Espaço e economia: geografia econômica e a economia política
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Apresentação
2As mudanças nas estruturas econômicas e políticas vivenciadas no mundo influem nos fundamentos e nas estratégias da organização econômica e nas relações de trabalho, atingindo particularmente (de forma aguda e profunda) o território, em face da forte dependência de investimentos públicos para fomentar seu dinamismo. Afinal, são tempos de globalização, neoliberalismo e financeirização, bem como de precarização, “uberização” e segregação; é a égide meio técnico-científico-informacional, de modelos produtivos (proto)flexibilizados, dos dutos globais de comunicação e do buzz urbano em constante transbordamento, ao mesmo tempo em que termos como planejamento estratégico, sustentabilidade e empreendedorismo urbano se consolidaram como axiomas do pensamento econômico-ecológico-espacial.
3No Brasil, a recente mudança do poder político e a retomada da imposição de práticas neoliberais, baseadas em projeto alçado ao poder de forma não legítima, produzem uma regressão significativa das mudanças que estavam em curso. O discurso hegemônico é contraditório com as ações, pois a coalizão que está no poder não está sendo capaz de reverter a crise econômica em que mergulharam o país, apesar das inúmeras e aceleradas transformações nos fundamentos das bases econômicas e sociais, com ações deletérias no que diz respeito ao desmonte do Estado, redução dos gastos públicos e dos direitos trabalhistas e previdenciários. Assim, estamos diante de um novo quadro político, econômico e social, que já repercute na organização territorial no país e que merece aprofundamento teórico-analítico.
4Diante de tal quadro bastante complexo, é fundamental a realização de debates entre os estudiosos dedicados às reflexões do campo da geografia econômica e da economia política, para que se possa identificar as estratégias dos diferentes segmentos do capital, examinar os diversos processos socioespaciais em curso, compartilhar trilhas de pesquisa e qualificar os referenciais analíticos. Há que se pensar nas transformações no capitalismo mundial e na produção social do espaço em diferentes escalas, por meio dos entendimentos dos novos arranjos territoriais e da intepretação crítica da economia política do desenvolvimento.
5Espaço e Economia: geografia econômica e a economia política é uma contribuição à disseminação das pesquisas, estudos e debates sobre as políticas territoriais, por meio da compreensão de uma renovada agenda de investigações no campo da geografia econômica, que invoca a atualização e a ampliação de debates sobre o mundo do trabalho, a produção industrial, a distribuição, troca e consumo de mercadorias refetichizadas, a utilização da natureza-recurso-território e a própria localização, impacto e transbordamento dos empreendimentos fabris, mas também reverbera os novos processos de desenvolvimento local-regional; as concretudes e imaterialidades do conhecimento, da inovação e da tecnociência; os veios logísticos e a constituição de novas redes de contato, de espoliação e de poder; a governança conciliada entre Estado e mercado; o fenômeno metropolitano e a formação de novos nexos e constelações urbanas; e a financeirização em suas diversas frentes, com suas novas frações de capital, movimentos setoriais e interconexões. Torna-se, assim, objetivo central desta obra debater as bases econômicas e políticas e a organização e as delimitações territoriais recentes, extraindo das discussões recursos analíticos para a compreensão da relação espaço e economia na contemporaneidade, por meio da interlocução de pesquisadores brasileiros e da América Latina dedicados à temática.
6Assim, a geografia econômica aqui tratada extrapola por completo o mapeamento dos recursos em prol da ideologia industrial e o entendimento do espaço geográfico como fator de produção, localização privilegiada ou área para espraiamento de mercadorias. O que se pretende aqui é um verdadeiro entrelaçamento teórico entre geografia econômica e economia política, que perpassa uma obrigatória leitura crítica atual das determinações abstratas do sistema vigente, das relações entre Estado e mercado – mais complexas, ainda que não surpreendentes, em tempos de neoliberalismo espraiado combinado com um conservadorismo político –, das diferenças internas à sociedade, da atual divisão internacional do trabalho e da própria e infindável atmosfera de crise que assola o capitalismo contemporâneo.
7 Os capítulos reunidos neste livro foram apresentados nas mesas que compuseram o III Colóquio Espaço-Economia: “Transformações no capitalismo mundial e a produção social do espaço: novos arranjos territoriais e a economia política do desenvolvimento”, realizado nas instalações da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, entre os dias 10 e 12 de junho de 2019, sob nossa organização. Com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e capitaneado institucionalmente pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH-UERJ), pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRRJ (PPGGEO-UFRRJ), pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da UERJ (PPGEO-UERJ) e pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense – Campos dos Goytacazes, H-UERJ s: de 2019. ntes mesascuaç entre Estado e Mercadorestalque ainda que este colóquio apresentou quatro eixos temáticos centrais: 1) Reestruturação espacial e desenvolvimento econômico-regional, 2) Redes técnicas e organização social do território, 3) Produção do espaço e espoliação imobiliária no mundo contemporâneo, e 4) Desenvolvimento e crise no capitalismo contemporâneo.
8 Afinal,
91) o atual movimento de reestruturação espacial engendra hegemonicamente uma reformulação territorial-produtiva, com o acerto do tempo do negócio fabril e o just-in-time imposto à mercadoria e ao trabalhador – a discussão do mundo do trabalho, à luz da geografia econômica, torna-se central. Isto implica o consumo dos bens que já nascem obsoletos ou do próprio território, conjugando a adoção (ou abandono) da sustentabilidade em detrimento da obliteração acelerada da natureza. Ajustando homem e natureza, tempo e espaço, tecnologia e necessidades produtivas, o desenvolvimento se consolida em bases regionais, por meio da conjugação de estratégias de diferentes atores públicos e privados e da revigoração das potencialidades endógenas nesta escala geográfica;
102) em tempos de transformações e renovações técnicas e reconfiguração de redes produtivas, comerciais e informacionais que lhe sustentam, o território se destaca como a categoria cada vez mais presente e central nos estudos econômico-espaciais, pois na atualidade o papel da ciência, da tecnologia e da informação produz novos recortes territoriais, que exigem redefinir nossos parâmetros analíticos para melhor compreendermos as múltiplas determinações econômicas e sociais presentes no espaço. Torna-se mister a discussão sobre transporte e logística, redes portuárias e de tráfego aéreo, comunicações e informações;
113) a cidade assiste, sob diferentes aspectos, a um processo de acirramento das contradições: de um lado, a força das matrizes vinculadas ao crescimento econômico e políticas neoliberais de produção do espaço, desenvolvidas pela implantação de empreendimentos industriais, logísticos, de serviços, entre outros; de outro, a explosão da periferia e das múltiplas segregações sociais. A cidade se tornou negócio e mercadoria central e seu empresariamento é o motor do crescimento econômico urbano. Da mesma maneira, o valor da terra e as precificações e especulações do solo urbano são questões centrais nesta verdadeira economia política da cidade;
124) a discussão sobre a lógica da produção de valor e o ciclo de acumulação, a partir dos movimentos das frações dos capitais (em suas diversas dimensões) e da ação dos circuitos econômicos na construção social do espaço, são fundamentais para compreender a crise do capitalismo contemporâneo, que parece sair de uma fase cíclica para um novo e mais radical padrão de acumulação. Sustentado em crescente financeirização, o capital vem operando com enorme mobilidade através dos fundos globais e nacionais, aspirando cada vez mais o lucro da produção que ainda prescinde do espaço como lócus de apropriação. Dessa forma, o capital, entendido como movimento e relações de poder, avançaria para a constituição de uma espiral de acumulação infindável.
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14 Esta coletânea é composta por dezenove capítulos, assinados por pesquisadores de diferentes universidades do Brasil e da América Latina, divididos em quatro partes. Introdução – Novos caminhos do desenvolvimento científico, tecnológico e industrial é formada por dois capítulos: “Desenvolvimento regional do Brasil. Uma leitura pela ótica da quarta revolução industrial”, de autoria de Eliseu Savério Sposito, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Presidente Prudente, e “Corrida científica e tecnológica mundial, impactos geoeconômicos e geopolíticos e a posição do Brasil”, de Clélio Campolina Diniz, pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar-UFMG) e ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil, entre 2014 e 2015.
15A Parte I – Reestruturação espacial, metropolização, inovação e desenvolvimento econômico-regional é composta por quatro capítulos: “Espaço-tempo do capitalismo contemporâneo e a constituição de megarregiões”, de autoria de Sandra Lencioni, professora titular do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) e professora agregada da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio); “De recursos intangíveis a ativos financeiros: as regiões metropolitanas como nexos da economia global”, de Daniel Sanfelici, professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF); “Uma abordagem crítica da inovação e do conhecimento na geografia do capitalismo contemporâneo”, de Regina Helena Tunes, do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); e “Espaço, inovação e novos arranjos espaciais: algumas reflexões”, de Maria Terezinha Serafim Gomes, professora do Departamento de Geografia da Universidade Estadual Paulista (Unesp – Presidente Prudente).
16A Parte II – Política, organização social do território e redes técnicas reúne seis capítulos: “A produção do espaço social e a economia política”, assinado por Floriano José Godinho de Oliveira, professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); “‘Desenvolvimento ilimitado’? A questão ambiental contemporânea sob a ótica da geografia econômica”, de Leandro Dias de Oliveira, professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ); “O território e sua empiria para a leitura das políticas de desenvolvimento num contexto de uma economia global”, de André Santos da Rocha, professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ); “Redes técnicas, territórios e escalas: leituras sobre modernização e crítica da economia política do espaço”, de Marcio Rufino Silva, também professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ); “Redes e processos espoliativos no centro-norte do Brasil”, de Dênis Castilho, professor dos cursos de graduação e pós-graduação do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás (UFG); “Território, circuitos industriais e sistemas técnicos: articulações escalares em tempos de acumulação capitalista com predominância financeira”, de Edilson Pereira Júnior, professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará (Uece).
17A Parte III – Processos de financeirização e de espoliação do território agrega sete capítulos: “Patrimônio no capitalismo contemporâneo”, de Paulo Cesar Xavier Pereira, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP); “Grandes grupos econômicos na produção do espaço: um olhar sobre atuação imobiliária do Grupo Votorantim”, de Beatriz Rufino, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP); “Geografías financiarizadas del extractivismo inmobiliario: lógicas financiero-inmobiliarias y estatales de la producción de lo urbano y la naturaleza en Chile”, de Rodrigo Hidalgo Dattwyler (Universidad Católica de Chile), Daniel Santana Rivas (Universidad Pontificia Bolivariana, Colombia) e Voltaire Alvarado Peterson (Universidad Academia de Humanismo Cristiano, Chile); “Dez anos do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV): um balanço preliminar”, de Leda Velloso Buonfiglio e César Augusto Ávila Martins, professores do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG); “Trajetórias de consolidação, movimentos setoriais e internacionalização do grande capital brasileiro”, escrito por Leandro Bruno Santos, professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia do campus de Campos dos Goytacazes da Universidade Federal Fluminense (UFF); “Elementos preliminares sobre a “desindustrialização”, a financeirização e geografia política da crise no Brasil”, de Cláudio Luiz Zanotelli, professor titular do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes); e “A ‘indústria’ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo – Pós-escrito: Aspectos metodológicos para investigações no campo ‘espaço-economia’”, de Roberto Moraes Pessanha, professor e pesquisador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense – Campos dos Goytacazes (IFF).
18 O desafio de Espaço e economia: geografia econômica e a economia política é não somente contribuir para o processo formativo e acadêmico nas instituições brasileiras e latino-americanas no campo da geografia econômica, mas também aprofundar as vinculações entre os pesquisadores dos grupos e núcleos de pesquisa e demais pesquisadores brasileiros e da América Latina. Neste sentido, o III Colóquio Espaço-Economia e este livro formalizam a constituição da Rede Latino-Americana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica – Economia Política (RELAEE), que emerge com o intento de aproximar investigações e pesquisadores que abordem as diversas dimensões existentes entre espaço e economia. Afinal, neste momento de desalento político e crise in omine tempore, há muito trabalho a ser realizado.
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20 Não seria possível apresentar esta obra sem destacar que o III Colóquio Espaço-Economia foi realizado sob forte comoção pela perda tão precoce do colega, amigo, professor, Prof. Dr. Gilmar Mascarenhas, docente do Departamento de Geografia Humana e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É importante ressaltar que Gilmar, importantíssimo intérprete da geografia urbana fluminense e brasileira e destacado especialista em questões como urbanização turística, geografia dos esportes e impactos dos megaeventos na cidade, permanece vivo na luta cotidiana por uma cidade mais justa, democrática e humana. À sua memória, nós, os organizadores, dedicamos sentidamente as reflexões contidas neste livro.
Table des illustrations
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Pour citer cet article
Référence électronique
Floriano José Godinho de Oliveira, Leandro Dias de Oliveira, Regina Helena Tunes et Roberto Moraes Pessanha, « Espaço e economia: geografia econômica e a economia política », Espaço e Economia [En ligne], 15 | 2019, mis en ligne le 02 novembre 2019, consulté le 06 octobre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/espacoeconomia/7927 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/espacoeconomia.7927
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