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Editorial

Novos cenários geopolíticos e novos desafios na produção do conhecimento

Floriano Godinho de Oliveira

Texto integral

1A publicação desta edição ocorre em um momento em que a conjuntura política e econômica no Brasil e no mundo passa por mudanças expressivas, que trazem tensões e conflitos, tanto para as políticas internas de ajustes macroeconômicos, sociais e políticos delineados pelo atual governo popular e democrático do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, quanto para as políticas externas, que projetam o posicionamento do Brasil nas disputas geopolíticas no capitalismo contemporâneo. Ao nosso ver, merece destaque este último fenômeno. Concordamos que esteja em curso uma nova ordem mundial, pautada por disputas mais intensas do que as históricas segregação e descriminação das relações Norte-Sul global. Atualmente, predominam a disputa e a tentativa de manutenção de poder econômico e de hegemonia política por parte do “Ocidente”, sob a influência dos EUA, por um lado, e, por outro, o resto do mundo, envolvendo as economias “emergentes” e os demais países periféricos do Sul Global, cujas maiores expressões são os países coordenadores dos BRICS.

2Com efeito, neste primeiro quadrante do século XXI fica cada vez mais evidente o acirramento dos conflitos de interesses econômicos na escala mundial, tendo-se o chamado Ocidente em alinhamento com a luta desenfreada dos EUA em se manter “líder” do bloco econômico, e, em oposição, a China, que, como interlocutora de destaque dos países do Sul global, sustenta a articulação de gigantes como a Índia, a Indonésia e o Brasil. Nesse contexto, o conflito de interesses Norte – Sul global ganha novos contornos. A América Latina, o continente africano e principalmente os países do centro asiático, onde se localizam os chamados países emergentes, esforçam-se para construírem seus próprios caminhos, em um cenário de intensa crise econômica mundial. A escalada do confronto aí configurado se intensifica, nos dias atuais, a ponto de se ter, como palco de disputa, lamentavelmente, o conflito sangrento da guerra da Ucrânia, como foi demonstrado na reunião do G7, em maio do corrente ano, em Hiroshima, Japão, na qual, em vez de se discutir a economia global e as políticas ambientais, discutiu-se prioritariamente a Guerra da Ucrânia, sanções à Rússia e restrições à economia Chinesa.

  • 1 https://monitormercantil.com.br/pib-dos-brics-ultrapassa-o-dos-paises-do-g7/

3Era evidente que a resposta ao imperialismo renovado do chamado Ocidente viria alguns dias depois, na reunião dos BRICS, realizada na África do Sul, em agosto, na qual o fortalecimento das economias chamadas de emergentes foi o tema central, seguido da condenação da nova escalada armamentista promovida pelo Ocidente. Nessa ocasião, os BRICS se tornaram BRICS 11 com a entrada, no Bloco, de mais 6 países: Argentina, Egito, Irã, Etiópia, Arábia Saudita e Emirados Árabes. Alguns dos maiores produtores de petróleo e investidores em novas matrizes energéticas estão, agora, associados ao Bloco. Isso fortalece em muito o poder de barganha dos países que o integram e evidencia o enfraquecimento do poder econômico do G7, que reúne os principais países do “Ocidente”. Antes mesmo da ampliação dos BRICS, a força econômica do Bloco já se evidenciava por meio dos indicares econômicos, pois o PIB referente ao poder de paridade de compra (PPC) reunido dos 5 países originais dos BRICS já totalizava 31,5%, contra 30,0% dos países que compões o G71. Essa proporção se amplia, em muito, com o conjunto dos atuais 11 países que compõem atualmente os BRICS, para cerca de 36% do PIB mundial em termos de paridade de compra. Quando comparamos o PIB relativo à produção industrial dos dois atuais países líderes, os EUA e a China, também se evidencia uma diferença expressiva: cerca de 2 trilhões de dólares no primeiro e 4 trilhões de dólares no segundo.

  • 2 Tudo indica que o distanciamento da China foi uma reação a uma tentativa dos EUA em demonstrar forç (...)
  • 3 Grupo criado em 1964 na I Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, do qual a (...)

4O delineamento de uma nova ordem geopolítica ficou mais evidente na reunião mais recente da cúpula do G20, na cidade de Nova Delhi, em setembro, com a ausência do líder chinês Xi Jinping. Essa ausência foi atribuída por parte da mídia às diferenças da China com o Governo indiano devido a disputas de fronteiras. Mas, concretamente, ela decorre de motivações bem mais profundas, evidenciando uma insatisfação e distanciamento da China em relação a um fórum, em que a maior parte dos países é influenciada pelos EUA2. Em contraste com esse distanciamento, deve-se destacar a realização da reunião do Grupo 773 + China de 15 a 17 de setembro, em Havana, Cuba, um grupo que, na verdade, já conta com 134 países participantes do Sul Global, e cuja reunião teve como diretriz expressa a busca de “uma nova ordem internacional”.

  • 4 https://www.brasil247.com/blog/em-vladivostok-o-extremo-oriente-russo-ascende

5Há também clara manifestação de disputas geopolíticas a partir dos fóruns regionais, nos quais se intensifica a busca de caminhos alternativos e autônomos em relação aos países centrais e hegemônicos. Na reunião dos líderes sul-americanos no Brasil, a convite do Presidente Lula, com 10 dos 11 presidentes dos países do continente, foi uma primeira manifestação de cooperação regional, expressa, entre outros aspectos, na produção da carta denominada “Consenso de Brasília”, numa clara alusão, e rejeição, ao documento “Consenso de Washington” que impôs princípios neoliberais claramente prejudiciais à economia latino-americana. Em julho, ainda no continente sul-americano, os presidentes dos países que compõem o Mercosul, em reunião na Argentina, rejeitaram a proposta da União Europeia de controle e sanções em relação às políticas ambientais. Nos continentes africano e asiático inúmeros fóruns regionais assumem posturas de independência em relação ao “Ocidente” e abrem espaços às forças emergentes, em um novo cenário da globalização. Ainda em maio, vimos a I cúpula presencial do fórum que reúne a China e países da Ásia Central (Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turcomenistão, Uzbequistão e China), criado em 1993, fortalecendo a circulação na denominada “nova rota da seda” e favorecendo um maior trânsito para a ligação entre a Europa e a Ásia. Destaca-se também a estratégia de redirecionamento das prioridades do governo da Rússia, manifesto no Fórum Econômico Oriental, realizado de 12 a 15 de setembro na Universidade Federal do Extremo Oriente em Vladivostok. Neste encontro, verificou-se a consolidação de uma aliança econômica reunindo a China, Rússia e Coreia do Norte, com a participação de diversos países asiáticos, no qual o presidente Putin declarou que "O Extremo Oriente é a prioridade estratégica da Rússia para a totalidade do século XXI"4. Tudo isso são evidências de que a geopolítica mundial ganha enorme importância nos rumos da política e da economia global.

6Essa conjuntura exige que as reflexões acerca da economia política nos países periféricos tenham em conta suas posições na economia global, os movimentos dos capitais e a crise do capitalismo. Todos esses aspectos se modificam constantemente a partir da reestruturação produtiva, em curso na economia mundial desde os anos 1970, e promovem uma evolução dos paradigmas e modelos da economia capitalista, induzindo mudanças nas formas de organização da produção e da circulação do período fordista. Evidentemente, as implicações territoriais destes processos desvelam novos usos dos territórios (SANTOS, 1996) e arranjos territoriais produtivos (HARVEY, 1994). Com base nos novos recursos tecnológicos informacionais e inovações, seja na produção seja na organização dos processos e formas administrativas do capital (OLIVEIRA, 2020; TUNES, 2020). Assim, verificamos que as estratégias capitalistas vão delineando novas formas de dominação, modificando permanentemente as estruturas de produção e de circulação do capital.

7Diante de tudo isso, cresce a importância dos instrumentos de divulgação da produção científica e dos debates, livres das amarras e métricas produtivistas, que possam se abrir à disseminação do conhecimento e colaborar, como princípio editorial, com o acompanhamento das discussões e práticas deste novo cenário do capitalismo contemporâneo, destacando os processos que estão subjacentes aos movimentos de circulação do capital e as práticas políticas em escala regional, nacional e global, bem como enfatizando as implicações territoriais de todos estes processos.

8Esse é o papel que esperamos cumprir com esta edição, reafirmando nosso compromisso com o debate da economia política e da produção do espaço.

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Notas

1 https://monitormercantil.com.br/pib-dos-brics-ultrapassa-o-dos-paises-do-g7/

2 Tudo indica que o distanciamento da China foi uma reação a uma tentativa dos EUA em demonstrar força geopolítica no Oriente, ao anunciar um projeto de construção de ferrovias e novas bases portuárias, com objetivo de ser uma alternativa à Rota da Seda, já instalada e controlada pelos Chineses. Tal projeto pretende ser um “corredor econômico Índia, Oriente Médio e Europa”.

3 Grupo criado em 1964 na I Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, do qual a China não faz parte oficialmente, mas, atualmente, participa como membro colaborador. O Grupo reúne os chamados “países em desenvolvimento” da América Latina, África, Ásia e Oceania.

4 https://www.brasil247.com/blog/em-vladivostok-o-extremo-oriente-russo-ascende

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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Floriano Godinho de Oliveira, «Novos cenários geopolíticos e novos desafios na produção do conhecimento»Espaço e Economia [Online], 25 | 2023, posto online no dia 08 outubro 2023, consultado o 06 outubro 2024. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/espacoeconomia/24168; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/espacoeconomia.24168

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Autor

Floriano Godinho de Oliveira

Professor Associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

fgodinhodeoliveira@gmail.com

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