agentes danosos, o que pode vir a causar sérios danos à qualidade da água caso medidas de controle e monitoramento não sejam adotadas.
84Neves (2007) explica que além do controle da qualidade da água, deve ser feita a análise físico-química do solo para saber qual o tipo de solo, seus nutrientes e qual a melhor opção de produtos a serem utilizados na lavoura, mitigando possíveis danos ambientais resultantes da má utilização de produtos químicos.
85A contaminação da água pelo uso de defensivo agrícola acaba por atingir os ecossistemas aquáticos, de forma que, se ela estiver contaminada, pode-se considerar que todos os demais elementos bióticos e abióticos do ecossistema também ficaram contaminados, pois a água está presente em todas as partes (CADORIN, 2011, p. 21).
86Se a água utilizada no plantio tiver alguma ligação com a fonte de abastecimento urbana a situação pode ser ainda mais preocupante, pois, é comum a inserção de compostos químicos na cadeia alimentar causando o aumento de doenças graves como o câncer.
87E com a drenagem da água utilizada, uma grande quantidade de resíduos e partículas do solo escoa, podendo assim alterar os aspectos físico-químicos da água afetando os ecossistemas aquáticos, ou seja, de qualquer forma os efeitos nocivos do uso indiscriminado de defensivos agrícolas podem atingir tanto o homem quanto os animais.
88Entretanto, considera-se como o impacto maior, a mudança radical da paisagem local, pois, devido à grandiosidade da intervenção, alterando profundamente a paisagem, alagando grandes extensões e modificando os ciclos hidrológicos.
89A rizicultura da forma como vem sendo desenvolvida precisa de um planejamento com visão de futuro, que contemple diferentes aspectos do desenvolvimento social e humano de Cachoeira do Arari em longo prazo. O que ainda esbarra nas questões fundiárias sempre em discussão quando se trata do Marajó, pois, até então as terras têm sua titularidade questionada, com propriedade atribuída à União.
90Nesse sentido, a produção de arroz em Cachoeira do Arari, além dos riscos ambientais, potencializa debates enraizados na história de ocupação do Marajó e de seus municípios, além do falso discurso de promover o progresso em uma região até então abandonada, pois, como transformar uma realidade com apenas uma atividade que até o momento só gerou benefícios aos seus donos, e assim a rizicultura não pode ser entendida como a tábua da salvação, pois, Cachoeira do Arari, assim como o Marajó, precisa de gestores preparados, de investimento social e de políticas que direcionem o seu desenvolvimento com rigor e visando sempre o bem estar de sua população e a preservação do seu patrimônio natural e cultural.
91Portanto, define-se a rizicultura no município de Cachoeira do Arari e a forma como vem sendo desenvolvida como uma atividade de risco dadas as circunstâncias de negligência no controle do passivo ambiental, pois, a situação de marginalidade regional em que o município se encontra prevalece junto aos interesses econômicos e políticos de poucos quando se trata de efetivamente de fiscalizar, aplicar as leis e mediar conflitos que surgem, como no caso em questão.
92E apesar de a produção de arroz ser de extrema importância para o suprimento de alimento no mundo, esta deve cumprir a legislação ambiental vigente junto à adoção de sistemas de manejo menos impactantes. Neste contexto, formas de cultivo do arroz com menor potencial impactante já vêm sendo estudadas por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, como Santos (1991), Amaro (2000) e Pereira (2003), principalmente em conjunto com entidades de pesquisa, como a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
93No caso de Cachoeira do Arari, se desconhece os efeitos reais da transformação da paisagem local em detrimento do plantio do arroz, também não se tem noção da quantidade de produtos químicos despejados no rio e o volume de água utilizada no cultivo que é retirada do rio Arari, bem como os seus efeitos na ictiofauna e em outros animais, portanto existe a necessidade de amplos estudos e debates públicos para que se possa produzir sem degradar otimizando possíveis benefícios.
94Os conflitos surgidos de um modelo de desenvolvimento econômico que compromete o equilíbrio ambiental e consequentemente altera a qualidade de vida dos cidadãos, gera demandas cada vez mais complexas envolvendo novas questões ambientais e socioeconômicas.
95E o trabalho de mitigar os passivos ambientais e remediar esses conflitos, que na maioria das vezes resultam em danos irreversíveis, têm exigido, nos últimos anos, a formulação de teorias, princípios, métodos e instrumentos inovadores (principalmente legais) no intuito de alinhar o desenvolvimento socioeconômico com a preservação ambiental.
96Diante o exposto, recomenda-se a elaboração de estudos de impacto ambiental com a participação de uma equipe interdisciplinar, cumprindo as exigências legais e dando respostas aos conflitos.
97Fica claro com o estudo da área, que não vem sendo dada a importância que se deve aos efeitos da implantação da rizicultura no município. Deixando que prevaleçam as promessas de melhorias para a população, que devido à falta de orientação e conhecimento não possui mecanismos de organização com força sufi ciente para dialogar com os rizicultores.
98Percebe-se que por trás da atividade ainda existe o apoio de entidades estaduais ligadas ao setor da agricultura, que possuem força e articulação política, dando suporte ao pleno desenvolvimento do cultivo do arroz, sem o cumprimento dos princípios legais de proteção à sociedade e ao meio ambiente, criando uma espécie de « neocoronelismo » marajoara.
99Ou seja, o que se pretende não é o entrave de qualquer atividade de grande porte que se venha a instalar no Marajó, e sim o cumprimento das etapas de legalização e de proteção ao meio ambiente, como também ouvir a população democraticamente, debatendo as possibilidades sem tirar a autonomia do empreendedor que tem como objetivo o lucro, mas que esse lucro não venha à base da tragédia alheia, pois, trata-se de um território peculiar, com singularidades ambientais e culturais que devem ser respeitadas.
100Portanto, sugere-se a operacionalização de estudos qualitativos e quantitativos sobre o uso e qualidade da água empregada na rizicultura e sobre a utilização de produtos químicos no cultivo e seus efeitos sobre os ecossistemas, e no âmbito cultural, deve ser realizado um levantamento de possíveis sítios arqueológicos ameaçados, bem como a legalidade das terras ocupadas para a rizicultura.
101Deve-se observar formas de fortalecimento da gestão territorial municipal, com a validação e regulamentação de instrumentos de ordenamento, como o Plano Diretor do município, que foi instituído por lei municipal em outubro de 2006, mas que até então não cumpriu sua finalidade.
102Nesse sentido, torna-se primordial a estruturação dos órgãos e departamentos de gestão ambiental em Cachoeira do Arari, de forma que possam trabalhar integradamente com estado na fiscalização e licenciamento de empreendimentos e atividades com potencial poluente.
103Portanto, percebe-se que existe um imenso desconhecimento um tanto proposital sobre os reais efeitos da rizicultura em Cachoeira do Arari, pois, nada foi feito do que se espera dos órgãos de controle e regulamentação, sejam em esfera estadual, municipal e federal tendo em vista se tratar de áreas de proteção ambiental, ou seja, até então existe somente o discurso ambientalista, o qual vale para uns e é obsoleto para outros.
104Com a proposta de expansão da atividade para mais de 300 mil hectares plantados urge a necessidade de intervenção, pois, até o momento não existe manifestação em prol do controle socioambiental em detrimento do poder político e econômico dos empreendedores.
105Os únicos manifestantes a favor de um debate crítico sobre a questão, são os membros de organizações não governamentais ambientalistas taxados pelos agricultores de « agitadores políticos », os quais têm conseguido com muito esforço chamar a atenção para a problemática em questão, e adquirindo o apoio da sociedade civil e de alguns políticos locais. No entanto, e necessário mais que isso, pois, a lei não distingue classe ou etnia, deve ser cumprida por todos e aplicada pelos representantes do poder público, dando garantias à sociedade, pois, vivemos em um modelo de organização política e social baseada na preexistência de direitos e deveres constitucionais, dentre eles a sadia qualidade de vida e o meio ambiente ecologicamente equilibrado.