- 1 O Rio Grande do Sul possui uma área plantada maior do que a do Paraná (de mais de 300 mil hectares) (...)
1A soja é a principal cultura praticada no território brasileiro em termos de extensão, tendo ocupado quase 35 milhões de hectares (PAM-IBGE), exportado 72,6% do total de grãos produzidos e gerado US$ 40,9 bilhões em divisas (AGROSAT) em 2018. Os principais estados produtores são o Mato Grosso, com 27,1% da área plantada e 26,8% da quantidade produzida, seguido pelo Rio Grande do Sul, com 16,4% e 14,9%, Paraná, com 15,4% e 16,1%1 e Goiás, com 9,5% e 9,7%, respectivamente (PAM-IBGE). Juntos, esses quatro estados responderam por 68,4% da área plantada e 67,5% da quantidade produzida de soja em 2018 (PAM-IBGE) no país.
2Não obstante o peso esmagador desses números e a hegemonia das macrorregiões Centro-Oeste e Sul do país no complexo soja (ABIOVE), uma outra porção do território brasileiro, conhecida como MATOPIBA, região geoeconômica e de planejamento dos Cerrados do Norte/Nordeste (BERNARDES, 2009; ALVES, 2015), que envolve, parcial ou integralmente, os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, vem se destacando na atividade por seu forte dinamismo desde a década de1990, com expressivo crescimento a partir dos anos 2000.
3Entre 1990 e 2018, os estados integrantes do MATOPIBA cresceram exponencialmente em termos de área plantada de soja, com destaque para o Piauí (45.584%) e o Maranhão (6.054%), muito acima das regiões mais consolidadas, como Rio Grande do Sul (162%), Paraná (236%), Goiás (328%) e Mato Grosso (607%), no mesmo período (PAM-IBGE). Trata-se de uma promissora fronteira em expansão para as ações do agronegócio globalizado.
4No intuito de contribuir para a imprescindível discussão sobre regionalização e dinâmica atual de expansão da agricultura intensiva no território brasileiro, propomos dois objetivos para este artigo: 1) discutir a dinâmica da sojicultura no MATOPIBA e 2) identificar as regiões produtivas (SANTOS, 1985, p. 71-72) do agronegócio da soja nos Cerrados maranhenses. Como pano de fundo e motivação para este artigo, lançamos a hipótese geral – que não será demonstrada aqui – de que o acelerado ritmo de expansão da sojicultura moderna no MATOPIBA, mais do que nos cerrados do Centro-Oeste, provocou mudanças drásticas no uso dos territórios municipais envolvidos, em favor das grandes empresas do agronegócio, gerando conflitos e resistências de diversas naturezas e intensidades.
5Foram levantados dados sobre a produção de soja e infraestruturas logísticas em diversas bases, tais como Produção Agrícola Municipal, Censo Agropecuário e Informações Ambientais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; Companhia Nacional de Abastecimento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte do Ministério dos Transportes; Plataforma Trase (Transparent Supply Chains for Sustainable Economies), além de revistas e jornais da grande mídia. A bibliografia utilizada priorizou autores com reconhecida experiência e trabalhos de campo na região, que discutem a regionalização fundamentada na divisão territorial do trabalho, numa perspectiva crítica. O geoprocessamento e a cartografia foram realizados através do software SIG QGIS 3.12.
6Além desta introdução e de uma conclusão, o texto está dividido em três partes. Na primeira, apresentamos um breve histórico e um perfil da região do MATOPIBA e sua institucionalização, isto é, sua mudança de status para região de planejamento, com o objetivo de contextualizar a sua porção maranhense, almejando estabelecer uma relação dialética entre a parte e o todo. Em seguida, com base na teoria das múltiplas formas regionais, discutimos a porção do estado do Maranhão pertencente ao MATOPIBA. Finalmente, na terceira parte, analisamos a microrregião Gerais de Balsas e levantamos alguns argumentos que sustentam a hipótese de considerá-la a principal região produtiva (SANTOS, 1985) do agronegócio da soja (FACCIN; CASTILLO, 2019), do MATOPIBA maranhense.
- 2 O termo “macrorregião geoeconômica” foi empregado por Geiger (1969) em 1967 para designar a divisão (...)
- 3 Disponível em: https://www.embrapa.br/tema-matopiba. Acesso em: 02 de março de 2021.
- 4 “Mapito é a nova fronteira de desenvolvimento do país”. Exame, 18 de janeiro de 2013. Disponível em (...)
7Considerada a grande fronteira agrícola do território brasileiro na atualidade, a região geoeconômica2 (GARAGORRY et al. 2009; XAVIER, 2019) dos Cerrados do Centro-Norte (ALVES, 2009) começa a desenvolver uma agropecuária modernizada a partir da segunda metade da década de 19803 (XAVIER, 2019, p. 5), e desponta na década de 1990 como importante área de expansão do agronegócio globalizado (ELIAS, 2011; 2013). Inicialmente batizada como MAPITO, envolvia o sul e leste do Maranhão, o sudoeste do Piauí e o leste do Tocantins, e foi reconhecida como tal pelo Governo Federal, ao menos desde 20134. Antes disso, porém, o oeste da Bahia já tinha sido incorporado como parte da região geoeconômica por diversos pesquisadores, tais como Bernardes (2009) e Alves (2009), consagrando, no meio acadêmico, o acrônimo BAMAPITO.
8Um dos principais indicadores utilizados na delimitação do BAMAPITO (mapa 1) foi a presença do vasto Domínio dos Chapadões Tropicais Interiores com Cerrados e Matas-Galeria (AB’SABER, 2003), cujos solos são predominantemente ácidos, induzindo ao elevado consumo de corretivos de pH e de fertilizantes químicos (SANO et al., 2007). Por outro lado, a morfologia predominante é altamente favorável à mecanização das culturas, facilitando o uso massivo de tecnologias avançadas em grande escala, prestando-se perfeitamente às grandes monoculturas e favorecendo a manutenção e o aprofundamento da concentração fundiária.
Mapa 1. Brasil, Matopiba e Unidades da Federação. Bioma Cerrado.
9O movimento de ocupação do domínio dos Cerrados começou de maneira mais sistemática pela macrorregião Centro-Oeste, com o apoio direto do Estado através de programas de colonização, incentivos fiscais, crédito rural, desenvolvimento de cultivares adaptadas às suas condições naturais (soja, milho, algodão, cana-de-açúcar dentre outros), investimentos em equipamentos de armazenagem e em infraestruturas de circulação. O modelo da agricultura científica globalizada (SANTOS, 2000) adotado na região geoeconômica do BAMAPITO é herdeiro da dinâmica desenvolvida no Centro-Oeste e, possivelmente, também daquela praticada precocemente no oeste da Bahia.
10Dadas as características naturais dessa porção do território brasileiro, somadas a investimentos em infraestruturas do Governo Federal e dos quatro estados envolvidos, o BAMAPITO foi se consolidando como importante fronteira de expansão da agricultura intensiva, praticada em grandes propriedades e voltada para a produção de commodities agrícolas, principalmente soja e algodão, além de acolher frações do capital financeiro ávidas por ganhos especulativos com produtos agrícolas e com a própria terra (SOUZA; SILVA, 2019). As principais características deste modelo agrícola hegemônico são extensas monoculturas, uso intensivo de insumos químicos e biotecnológicos, maquinário equipado com tecnologias digitais, participação de grandes empresas nacionais e transnacionais do agronegócio, consumo de serviços especializados agronômicos, jurídicos, contábeis, informacionais e logísticos, participação massiva do capital financeiro na agropecuária, constituindo um fenômeno que ficou conhecido como land grabbing (BORRAS Jr., KAY, GÓMEZ & WILKINSON, 2012). Todas essas características, em diferentes combinações e intensidades em cada lugar, são necessárias para alcançar elevados níveis de competitividade (CASTILLO; BERNARDES, 2019) e, desse modo, participar dos mercados globalizados.
- 5 Decreto nº 8.447 de 06 de maio de 2015, que dispõe sobre o Plano de Desenvolvimento Agropecuário do (...)
- 6 Com a revogação do Comitê Gestor do PDA MATOPIBA pelo Decreto Federal 10.087 de 2019, há um comprom (...)
- 7 A delimitação territorial do MATOPIBA, estabelecida pelo Decreto Nº 8.447/2015, abarca 31 microrreg (...)
11Em 2015, o Governo Federal, através da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa Territorial, institucionaliza5 a região geoeconômica, rebatizando-a como MATOPIBA, e cria o seu Plano de Desenvolvimento Agropecuário (PDA MATOPIBA)6. Curiosamente, nesta nova versão, o estado do Tocantins passa a ser incluído na sua íntegra7.
- 8 Compreende-se região de planejamento como um recorte do espaço geográfico proposto pelo Estado, lev (...)
12O reconhecimento oficial confere a esta porção do território brasileiro o estatuto de região de planejamento8 (CASTILLO; BERNARDES, 2019), estabelecendo o marco legal indispensável a uma aliança mais consolidada entre o Estado, as grandes empresas do agronegócio e o capital financeiro, na expansão da fronteira agrícola moderna, em detrimento dos agentes do circuito inferior da economia agrária (ELIAS, 2011), como vem sendo constatado em pesquisas recentes (ALVES, 2015; ASSUMPÇÃO E LIMA, 2019; ALMEIDA; SODRÉ; MATTOS JR., 2019; SOUZA e PEREIRA, 2019; XAVIER, 2019).
- 9 Especialização regional produtiva pode ser compreendida como a manifestação geográfica da concentra (...)
13 A análise do Plano de Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA (2015) permite concluir que o seu principal propósito foi o de fortalecer e expandir as regiões produtivas do agronegócio (ELIAS, 2011; 2013), isto é, os compartimentos regionais decorrentes do aprofundamento da divisão territorial do trabalho no âmbito da agricultura intensiva em capital, precipitando uma especialização regional produtiva9, em paralelo ao aumento de fluxos materiais e informacionais, reestruturando as relações campo-cidade (ELIAS, 2013; CASTILLO et al., 2016) e permitindo densas interações espaciais (CORRÊA, 2016), nas escalas nacional e mundial. As regiões produtivas do agronegócio respondem à assertiva de Santos (1988), para quem
14Na definição atual das regiões, longe estamos daquela solidariedade orgânica que era o próprio cerne da definição do fenômeno regional. O que temos hoje são solidariedades organizacionais. As regiões existem porque sobre elas se impõem arranjos organizacionais, criadores de coesão organizacional baseada em racionalidades de origens distantes, mas que se tornam o fundamento da existência e da definição desses subespaços (SANTOS, 1994, p. 57)
15 A dinâmica do MATOPIBA, particularmente de suas regiões produtivas do complexo soja mais consolidadas, decorre de uma regulação híbrida que envolve, principalmente, por um lado, ações dos governos estaduais, que visam fomentar o desenvolvimento econômico através de políticas públicas, incentivos fiscais e investimentos em infraestrutura logística e, por outro, nas estratégias das grandes empresas do agronegócio globalizado, tais como Bunge, Cargill, ADM, Amaggi, Louis Dreyfus Commodities, Grupo Horita, Adecoagro, Cofco, Gavilon, Agrograin, Multigrain, Agrex, Agrinvest, CHS, Glencore, Risa, Oleoplan e Fiagril (TRASE) dentre outras – que controlam diversas etapas dos circuitos espaciais produtivos (SANTOS; SILVEIRA, 2001; CASTILLO; FREDERICO, 2010a), sobretudo do complexo soja. Essa situação aprofunda antigas e engendra novas desigualdades sociais, econômicas e geográficas na região.
- 10 Nesta proposição, de acordo com Castillo e Frederico (2010b) e Castillo (2015), compreende-se regiã (...)
16Diversos autores (CASTILLO, 2015; CASTILLO, ELIAS, PEIXINHO, BÜHLER, PEQUENO; FREDERICO, 2016; CASTILLO & BERNARDES, 2019) advogam que o processo de regionalização decorre de uma relação dialética que envolve diversas formas regionais e múltiplas escalas territoriais, que se transformam juntas, em permanente interação. De acordo com essa proposição, a dinâmica regional decorre das relações complementares e contraditórias estabelecidas entre a região natural, a região tradicional, a região de planejamento, a região produtiva10 e os territórios, estes compreendidos como compartimentos político-jurídico-institucionais do espaço geográfico (GOTTMANN, 1975).
17No caso da porção maranhense do MATOPIBA (mapa 2), são múltiplos os compartimentos geográficos diretamente envolvidos em suas transformações ao longo das últimas três décadas, tais como a formação socioespacial brasileira (SANTOS, 1977), o estado do Maranhão, a região natural do Cerrado e suas fitofisionomias (RIGONATO; ALMEIDA, 2003), os territórios municipais envolvidos, a região produtiva nucleada pela microrregião Gerais de Balsas e, por fim, a própria região de planejamento do MATOPIBA.
Mapa 2. Estado do Maranhão. Microrregiões geográficas pertencentes ao MATOPIBA
18No tocante ao território maranhense, o estado é apenas o nono maior produtor da soja nacional, com 2,75 milhões de toneladas em 2018 (2,3% do total), mas é o segundo maior do MATOPIBA (19,4%) em quantidade produzida, atrás somente da Bahia (44,4%) (PAM-IBGE), como pode ser observado no mapa 3.
Mapa 3. Brasil. Quantidade produzida de soja (toneladas) e participação da soja de cada estado no total do país (%). 2018
- 11 O Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados foi criado em 1974 par (...)
19O processo de expansão da produção de soja no Maranhão deslanchou nos anos 1990, estimulado, em grande medida, por políticas públicas como Programa Corredor de Exportação Norte e PRODECER11 III (FERREIRA, M. G., 2008; FERREIRA, A. J., 2008; PALUDZYSZYN FILHO, 1995).
20Além dos Planos e Programas criados para atrair investimentos produtivos, de linhas especiais de crédito oficial, da pesquisa agronômica desenvolvida por instituições públicas, como a Embrapa Soja e a Embrapa Cerrados, do baixo custo de aquisição e arrendamento de terras em comparação com outras regiões, outro fator importante para a viabilidade da produção de grãos em larga escala nos Cerrados é a logística, um dos óbices mais importantes a serem superados, considerando sua complexidade técnica e regulatória e o volume dos recursos envolvidos (FACCIN; CASTILLO, 2019). De acordo com Oliveira (2006), o conjunto de obras de infraestruturas concluídas ou planejadas para diversas porções do bioma Cerrado direcionou os investimentos das multinacionais do agronegócio que passaram a buscar localizações estratégicas, redesenhando, desse modo, o sistema de circulação de commodities para exportação. Nessa conjuntura, vários corredores de transporte vão sendo estruturados no país com vistas ao escoamento da produção agrícola, dentre os quais se destaca o Programa Corredor de Exportação Norte (PCEN), envolvendo o sul do estado do Maranhão, cujos produtos seguem de Balsas até Imperatriz de caminhão, num percurso de 400 km, e de lá seguem pela ferrovia Norte-Sul até o porto de São Luís (mapa 4).
Mapa 4. MATOPIBA. Equipamentos selecionados e principais rodovias para o escoamento da soja, 2017
21O sistema de escoamento que compreende o PCEN é composto por vários corredores de transporte envolvendo os modais rodoviário, hidroviário e ferroviário, que se conectam aos portos nordestinos (ALVES, 2006). Constitui-se, nos casos da produção de soja no Maranhão e no Piauí, das rodovias BR 230 e BR 010 até o município maranhense de Porto Franco, importante entroncamento da ferrovia Norte-Sul, de onde segue para Açailândia, onde se conecta com a Estrada de Ferro Carajás – principal eixo de transporte do Corredor, que leva ao porto exportador de Itaqui (MA) (ALVES, 2006), cujo terminal de grãos foi inaugurado em 2015, transformando-o no principal porto exportador de grãos das regiões Norte e Nordeste (SECEX-MDIC).
22 A implantação de nós logísticos (BRAGA; CASTILLO, 2013), os serviços de manutenção de rodovias estratégicas, os investimentos em pesquisa agronômica, o oferecimento de crédito agrícola, os benefícios fiscais para a implantação de agroindústrias são indicadores de que não se pode falar do processo de modernização da soja ou implantação e expansão do agronegócio sojícola globalizado no território maranhense sem a participação direta do Estado, em suas diversas escalas.
- 12 A partir da proposição de Elias (2011; 2013; 2015) para identificar as regiões produtivas do agrone (...)
23No estado, a Mesorregião Sul Maranhense se consolidou como a mais importante produtora de soja a partir da década de 1990, com destaque para o município de Balsas. As políticas públicas em parceria com a iniciativa privada foram responsáveis pelo crescimento acelerado da produção de soja no município de Balsas e, posteriormente, sua expansão para outras regiões do estado, a exemplo do Leste Maranhense, onde o município de Brejo se apresenta como principal produtor, tanto em área plantada, quanto em quantidade produzida (PAM-IBGE) (mapa 5)12.
Mapa 5. Porção Maranhense do MATOPIBA. Área plantada de soja, 1990, 2000, 2010, 2018
24Fonte: Produção Agrícola Municipal do IBGE. Organização e cartografia: BUSCA, Matheus D., 2020
25O mapa 6, por seu turno, objetiva demonstrar o grau de concentração da produção de soja, como indicador do aprofundamento da divisão territorial do trabalho e da especialização regional produtiva da soja no Maranhão.
Mapa 6. Porção Maranhense do MATOPIBA. Participação da soja no total das culturas temporárias e permanentes, 1990, 2000, 2010, 2018
26Fonte: Produção Agrícola Municipal do IBGE. Organização e cartografia: BUSCA, Matheus D., 2020
27Pode-se observar no mapa 6 que, ao longo do período retratado, houve uma nítida concentração da produção de soja no sul do Estado nas décadas de 1990 e 2000, seguida por uma configuração em quatro áreas de especialização produtiva principais nas microrregiões de Gerais de Balsas (destacada no mapa), Chapada das Mangabeiras, Chapadinha e Imperatriz.
28A microrregião Gerais de Balsas foi o primeiro subespaço do Maranhão a cultivar a soja nos moldes da agricultura científica globalizada e assumiu o protagonismo no processo de regionalização produtiva. O Município de Balsas chegou a ser o terceiro maior produtor de soja de toda a Região Nordeste em 2013 e 2014, tendo caído para a sétima posição entre 2016 e 2018 (PAM-IBGE), sem nunca ter deixado de crescer em termos absolutos.
29A distribuição da sojicultura na porção maranhense do MATOPIBA é fortemente concentrada na microrregião Gerais de Balsas, que respondeu por 53,2% da área plantada de soja (492.716 ha) em 2018, seguida de longe pelas microrregiões Chapada das Mangabeiras (18,6%), Chapadinha (7%) e Imperatriz (6%) (PAM-IBGE).
30Trata-se aqui do fenômeno da especialização regional produtiva, decorrente do aprofundamento da divisão territorial do trabalho, que expressa uma sofisticada geografia praticada pelas grandes empresas, na busca pelas melhores condições, materiais e imateriais, para a localização de seus investimentos, guiadas pelo imperativo da competitividade (SANTOS, 1996; CASTILLO et. al. 2016).
- 13 O ano de 2016 foi retirado do cálculo do rendimento médio da produção de soja na microrregião Gerai (...)
- 14 O termo “crescimento vertical” significa um aumento da quantidade produzida pela elevação do rendim (...)
31Além do aumento exponencial da área plantada de soja na microrregião Gerais de Balsas que, segundo dados da Produção Agrícola Municipal do IBGE, passou de 10.900 ha em 1990 para 492.716 ha em 2018, merece destaque a dinâmica do rendimento médio da produção que, segundo a mesma fonte, na década de 1990 foi de 1.778 Kg/ha, passando para 2.638 Kg/ha na década seguinte, e para 2.850 Kg/ha entre 2010 e 2018 (com exceção do ano de 201613). Isso demonstra um crescimento vertical da produção14, fruto da adoção de um modelo de agricultura intensiva, dependente de uso massivo de insumos químicos (corretivos, fertilizantes, agrotóxicos) e biotecnológicos (cultivares mais produtivas e adaptadas a condições edafoclimáticas específicas), maquinário (inclusive com tecnologia digital embarcada), assistência técnica agronômica, mecânica e outros serviços sofisticados, para manter um patamar de competitividade estabelecido pelos mercados globalizados (gráfico 1).
Gráfico 1. Microrregião Geográfica Gerais de Balsas (MA). Evolução da área plantada, quantidade produzida e rendimento médio da produção de soja (em grão) 1995 – 2018
Fonte: IBGE - Produção Agrícola Municipal. Organização: BOTELHO, A. C., 2020
32O avanço do crescimento vertical da produção está associado, além dos fatores já mencionados, ao adensamento de uma rede urbana funcional ao agronegócio, bem como à conversão ou adaptação de algumas cidades ao atendimento das demandas produtivas agrícolas especializadas (ELIAS, 2011), tais como comercialização de insumos químicos e maquinários, crédito agrícola, assistência técnica especializada, armazenamento, escritórios de representação de empresas do agronegócio, agroindústrias, serviços de transporte (agentes dos circuitos superior e inferior da economia urbana) e logística, associações setoriais, feiras agropecuárias, dentre outros, além dos serviços de consumo pessoal voltados a uma classe média gerencial, vinculada ao agronegócio globalizado. Como afirma Elias (2007, p. 118), “quanto mais modernas se tornam essas atividades [do agronegócio globalizado], mais urbana se torna a sua regulação”.
33Aliado às grandes empresas, o Estado é imprescindível no processo de especialização regional produtiva, oferecendo benefícios fiscais e materiais, criando cursos funcionais ao agronegócio em Universidades federais e estaduais, apoiando Institutos de pesquisa agropecuária, investindo em infraestruturas logísticas.
34As mudanças do uso do território em favor do agronegócio globalizado têm, como consequências, a valorização e a especulação fundiária regional, o deslocamento ou expulsão de populações tradicionais e da agricultura familiar, o aumento da urbanização da população e do êxodo rural na Microrregião Gerais de Balsas (Gráfico 2), ainda que o Maranhão, segundo dados do IBGE, continue sendo o estado com a maior proporção de população rural do país. Outra situação característica da Região Produtiva de Balsas diz respeito ao desemprego estrutural no campo provocado pela expansão do cultivo de soja, uma vez que tal atividade é altamente mecanizada/informatizada, desde o plantio até a colheita. Inferimos, também, que a população da região se urbanizou devido à chegada de novos agentes econômicos relacionados às atividades do agronegócio globalizado, fato este que atraiu grande número de pessoas em busca de oportunidades de trabalho na cidade.
Gráfico 2. Microrregião Gerais de Balsas/MA. Situação domiciliar da população (1991 - 2010)
Fonte: IBGE - Censo Demográfico. Organização: BOTELHO, A. C., 2020
35O município de Balsas, o mais importante da microrregião, acentua ainda mais a concentração de pessoas em atividades urbanas, inclusive aquelas que atuam em empresas agrícolas. Nele, o crescimento da população total, em duas décadas, segundo os Censos Demográficos de 1991 e 2010, mais que dobrou, e a população urbana passou de 73,5% para 87% no período, acima da taxa de urbanização brasileira que foi de 84,4% em 2010 (IBGE). Balsas ocupa o terceiro lugar no ranking do PIB estadual, atrás apenas de São Luís e Imperatriz, e é o mais importante município maranhense em valor adicionado da agropecuária (IMESC-SEPE-MA). Vale ainda ressaltar que Balsas detém a quinta maior renda per capita do estado, calculado em R$ 32.142,30 em 2017, atrás de Tasso Fragoso e Santo Antonio dos Lopes (ambos com PIB per capita acima de R$ 100 mil), Davinópolis e Sambaíba (IMESC-SEPE-MA), e pouco à frente do Brasil, que fechou 2017 com R$ 31.833,50 (IBGE).
36Balsas aglomera as grandes empresas e serviços do agronegócio que atuam na região, assim como concentra bancos, empresas de construção civil, imobiliárias, sistemas de armazenamento de insumos e grãos, oficinas de maquinário agrícola, entre outros. Os campi da Universidade Federal do Maranhão e da Universidade Estadual do Maranhão, do Instituto Federal do Maranhão e do Instituto de Educação do Maranhão, com cursos voltados à agropecuária, bem como instituições privadas de ensino e pesquisa, também marcam forte presença em Balsas e em municípios próximos.
37Ademais, a dinâmica produtiva da agropecuária necessita de estruturas que vão, gradativamente, se instalando nesses centros urbanos. Tal processo impulsiona o surgimento de uma série de atividades econômicas e de serviços especializados ao setor agrícola. De acordo com Elias (2011), a difusão do agronegócio não apenas amplia e reorganiza a produção material, como é determinante para a expansão quantitativa e qualitativa do comércio e dos serviços, especialmente dos ramos associados ao circuito superior da economia agrária.
38A instalação de novos agentes econômicos, nacionais ou transnacionais, nos núcleos urbanos da Região Produtiva Sojícola de Balsas, induz o Estado, em suas diversas escalas de atuação, a investir na ampliação e modernização das infraestruturas e equipamentos, aumentando a fluidez potencial (SANTOS; SILVEIRA, 2001) que dá suporte às novas relações campo-cidade (CASTILLO et al., 2016) e ao escoamento da produção, garantindo maior competitividade nas etapas de distribuição e comercialização da produção.
39Segundo o Cadastro Central de Empresas do IBGE, no período de 2007 a 2017, a quantidade de empresas atuantes na Microrregião Geográfica Gerais de Balsas aumentou significativamente. No gráfico 3, observa-se um crescimento exponencial das empresas classificadas como “Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura”, a exemplo da Cargill, Bunge, Risa e Agroserra. Também merece destaque o setor de “Transporte, armazenagem e correio”, envolvendo silos especializados no armazenamento e conservação de grãos, notadamente soja e milho, e transporte rodoviário de carga. Pode-se observar também o crescimento e estabilização das empresas e instituições prestadoras de serviços técnicos, científicos e de educação e outras imprescindíveis para a sustentação da agricultura científica globalizada.
Gráfico 3. Microrregião Gerais de Balsas. Empresas e outras organizações, por seção da classificação de atividades
Fonte: IBGE – Cadastro Central de Empresas. Organização: BOTELHO, A. C., 2020
40A dinâmica produtiva da soja trouxe profundas transformações nos usos do território da Microrregião Geográfica Gerais de Balsas, tanto no campo, quanto nas cidades. Devido à adoção de um modelo de produção altamente intensiva em capital, com elevada composição técnica e informacional em diversas etapas produtivas (preparo do solo, plantio, manejo, colheita, armazenagem), houve uma diminuição da força de trabalho diretamente empregada no campo, tanto pelo desemprego estrutural quanto pela expropriação de terras de diversas categorias de pequenos produtores, muitos dos quais migraram para os centros urbanos da região (BOTELHO, 2010), enfrentando condições precárias e degradantes de moradia e trabalho.
41Há pelo menos quatro décadas, o grande agronegócio vem se expandindo pelo bioma Cerrado, provocando fortes alterações na organização, no uso e na regulação do território brasileiro (CASTILLO, 2015). Dentre elas, podemos citar: 1) o crescimento exponencial de monoculturas, das quais decorre o emprego intensivo de fertilizantes químicos, corretivos da acidez do solo e, sobretudo, agrotóxicos; 2) supressão indiscriminada da cobertura vegetal original, comprometimento de mananciais e contaminação e erosão de solos; 3) acirramento dos conflitos no campo e expropriação de uma grande variedade de agentes: agricultores familiares, pequenos posseiros, assentados de reforma agrária, populações tradicionais e povos ancestrais; 4) aumento da chamada circulação desnecessária (SANTOS; SILVEIRA, 2001) e alongamento dos circuitos de comercialização, dentre muitas outras.
42Esse paradigma produtivo do agronegócio globalizado se consolida na região geoeconômica do, então denominado, BAMAPITO (ALVES, 2009) na década de 1990. A combinação entre diversas formas regionais, nomeadamente, a região natural dos Cerrados, sem desconsiderar sua diversidade fitofisionômica e social (RIGONATO; ALMEIDA, 2003), a institucionalização do MATOPIBA em região de planejamento e as regiões produtivas altamente especializadas, sobretudo da soja, resultou num modelo hegemônico de uso do território em favor das grandes empresas e de diversas frações do capital financeiro, com fácil acesso à terra e à água e apoio incondicional do Estado na apropriação de recursos públicos.
43Na porção maranhense do MATOPIBA, o que se observa é uma nítida concentração da produção moderna de soja na microrregião Gerais de Balsas, onde podemos encontrar evidências que apontam para a constituição de uma Região Produtiva (SANTOS, 1985) altamente especializada, indícios de uma cidade do agronegócio (ELIAS, 2011) em formação e um gradativo processo de aumento da competitividade regional (CASTILLO; BERNARDES, 2019). Não restam dúvidas de que esta foi a porção do território maranhense mais pródiga no desenvolvimento da sojicultura intensiva. Podemos observar ainda a formação de três outras regiões produtivas secundárias ou em formação no MATOPIBA maranhense: Chapada das Mangabeiras, Chapadinha (ALMEIDA; SODRÉ; MATTOS JR, 2019) e Imperatriz, todas no bioma Cerrado.
- 15 Portaria 84/2018, publicada no Diário Oficial do Estado do Maranhão em 08 de março de 2018.
44Nada disso seria possível sem a cumplicidade e a participação direta do Estado, em suas diversas escalas territoriais. Investimentos públicos na melhoria do sistema de escoamento de grãos, sobretudo para exportação (rodovias, ferrovias, portos), benefícios fiscais para a instalação de agroindústrias15, pesquisas biotecnológicas, crédito rural oficial para os grandes empreendimentos agropecuários, investimentos em cursos técnicos e superiores voltados para o agronegócio, dentre outros.
45O uso seletivo e corporativo do território que assim se estabelece cria um jogo de valorização e desvalorização dos lugares (SILVEIRA, 2002) que acaba por confirmar aquilo que Bacelar (2000) chamou de desintegração competitiva, ao se referir às ilhas de modernização tecnológica, privilegiadas pelos investimentos públicos e privados, coexistindo, dialeticamente, com uma vasta extensão do território e uma grande parcela da população negligenciadas pelo Estado.